quinta-feira, 9 de maio de 2013

Síria pode ser palco de novo capítulo da velha Guerra Fria


Nesta semana, o secretário de Estado americano, John Kerry, esteve em Moscou e se encontrou pessoalmente com o presidente russo Vladimir Putin. O motivo da viagem era simples: a Casa Branca fazia um pedido encarecido para que a Rússia revisse sua posição na guerra civil síria. Ou seja, para ser mais claro, os EUA passaram a implorar aos russos que deixem de apoiar o presidente Bashar al-Assad, seja retoricamente, financeiramente e politicamente, uma vez que, ao lado da China, a Rússia tem dado amplo suporte a Assad no Conselho de Segurança da ONU.

Escrevi na semana passada sobre o silêncio internacional em relação aos conflitos na Síria cujo número de mortos já ultrapassa os 70 mil. A inércia foi quebrada no último final de semana, quando Israel bombardeou carregamentos de armas destinados à milícia xiita libanesa Hezbollah. Como já expliquei por aqui outras vezes, a fronteira entre Israel e Síria tem sido a mais tranquila sob o ponto de vista do Estado judeu desde a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Por mais que as relações entre os dois países sejam inexistentes, havia uma espécie de pacto informal de não-agressão (com exceção de episódios muito pontuais) em razão de um equilíbrio muito simples: os sírios compreendem a disparidade militar entre os dois países que lhes coloca em situação bastante desvantajosa; os israelenses não tinham e não têm qualquer interesse na Síria, exceto o da manutenção da soberania sobre as Colinas de Golan (disputa igualmente retórica que ainda deve se arrastar por muito tempo).

No entanto, serviços de informação de Israel, França e Grã-Bretanha confirmaram que Assad passou a usar internamente armas químicas (contra civis e forças de oposição). Mais tarde, os EUA acabaram levados a confirmar que também tinham conhecimento disso, o que tornou a posição do presidente Barack Obama menos confortável. Afinal, o que a maior potência militar do mundo irá fazer a partir de uma denúncia tão grave? E aí está o problema: nos últimos dois anos, Obama preferiu fingir que o conflito na Síria não existia, ou melhor, que Assad iria cair pela pressão interna e, quando isso acontecesse, os EUA patrocinariam uma conferência internacional com todos os interessados e, pronto, o país se acertaria aos poucos. Isso não aconteceu. Para piorar, a denúncia de que o presidente sírio tem usado armas químicas contra civis é uma lembrança muito clara de um dos maiores erros estratégicos americanos: a invasão ao Iraque, em 2003, levada adiante pela certeza do ex-presidente Bush de que Saddam Hussein mantinha um arsenal das chamadas “armas de destruição em massa” (que acabaram nunca sendo encontradas).

Obama obviamente não quer ser Bush, mas justamente seu contraponto. E por isso (e por outras razões também) hesita tanto em tomar passos mais concretos na Síria. O problema agora é que os elementos estão todos na mesa e, para piorar, os russos não colaboram. Notícia divulgada nesta quinta-feira pelo Wall Street Journal mostra que a Rússia pretende vender nos próximos dias baterias de mísseis a Assad. E isso na mesma semana que em John Kerry esteve em Moscou para pedir, por favor, que os russos parem de apoiar o regime de Damasco.

Nos próximos dias, poderemos viver novamente nos tempos de Guerra Fria. E com o drama das mortes de civis por armas químicas, o jogo internacional de bastidores deve ficar realmente intenso.