terça-feira, 30 de junho de 2009

Além do golpe em Honduras

Alguns pontos importantes explicam o interesse maior do que o esperado no golpe militar que tirou o presidente Manuel Zelaya do poder em Honduras.

É o primeiro golpe de Estado na América Latina desde 1993 – decidi excluir deste cálculo a tentativa de pôr um presidente no lugar de Hugo Chávez, em 2002, na Venezuela.

Novamente, é uma chance de transformar o continente num campo de batalha quase caricato entre direita e esquerda. Parte dessa estratégia falhou com a sábia e rápida resposta do governo Obama de declarar oficialmente que não vai reconhecer qualquer presidente hondurenho posto no lugar de Zelaya.

A reviravolta política na América Central deixa os EUA especialmente preocupados. O assunto tem sido pouco comentado, mas existe um olhar aflito americano sobre esta situação, já que a instabilidade em Honduras pode mesmo se refletir perigosamente em território americano.

Tudo porque a facção criminosa Mara Salvatrucha – traço marcante do violento cotidiano das ruas do país centro-americano – está instalada também nos Estados Unidos, atuando principalmente no tráfico de drogas.

Para se ter a exata noção do tamanho do poder da MS em Honduras, o ex-presidente Ricardo Maduro foi formalmente ameaçado de morte, em 2005, ao estabelecer uma campanha de combate às “Maras” (é assim que a organização é conhecida).

Além disso, a MS conta com mais de 100 mil membros, número particularmente expressivo quando se leva em consideração que a população de Honduras não ultrapassa a casa dos 7 milhões.

A extensa cobertura da imprensa americana apresenta uma visão completamente oposta aos dos meios de comunicação latino-americanos sobre o golpe. Enquanto por aqui é quase consensual a posição de que a retirada de Zelaya do cargo ameaça a estabilidade democrática, alguns jornais dos EUA tentam de certa forma justificar os atos da oposição hondurenha.

“Não é surpresa que os chavistas da região procuram afirmar que ele (Zelaya) foi vítima de um golpe militar. Eles querem esconder o fato de que os militares agiram a partir de uma ordem da Justiça para defender a lei e a Constituição”, escreve a colunista do Wall Street Journal Mary Anastasia O’Grady.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

'As eleições são fundamentais para a sucessão presidencial de 2011'

Morando há três anos em Buenos Aires, o jornalista e cientista político brasileiro Bruno Moreno consegue enxergar as distintas camadas de discussão para além do processo eleitoral argentino. Segundo ele, mais do que vagas no Câmara e no Senado, a disputa visa à corrida presidencial de 2011.

As decisões políticas na Argentina mexem com o imaginário e com temores profundos do empresariado brasileiro. As eleições no país vizinho recebem extensa cobertura da imprensa por aqui e afetam o negócio de mídia de diversas maneiras. É o caso das polêmicas propostas do casal Kirchner para o setor, que vêm recebendo críticas diárias nos meios de comunicação de lá e daqui. Antecipando a disputa deste domingo, Bruno concedeu por email a seguinte entrevista ao blog Carta & Crônica.

C&C - O que realmente está em jogo nessas eleições? É a aprovação de Cristina Kirchner ou uma mudança política e mesmo social na Argentina?

O que está em jogo nessas eleições, mais do que a aprovação da Cristina, é a governabilidade, daqui pra frente, do projeto que os Kirchner tem para o país. Falo "dos Kirchner" porque o que era uma suspeita de que a Argentina era governada pelo casal se concretizou com a volta de Nestor ao cenário político oficialmente.

Mas com relação à governabilidade, vale lembrar que, quando eleita, CK estava com a maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Com algumas ações de seu governo, descontentamento da classe média portenha, rachas dentro do próprio justicialismo e peronismo e a chamada crise no campo, o bloco dos “Ks” se enfraqueceu e gerou brechas para uma maior popularização de pessoas ligadas à oposição e para uma maior rejeição ao governo justicialista.

Em outras palavras, culminando no que as pesquisas apontam atualmente: o partido justicialista poderá perder cadeiras em províncias importantes como Mendoza e Córdoba, além da derrota já clara na capital. À parte da luta na Província de Buenos Aires, que responde por mais de 40 % de todo o padrão eleitoral (e por isso seja o ponto central de disputa), Kirchner ainda tenha muitas chances de vencer.

Uma das questões é: Como será a governabilidade de Cristina sem a maioria nas duas casas? De acordo com o que a oposição (em suas diversas ramificações) vem pregando e mostrando, será de embate permanente e altamente crítico ao modelo que os Kirchner propõem à Argentina. Mesmo com a maioria, até onde ela pode sustentar essa oposição ferrenha (que vencendo ou perdendo, ganhou espaço no cenário político) e o descontentamento claro da classe média de Buenos Aires?

