quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O outro lado da entrevista de Obama

Grandes decisões costumam gerar discussões proporcionais. E foi exatamente isso o que aconteceu após a entrevista concedida pelo presidente Barack Obama. O tom de aproximação com o mundo islâmico que marcou as declarações à Al-Arabyia vem causando grande polêmica entre vários setores da intelectualidade americana. E este é só o começo de uma gestão que promete não deixar ninguém indiferente a suas decisões.

O passo teórico de aproximação com potências que George W. Bush incluía no que designou de “Eixo do mal” começa a tomar corpo prático, como uma suposta carta que estaria sendo redigida por funcionários do governo americano direcionada a abrir negociações diretas com o Irã. A informação, divulgada nesta quinta-feira pelo jornal britânico The Guardian, foi oficialmente negada. Mas fica uma dica do que pode estar sendo preparado pela equipe de Obama.

De qualquer forma, nem todos nos Estados Unidos foram unânimes em exaltar a maneira como o novo presidente americano comunicou a uma das principais redes de televisão árabe alguns dos princípios que devem reger sua política externa.

Em artigo publicado no The Wall Street Journal, o professor de Estudos de Oriente Médio da Universidade John Hopkins, o libanês Fouad Ajami, preferiu criticar a possibilidade de os Estados Unidos deixarem de lado a prática adotada por Bush de intervir política e militarmente em sua “cruzada” por democracia empreendida em países árabes.

Ele lembra algumas vitórias de Condoleezza Rice e companhia, como a “reabilitação” da Líbia, a queda do regime Talibã no Afeganistão, a retirada de Saddam Hussein do poder no Iraque e o fim da presença – física, pelo menos – da Síria no Líbano, em 2005.

“A ironia é óbvia: Bush foi uma força de emancipação em terras muçulmanas. Mas Barack Hussein Obama é um mensageiro da antiga ordem estabelecida. Obama pode até reconhecer o impacto revolucionário de seu predecessor, mas até agora não escolheu dar continuidade a esta estratégia”, diz.

Outro acadêmico dos Estados Unidos aborda um ponto de vista diferente para analisar as declarações de Obama. Segundo Victor Davis Hanson, historiador da Universidade de Stanford, o presidente americano pode ter passado uma espécie de atestado de legitimidade a regimes autoritários, como o da Arábia Saudita.

Tudo porque a mea culpa quanto a equívocos e erros norte-americanos do passado poderiam dar a entender que a razão está do lado da intolerância religiosa, do autoritarismo, da inexistência de liberdade de imprensa e outras características muito comuns em países daquela região.

Acho esta visão um tanto maniqueísta, como se por conta da autocrítica feita por Obama os Estados Unidos dessem o braço a torcer aos países que ignoram os valores básicos da democracia.

“É como se a relação fosse ‘a América do passado é ruim / América do futuro é boa. Existe a suposição de que de alguma maneira a culpa (pelas relações ruins entre EUA e os países islâmicos) é muito mais nossa. De fato, o ódio manifestado, e às vezes aplaudido pelo mundo muçulmano no 11 de Setembro, é resultado da incompetência de autocracias nativas, como o Panarabismo, Baathismo, Nasserismo e o Estatismo pró-soviético”, diz.

Água Negra

Na sombra dos acontecimentos, fica a informação de que a empresa de segurança privada Blackwater não irá receber a licença do governo iraquiano para continuar a operar no país, segundo o The New York Times. Assim, os diplomatas americanos terão de procurar novas opções para cuidar de sua segurança pessoal.

Para saber mais sobre a Blackwater, clique aqui.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O diálogo como única alternativa para Irã e EUA

A entrevista de Barack Obama à rede árabe de televisão Al-Arabyia causou grande euforia. Não apenas na imprensa, que continua a cobrir o assunto com muito ânimo, mas também nas articulações políticas que se seguiram à exibição. Após o líder americano estender a mão ao Irã – mas desde que o país “afrouxe o pulso” –, foi a vez de Ahmadinejad aproveitar a oportunidade para retribuir a gentileza.

O presidente do Irã se mostrou desconfiado em relação à oferta diplomática dos EUA. Disse que, antes de tudo, os americanos precisam pedir desculpas ao povo iraniano. Segundo ele, terá de haver um grande esforço para reparar os crimes cometidos no passado. Também especulou qual o real sentido do termo “mudança” para Barack Obama.

“O primeiro (significado) pode se referir a uma mudança genuína, efetiva. O segundo talvez seja para demonstrar uma mudança de tática. Mas está claro que o verdadeiro sentido da mudança é este segundo, e isso vai ficar evidente em breve”, disse.

Ou seja, a recepção da oferta de uma nova abordagem no relacionamento entre Irã e EUA foi decepcionante. E justamente para a figura mais relevante e capaz de frear ou avançar com qualquer processo de entendimento.

Segundo analistas da BBC, o descaso com a entrevista de Obama pode ser um sinal de que Ahmadinejad quer manter seu discurso de rompimento com o ocidente de forma a agradar a seus eleitores. Afinal, as próximas eleições presidenciais no país acontecem em junho deste ano. Continuar a emitir declarações num tom elevado é ser coerente com a posição que satisfaz parte da opinião pública.

Mas Irã e EUA sabem que é apenas uma questão de tempo antes de se sentarem à mesa de negociações. Tudo porque ambos compartilham de um problema comum e que vem se agravando com o tempo: o Afeganistão.

Prioridade da gestão Obama, o novo governo americano sabe que vencer ou convencer os talibãs é fundamental na guerra contra o terrorismo. Tanto que já foi autorizada a transferência de mais tropas para combater no país.

Por mais estranho que pareça, interessa aos iranianos restabelecer a calma no Afeganistão e de preferência sem a presença da atual e corrupta administração do presidente Hamid Karzai. Há duas razões principais para o governo de Teerã estar bastante satisfeito com o fato de Obama dar prioridade à guerra no Afeganistão.

Segundo o escritor Kaveh L. Afrasiabi, autor do livro After Khomeini: New Directions in Iran’s Foreign Policy (Depois de Khomeini: Novas Diretrizes para a Política Externa do Irã), as autoridades iranianas estão preocupadas com o aumento do comércio de ópio no Afeganistão. O tráfico de drogas cresceu bastante desde a queda do regime Talibã, que mantinha um controle rígido sobre esta questão.

Além disso, explica ele, outra fonte de preocupação com a bagunça no país vizinho fica por conta dos equívocos na área de segurança operados pelo Paquistão, onde extremistas sunitas têm ganhado poder rapidamente.

Islamabad deslocou forças militares que cuidavam das regiões vizinhas ao Afeganistão para a fronteira com a Índia após os atentados terroristas de Mumbai. Existe o temor, por parte do Irã, de que uma vitória dos milicianos do talibã neste contexto possa ser o início de uma escalada ameaçadora em uma fronteira de grande extensão territorial.

“É inquestionável que os ventos da mudança atravessam hoje não apenas o Afeganistão, mas todos os países da região. Por partilharem uma real preocupação quanto ao futuro do governo de Hamid Karzai, do Talibã e do Afeganistão, Teerã e Washington não possuem alternativa a não ser buscar uma solução diplomática para esses problemas”, escreve Afrasiabi em artigo publicado no Ásia Times.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Nova constituição boliviana procura resgatar direitos da população indígena

Quase 60% dos bolivianos aprovaram a nova constituição proposta por Evo Morales. Por maiores que sejam as criticas ao presidente, não há qualquer dúvida de que a nova Carta promove a inclusão de uma parcela que durante toda a história do país esteve à margem do processo decisório. Os índios, principalmente, são os maiores beneficiários do documento que será implementado tão logo os resultados oficiais sejam divulgados, em 4 de fevereiro.

Algumas determinações são tão óbvias que elas servem para demonstrar como a Bolívia estava parada no tempo. Por exemplo, a partir de agora o acesso à água é um direito irrevogável de toda a população – por mais incrível que possa parecer, já houve privatização da água no país.

O enorme caminho a ser percorrido para acabar com as diferenças históricas no tratamento dado aos índios pode ser comprovado ao se analisar alguns dados. A população indígena, correspondente a algo entre 60% e 70% do total de pouco mais de nove milhões de habitantes, só passou a ter direito a voto a partir de 1952; quinze anos mais tarde, em 1967, outra constituição foi aprovada sem que o processo contasse com a participação de um só índio.

