quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Egito e o constrangimento dos EUA

O Egito é um dos países mais importantes do Oriente Médio. Num contexto geopolítico mais amplo, dá sustentação a Israel simplesmente pelo fato de não atacar formalmente o Estado judeu ou apoiar abertamente seus inimigos. O esforço das administrações americanas anteriores foi de manter este status-quo, fazendo vigilância permanente e, claro, recompensando financeiramente o discreto apoio egípcio. O valor nada simbólico de ajuda americana – 1,3 bilhão de dólares – é uma variável que não pode ser desconsiderada por qualquer grupo político que venha a assumir o comando no Cairo.

As grandes decisões no Egito estão prestes a ser tomadas. Se as mudanças vierem – e elas devem vir –, os meses de maio e junho são fundamentais. Neste período de eleições presidenciais, novos capítulos serão redigidos no futuro do país e da região. Um dos primeiros Estados a se desestabilizar politicamente pelas manifestações populares no fenômeno que ficou conhecido como Primavera Árabe, o Egito ainda não escolheu que rumo irá seguir. Mas está muito perto disso. E, ao contrário do que o mundo inteiro esperava – ou ao menos as potências ocidentais –, o plano de democracia plena num modelo similar ao dos países democráticos do Ocidente não deve se concretizar.

Já escrevi sobre isso algumas vezes, mas não custa repetir. O Ocidente não encara democracia como mero instrumento de eleições, mas também como forma permanente de governo que inclui também respeito aos direitos individuais, direitos humanos, liberdade de culto e imprensa. Não necessariamente o Egito irá seguir por este caminho. Aliás, é muito provável que isso não aconteça, diga-se de passagem. Com mais de 47% dos assentos do parlamento egípcio, o Partido Liberdade e Justiça é a força principal da vida política do Egito. Para quem não está familiarizado, é importante dizer que a legenda nada mais é do que a expressão partidária da Irmandade Muçulmana, grupo que causa arrepios ao Ocidente e, durante todos os muitos anos de governo Hosni Mubarak, estava na ilegalidade.

O problema é que a Primavera Árabe deixou um vácuo de poder. As manifestações foram conduzidas e organizadas por uma massa não-filiada cuja bandeira nacionalista exigia o fim da administração Mubarak. Este objetivo foi alcançado, mas o grupo não se organizou a ponto de traduzir o amplo apoio público em poder político. Na verdade, a conclusão a que se pode chegar por ora é que as manifestações serviram plenamente aos propósitos da Irmandade Muçulmana. Legitimada politicamente, principal força no parlamento e que lançou candidatura própria à presidência, a Irmandade conseguiu facilmente ocupar o vazio deixado por Mubarak. As eleições serão um momento decisivo para entender que caminho o país vai seguir e quanto de poder o grupo terá à disposição.

A dúvida também fica por conta de que rumos a própria organização irá seguir. As dúvidas sobre suas intenções permanecem porque a Irmandade Muçulmana envia sinais ambíguos: seu candidato à presidência, Khairat al-Shater (foto), declarou nesta quinta-feira que introduzir a sharia (a lei islâmica) será o principal objetivo de seu mandato. Ao mesmo tempo, envia uma delegação aos EUA para encontros com oficiais do governo. Da minha parte, aposto em algum tipo de acomodação entre esta força política egípicia e os americanos. Primeiro porque os mais pragmáticos do grupo não devem abrir mão da valiosa ajuda financeira de Washington. Segundo porque o pragmatismo da Casa Branca está pronto a dialogar e a manter por perto os novos comandantes do país. E, em última análise, não se pode esquecer da batalha regional entre sunitas e xiitas no Oriente Médio. É importante para os EUA que ao menos uma força sunita receba apoio para conter a influência do eixo xiita comandado pelo Irã.

Fica a dúvida: como será a relação formal e pública entre os EUA e a Irmandade Muçulmana, grupo historicamente condenado pelas sucessivas administrações americanas e movimento inspirador do Hamas?

