sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Um cenário alternativo para o Oriente Médio. E um feliz ano novo aos leitores


Ainda sobre as muitas perspectivas de mudança para 2013, vale dizer que dois dos protagonistas do Oriente Médio passarão, de fato, por novas disputas políticas. Israel e Irã têm eleições marcadas para janeiro e junho, respectivamente. No caso israelense, são grandes as chances de continuidade de um governo liderado pelo atual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Isso não significa que não haverá novidades, pelo contrário. Principalmente porque o sistema parlamentarista exige muitas articulações. Formar um governo que se sustente minimamente (ou seja, conte com a maioria simples dos 120 membros do parlamento) é para lá de complicado. Basta lembrar as últimas eleições, quando os dois candidatos em disputa, Bibi e Tzipi Livni, encontraram muitas dificuldades para formar alianças viáveis. 

No caso iraniano, as possibilidades de mudanças são ainda maiores. O presidente Mahmoud Ahmadinejad encerra seu último mandato em 2013 e não pode mais concorrer (este é seu segundo período na presidência). Haverá eleições em junho e a disputa interna é grande. Some-se a isso a realidade regional em que, mesmo ainda sem grandes alterações, países importantes conseguiram realizar rebeliões populares significativas, como Egito, Tunísia, Líbia e Iêmen. É claro que precisamos olhar para a Primavera Árabe sempre com muito cuidado, principalmente porque esses processos ainda não terminaram e todos os Estados citados permanecem distantes dos anseios populares de transformações concretas. 

Como escrevi anteriormente, os iranianos estão inseridos neste contexto regional. A repressão aos protestos de 2009, quando parte da população levantou suspeitas sobre a reeleição de Ahmadinejad, foi marcante, principalmente para a classe média urbana altamente politizada de Teerã. Curiosamente, o mês de junho passa a ser fundamental, uma vez que este também é o prazo em que, segundo estimativas do governo israelense, os iranianos terão alcançado quase plenamente a capacidade nuclear. Temos aí a interseção de dois eventos, ou melhor, possibilidades de eventos; a expectativa norte-americana quanto à sublevação popular no Irã, e a ansiedade em relação aos passos que Netanyahu irá tomar a partir da provável nova realidade regional onde os iranianos terão atingido seus objetivos nucleares. 

Este cenário apresenta duas situações; a primeira delas diz respeito às atitudes americanas. Sob pressão israelense, mas sem qualquer motivação política, militar e certamente financeira para autorizar o ataque, resta ao presidente Obama contar com a sorte. Mas estamos falando da maior potência do planeta – sorte não é uma variável real, ainda mais quando se trata de uma região estratégica aos EUA e cujo impasse pode ser previsto com tamanha antecedência. Sem a menor dúvida, os americanos aprenderam com os erros cometidos durante os primeiros momentos da Primavera Árabe. O apoio Ocidental – e, claro, americano – aos ditadores que se sentaram sobre o poder nos países árabes custou caro, ameaçando inclusive a afirmação do Oriente Médio num ambiente institucionalmente ainda mais hostil aos EUA. A confortável e duradoura aliança entre Washington e lideranças autoritárias regionais se mostrou um gol-contra em longo prazo. A Casa Branca esqueceu as oposições internas e jamais fez contato com elas. Tal equívoco ainda é o grande responsável pela situação de impasse em que os norte-americanos se encontram em países como Egito e Líbia, por exemplo – isso sem falar na Síria, país com o qual os EUA jamais usufruíram de boa relação. 

Disse isso tudo para mostrar a única solução que pode vir a resolver o problema que os americanos enfrentarão em junho; a sucessão de Ahmadinejad será a grande oportunidade para Washington acalmar a ansiedade israelense. E isso pode acontecer através da criação de contatos mais aprofundados com a oposição iraniana. Por meio do uso da vasta rede de inteligência que têm à disposição, os americanos poderão criar uma situação de caos político no Irã, tendo como pano de fundo a Primavera Árabe (por mais que o Irã não seja um país árabe, evidentemente). Inspirados pelos acontecimentos regionais, agentes americanos poderão armar grupos de oposição que contestem os resultados das urnas, desestabilizando o regime. Em troca, quando estivessem no poder, esses grupos assumiriam o compromisso de segurar o avanço nuclear do país, evitando assim um ataque israelense. 