Divisão interna

O documento proposto por Morales acentuou ainda mais as profundas divisões entre brancos e índios. Nos departamentos mais ricos, sofreu grande oposição. A guerra civil quase levada a cabo em setembro do ano passado mostra como a estrutura histórica boliviana continua a influenciar política e economicamente os dias atuais.

A elite de descendentes de europeus vive em Pando, Tarija, Beni e Santa Cruz, na região leste da Bolívia. Nestes departamentos também estão localizados as reservas naturais, como o gás, responsáveis por parte considerável do PIB boliviano.

As críticas passam também por questões culturais e religiosas. A nova constituição de Evo Morales acaba com a posição privilegiada do catolicismo de religião oficial do Estado. Ao mesmo tempo, torna oficiais 36 idiomas indígenas e prevê representação das diferentes etnias no parlamento.

Para Erick Langer, especialista em América Latina na universidade Georgetown, dos Estados Unidos, na teoria o novo texto não é ruim. Para ele, no entanto, a aplicação de suas determinações será bastante difícil.

“O governo possui um controle mínimo sobre grandes áreas, inclusive em zonas rurais afastadas onde o apoio a Evo é considerável”, diz.

Em entrevista ao New York Times, o economista Gonzalo Chávez, da Universidade de La Paz, mostra preocupação por considerar que as novas medidas vão tornar o país ainda mais fechado aos investimentos externos. Ele lembra que o crescimento econômico de 2009 deve ser de apenas 2%, em comparação com os 6% do ano passado.

Apesar disso, no entanto, o governo dos EUA se mostrou disponível para o diálogo e felicitou a aprovação do referendo pela população boliviana.

Segundo Mark Weisbrot, diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política de Washington, a divulgação de um comunicado oficial após o pleito é uma mudança de postura, já que, durante a administração Bush, os dirigentes americanos preferiram não se manifestar sobre processos eleitorais anteriores realizados por Morales.

Mais preocupante do que a aprovação da nova Constituição é a intenção já manifestada pelo presidente boliviano de criar um canal de televisão para divulgar material positivo do governo. Segundo o próprio Evo, o projeto seria bancado com investimentos financeiros de Venezuela e Irã...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O difícil relacionamento entre EUA e Paquistão: desafio para Obama

Com a política externa do governo Obama passando a ser colocada em prática, aos poucos os desafios a serem enfrentados nos próximos quatro anos ficam mais óbvios. Se for realmente verdadeira a notícia do jornal inglês Times de que as reservas de urânio iranianas estão próximas de se esgotarem – por enquanto tudo não passa de especulação – , haverá mais tempo para pensar numa estratégia de conter os avanços do Talibã no Paquistão.
E é por lá que o novo presidente americano se viu diante de protestos dignos da administração Bush. Os motivos da revolta da população paquistanesesa foram dois ataques supostamente empreendidos pelos Estados Unidos ao país e que deixaram 22 mortos. A operação realizada na última sexta-feira tinha como objetivo desarticular posições da Al-Qaeda.
A luta contra a rede terrorista criada por Osama Bin Laden será uma constante na política externa de Obama. Mas a relação dos Estados Unidos com o Paquistão é complexa e, justamente por isso, o novo presidente americano terá de desatar os nós criados por administrações anteriores. A impossibilidade de Islamabad controlar a totalidade do território paquistanês já é conhecida.
Parte considerável das ISI, o serviço de inteligência paquistanesa, compartilha da ideologia extremista de grupos como o Lashkar-e-Toyyba (LeT), acusado de participação efeitiva nos atentados à cidade indiana de Mumbai, no final do ano passado.
O grande problema é que o país ainda é visto como um importante aliado americano na região. De fato, mesmo os mais radicais membros das forças armadas e das próprias ISI apreciam bastante a generosa ajuda financeira dos Estados Unidos. São 2 bilhões de dólares por ano, cifra que credencia o Paquistão como o terceiro maior beneficiário do governo americano, atrás apenas de Israel e Egito.
Curiosamente, no final das contas são dólares enviados oficialmente dos EUA que têm patrocinado a ambição militar abrigada na radicalidade das ISI e também nas forças armadas conduzidas pelo governo de Islamabad.
"Uma maneira de interromper esta abordagem política seria Obama adotar uma ideia atualmente discutida em Washington: condicionar a ajuda em dinheiro à reconfiguração da estrutura militar paquistanesa de forma que ela efetivamente combatesse o terror; além de passos concretos para acabar com o apoio institucional ao extremismo. Os cerca de 11 bilhões de dólares enviados ao país desde os atentados de 11 de setembro de 2001 foram desviados para a escalada militar contra a Índia. Este é um padrão que se tornou bastante comum desde que, nos anos 1980, as ISI tomaram bilhões de dólares destinados para a manutenção de guerrilhas antissoviéticas no Afeganistão", escreve em artigo no Japan Times o professor de estudos estratégicos indiano Brahma Chellaney.
Talibãs infiltrados no país
Além da estrutura semioficial de suporte ao extremismo, Obama terá de lidar com a crescente presença dos talibãs na região noroeste do Paquistão. Além de serem os responsáveis pela recente onda de atentados, os militantes do grupo impõem suas próprias e decadentes leis, como o fechamento das escolas para meninas.
Na província do Vale Swat, mais de 100 escolas foram obrigadas a encerrar suas atividades. Comunicados divulgados por rádios informaram que as alunas que ousassem comparecer às aulas corriam o risco de serem atacadas com ácido. De acordo com o advogado e ativista de igualdade de direitos no Paquistão, Yasmeen Hassan, mais de 70 cortes comandadas pelo Talibã operam na província. No dia 20 de janeiro, o parlamento paquistanês votou de maneira unânime pela suspensão do veto escolar às meninas.
Mas essa batalha pelo direito à educação simplesmente resume a dificuldade do governo de Islamabad de combater o domínio radical de boa parte de suas leis e território. E esta será também a maior dificuldade para estabelecer as relações entre o país e os EUA durante a gestão Obama.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Um Irã no meio do caminho; mais Oriente Médio

No dia seguinte ao anúncio da intenção do recém-empossado governo dos Estados Unidos de fechar a prisão de Guantánamo no prazo máximo de um ano, a imprensa iraniana revela que, nesta quarta-feira, dez pessoas foram executadas pelo regime de Teerã. Não há qualquer conexão entre os dois acontecimentos. Pelo menos aparentemente. Os fatos evidenciam, porém, a enorme distância existente entre os países, não apenas estruturalmente, mas na maneira como enxergam os direitos humanos.

Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, já manifestaram a intenção de usar todos os esforços diplomáticos para convencer o Irã a voltar atrás em suas ambições nucleares. Em nota oficial, a nova administração declarou que em troca da desistência na busca por armamento atômico está disposta a oferecer uma vaga na Organização Mundial de Comércio (OMC) e também normalizar as relações diplomáticas entre os dois países.

Não me parece que a agência de notícias iraniana – controlada pelo Estado – tenha divulgado a execução neste momento por acaso. Soa como um recado de que Ahmadinejad não está disposto a se deixar levar pela onda de otimismo internacional que se seguiu à posse de Obama. Apesar de ter enviado uma mensagem de congratulações após a vitória do novo presidente americano, o iraniano talvez queira conseguir mais vantagens antes de dar o braço a torcer. 

De acordo com organizações internacionais de direitos humanos, o Irã é o segundo colocado na lista dos países que mais executam cidadãos. A campeã é a China. No ano passado, cerca de 150 iranianos foram mortos pelo Estado.

Dentre os punidos com a pena capital nesta quarta, estavam um assaltante que durante um roubo matou um motorista de táxi, um viciado em drogas responsável pela morte da tia, e outro homem que matou três membros de uma família.

Assassinato, estupro, assalto à mão armada, tráfico de drogas e adultério são considerados crimes passíveis de execução. Segundo a BBC, a maior parte dos condenados é morta por enforcamento, mas recentemente dois homens foram apedrejados até a morte após serem declarados culpados do crime de adultério.