Aviso aos amigos leitores: saio de férias hoje e retorno no dia 3 de maio.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Obama faz o que pode para evitar ataque de Israel ao Irã

Que os EUA não querem que Israel conduza, neste momento, um ataque ao Irã todo mundo sabe. O presidente Obama se opõe à operação por algumas razões. E não somente por suas preferências pacifistas, mas, principalmente, pela estratégia que pretende adotar para conseguir se reeleger. Uma nova guerra no Oriente Médio, possivelmente capaz de provocar a morte de centenas ou milhares de soldados americanos, não ajuda em nada seus propósitos políticos. A diferença, agora, é que Washington parece ter desistido de tentar convencer os israelenses de adiar os planos de destruição da infraestrutura nuclear iraniana.

De um lado, as autoridades americanas tem tentado supervalorizar o sistema conhecido como “Iron Dome”(domo de ferro), o escudo antimísseis que conseguiu alto índice de sucesso durante os últimos confrontos entre Israel e grupos radicais palestinos de Gaza (principalmente a Jihad Islâmica). De fato, o mecanismo interceptou boa parte dos mísseis a caminho de atingir áreas importantes do sul do território israelense. Para desmobilizar as intenções de Benjamin Netanyhau e Ehud Barak de levar os planos militares adiante, o Pentágono já se comprometeu a repassar mais verba para aperfeiçoar o sistema. Até aí, nada de incomum na relação entre dois aliados.

No entanto, muita gente tem considerado estranho o outro rumo da estratégia dos EUA. A sucessão de vazamentos de informações importantes reforçam as suspeitas sobre um eventual movimento orquestrado de enfraquecimento do discurso das autoridades de Israel. O primeiro deles aconteceu quando oficiais teriam confirmado à revista de política internacional Foreign Policy a aliança entre israelenses e o governo do Azerbaijão. Não é segredo que Jerusalém fechou, em fevereiro passado, um acordo militar no valor de 1,6 bilhão de dólares com os azeris. A diferença, agora, é que, segundo a FP, Israel teria comprado uma base aérea no país. Localizado na fronteira norte do Irã, a aquisição de bases poderia servir aos propósitos israelenses numa eventual ofensiva ao território iraniano.

A informação, claro, não foi confirmada nem por Israel, nem pelo Azerbaijão. No entanto, é estranho que o vazamento tenha partido justamente de oficiais americanos. O ocorrido deixou irado o comentarista político israelense Ron Ben-Yishai:

“Durante sete anos, trabalhei como repórter do Yedioth Ahronoth (o principal jornal israelense) em Washington, por isso sei muito bem que – com raras exceções – a administração dos EUA sabe como evitar vazamentos à imprensa, se quiser. Assim também ocorre quando lidamos com ex-oficiais e, ainda mais, com funcionários do governo em serviço”, escreve. Para Yishai, um dos mais respeitados analistas políticos do país, o vazamento foi orquestrado.

E é fácil entender por que isso teria acontecido. Não é segredo para ninguém como a relação entre Obama e Netanyahu é péssima. E se o trato pessoal é ruim, a situação se torna ainda mais complicada quando os interesses entre os dois líderes são completamente opostos. Netanyahu considera o programa nuclear iraniano uma ameaça à própria existência de Israel. Obama reafirma que entende tais argumentos, mas discorda porque, segundo ele, ainda é possível interromper os avanços nucleares através de sanções – e, mais importante, a aquisição de capacidade atômica pelos iranianos não é, em última análise, uma ameaça direta aos EUA. Este cenário colocou os dois líderes em rota de colisão. Principalmente porque Obama não conseguiu dobrar seu colega israelense a ponto de Jerusalém assumir algum tipo de compromisso de que poderia aguardar a reeleição de Obama.

Muito pelo contrário. Com a vitória eleitoral do presidente americano encaminhada, Bibi e Barak consideram que terão mais quatro anos difíceis pela frente, com a administração em Washington ainda mais empenhada em frustrar os planos israelenses. Este nó não foi desatado. E, por isso, considero que Obama optou mesmo pela estratégia de melar o projeto de Israel de forma pouco tradicional. Daí os sucessivos vazamentos de informações confidenciais.