quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

É cedo para apostar em resultados definitivos na Ucrânia

Li uma frase de George Friedman que considero resumir bem a situação na Ucrânia: “o simbolismo mais profundo da revolução, e o mais problemático, é que o povo na praça fala pelo povo como um todo”. É esta a dimensão do país neste momento. É este também o dilema. Que futuro os espera? A região da Crimeia, dada de presente pelos russos à Ucrânia em 1954, vai tentar a independência, vai aceitar o novo governo ucraniano ou, ainda, decidirá se aliar à Rússia não apenas de maneira simbólica, mas também politicamente?

Sobram mais perguntas que respostas. Esta frase de George Friedman também ajuda a relativizar a presença de grupos nazistas e de extrema-direita nos protestos. Não necessariamente a Ucrânia vai se tornar um Estado nazista. Até porque se a ideia for mesmo abraçar de vez a União Europeia, a essência nazista de parte do movimento precisará ser reprimida ou até mesmo – o que seria ideal – descartada. Em meio à crise econômica e de existência, a UE definitivamente não precisa do recrudescimento do nazismo. Menos ainda de um membro cuja cúpula de governo é oficialmente vinculada ao nazismo. 

Tampouco ninguém pode afirmar se a disputa entre russos e europeus vai desencadear um episódio dramático da Guerra Fria já quase na metade da segunda década do século 21. Mas antes de cravar resultados e apostar num conflito armado, é sempre bom lembrar da política de bastidores – esta sim a que de fato importa – e levar em consideração o cenário internacional mais amplo. Ian Brenner, presidente do Eurasia Group e professor da Universidade de Nova Iorque, lembra que a Rússia provê 28% do gás natural europeu. Com grandes demandas energéticas, abrir mão de um fornecedor tão significativo seria loucura. Ainda mais num momento de crise profunda, onde não contar com qualquer forma de agente impulsionador econômico não é uma possibilidade real. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A ameaça da extrema-direita na Ucrânia

Depois da excitação de derrubar um governo que era pretendido pela Rússia para fazer parte de sua aliança, chegou a hora de acalmar os ânimos e entender quem são os novos líderes da Ucrânia. Depois do senador John McCain discursar aos manifestantes da praça Maidan, após intervenções das principais autoridades europeias e a fuga do presidente Viktor Yanukovych, há a promessa de um novo país. Mas existe um problema nisso tudo. O governo está quebrado e a mesma fúria popular que tomou as ruas de Kiev está pronta para agir e há um enorme potencial de novas convulsões sociais. 

De acordo com membros da União Anti-fascista do país, cerca de 30% dos manifestantes acampados em Maidan são nacionalistas. Muitos deles, nazistas. Pois é. E agora, como justificar o apoio ocidental a um futuro governo que pode ter representantes nazistas? Tarde demais. É claro que o foco europeu durante a crise ucraniana ficou restrito a ganhar a Ucrânia. De fato, isso aconteceu. Mas qual será o preço que a União Europeia irá pagar se quiser levar adiante o processo de adesão formal ucraniana à UE? Os ânimos dos manifestantes em Maidan só foram acalmados pela queda do presidente Yanukovych e pela promessa de um novo governo mais próximo à Europa e distante de Moscou. Mas a situação é crítica.

A Ucrânia tem somente 16 bilhões de dólares em reservas. Para se ter ideia, o Brasil tem, atualmente, 375,79 bilhões de dólares. A adesão ucraniana ao bloco europeu vai custar muitos empregos e ainda mais cortes de orçamento. Como os nazistas ucranianos irão reagir? O país já se encontra no limite de seus gastos. O ministro das Finanças, Yuri Kobolov, diz que precisa de 35 bilhões de dólares para pagar despesas deste ano e do próximo e diz contar com a benevolência de europeus e americanos. 

O partido ultranacionalista Svoboda já tem 37 dos 450 assentos do parlamento. Os grupos de extrema-direita estão em ascensão na Europa. Acredito que num novo cenário onde a UE esteja mais presente haverá restrições à atuação desses movimentos. Não me parece que a UE aceitaria dialogar com um governo essencialmente nazista, para ser mais claro. Como a Ucrânia ainda não faz parte do bloco, a eventual retomada de negociações deve acabar por impedir que, num primeiro momento, a extrema-direita tome o controle do país. 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Derrota de Putin na Ucrânia. Europeus e FMI aguardam o novo governo de braços abertos

Se há algo muito claro nesta reviravolta de acontecimentos na Ucrânia é que a Rússia perdeu. Seja lá qual for a análise, fica muito evidente que Putin sai enfraquecido da batalha ideológica pelo direito de contar com o apoio logístico-energético-econômico-ideológico ucraniano. 