Oriente Médio

Ao mesmo tempo em que as relações entre EUA e Irã prometem ser relevantes para a política externa de Obama, a nova administração escolheu o enviado especial para a região.

O ex- senador George J. Mitchell foi ativo no processo de paz da Irlanda do Norte, além de ter liderado uma comissão que tinha como objetivo interromper a violência entre israelenses e palestinos.

Segundo análise do New York Times, ele é visto como um “peso pesado” da diplomacia e sua nomeação pretende dar aos Estados Unidos um perfil mais equilibrado na condução das negociações.

“Ele não é pró-Israel ou pró-palestino. É neutro”, diz Martin S. Indyk, ex-embaixador americano em Israel e conselheiro do governo Clinton.

A três semanas das eleições gerais israelenses, não há muito o que ser feito mesmo. Uma das medidas importantes é restabelecer a confiança dos dois lados em disputa no poder de mediação dos Estados Unidos. A escolha de Mitchell parece ter este propósito. 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O dilema de Guantánamo

Em seu primeiro dia de trabalho, Obama mostrou serviço em questões consideradas fundamentais em seu projeto de mudar a maneira como os Estados Unidos se relacionam internacionalmente. Em poucas horas, baixou um decreto que suspende por 120 dias os julgamentos na polêmica prisão de Guantánamo e telefonou para líderes do Oriente Médio reafirmando o compromisso do governo americano com os esforços pela paz.

A medida para fechar a instalação penal em Cuba foi a mais importante e simbólica. Mais do que simplesmente acabar com uma pedra no sapato dos EUA frente à opinião pública, a ordem pretende romper com um dos principais ícones da doutrina de segurança de Bush. Obama já avisou que, em seu governo, os norte-americanos não usarão tortura sob qualquer circunstância.

Guantánamo é um dos pontos de controvérsia quando o assunto são os métodos de interrogatório usados pelos Estados Unidos. E a polêmica não se restringe ao governo, mas, pelo contrário, mostra uma profunda divisão de opiniões na sociedade americana.

Pesquisa realizada pelo jornal The Washington Post em conjunto com a rede de televisão ABC News aponta que a maioria dos norte-americanos se opõe à tortura. Em compensação, quando a amostra de entrevistados é dividida por preferência ou filiação eleitoral, é possível perceber uma espécie de racha filosófico contrapondo democratas e republicanos.

Entre os entrevistados que se dizem identificados com o Partido Democrata – ou mesmo filiados a ele –, 71% são contrários à tortura. No entanto, 55% dos republicanos dizem acreditar que há casos em que o método deve ser usado no interrogatório de suspeitos de atos terroristas.

A decisão de Obama mostra uma tremenda oposição ideológica entre democratas e republicanos acentuada desde os atentados de 11 de setembro de 2001.

Na prática

A curiosidade, entretanto, é que alguns dos presos na base americana em Cuba foram contrários à suspensão dos julgamentos. É o caso, por exemplo, de Khalid Sheikh Mohammed, um dos beneficiados diretamente pela medida e acusado de ser um dos mentores dos ataques terroristas de 2001. Como declarou seu advogado, ele se diz orgulhoso de sua participação nos atentados e afirma sua preferência de assumir o feito diante de um juiz norte-americano.

Além de bobagens como essa, Obama deve enfrentar algumas dificuldades para levar a cabo o fechamento de Guantánamo. É o que explica John Bellinger, em entrevista a BBC, que trabalhou como conselheiro legal da agora ex-secretária da Estado Condoleezza Rice.

Segundo ele, a maior parte dos 254 detentos é oriunda de países que não apresentam histórico relevante de respeito aos direitos humanos. Por isso, os Estados Unidos não estariam dispostos a “devolver” os presos. A alternativa seria transferi-los para prisões em países europeus – que até agora não manifestaram desejo de recebê-los.

Apesar disso, porém, Michele Cercone, porta-voz da Comissão Européia de Justiça e Assuntos Internos, disse que a instituição está “muito satisfeita que um dos primeiros atos do presidente Obama tenha sido virar a página do triste episódio de Guantánamo”.

Ao que parece, resolver este grande problema vai ser bem mais complexo do que simplesmente assinar um papel.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O 20 de janeiro mais importante do século

É verdade que o discurso de posse de Obama lembrou uma dualidade recente da política brasileira: a esperança diante do medo. Além disso, Obama representa – como Lula de certa maneira também representou – a ascensão dos excluídos, muito embora a biografia do novo presidente norte-americano não apresente as dificuldades materiais pelas quais passou seu colega brasileiro. Esses são, no entanto, os únicos paralelos possíveis de serem traçados entre os dois até o momento.

Lá como cá, a população escolheu a esperança e nesta terça foi às ruas de Washington para celebrar a nova era numa série de festejos e discursos emocionados.

No queda do Muro de Berlim e na assinatura dos Acordos de Oslo, por exemplo, o mundo assistiu a história ao vivo. E todos sabiam que aqueles momentos seriam eternizados como parte da trajetória da humanidade. A posse desta terça-feira foi um desses momentos.

A histeria esperançosa que tomou conta da capital americana aconteceu por conta das enormes expectativas que se colocam sobre o novo homem mais poderoso do mundo. A população que o elegeu está ansiosa para que ele coloque em prática as palavras que usa com maestria.

Mesmo com toda a segurança que apresenta diante das plateias, Obama atropelou um pequeno trecho do juramento, como se já quisesse começar a lutar contra os enormes desafios com os quais vai se deparar ao longo destes quatro breves anos. Eles vão passar rápido demais, podem ter certeza.

E uma de suas batalhas mais urgentes promete ser mais difícil do que Obama pensava: a aprovação do pacote de 800 bilhões de dólares para estimular a economia americana. O presidente esperava que, mesmo antes de assumir, o assunto já estivesse resolvido e aprovado pelo Congresso. A ele bastaria somente assinar seu primeiro, contundente e aguardado decreto.

Mas isso não deve acontecer. Segundo a revista alemã Der Spiegel, uma série de discussões acerca de cada detalhe do plano já está em curso no Congresso. O pacote causa controvérsia por ser grande demais, segundo os conservadores, e menos amplo do que se esperava, para os liberais.

Discurso de posse

O texto que Obama leu ao tomar posse como 44º presidente dos Estados Unidos tem uma série de indicadores acerca de como deve ser seu mandato. Não há grandes novidades, até porque reafirmou alguns de seus compromissos de campanha. Em alguns momentos, ele analisa os grandes desafios que tem pela frente.

“Que nós estamos em meio a uma crise é agora bem sabido. Nossa nação está em guerra, contra uma rede de longo alcance de violência e ódio. Nossa economia está bastante enfraquecida, em consequência da ganância e irresponsabilidade por parte de alguns, mas também por nosso fracasso coletivo em fazer escolhas difíceis e preparar a nação para uma nova era. Casas foram perdidas; empregos cortados; negócios fechados. Nosso sistema de saúde está muito dispendioso; nossas escolas fracassam com muitos; e cada dia traz novas evidências de que as formas como usamos a energia fortalecem nossos adversários e ameaçam nosso planeta”, disse.

Em outro trecho, aborda a segurança interna – que ocupou parte importante do mandato de Bush – questão que não deve ser esquecida de sua agenda. Ele aproveita para mandar um recado a grupos e países aliados com o terrorismo.

“Para aqueles líderes pelo mundo que buscam semear o conflito, ou culpam o Ocidente pelos males de suas sociedades: Saibam que seus povos irão julgá-los a partir do que vocês podem construir, e não destruir. Para aqueles que se agarram ao poder por meio da fraude e da corrupção, saibam que estão no lado errado da História; mas nós estenderemos a mão se vocês estiverem dispostos a cooperar”.

Mais à frente, mandou uma mensagem de cooperação aos países pobres e responsabilidade, aos ricos.

“Às pessoas das nações pobres, nós queremos trabalhar a seu lado para fazer suas fazendas florescerem e deixar os cursos de água limpa fluírem; para nutrir corpos famintos e alimentar mentes ávidas. E para aquelas nações como a nossa, que vivem em relativa riqueza, queremos dizer que não podemos mais suportar a indiferença quanto ao sofrimento daqueles que sofrem fora de nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem nos importar com as consequências. Nós devemos acompanhar as mudanças do mundo”.