Eu sei que este é um cenário que pode soar um tanto imaginativo, mas em médio prazo resolveria o problema americano. Já vimos situações muito menos razoáveis colocadas em práticas. Agradeço aos leitores pela companhia ao longo deste ano e desejo a todos um excelente 2013. Volto a publicar textos inéditos a partir da primeira semana de janeiro. 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Obama começa a mostrar suas intenções internacionais para os próximos quatro anos


Certamente, o ano de 2013 será de importantes mudanças internacionais. O terremoto político e social que tomou conta do Oriente Médio desde 2011 vai prosseguir e, por isso, os governos do mundo inteiro que pretendem não ficar alheios a tudo isso precisarão se posicionar. E, com quatro anos de governo pela frente, o presidente Obama está muito interessado em exercer sua vocação internacional. Este é o principal movimento a que devemos assistir no próximo ano; um novo posicionamento de Washington em coordenação com a nova realidade do Oriente Médio. 

Já há alguns sinais deste movimento. Eles são lentos porque devem começar a ser explicitados a partir da primeira semana do ano que vem. Sabe-se, no entanto, que nomes importantes deverão deixar suas funções no governo, como é o caso da Secretária de Estado Hillary Clinton. Hillary fez uma boa gestão à frente do cargo mais fundamental na área de política externa, mas deixará uma impressão ruim na saída, na medida em que relatório mostra falhas de segurança e análise diretamente responsáveis pelo sucesso do atentado ao consulado americano em Benghazi, na Líbia. 

E, claro, os nomes dos sucessores têm sido ventilados. O ex-candidato John Kerry – derrotado por George W. Bush nas eleições presidenciais de 2004 – é o nome mais cotado para assumir. Para outro cargo importante, o de secretário de Defesa, há indícios de que Obama pode vir a escolher o ex-senador republicando Chuck Hagel (foto). E aí começa a primeira grande polêmica do novo governo; enquanto senador, Hagel assumiu posições contrárias a Israel em diversas ocasiões: recusou-se a assinar cartas de apoio ao país, recusou-se a pressionar a União Europeia para incluir o Hezbollah na lista de organizações terroristas (lembrando que a milícia xiita do Líbano foi o grupo que mais matou americanos depois da al-Qaeda); posicionou-se favoravelmente a negociações diretas com o Hamas; e, mais importante de tudo, votou contra a aplicação de sanções ao Irã de forma a pressionar o país a abandonar sua busca por capacidade nuclear. Hagel também é abertamente contrário a um eventual ataque às instalações nucleares iranianas. 

Ou seja, se Hagel de fato for nomeado para o cargo de Defesa mais importante dos EUA, o presidente Obama terá sido explícito de algumas maneiras quanto a seus objetivos para o Oriente Médio; não é segredo para ninguém o quanto o atual governo americano teme se envolver numa nova guerra na região – seria a terceira contra um país muçulmano em dez anos. Obama estaria também se posicionado no lado oposto ao atual governo israelense cujo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi o protagonista na ONU de um recado claro às intenções nucleares de Teerã. Quando a “linha vermelha” estiver próxima de ser ultrapassada – e pelos cálculos de Jerusalém isso deve acontecer entre março e junho do ano que vem – , algo deverá ser feito. E é muito óbvio que israelenses e iranianos não se sentarão à mesa para resolver o assunto. 

A nomeação de Hagel para comandar o Pentágono já é, por si só, uma maneira bastante explícita de Obama demonstrar como sua administração deverá atuar no Oriente Médio. Se Benjamin Netanyhau tinha alguma esperança de contar com a ajuda militar americana para frear as intenções do Irã, a resposta está dada. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Apoio russo à Síria já custou caro demais a Moscou


A escalada de violência na Síria chegou a um ponto irreversível. Não apenas porque o número de mortos já está na casa dos 40 mil, mas principalmente porque do ponto de vista estratégico o principal agente de defesa do regime começa a demonstrar sinais de cansaço. Nesta quinta-feira, o vice ministro da Relações Exteriores da Rússia disse que a possibilidade de “uma vitória da oposição não pode ser excluída”. 