A retirada formal e a subsequente debandada do agora ex-presidente Viktor Yanukovych acabaram por se tornar o contragolpe mais forte sofrido por Vladimir Putin em suas empreitadas internacionais até então vitoriosas. Curioso notar como o presidente russo foi capaz de sustentar no cargo o colega sírio, Bashar al-Assad, que carrega nas costas estatísticas criminosas muito maiores do que o protegido do Kremlin em Kiev. 

Muito provavelmente caberá agora à ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko (foto) costurar um acordo para recolocar a Ucrânia nos trilhos. Mantida em prisão hospitalar desde 2011, Tymoshenko é um dos principais símbolos do movimento que ficou conhecido como Revolução Laranja, em 2004. O desafio da nova liderança ucraniana é gigantesco. Em primeiro lugar, será preciso resolver a crise de identidade nacional, uma vez que o país está dividido entre duas fidelidades: europeia, do lado ocidental, e russa, do oriental. Nenhuma entidade internacional poderá solucionar este equação. 

O outro grande problema será indicar os caminhos possíveis para concluir a aproximação com a União Europeia. Autoridades da UE já disseram estar disponíveis para terminar as negociações – que foram interrompidas e desencadearam a onda de protestos. Há inclusive a possibilidade de liberação de um pacote de ajuda econômica no valor de 27,5 bilhões de dólares ao longo de sete anos. A contrapartida – expressa pela diretora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde – é o aumento do preço do gás natural ucraniano, depreciação da hryvnia, a moeda nacional, e cortes significativos no orçamento do governo. 

Caso a Ucrânia tenha alguma dúvida sobre as boas medidas que a esperam, basta consultar os governos da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Ucranianos entre União Europeia e Rússia

Os ucranianos estão envolvidos numa luta muito maior do que as batalhas violentas que têm tomado Kiev. Como de costume, gente comum é massa de manobra de interesses geopolíticos muito mais profundos e que, de maneira um tanto hipócrita, deixam os grandes jogadores de mãos limpas. No alto da guerra civil, União Europeia e Rússia duelam, por meio da vida de cidadão comuns, pelo controle da Ucrânia. 

O focos da disputa são o modelo político e a ambição russa de fazer a sua própria aliança econômica (que Putin, provavelmente, ficaria muito feliz de chamar de, quem sabe, União Soviética). Os ucranianos sabem disso e estão se matando para defender o país que querem construir. O problema é que a situação é complicada demais. As demandas dos manifestantes estão listadas em cinco pontos, de acordo com entrevista de Stepan Kubiv, um dos comandantes dos revolucionários, à revista Time:

Demissão do primeiro-ministro, revogação das leis contra os protestos aprovadas em janeiro, anistia a todos os participantes do movimento, aprovação de reformas constitucionais limitando os poderes presidenciais e, finalmente, mudança da sociedade e transformação da Ucrânia num país europeu. 

Essas são as condições para encerrar os protestos. Acho que está claro o tamanho do problema, certo? 

Tornar a Ucrânia um país europeu não se resume a somente ingressar na União Europeia. Para os manifestantes, vai além; é mudar a natureza do Estado ucraniano, liberando-o do modelo russo – que encontra em Putin seu principal representante na Era pós-soviética. Para os manifestantes de Kiev, a Rússia é o exemplo de tudo o que está errado na Ucrânia de hoje: autoritarismo, cerceamento da imprensa, corrupção e ausência de oportunidades e meritocracia. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Pragmatismo é artigo raro na Venezuela

É sempre complicado escrever sobre a Venezuela. Há um profundo embate ideológico pelo continente afora para defender este ou aquele lado. As análises invariavelmente acabam por esbarrar na disputa entre esquerda e direita, o que torna difícil o diálogo entre os envolvidos. 

Este tipo de dialética não ocorre somente de fora para dentro, pelo contrário. É, na realidade, a exportação nacional venezuelana desde o primeiro mandato de Hugo Chávez, em 1999. Os confrontos entre partidários do chavismo e opositores nesta última semana mostram apenas o que todo mundo já sabia: a divisão interna já ultrapassou os limites. A violência é cada vez maior porque todos estão exacerbados em suas posições. 