E assim o vento gelado da mudança se espalhou para o mundo, no maior fenômeno político-midiático deste início de século. Clique aqui e leia o discurso de Obama na íntegra.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Primeiras impressões do pós-guerra

Com o fim da guerra entre Israel e Hamas, algumas outras batalhas – talvez até mais difíceis de serem vencidas – começam agora. No campo do discurso, o Hamas vai tentar de qualquer maneira provar que expulsou os israelenses de Gaza, agindo da mesma forma que o Hezbolah em 2006 numa estratégia de propaganda que levou o grupo a se tornar um ator considerado regionalmente.

A outra preocupação fica por conta da tensão dos próximos sete dias, quando Israel deve retirar suas tropas do território. O Hamas já avisou que irá resistir enquanto soldados israelenses marcarem presença em Gaza.

Não resta dúvidas de que, militar e politicamente, a vitória foi de Israel. Além de ter tido somente 13 baixas em comparação com os mais de 1.200 mortos palestinos, o Estado Judeu conseguiu lançar luz sobre o problema do lançamento de mísseis disparados em direção ao sul de seu território – algo que vinha se repetindo há quase oito anos sem sensibilizar a comunidade internacional.

Entretanto, a imagem do país saiu bastante arranhada desta ofensiva por conta de erros que resultaram na morte de muitos civis.

Política

Com as eleições já batendo à porta em Israel, Olmert vai fazer de tudo para convencer o público de que os ataques definitivamente mudaram o cenário no sul do país. Ehud Barak e Tzipi Livni – candidatos à substituição do atual primeiro-ministro – farão o mesmo, ressaltando principalmente o acordo assinado com os EUA para o aumento da vigilância no lado egípcio da fronteira – discurso que deve ser encampado principalmente por Livni, devido ao cargo que ocupa – e o reduzido número de baixas militares – slogan que deve ficar com o ex-brilhante militar e atual ministro da Defesa, Barak.

Nahum Barnea, colunista político do Yedioth Ahronoth, o jornal de maior circulação em Israel, levanta a bola de como deve se comportar o terceiro e mais importante vértice da política israelense: Bibi Netanyuahu. O candidato do oposicionista Likud elogiou a ofensiva em público, mas, diante do fato de também pleitear ao cargo político mais importante do país, deve mudar de estratégia a partir de agora.

“Assim que a operação estiver completamente encerrada, não importando qual seja seu resultado, seu partido deve partir para o ataque, argumentando que ‘nós poderíamos ter conseguido mais’”, escreve.

Ainda resta saber como Israel irá reagir caso o Hamas volte a lançar mísseis. Como se sabe, a infraestrutura do grupo não foi totalmente destruída. Vale lembrar que os mísseis caíram sobre as cidades do sul de Israel até o último dia de ofensiva.

“Já falhamos neste mesmo teste outras três vezes: após a retirada das tropas do sul do Líbano, em 2000; após a retirada unilateral de Gaza, em 2005; e durante o cessar-fogo com o Hamas, em 2008”, escrevem os jornalistas do Haaretz Amos Harel e Avi Issacharoff.

Hamas

Os ganhos do Hamas aos poucos vão ficando mais claros também. Mesmo com perda considerável de seus membros e também de toda a estrutura montada no território, o grupo passou a ser considerado politicamente.. Usufruiu de apoio público dos países árabes e, mais ainda, alguns países europeus passaram a reconhecer sua autoridade em Gaza, como no caso da Itália, cujo ministro das Relações Exteriores deve visitar o território em breve.

Regionalmente, a conquista foi significativa. No encontro de países árabes em Doha, no Catar, o representante palestino foi Khaled Meshal, líder exilado do Hamas na Síria, e não o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Segundo o Haaretz, fontes dos serviços de inteligência de Israel informam que o Irã pretende rearmar o Hamas após a perda material causada pela ofensiva. De acordo com o jornal israelense, o regime de Teerã pretende enviar a Gaza mísseis mais precisos e de longo alcance capazes de atingir Tel Aviv.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Mensagem regional decreta o fim da guerra

Pode soar estranho que o fim da Guerra em Gaza seja decidido de forma unilateral. Mas é assim mesmo que a ofensiva israelense será encerrada. Justamente da maneira como queriam a ministra-candidata Tzipi Livni e o também ministro-candidato Ehud Barak.

Mais ainda, a decisão de interromper os ataques sem um acordo formal é um recado regional ao Irã, como já escrevi outras vezes por aqui. Ao contrário do ocorrido na Segunda Guerra do Líbano, em 2006, quando uma resolução da ONU foi realmente implantada na área de combate e o Hezbolah reivindicou com retórica uma vitória sobre Israel, o governo de Jerusalém hoje não está disposto a dar qualquer chance ao Hamas de se tornar um ator regional legítimo ou importante. Menos ainda ao seu fornecedor, o Irã.

Israel irá simplesmente interromper a ofensiva. Segundo o Haaretz, o documento assinado entre Livni e a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, prevê um policiamento rígido ao contrabando de armamento iraniano para Gaza. O acordo entre EUA e Israel envolve uma série de medidas internacionais e não se restringe somente ao patrulhamento da fronteira entre Egito e o território palestino.

O objetivo é impedir a chegada de armas à região e acabar com o contrabando em sua origem. Haverá vigilância sobre todo o percurso do tráfico de armamento, inclusive com patrulhas no Golfo Pérsico, Sudão e outros países vizinhos. O gesto pode ser interpretado como uma mensagem conjunta de israelenses e americanos às pretensões iranianas na região.

Por mais que a administração Bush esteja de saída, o acordo já foi repassado à próxima gestão americana.

Em relação à cooperação egípcia para evitar o contrabando de armas, o jornal israelense informa que fontes garantem que já houve progressos consideráveis para convencer o governo de Mubarak. Muito possivelmente, observadores internacionais vão monitorar os túneis na fronteira entre Gaza e Egito.

Ataque ao prédio da ONU

Apenas Olmert ainda acreditava que havia objetivos a serem alcançados nessa ofensiva. Por isso foi o responsável por pedir desculpas ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, após os ataques israelenses que atingiram um complexo da organização. A explicação pelo erro do exército do país foi transmitida pela tevê numa cena bastante constrangedora. Até porque não se pode justificar o injustificável.

Sobre isso, creio que Israel está numa posição bastante desfavorável. Justamente por se esperar do país uma postura moral e ética que não se cobra do Hamas, grupo assumidamente extremista e que não se compromete com qualquer lei internacional ou, menos ainda, de direitos humanos.

O Hamas exige a destruição do Estado Judeu e, por mais estragos que tenha sofrido ao longo dessas três semanas, está na confortável situação de não ter compromissos com ninguém, somente com seus objetivos e táticas condenáveis.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Obama é show