Nesse sentido, obviamente, essas eleições são fundamentais para o quadro de sucessão presidencial em 2011 e para o tão chamado modelo nacional. Lembrando que a oposição que se forma agora na Argentina não só contesta ações políticas pontuais dos Kirchner, mas propõe decisões muito diferentes e por vezes opostas às propostas e tomadas por Cristina. Um exemplo que pode ilustrar isso é que o atual prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, candidato da oposição e aposta para a presidência em 2011, disse essa semana que se estivesse na liderança da nação, privatizaria de novo a Previdência Social e as Aerolineas Argentinas (reestatizadas por Kirchner). Ou seja, são mudanças importantes em relação ao modelo atual que as diferentes correntes políticas propõem.

C&C - Qual o papel da imprensa nesta disputa? Afinal, a proposta de uma nova lei do setor está incomodando grandes grupos de mídia, como o Clarín. Aliás, parte da imprensa brasileira vem divulgando essas reformas como uma tentativa de acabar com a liberdade de expressão, mas parece que a possibilidade de as telefônicas se tornarem proprietárias de veículos de comunicação e produtoras de conteúdo é uma ameaça às grandes corporaçõe do setor, certo?

A grande denúncia que se faz é que os grandes veículos estão contra o governo. E, por sua vez, Kirchner está contra os grandes veículos. E isso também tem a ver com a lei do setor.

Um dos pontos que devemos saber é que, diferente do Brasil, aqui há uma maior divisão na participação das empresas nos meios. Não existe uma empresa que abarca quase todo o mercado, nem um telejornal, por exemplo, que comunique a quase metade da audiência. Embora o grupo Clarín e o grupo La Nación tenham a maior parte dessa fatia, há um equilíbrio inegavelmente maior do que no Brasil. E muito importante também: as posições políticas assumidas de cada veículo, embora nunca transparentes, são mais claras.

A nova lei do setor audiovisual vem sendo usada como plataforma política dos Kirchner sistematicamente. Por que política? Ela aqui, como no Brasil, não é bem vista por grupos como os citados, mas conta com apoio importante de outros setores da sociedade, como o universitário e até de parte da oposição. A alegação é muito parecida (“liberdade de expressão”) e ganha mais força ainda com a guerra declarada entre os Kirchner e o grupo Clarín, principalmente.

Como o governo tem a força sindical ao seu lado, fundamental para a governabilidade, torna-se um embate também entre força sindical e Clarín e vai tomando contornos mais complexos quando vislumbramos a oposição que essa forca sindical (basicamente peronista) faz com um pensamento mais "de direita", do partido radical e da classe média e média-alta portenha. Ou seja, a guerra declarada entre Clarín e os Kirchner vai além do papel especificamente de imprensa e governo. Deságua em embates políticos e de correntes ideológicas, por assim dizer.

O que chama atenção nessas eleições especificamente é que o fortalecimento da oposição – que não estava integrada no início da disputa – também pode ser visto como fruto do papel dos grandes veículos, inegavelmente críticos ao governo. Francisco De Narvaéz, por exemplo, era um nome com pouco apelo popular, mais conhecido por seu envolvimento com negócios suspeitos, que entrou nesse vácuo complexo de descontentamento das classes altas e falta de alternativas populares da oposição. Em poucos meses já está empatado com Kirchner na província e já se constituiu como um nome poderoso nessa ou nas próximas eleições. E não necessariamente os grandes grupos de comunicação assumiram a candidatura dele, mas com sua clara campanha contra o governo, possibilitaram a ascensão de políticos antikirchneristas.

C&C - Como os resultados podem afetar a relação da Argentina com o Brasil? Bem ou mal, o Mercosul ainda existe, apesar de não cumprir com eficácia seu objetivo principal (ser um mercado comum).

Com todas as críticas feitas, é preciso reconhecer que a relação entre o governo argentino e o brasileiro não é de embates, mas de reconhecido diálogo. Se o Mercosul se enfraqueceu economicamente (comparando ao que movimentou em seu início), pelo menos politicamente há um diálogo fluido entre presidências e, é preciso ressaltar, uma admiração quase messiânica da figura de Lula por aqui.

Pelo lado comercial, lembremos que só as empresas brasileiras respondem por mais de um quinto da economia argentina. É uma presença muito forte. A relação entre Brasil e Argentina pode ser afetada a partir do momento em que se demonstrar uma falta de unidade política e dificuldade de governabilidade por aqui, sempre trazendo o fantasma da crise de 2001, o que pode colocar em risco as relações comerciais entre os dois países (temor por parte dos investidores). E, de fato, o empresariado brasileiro está atento a essas eleições.

C&C - E se essa lei de imprensa passar por aí? Será que pode haver alguma grande mudança na regulamentação do setor aqui no Brasil?