O presidente Nicolás Maduro, por seu lado, não consegue acalmar ânimos. Por mais que condene os exageros do poder coercitivo e de manifestantes, reafirma teorias conspiratórias e retroalimenta a oposição no que ela tem de pior. 

As manifestações na Venezuela têm objetivos diferentes das do Brasil. Como escrevi durante os protestos de junho, por aqui existe um descontentamento com o modelo político, mas não necessariamente ideológico. O modelo político brasileiro vai além das questões partidárias; é um traço nacional do Estado brasileiro. Na Venezuela, o país está polarizado entre militantes do chavismo e seus opositores. 

Falta à Venezuela pragmatismo. Isso porque é preciso transformar o potencial da segunda maior reserva de petróleo no mundo em bem-estar. Por mais que se tente argumentar, não se pode negar índices que vão além do debate vintage que acontece no país: um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza; a inflação de 56,2% é a maior do mundo. O governo venezuelano não tem dinheiro para pagar fornecedores de bens e serviços.  

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Em abril, união de talibãs deve causar problemas

O Paquistão é aquele tipo de aliado muito necessário, mas absolutamente inconfiável. É assim que se pode resumir a relação entre Washington e Islamabad. Ao longo deste ano, uma série de eventos deve reaproximar os dois países, principalmente devido aos acontecimentos no Afeganistão. 

O ano de 2014 marca a redução considerável das tropas americanas em território afegão. A principal preocupação de Washington é assegurar que seus soldados consigam deixar o país em segurança. Para isso, é muito importante restabelecer relação confiável com o Paquistão – que ainda se ressente pela ação que resultou na eliminação de Osama bin Laden, em 2011. 

No próximo mês de abril, estão marcadas eleições presidenciais no Afeganistão. Além do Talibã local, há muitos outros grupos terroristas na região que se opõem ao processo. O Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP) promete ser uma das principais forças de oposição, o que pode desestabilizar a região ainda mais. Conhecido simplesmente como Talibã Paquistanês, luta pela implementação da Sharia, a lei islâmica, em todo o Paquistão. Faz oposição a qualquer tipo de abertura ou tentativa de conciliação com o Ocidente e usa métodos terroristas para isso. Foi responsável pela tentativa de explosão de um carro na Times Square, em Nova Iorque, em maio de 2010. 

Nesta semana, realizou dois atentados que mataram 20 pessoas no Paquistão. É o mesmo grupo responsável por tentar assassinar a ativista Malala Yousufzai, adolescente mundialmente conhecida por lutar pelo simples direito de frequentar a escola. Mesmo com todo esse histórico de intransigência (o termo mais suave para definir o que o TTP defende), o primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif (foto), mantém conversações com o Talibã local. Não vai dar em nada, obviamente. 

Em abril, durante as eleições afegãs, o TTP deve se unir ao Talibã original para impedir a realização do pleito. O Talibã afegão já prometeu ter como alvo qualquer pessoa que ouse votar. 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Os refugiados no centro das tentativas de acordo entre israelenses e palestinos

O ponto nevrálgico para qualquer acordo de paz entre israelenses e palestinos é a questão dos refugiados. Refugiados palestinos, para que fique claro. É bom explicar porque houve cerca de 1 milhão de judeus que, após a independência de Israel, foram expulsos dos países árabes onde viviam. Israel absorveu-os como cidadãos e, do ponto de visto judaico, o problema ficou resolvido. No caso palestino, não. De acordo com a United Nations Relief And Works Agency For Palestine Refugees In The Near East (UNRWA), há hoje cinco milhões de refugiados palestinos e seus descentes. O número original era de 750 mil pessoas. 