A menos de uma semana da posse de Barack Obama, não resta qualquer dúvida sobre o fenômeno em que ele se transformou. Ídolo pop, fonte de esperança mundial, ícone da virada do jogo de poder racial nos Estados Unidos. Há muitas formas de tentar rotular o próximo líder norte-americano. Mas o presidente eleito dos Estados Unidos é, de alguma maneira, o ator principal de um filme realizado tantas vezes por Hollywood.
Obama chegou a Washington e um dia depois saiu com assessores e a família para jantar no restaurante que tem a fama de vender o melhor cachorro-quente do país. Ele arregaçou as mangas e sentou-se lado a lado com os demais clientes. Nada de avisar com antecedência, isolar a área ou fechar o lugar. O próximo homem mais poderoso do mundo se permite agir naturalmente num país onde nem Michael Jackson faz isso. Tempos de mudança.
Obama tem carisma, conversa naturalmente, dobra as mangas da camisa enquanto discursa, seduz a platéia. Nunca houve tanta expectativa. Jornais publicam editorais entusiasmados, celebridades se oferecem para estar a seu lado e ele não se faz de rogado. Dois dias antes da posse, um concerto musical vai marcar o início da nova era.
Beyonce, U2, Bruce Springsteen, Stevie Wonder, Usher, Mary J. Blige e Sheryl Crow estão confirmados. Até o produtor-executivo do evento mostrou surpresa diante da resposta positiva e imediata dos artistas ao convite. "No primeiro dia, convidamos Springsteen, Bono e Garth Brooks. Num período de 45 minutos, recebemos três 'sim'", disse George Stevens Jr. à Associated Press.
Além da música, a emoção de fazer parte de um momento de consciência histórica deve tomar conta dos envolvidos. A atriz Queen Latifah e os atores Jamie Foxx e Denzel Washington vão ler passagens da história americana. Os ingressos para assistir à posse, no dia 20, também foram vendidos. Cinco mil entradas disponíveis ao público se esgotaram. Em um minuto. Cada bilhete custava 25 dólares. Além dos VIPs, cerca de 4 milhões de pessoas devem estar na capital americana para participar da festa.
Os países têm diferentes expectativas sobre os atos do novo presidente. Editorial publicado no canadense Globe and Mail valoriza o fato de o Canadá ter sido escolhido como destino da primeira viagem internaicional de Obama. Mas mostra preocupação quanto as relações com um presidente democrata. "O perigo não é Obama esquecer o Canadá, mas manter a tendência protecionista do Partido Democrata, particularmente quando se trata de salvar os empregos na indústria automobilística e em outros setores ameaçados pela crise", diz.
O site de política internacional Real Clear World especula qual dos atores internacionais será o responsável pelo primeiro telefonema às 3h da manhã que o presidente irá receber: Rússia, al-Qaeda, Coréia do Norte, Irã ou Paquistão. O Brasil é lembrado como um problema, mas menor.
"Felizmente para ele (Obama), alguns dos problemas potenciais vão permanecer mais distantes e menos urgentes, tais como China, Índia e Brasil. Outros, como Venezuela, Cuba e África não vão causar pressão internacional suficiente a ponto de pedir respostas imediatas", teoriza.
Eu descarto todas as opções acima e escolho a super óbvia atual guerra entre Israel e Hamas - isso se até semana que vem esse problemão não tiver sido interrompido - solucioná-lo é bem mais complexo. Como escrevi ontem, promover um cessar-fogo no Oriente Médio seria um excelente cartão de visitas dos novos ventos da mudança.
Em tempos de tamanha expectativa, a única certeza até agora é que Obama - cuja experiência em assuntos internacionais é quase nula - é um homem do showbizz. Talvez ele não seja acordado às 3h da manhã na Casa Branca pela simples possibilidade de sequer conseguir dormir tamanha a roubada em que se meteu. Pelo menos eu não dormiria.
"Na tarde do dia 20 janeiro outro novo ocupante irá se apossar do Salão Oval. Duvido que Barack Obama sentirá satisfação neste momento. Tendo a optar por apreensão. Ele deve acabar por se questionar: 'como eu me meti nisso?'", escreve a jornalista do USA Today Sandy Grady.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O fim da guerra nunca esteve tão próximo

Em conferência de imprensa no Cairo, representantes do Hamas declararam que aceitam em termos gerais a proposta egípcia para um acordo com Israel que colocaria fim à ofensiva iniciada em 27 de dezembro.

Segundo o Haaretz, os líderes do grupo ainda têm restrições à proposta, mas, em geral, estão dispostos a aceitar a iniciativa por ela ser muito semelhante à apresentada em 2005, na qual funcionários da Autoridade Palestina seriam os responsáveis pela vigilância da fronteira de Gaza com o Egito sob supervisão de observadores europeus.

De acordo com o canal de televisão saudita Al-Arabiya, para aceitar a proposta, o Hamas exige a retirada imediata das forças armadas israelenses do território palestino. Segundo o Jerusalem Post, hoje à noite o trio israelense Olmert, Barak e Livni se reúne para chegar a uma decisão sobre o fim da guerra.

Ainda há muitos detalhes a serem discutidos, mas parece que este pode ser o início da conclusão do conflito.

Segundo informações do Haaretz, funcionários do alto escalão de defesa israelense são contrários à expansão da ofensiva em Gaza.

Em encontro com o comando do exército e outros órgãos de segurança, oficiais afirmaram que o país alcançou há alguns dias todos os objetivos possíveis na operação. Embora não estejam claros quais seriam eles, analisando o histórico do atual conflito, é bastante provável que a infra-estrutura de túneis tenha sido amplamente danificada, além de vários membros do Hamas, mortos.

A decisão de interromper os ataques pode ser tomada mesmo antes de o Egito acertar os detalhes sobre a vigilância dos túneis restantes. Mas, segundo os oficiais, Israel deverá deixar claro que responderá com rapidez e severidade a qualquer violação da trégua.

Há, entretanto, alguns empecilhos que impedem o fim da guerra. Do lado israelense, permanece a divergência interna das três principais figuras do governo. O ministro da Defesa, Ehud Barak, acredita que a operação já chegou a seu ponto máximo: levar para o lado israelense o maior poder de barganha. Em sua opinião, há ainda dois riscos políticos na permanência do país em Gaza: 1 – com a posse de Obama, na semana que vem, o novo presidente pode impor a retirada imediata de Israel dos territórios; 2 – uma nova e mais pesada resolução da ONU.

A ministra das Relações Exteriores, Tzipi Livni, também está com Barak. Para ela, a ofensiva deve ser encerrada mesmo sem acordo porque não é mais possível obter qualquer ganho no campo de batalha capaz de ser revertido em capital político. Livni crê que Israel deve aproveitar agora o poder de barganha alcançado durante os combates com o Hamas.

Apenas o primeiro-ministro Olmert é favorável à continuidade dos ataques. Ele acredita que há ainda objetivos militares a serem atingidos. Como ele é o único com poder para convocar a reunião de gabinete que poderá decidir sobre um possível cessar-fogo, é sua opinião que prevalece. Até por uma questão de logística política.

A questão é que o ponto de Ehud Barak é bastante plausível. Caso Israel continue a atacar o Hamas em Gaza, existe a real possibilidade de o país se ver na obrigação de retroceder após a posse de Obama. O presidente eleito americano já declarou que a resolução do conflito em Gaza é prioridade de sua agenda internacional e deve se debruçar sobre este assunto logo que assumir. E nada melhor do que o auto-intitulado presidente da “mudança” ser o responsável por acabar com uma guerra que mobiliza de maneira tão apaixonada a opinião pública mundial.

Obama e Israel

É bom deixar claro, no entanto, que o apoio dos Estados Unidos a Israel não deve mudar com (ou apesar de) Obama. Em sabatina no Senado americano nesta terça-feira, a próxima secretária de Estado, Hillary Clinton, reafirmou os compromissos dos EUA com Israel.

“A administração (Obama) é profundamente simpática ao desejo de Israel de se defender sob as condições atuais e de se ver livre dos mísseis do Hamas”, disse.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O Brasil no meio disso tudo

Em entrevista ao programa Fatos & Versões, da Globonews, a jornalista da Folha de São Paulo Eliane Catanhêde declarou que o presidente Lula pode vir a se envolver pessoalmente na resolução do atual conflito entre Israel e o Hamas. Segundo ela, o presidente estaria disposto a ir à região, caso em algum momento haja uma cúpula internacional para discutir a questão.

“Precisamos detectar quem quer os conflitos, colocar essas pessoas numa mesa de negociação junto com as forças políticas que têm influência sobre a Autoridade Palestina, sobretudo no Hamas e no povo de Israel, para que a gente possa começar uma conversação e encontrar uma fórmula para que eles possam viver em paz e cada um desenvolver o seu país”, disse Lula em seu programa de rádio.

No momento, a posição oficial brasileira é chamar as partes ao diálogo. Esta é a diretriz histórica do Brasil em relação ao conflito árabe-israelense. Mais do que isso, é a reafirmação do posicionamento brasileiro de buscar a resolução de conflitos internacionais através da diplomacia. Até aí, nada de novo.

Novidade mesmo foi a polarização do conflito entre os dois principais partidos do país. PT e PSDB emitiram notas oficiais com opiniões divergentes sobre o assunto. O PT pegou mais pesado. Em comunicado assinado pelo presidente da legenda, Ricardo Berzoini, o partido classificou a ação israelense de terrorismo de Estado e comparou a ofensiva às práticas nazistas. Clique
aqui para ler na íntegra.