Lembrando sempre que a aliança entre Rússia e Síria é antiga e frutífera. Os dois países firmaram cooperação econômica, cultural e militar. Do ponto de vista sírio, o benefício de receber armamento russo – o mesmo que, inclusive, vem sendo usado contra os rebeldes. Do ponto de vista russo, o acesso fundamental ao Mediterrâneo através do Porto de Tartus. A base naval russa na Síria se transformou em saída prática durante o inverno, quando os portos russos ficam quase integralmente congelados. 

Moscou está desgastada pela fidelidade assumida com Bashar al-Assad porque tem muito a perder. Certamente, o país não quer abrir mão de sua única saída para o mar durante o inverno e por isso se expôs internacionalmente e fez o que pôde para segurar o presidente sírio até o último momento. Mas, 40 mil mortos e 20 meses depois, os russos se deram conta de que não há muito mais o que fazer. Com o apoio chinês, o Kremlin vetou três resoluções que condenavam o regime de Assad no Conselho de Segurança da ONU. Curiosamente, a declaração do ministro das Relações Exteriores sobre a queda do presidente acontece no dia seguinte ao reconhecimento oficial dos EUA de que a oposição síria representa a autoridade de fato no país. Outros cem chefes de Estado de todo o mundo fizeram o mesmo. 

Por mais que a aliança entre Assad e a Rússia tenha sido frutífera, os russos começaram a abandonar Damasco em nome da manutenção de seus ganhos estratégicos. Reconhecer a queda do presidente representa também o início do passo seguinte: o estabelecimento de contatos com a oposição de forma a garantir, ao menos, que Tartus não será perdido. Afinal de contas, Moscou tem muito claro que não pretende amargar importantes derrotas estratégicas em sequência; perder a base naval ao mesmo tempo em que teve de engolir a aprovação da Otan da instalação de plataformas de mísseis patriot na fronteira entre Turquia e Síria para proteger o território turco de uma eventual ofensiva desesperada de Assad. 

O pior cenário aos russos já se concretizou: os mísseis na Turquia estão posicionados mais próximos do que nunca de sua própria fronteira. Aceitar a Otan batendo à porta é o temor histórico do Kremlin. O apoio irrestrito de Moscou a Damasco já está custando caro demais.  

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Egito: protestos atuais interessam muito pouco às potências ocidentais


A eleição do presidente Mohamed Mursi, no Egito, preocupou boa parte dos atores internacionais. Havia dúvidas sobre como um representante da Irmandade Muçulmana encararia as principais questões geopolíticas do país, como o acordo de paz com Israel, assinado em 1979, e o compromisso financeiro com os EUA. Como escrevi muitas vezes, em meio a tantos temores, havia também a expectativa de que, alçada ao comando formal do maior Estado árabe do mundo, o grupo assumiria postura mais pragmática e, portanto, conciliatória. 

Foi exatamente isso o que aconteceu. De alguma maneira, os líderes políticos em Washington e Jerusalém respiraram aliviados. O gesto mais simbólico do novo governo egípcio surgiu há pouco, quando, graças ao posicionamento pragmático de Mursi, Hamas e Israel alcançaram um cessar-fogo, interrompendo os oito dias de violência em Gaza e no sul do território israelense. Fiz um texto específico sobre o assunto e também analisei os vencedores deste arranjo político. 

No entanto, o pragmatismo externo de Mohamed Mursi não é extensivo à população egípcia. E esta nova crise pela qual o país passa tem muito a ver com isso. A revolta que levou a população aos milhares à Praça Tahrir exigia liberdade, democracia, emprego e justiça social. Desde a derrubada de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011, nenhuma dessas demandas foi atendida. Até entendo a necessidade de a constituição egípcia ser reescrita, afinal ela é de 1923 e certamente as mudanças sociais, políticas e até tecnológicas são inúmeras. Mas ninguém tem dúvidas de que a ideia por trás da nova redação tenha pouco a ver com eventuais atualizações. O ato de Mursi que retoma o controle presidencial dos poderes mostra bem o que pretende. Não dá para dizer que é uma surpresa, afinal o povo egípcio elegeu um presidente da Irmandade Muçulmana, não do partido socialista. 