Este assunto é tabu a qualquer liderança palestina. Mesmo sabendo que, na prática, Israel nunca irá aceitar absorver 5 milhões de pessoas em seu território, é pouco provável que algum político palestino admita que irá abrir mão disso num acordo definitivo. Este é o principal entrave às negociações. E serve de maneira muito útil ao Hamas, grupo que se opõe às negociações e à própria Autoridade Palestina. Se a AP fechar com Israel aceitando a única solução real possível de que os refugiados palestinos deverão ser absorvidos neste futuro Estado palestino, o Hamas irá fazer tudo o que puder para deslegitimar este eventual acordo de paz. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Kerry tenta levar israelenses e palestinos de volta à mesa de negociações

O prazo estipulado pelos EUA para que Israel e a Autoridade Palestina comecem a estruturar as bases para a retomada de conversações de paz é abril. Estamos em fevereiro e, como de costume, há poucos avanços. A notícia da expansão de assentamentos judaicos em Jerusalém Oriental não pode ser considerada exatamente um incentivo ao diálogo. Mas há uma questão relevante neste ponto: para Israel, Jerusalém reunificada desde 1967 é a capital do país, não um assentamento. De qualquer maneira, aprovar construções na parte da cidade que os palestinos pretendem estabelecer sua capital não ajuda muito. Ainda mais neste momento. No entanto, creio que as duas partes vão correr do acordo.

Foi só o secretário de Estado John Kerry anunciar que os lados precisavam estabelecer linhas gerais para retomar conversas mais sérias que os problemas começaram a surgir. A liderança palestina tampouco está disposta a declarar amplo apoio ao que Washington imagina viável para solucionar o conflito, mesmo levando em consideração que a ideia americana é a mais razoável possível. De fato, é a única alternativa para um acordo de paz sério. E isso demanda coragem para negociar. E negociar é, em boa parte, enfrentar derrotas – muitas delas dolorosas. Os pontos principais são os seguintes:

Divisão de Jerusalém (sem entrar em especificações técnicas por ora); retirada gradual dos assentamentos judaicos da Cisjordânia – Israel manteria controle sobre os maiores blocos; Israel cederia parte de território aos palestinos como compensação à manutenção de parte dos assentamentos; palestinos reconheceriam Israel como Estado judeu; compensação financeira aos refugiados palestinos, mas estes não teriam qualquer direito a retornar a Israel, somente ao Estado palestino.

Não imagino qualquer solução que possa fugir das alternativas listadas acima. Talvez alguém muito criativo imagine algo, mas ninguém com real interesse no estabelecimento da paz entre israelenses e palestinos conseguiu, até hoje, pensar em soluções diferentes. Até porque encontrar um meio-termo é, como escrevi, aceitar derrotas. Nos bastidores, há informações de que a cúpula do governo de Israel aceita assinar a intenção de conversar a partir dessas bases. Acho que fica mais complicado aos palestinos, justamente porque a Autoridade Palestina deve enfrentar forte oposição interna do Hamas e, considerando seu enfraquecimento político interno, pode tentar encontrar uma maneira de abandonar o barco sem parecer ter cedido às pressões do grupo radical islâmico.  

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Pressão russa sobre a Ucrânia

Para complementar o caso ucraniano e sua relação com as perspectivas geopolíticas russas, acho relevante apresentar duas posições interessantes de George Friedman, fundador do Stratfor, a principal empresa privada de análise internacional dos EUA:

“Na Ucrânia ficam dois portos críticos, Odessa e Sevastopol, que são mais importantes para a Rússia do que o porto de Novorossiysk. Perder acesso comercial e militar a estes portos debilitaria completamente a influência russa no Mar Negro e cortaria seu acesso ao Mediterrâneo (...)”. 

“Do ponto de vista russo, a integração entre Ucrânia e União Europeia representaria ameaça mortal à sua segurança nacional. (..) Após a Revolução Laranja, em meados dos anos 2000, o presidente Vladimir Putin deixou claro que considerava a Ucrânia como essencial (...), alegando que organizações não-governamentais que estavam fomentando a instabilidade (no país) eram fachada para o Departamento de Estado dos EUA, a CIA e o MI6 (serviço de inteligência britânico)”. 

Considero a visão de Friedman interessante porque amplia a capacidade analítica além de questões óbvias. E mostra como Putin costuma polarizar os movimentos que lhe opõem. Para o presidente russo, a oposição necessariamente está dividida em dois campos bastante simplórios: de um lado, os inimigos ilegítimos dos interesses russos; do outro, os membros da conspiração internacional que impedem a retomada por Moscou do papel de destaque geopolítico que lhe cabe por natureza. 

Diante disso tudo, dá para compreender os grandes desafios que os cidadãos ucranianos têm pela frente. Como tomar o próprio destino pelas mãos se existem somente para servir à megalomania de Putin?