O PSDB foi no sentido oposto. Ou melhor, entrou em choque direto com o texto petista. Citando as declarações de Berzoini, a nota assinada pelo senador Sérgio Guerra, presidente do partido, diz que o atual conflito no Oriente Médio é complexo demais para ser transformado num roteiro simplório onde o “bem e o mal são claramente identificáveis”. Clique
aqui para ler na íntegra.

Faltando pouco mais de um ano e dez meses para as eleições presidenciais brasileiras, fica absolutamente claro que as duas legendas mais importantes do país vão passar a entrar cada vez mais em conflito – somente de discursos, é claro. Em posição de desvantagem por não estar no poder há dois mandatos, é do PSDB o interesse de chamar a atenção da sociedade para as diferenças entre os partidos.

A atual crise no Oriente Médio é uma dessas oportunidades, na visão do partido. Por dois motivos: agrada aos opositores históricos do PT, que enxergam em seu discurso tendências radicais – e no campo das relações internacionais indiretamente associam o partido às posições de Hugo Chávez –, além de buscar um nicho naqueles que discordam das opiniões do presidente e do governo em relação ao Oriente Médio.

O fato é que a nota do PT causou enorme polêmica, principalmente entre a comunidade judaica brasileira.

Também em comunicado oficial, o presidente da Confederação Israelita do Brasil (CONIB) - órgão representativo das federações judaicas estaduais –, Cláudio Lottenberg, mostrou indignação e deplorou a comparação entre os exércitos nazista e israelense afirmando que os mortos no campo de extermínio “eram pessoas absolutamente desprotegidas, que não carregavam foguetes (...), não detinham conhecimento de técnicas terroristas nem se escondiam atrás de civis, de forma covarde, como os líderes do Hamas”. Clique
aqui para ler na íntegra.

Talvez por isso Lula tenha baixado o tom, numa tentativa de encerrar essa confusão. Em seu programa de rádio, citou pela enésima vez o lugar-comum de que no Brasil judeus e árabes convivem em paz. Particularmente, penso que este exemplo é uma bobagem, até porque são comparações entre situações completamente distintas. Felizmente, apesar das diferenças culturais e religiosas, judeus e descendentes de árabes são cidadãos brasileiros com os mesmos direitos e que jamais disputaram qualquer território.

Crise é oportunidade

O Brasil vem se empenhando em buscar um papel mais ativo internacionalmente. Este é o desejo do governo brasileiro, e não apenas em relação ao Oriente Médio. Neste caso específico, entretanto, a cúpula da administração Lula está diretamente envolvida. O chancelar Celso Amorim está na região e tem conversado com lideranças locais de Israel, países árabes e da própria Autoridade Palestina. A entrega de mantimentos aos palestinos, através da Jordânia, pretende mostrar que o Brasil é solidário aos civis de Gaza e também que o país quer ser levado a sério como possível mediador. Por isso, o envio do funcionário mais alto do escalão brasileiro para realizar esta doação.

Que ninguém se engane, entretanto, em acreditar que Celso Amorim poderá fazer parte da solução do problema. Isso vai mesmo ficar a cargo de Obama, Sarkozy, Mubarak e autoridades israelenses e palestinas. O Brasil quer marcar presença. Segundo Eliane Catenhêde, Amorim estaria também preparando o terreno para uma possível visita de Lula à região, no caso da realização de uma cúpula internacional. Caso isso se confirme, poderá ocorrer a primeira visita oficial de um presidente brasileiro a Israel.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Pá-de-cal no cessar-fogo proposto pela ONU


Mais uma vez, as esperanças de paz no Oriente Médio foram para o buraco. O curioso, entretanto, é notar que Hamas e Israel parecem ter concordado pela primeira vez desde o início da ofensiva em Gaza: a resolução proposta pela ONU não atende a nenhum dos lados. Por mais que o mundo inteiro torça para que a violência termine, israelenses e palestinos enxergam o atual conflito de maneiras opostas; e, por isso, também divergem sobre a forma como ele deve ser encerrado.

Em entrevista ao canal de televisão do Hezbolah, a Al Manar, o líder político exilado do Hamas, Moussa Abu Marzouk, explicou porque se opõe à proposta das Nações Unidas.

“Esta resolução foi discutida nos corredores da ONU, em Nova Iorque. Nosso movimento não foi consultado. A visão e os interesses de nosso povo não foram levados em consideração”, disse.

Para o Hamas, qualquer decisão internacional só será válida quando Israel acabar com as incursões a Gaza e encerrar o bloqueio ao território.

Além deste fator, há uma profunda divisão interna do grupo. Outros argumentos apresentados para rejeitar a proposta seguem a linha defendida por Muhammad Nasr, conselheiro político do líder exilado na Síria Khaled Meshaal. Segundo a revista alemã Der Spiegel, para Nasr, o Hamas não deve abrir mão de controlar a fronteira entre Gaza e Egito e, menos ainda, reconhecer Israel – mesmo que indiretamente.

De acordo com o veículo alemão, outro negociador do grupo enviado ao Cairo pensa diferente. Imad al-Alami possui uma visão mais conciliatória. Para ele, a proposta costurada por França e Egito não precisa necessariamente ser descartada à priori. Ele promete retornar à mesa de negociações com contrapropostas.

Ao Egito – cuja participação nos esforços de paz vem merecendo elogios da comunidade internacional –, a resolução tampouco agradou. Para o Cairo, existe a justificável sensibilidade envolvendo a perda de parte de sua soberania. O país considera aceitável somente ajuda técnica internacional para combater o contrabando de armas para Gaza.

Ao mesmo tempo, mesmo se o Egito aceitasse a presença de tropas estrangeiras em seu território, haveria uma dificuldade logística fundamental. Segundo diplomatas europeus, dentre os membros da OTAN (a aliança militar entre Europa e Estados Unidos), somente a Turquia se mostrou disponível a enviar soldados para o patrulhamento da fronteira entre Gaza e Egito.

No último vértice deste complexo triângulo, Israel apresentou outras razões para não acatar a resolução da ONU. Para o governo israelense, a ofensiva só pode terminar quando o Hamas interromper o lançamento de mísseis sobre o sul do país e após o estabelecimento de mecanismos capazes de garantir o fim do contrabando de armas do Deserto do Sinai para Gaza.

“Israel atuou, atua e vai atuar somente de acordo com suas considerações, a necessidade de segurança de seus cidadãos e o direito de auto-defesa”, informou um comunicado divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O começo do fim; e mísseis libaneses sobre o norte de Israel

Ao mesmo tempo em que envia dois altos funcionários para negociar um cessar-fogo no Egito, o governo de Israel sustenta que a ofensiva em Gaza ainda não terminou. Nesta quinta-feira, esta foi a mensagem transmitida pelo primeiro-ministro, Ehud Olmert, e pelo ministro de Defesa, Ehud Barak.

“A decisão sobre como deixaremos claro que a tranqüilidade no sul está garantida ainda se encontra em aberto. Não terminamos de dar as ordens a nosso exército para concluir todo o trabalho necessário de forma a atingir este objetivo”, disse Olmert.

Como escrevi outras vezes, ao contrário do ocorrido na Segunda Guerra do Líbano, em 2006, existe uma real estratégia israelense para vencer este conflito. Mais ainda, Israel definiu metas mais modestas aos olhos do mundo e de seus próprios cidadãos.

Não custa repetir que, para os israelenses, a missão terá sido considerada vitoriosa se: 1 - o lançamento de mísseis sobre suas cidades terminar; 2 - a comunidade internacional for convencida da necessidade do estabelecimento de um cessar-fogo permanente e de uma força militar de diversos países que vigie o Hamas e impeça o contrabando de armas do Egito para Gaza através de túneis.

Ao contrário do conflito de dois anos e meio atrás – quando o governo de Israel aplicou táticas que tinham como objetivo final acabar com o Hezbolah, hoje o Estado Judeu sabe que o Hamas não vai encerrar suas atividades, mesmo com muitos de seus membros mortos. A ambição do país é criar uma maneira de o mundo se sentir responsável, de alguma forma, pela competência com que o grupo será vigiado a partir da próxima trégua entre as partes.