Se o voto egípcio era de protesto – o que me pareceu o caso na época –, havia um furo importante em tal gesto. Se dar poder ao único grupo organizado nacionalmente e que esteve clandestino durante os anos de Mubarak soava como natural à maior parcela dos egípcios, não se pode esperar que a Irmandade Muçulmana se transforme do dia para noite. O islamismo político aponta como tendência em importantes países do Oriente Médio. Tunísia e Egito estão sob a liderança de grupos islâmicos que assumiram o poder e tiveram de dar roupagem política a suas demandas. Entretanto, os dois exemplos são casos recentes. A Turquia é o Estado onde este modelo se assentou no poder de maneira mais bem sucedida. Mas mesmo entre os turcos a frágil linha que impede islâmicos de tomarem controle pleno esbarra nas características específicas de formação da Turquia moderna, o que garante o equilíbrio de forças que mantém o país. 

O grande problema da reivindicação popular que impressionou o mundo inteiro é justamente o seu ponto mais admirável: a não vinculação a qualquer liderança ou partido. Os protestos espontâneos na Praça Tahrir tiveram a força para derrubar Mubarak, mas não para forjar um novo líder nacional. Neste vazio, a “revolução” foi sequestrada pela Irmandade Muçulmana. E agora a situação é pior; se antes havia o interesse das potências internacionais pelo temor do que ou de quem surgiria a partir deste processo, o pragmatismo geopolítico demonstrado por Mursi garantiu certa tranquilidade aos ocidentais; nesta nova onda de revolta no Cairo, os egípcios estão mais solitários do que nunca. 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Momento propício a uma operação militar na Síria


Creio que, a esta altura dos acontecimentos, já é possível afirmar que uma ação internacional na Síria nunca esteve tão próxima de ocorrer. Isso porque há elementos demais que não apenas justificam uma intervenção, mas também porque, agora, vale muito a pena aos EUA adotar posicionamento mais firme. O primeiro ponto importante é óbvio: por mais que Washington certamente não tenha o menor interesse numa nova guerra no Oriente Médio, o presidente Obama já tem mais quatro anos garantidos pela frente. E isso lhe permite traçar uma estratégia mais ambiciosa. 

E Obama é um presidente interessado em exercer seu talento diplomático. E conta com a grandiosidade do cargo e, agora, com tempo. Não apenas o presidente americano, mas a secretária de Estado, Hillary Clinton, já deixaram muito claro que não aceitarão o uso de armas químicas pelo governo sírio contra a própria população. Mas eventuais dilemas morais não explicam a situação atual. Até porque, como escrevi no último texto, já há 40 mil mortos. E a maneira como as pessoas morrem é menos importante do que o fato de que elas estão sendo mortas. Ou seja, eventuais discursos morais estão atrasados em quase dois anos. 

O fato é que a Casa Branca estava esperando as eleições e os resultados para tomar decisões. E mais, por conta das grandes operações militares recentes (Afeganistão e Iraque), e também pelo tipo de imagem que Obama quer imprimir (e recuperar, claro), Washington hoje tem apoio internacional para tomar uma atitude mais firme. Assim como aconteceu na Líbia, quando os EUA lideraram uma coalizão de forças internacionais, mas não agiram unilateralmente. O mesmo deve acontecer na Síria, até porque, sintomaticamente, os americanos não foram os primeiros a reconhecer o bloco de oposição chamado de Coalizão Nacional das Forças Revolucionárias e de Oposição. Isso deve acontecer no encontro entre representantes rebeldes e Hillary Clinton, no Marrocos. Até agora, este grupo de oposição já foi oficialmente legitimado por Grã-Bretanha, França, Turquia e alguns aliados ocidentais no Golfo Pérsico. 

Ao contrário da imagem construída na primeira década do século 21, a Casa Branca sob a gestão Obama se pretende alinhada aos organismos multilaterais. Como não interessava bancar esta invasão síria por conta própria, os americanos juntaram um objetivo ao outro. Agora, além de reafirmar o suposto compromisso com o multilateralismo, ainda levam, de brinde, a aliança importantíssima com a Turquia, o mais importante país muçulmano e a décima-oitava maior economia do mundo. O caso turco é singular porque alia uma série de fatores que o tornam essencial às pretensões internacionais americanas. Muito além das questões econômicas, há objetivos estratégicos importantes. Os EUA precisam se reconciliar com o mundo islâmico. 