É arriscado e pouco preciso o termo “convivência”, mas creio que ele pode ser usado para definir como Israel pretende se relacionar com o Hamas daqui pra frente – por mais estranho que isso possa parecer. A diferença agora é que os olhos da comunidade internacional irão se voltar, pelo menos por um bom tempo, para as atividades do grupo extremista.

E, por si só, esta terá sido uma grande vitória para o governo israelense que se despede. Afinal, ao menos temporariamente, Olmert, Livni e Barak terão conseguido levar tranqüilidade para os cidadãos do sul do país. Talvez por um período de tempo suficiente para impulsionar a campanha de Livni ou Barak nas eleições de 10 de fevereiro.


Resolução do Conselho de Segurança


A resolução proposta pela ONU mostra alguns aspectos diferentes e que agradaram aos Estados Unidos. Menciona um cessar-fogo permanente e, conforme citado pelo ministro britânico para assuntos exteriores, David Miliband, segurança para os israelenses da região sul do país, e dignidade para os palestinos de Gaza.

Provavelmente, quando a maioria ler este texto, a resolução já terá sido aprovada pelo Conselho de Segurança e poderemos descobrir quais serão as medidas práticas para aplicá-la no cenário da guerra. Mas um detalhe interessante me chamou a atenção. Depois que Miliband encerrou seu pronunciamento aos jornalistas, o secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, foi ao microfone e fez um adendo à declaração de seu colega inglês. Ele disse que o objetivo também é prover segurança ao povo de Gaza.

Se as palavras de Moussa de fato forem mais do que retórica vazia, o Conselho de Segurança teria uma excelente oportunidade de mostrar comprometimento com o apaziguamento definitivo da situação. Os moradores de Gaza precisam mesmo de proteção. De preferência, por meio de uma força militar internacional capaz de impedir provocações com mísseis a Israel.

A tranqüilidade no território pode ter um grande significado no futuro da região. Quem sabe, ONU, União Européia, Estados Unidos e os países árabes possam realmente ajudar os palestinos de Gaza a criar instituições sérias e capazes de permitir um ambiente seguro e transparente onde o dinheiro enviado pela comunidade internacional não seja usado para a compra de armamento, mas para o desenvolvimento econômico e social.

Mísseis lançados do Líbano

Os quatro mísseis que caíram no norte de Israel nesta quinta-feira fizeram muita gente prender a respiração, temendo a possibilidade de uma nova frente de batalha e acabando com a possibilidade de qualquer acordo. O Hezbolah se apressou em negar a responsabilidade pelo ataque. A mesma atitude foi tomada pelo governo do Líbano.

O Hezbolah seria capaz de lançar este ataque, mas não teria qualquer temor em se declarar o autor do lançamento desses mísseis. Se não o fez, há pelo menos duas explicações. Para Yoav Stern, jornalista do Haaretz, as eleições libanesas que ocorrem em menos de seis meses poderiam momentaneamente deter as ambições do grupo.

“O Hezbolah não quer se apontado (internamente) como o responsável por mais uma vez acabar com a relativa situação de calma. O grupo não pretende arriscar seus números nas pesquisas de opinião”, escreve.

A outra possibilidade é que os mais de 34 mil mísseis que os extremistas detêm hoje – e continuam a recebê-los do Irã – não devem ser usados agora. Eles estão guardados para uma provável retaliação ao mais do que previsível ataque de Israel às instalações nucleares iranianas.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Cessar-fogo à francesa: simplicidade ilusória

Conforme antecipado pelo blog no post de ontem, Sarkozy parece mesmo ter se antecipado a Obama na solução do atual conflito entre Israel e o Hamas. Segundo o Haaretz, o gabinete da presidência francesa divulgou um comunicado nesta quarta-feira comemorando a aceitação por israelenses e palestinos de termos gerais que serviriam de base para um cessar-fogo.

“O presidente está satisfeito por Israel e a Autoridade Palestina terem concordado com o plano franco-egípcio apresentado na noite passada em Sharm El-Sheikh pelo presidente do Egito, Hosni Mubarak”, diz a nota distribuída à imprensa.

Israel não confirma ter aceitado o plano, mas, também em nota, agradeceu ao empenho de Sarkozy e Mubarak. Segundo o comunicado israelense, “Israel expressa gratidão a Egito e França pelos esforços para obter uma solução capaz de acabar com o terrorismo em Gaza e o contrabando de armas (de território egípcio para Gaza através dos túneis)”.

Entretanto, numa leitura mais atenta do texto divulgado pela França é possível observar que o Hamas não é mencionado.

Há duas possibilidades que poderiam explicar essa ausência: ao ser citado, Israel poderia interpretar como se o grupo extremista ganhasse legitimidade internacional, sendo colocado, inclusive, em pé de igualdade com o próprio estado israelense; ao mesmo tempo, a Autoridade Palestina, do presidente Mahmoud Abbas, perderia credibilidade interna, uma vez que o Hamas assumiria a posição de interlocutor palestino.

Como na Segunda Guerra do Líbano, em 2006, a simples participação do Hamas num acordo poderia ser capitalizada como vitória – da mesma forma que o Hezbolah foi promovido de governo informal (ou mais poderoso que o formal) no Líbano a ator regional importante. O grupo passou também a contar com o dobro do armamento que detinha antes do conflito com Israel.

Posição do Hamas

A resposta do Hamas ao comunicado francês foi bastante clara. O grupo não concorda com uma trégua permanente com Israel. É bom deixar claro, no entanto, que existe uma divisão estrutural. As áreas política e militar são praticamente independentes, da mesma forma que não necessariamente existe consenso entre as lideranças baseadas em Gaza e na Síria.

Em entrevista à Associated Press, o líder exilado do Hamas, Moussa Abu Marzouk, declarou que não haverá negociações enquanto houver ocupação. O repórter só não perguntou qual o significado preciso deste termo para Marzouk, já que é sempre bom lembrar que o objetivo final e declarado do Hamas não é simplesmente a criação de um Estado palestino, mas a destruição de Israel – como cláusula expressa na carta de fundação do grupo e jamais retirada do texto.

Além disso, Osama Hamdan, representante do Hamas no Líbano, também declarou à rede de notícias Al-Jazira, do Catar, não aceitar a presença de forças internacionais que possivelmente passariam a monitorar as fronteiras de Gaza, a movimentação do Hamas e o lançamento de mísseis sobre território israelense.

“Rejeito a presença de uma força internacional. As tropas que serão enviadas a Gaza para proteger Israel serão tratadas como exército inimigo”, disse.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Obama x Sarkozy

Existe outra guerra por trás da ofensiva israelense em Gaza: a competição que irá determinar qual o líder mundial tem o maior poder de articulação e, mesmo sem levar Israel e o Hamas à mesa de negociações, será capaz de costurar um cessar-fogo em bases minimamente satisfatórias a ambos os lados.

Se Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos prometendo mudança, até o momento ele manteve um silêncio que constrange seus partidários. Por isso, no campo das negociações – mesmo que até agora infrutíferas – o grande vencedor desta batalha é o presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Se os líderes franceses cultivaram desconfiança por parte de Israel e da comunidade judaica nos últimos anos, Sarkozy aos poucos vence esta resistência. Em nenhuma ocasião, o presidente francês questionou a motivação israelense por trás dos ataques ao Hamas. Muito pelo contrário.

Em encontro nesta terça-feira com o presidente sírio, Bashar Assad, em Damasco, Sarkozy pediu maior participação internacional no conflito.

“A pressão deve ser exercida sobre todas as partes envolvidas – inclusive sobre o Hamas –, de maneira a silenciar as armas e promover a paz. Israel quer garantir sua segurança, e os palestinos em Gaza querem a reabertura das fronteiras”, disse.

A inteligência do presidente francês é admirável. Ao perceber que a crise no Oriente Médio era mesmo grave, ele abandonou as “férias” no Brasil e se apressou em tomar parte na tentativa de solucioná-la. O tour pelo Oriente Médio já incluiu encontros com líderes de Israel, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, o egípcio, Hosni Mubarak, e, nesta terça, o sírio, Bashar Assad. A próxima escala é Beirute, no Líbano.

O momento não poderia ser melhor para a afirmação da relevância internacional francesa. O país usufrui de grande prestígio com o mundo árabe – acumulado graças a momentos-chave de oposição ao governo Bush, como a invasão ao Iraque – ao mesmo tempo em que Sarkozy se reaproxima de Israel. A França pode sair com o maior capital político deste conflito.

Principalmente por dois fatores: o silêncio de Obama e o desânimo da moribunda administração norte-americana. Bush sabe que não poderá resolver o conflito; enquanto Obama já declarou que “só há um presidente dos Estados Unidos”. Até o dia 20 de janeiro, portanto, o posto de articulador mais importante do mundo está vago. E Sarkozy está aproveitando com inteligência.

Atitudes de Obama

Não se sabe, no entanto, como será o comportamento do próximo presidente americano logo que tomar posse. Existem duas possibilidades: ele manter o atual apoio a Israel ou mudar um pouco o discurso, seguindo a tendência de pesquisas de opinião recentes.

O Instituto Rasmussen mostra que a população americana está dividida sobre a ofensiva israelense. Para 44% dos entrevistados, Israel agiu corretamente ao atacar o Hamas; 41% foram contra. Quando apenas eleitores democratas foram ouvidos, os números mostram um cenário diferente – 31% são favoráveis ao uso da força, enquanto 55% apóiam a solução diplomática.

O papel do Egito

As autoridades egípcias têm mantido diálogos secretos com líderes do Hamas na busca por um cessar-fogo. Segundo o jornal Haaretz, uma fonte do país confidenciou que o chefe da inteligência do Egito, Omar Suleiman, mandou um recado claro para os membros do grupo: caso não cooperem com a possível próxima trégua, os palestinos correm sérios riscos de perderem tudo o que conseg
uiram até hoje.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Israel em luta com o Irã, e Hamas busca legitimidade

Ao contrário do que possa parecer, Israel não mira apenas na destruição da infra-estrutura do Hamas. Há um inimigo muito mais forte, irônico e conhecido por trás da motivação que levou os israelenses a invadirem Gaza: o Irã de Mahmoud Ahmadinejad. Além das declarações do presidente iraniano e da corrida por armamento nuclear, a substituição dos desgovernados Qassam por mísseis Grad de médio e longo alcance evidenciam que novamente Jerusalém e Teerã estão em confronto.

A Segunda Guerra do Líbano, em 2006, já mostrara como o Hezbolah recebera armamento de Síria e Irã. Mas, ao contrário deste primeiro conflito, o atual embate conta com maior legitimidade internacional, inclusive de países árabes.

O silêncio da Arábia Saudita e a inesperada cooperação do Egito demonstram como esses países passaram a acompanhar – mesmo sem muito alarde – com certa satisfação o recado regional que Israel está tentando enviar ao Irã: não será fácil para o país alcançar a supremacia no Oriente Médio – seja ela política ou militar.

De fato, a mensagem agrada muito mais aos dois países árabes do que propriamente a Israel, na medida em que o Estado Judeu sequer conta com legitimidade por parte de Teerã.

Do lado israelense, a estratégia é mostrar que suas forças armadas estão prontas para um eventual – e, de certa forma, previsível – embate direto com os iranianos. Além disso, a intenção é deixar claro que o país não aceitará ser provocado ou atingido pelo Irã de forma indireta e praticamente dentro de seu território.

Nesta segunda-feira, em conferência de imprensa com líderes europeus, a ministra das relações exteriores, Tzipi Livni, declarou que “Israel não está somente exercendo seu direito de autodefesa, como também promove uma campanha regional contra o terror e o extremismo”.

Legitimidade

A atual guerra também se mostra um conflito por legitimidade política. E é justamente isso o que impede um cessar-fogo. Na visão israelense, parar a ofensiva agora e assinar uma trégua com o Hamas é transformar o grupo num importante ator regional.

O impasse ocorre porque obviamente o Hamas não quer abrir mão dos ganhos políticos obtidos em três momentos de importância inquestionável: a retirada israelense de Gaza, em 2005; a vitória nas urnas palestinas, em 2006; e a expulsão da Autoridade Palestina do território, em 2007.

Um acordo entre Israel e Hamas hoje poderia ser interpretado como o maior ganho político do grupo em sua história, da mesma forma como a resolução da ONU que encerrou a Segunda Guerra do Líbano, em 2006, teve uma impacto muito positivo para o Hezbolah diante da opinião pública do mundo árabe.

Por isso também o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, condena os ataques de Israel, mas também faz questão de culpar o Hamas pelo início do novo ciclo de violência.

Segundo o jornal Haaretz, o cenário ideal para Israel hoje seria o seguinte: o fim da ofensiva com um cessar-fogo permanente baseado num novo sistema de monitoramento das fronteiras que impedisse o lançamento de mísseis e o contrabando de armas pelos túneis construídos entre Gaza e Egito. Os encarregados da manutenção da paz seriam Israel, Egito, Autoridade Palestina e os Estados Unidos. O Hamas não seria representado.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Israel inicia ofensiva terrestre

Depois de uma longa semana repleta de expectativa, tensão, mortes e sofrimento, finalmente Israel lançou a ofensiva terrestre em Gaza. Numa operação envolvendo dez mil soldados, forças de engenharia, tanques, Marinha, o Shin Bet e outros serviços de segurança, o ataque acrescenta um fato novo ao objetivo inicial de destruir o máximo possível da infra-estrutura do Hamas.

Se nos primeiros dias o alvo era a capacidade técnica e de mobilização do grupo extremista, agora Israel quer tomar os pontos de onde os foguetes são lançados.

Muito possivelmente bem-sucedida do ponto de vista militar, a operação pode custar muito caro a Israel. O número de vítimas civis deve aumentar, uma vez que devido à complexidade e densidade populacional do território – além da tática de guerrilha aplicada pelo Hamas – é muito difícil a diferenciação entre terroristas e a população regular de Gaza. Ao contrário dos israelenses, os extremistas do Hamas não usam uniformes ou qualquer identificação.

Segundo o jornal Haaretz, os primeiros passos da operação envolveram o bombardeio por aviões da Força Aérea da principal estrada de Gaza, de forma a dificultar a movimentação de membros do Hamas. Antes da entrada das tropas israelenses, a artilharia teria destruído explosivos e minas terrestres colocados pelo grupo ao longo da fronteira.

Do ponto de vista da opinião pública, a mudança de estratégia pode gerar mais críticas a Israel de dois lados distintos. A já assertiva comunidade internacional deve pressionar ainda mais pelo fim da ofensiva; e, dependendo do desempenho do exército e do número de soldados mortos, o público interno do Estado Judeu pode exigir explicações de um já desgastado governo, além de investigações internas da Suprema Corte questionando a competência de Olmert, Barak e Livni a um mês das eleições gerais no país.

Até o momento, pesquisas apontam que o ministro da defesa, Ehud Barak, é o maior vencedor, mesmo se não for o próximo primeiro-ministro: ele traz de volta ao cenário político o Partido Trabalhista, que, de legenda fundadora e de inquestionável importância na história do país, estava relegado à terceira força – atrás de Kadima e Likud.

A incursão terrestre em Gaza não surpreende. Os reservistas já haviam sido convocados e, desde o primeiro dia de ofensiva, Barak deixa claro que Israel não iria se limitar aos bombardeios aéreos. Ele também repetiu inúmeras vezes que os ataques podem durar muito tempo, de maneira a envergar o Hamas ao máximo antes de uma inevitável trégua.

No entanto, as posições entre membros importantes do governo israelense são divergentes. Autoridades de defesa tendem a aceitar um acordo com o Hamas – mesmo que informal.

A ministra da Relações Exteriores e candidata do Kadima nas próxima eleições, Tzipi Livni, é favorável ao fim da hostilidades – mesmo sem encerramento formal dos conflitos – , desde que a situação atual deixe absolutamente claro que Israel responderá com o uso da força a qualquer novo lançamento de mísseis sobre o sul.

Já o primeiro-ministro, Ehud Olmert, prefere um cessar-fogo respaldado pela comunidade internacional. Para ele, o cenário também deveria incluir o monitoramento de organismos multilaterais – como ONU, União Européia etc – das atividades do Hamas durante a próxima trégua.