Nada melhor para isso do que estar ao lado da Turquia, cujo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, é o líder político mais admirado entre a população islâmica mundial. Além disso, EUA e Turquia possuem alguns interesses comuns no Oriente Médio. Os turcos querem estender sua influência regional e, para isso, precisam isolar o Irã, esfriando as ambições hegemônicas do país, cujo único aliado árabe é, justamente, a Síria. Os EUA também querem conter os avanços políticos e militares iranianos, mas farão de tudo evitar uma guerra aberta. Ao mesmo tempo, entrar no território sírio e derrubar Assad pode soar bem no mundo árabe, cuja população está sensibilizada com a morte de civis sírios. 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A crise síria e a hipocrisia internacional


Diante de tantos acontecimentos internacionais recentes, a maior crise humanitária do Oriente Médio ficou esquecida. Nesta balança política pragmática, os quase 40 mil civis sírios mortos desde 2011 pelo próprio presidente acabaram jogados para debaixo do tapete. A guerra entre palestinos e israelenses tem como costume histórico despertar muitas paixões, artigos na imprensa e posicionamento rápido da opinião pública internacional e também, é claro, dos representantes políticos. Apesar de este espaço ser dedicado à análise mais do que à exposição de minha opinião sobre quem está certo ou errado, permito-me aqui fazer o seguinte questionamento: por que tanto barulho diante da guerra recente em Gaza enquanto há pouca ou nenhuma manifestação, inclusive no Brasil, para condenar ou exigir das autoridades que se faça algo pelos civis sírios? 

Isso me faz duvidar, inclusive, daqueles que se autopromovem como defensores dos direitos humanos. Quando se calam diante das mortes de uns e vociferam quanto às mortes de outros, abrem mão da própria legitimidade e, mais ainda, levantam dúvidas quanto aos objetivos humanitários com os quais dizem se preocupar. Se 40 mil civis sírios não valem uma passeata, um artigo na imprensa, uma linha de condenação ao presidente Bashar al-Assad, então não se tratam de defensores dos direitos humanos, mas de políticos que escolhem determinados grupos para defender. São, para ser ainda mais claro, lobistas. Se remunerados ou não, é algo a se investigar. Podem ser lobistas voluntários, claro, obcecados por um assunto específico. 

Desde que Assad começou a assassinar a própria população, em março de 2011, venho escrevendo sobre os desdobramentos que um conflito na Síria pode precipitar. E um conflito na Síria está cada vez mais próximo. Os principais atores internacionais estão se mobilizando e uma guerra para derrubar o já quase derrubado presidente sírio pode se transformar num polo de atração das mais importantes rivalidades regionais. E estamos falando de um dos principais países do Oriente Médio. Comparada aos esforços da coalizão internacional que armou rebeldes na Líbia, uma eventual disputa no território sírio vai parecer um treino sem importância. E, vale lembrar, a ofensiva que derrubou Kadafi foi um fracasso – o país continua desestruturado e o “mix” de rebeldes financiado pelos principais países do Ocidente inclui, entre outros, membros da própria al-Qaeda. 

Obviamente, os EUA não vão assumir o fracasso representado pela morte de Kadafi e as suas consequências regionais. Mas é claro que isso está sendo levado em consideração no momento em que se estuda o que é possível fazer para deter Assad. Ou melhor, a preocupação é menos com o que o presidente faz com sua própria população e mais com o que pode fazer regionalmente, na medida em que as armas químicas que o governo sírio têm à disposição podem ser usadas. Movimentos recentes indicam que o regime sírio teria movimentado parte de seu armamento nuclear. Soa mais como uma forma de ameaça, principalmente por algumas razões: a principal delas, a reunião da Otan em Bruxelas, nesta terça-feira, realizada para tratar do pedido turco (país-membro da aliança militar) da instalação de mísseis de defesa no sul do seu território. 

Por tudo isso, acredito que já há movimentações estratégicas suficientes para dizer que que, finalmente, a crise síria poderá ser tratada seriamente. Este é um assunto que abordarei de forma mais profunda nos próximos textos.