Essa é uma pergunta que só pode ser respondida após essas eleições e depende do grau de fortalecimento da oposição, embora seja uma lei que conta com um forte apelo e aceitação por partes importantes da sociedade argentina. O fato é que essa lei, pelo forte teor político aqui na Argentina, não vai sair de discussão nem perder destaque até sua votação.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A complexidade envolvendo a ocupação do Afeganistão

Dando sequência a um dos assuntos abordados ontem, a agência de notícias Associated Press publica uma informação importante. Segundo a AP, o objetivo principal do general Stanley McChrystal – que assumiu há uma semana a enorme responsabilidade de comandar as tropas americanas no Afeganistão – é promover uma mudança de consciência dos soldados dos EUA e da OTAN. A partir de agora, a ordem é proteger os civis e não somente se concentrar nos combates aos extremistas talibãs.

A determinação deve gerar um comunicado oficial listando novas regras para as ações no país. Uma alteração prática e importante, por exemplo, é evitar trocas de tiros com rebeldes escondidos em casas de civis. Em situações como esta, os soldados americanos devem esperar que os talibãs deixem as posições e decidam optar pelo combate externo. Somente aí a luta será permitida.

Sinceramente, não sei se isso vai funcionar. Acho que não, até porque o lado que opta por regras de conduta rígidas em situações extremas acaba se tornando o mais fraco do ponto de vista militar. É claro que esta nova determinação é interessante e bastante digna, mas estou analisando a ordem apenas como um peso a mais em batalhas que, muito provavelmente, acabam por usar métodos nada limpos.

Mas, sem a menor dúvida, adotar medidas claras e que visam à proteção dos civis afegãos faze parte do capital político do atual governo dos EUA. Mais ainda, acaba se tornando um contraponto a Bush e dão ainda mais peso e legitimidade à tentativa de Obama de abrir novas frentes diplomáticas. O mesmo se aplica ao anúncio da alocação de um embaixador americano na Síria depois de quatro anos.

Olhando o quadro da guerra do Afeganistão sob uma perspectiva ampliada, a própria presença americana no país é questionável para muita gente. Não só no Afeganistão, mas também a estratégia de ocupar países falidos e que se tornaram base para o lançamento de ataques terroristas contra os Estados Unidos.

A deflagração do ataque ao Afeganistão logo após os atentados de 11 de Setembro foi quase uma resposta estomacal. A população dos EUA pedia uma resposta aos ataques e a derrubada do regime Talibã era uma opção óbvia. Mas a situação envolve uma complexidade que vai além de tirar os extremistas do poder e inventar um aparato político e burocrático.

É no país que se concentram 93% da produção mundial de ópio. E essa é quase que exclusivamente seu único produto de exportação – mesmo que ilegal. Para impedir que os talibãs deixem de recrutar uma população sem alternativas econômicas, é preciso criar também uma nova estrutura de emprego; fábricas, empresas, sistema de transporte, educação para o trabalho. E essas são metas ambiciosas e, principalmente, caras demais. Nem os EUA, nem qualquer outro país do mundo estão dispostos a elaborar um Plano Marshall para o Afeganistão.

E por tudo isso, o cenário não poderia ser diferente. Não apenas os talibãs continuam suas atividades extremistas, como agora não estão mais restritos ao Afeganistão. Agora o grupo extremista e fanático está instalado logo ali ao lado, no Paquistão, país aliado dos Estados Unidos e detentor de tecnologia nuclear. Mas como ninguém antecipou os fatos e previu esta sucessão de acontecimentos que podem ser catastróficos?

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Muita novidade e pouco resultado nas guerras de AfPak e Iraque

Enquanto as atenções estão justificadamente voltadas para as manifestações no Irã, as guerras travadas por americanos e forças da OTAN em Iraque, Afeganistão e Paquistão estão sofrendo seguidos golpes.

Antecipando a grande notícia da próxima terça-feira, as tropas dos Estados Unidos – compostas por 133 mil soldados – devem deixar na semana que vem de atuar nas cidades iraquianas e suas atividades ficarão restritas às bases militares. Mas hoje, como vem acontecendo ao longo deste mês, um grande atentado terrorista ocorreu em Sadr City, um dos bairros mais pobres de Bagdá.

É uma clara tentativa de tornar a situação instável às vésperas do início da retirada americana, uma disputa para determinar quem vai ter a palavra final. Quanto mais mortes de civis agora, menos competente o lastro da presença dos militares dos EUA.

Na outra frente de batalha, novas e péssimas notícias. Um ataque equivocado promovido pelos Estados Unidos causou a morte de dezenas de civis numa região tribal do Paquistão controlada pelo Talibã. Apesar de não admitir publicamente, as forças militares dos EUA realizam operações no espaço aéreo paquistanês. É uma tentativa de combater os talibãs em áreas que se tornaram reduto e esconderijo para os líderes extremistas. Desde agosto de 2008, cerca de 40 ataques americanos foram realizados e os erros causaram a morte de 410 civis.

No Afeganistão as notícias tampouco são positivas. Somente na primeira semana de junho, o número de ataques terroristas promovidos pelo Talibã passa de 400. Entre alternâncias de generais no comando da operação americana, os cálculos de gastos militares previstos para este ano ultrapassa a casa dos 60 bilhões de dólares.

A questão financeira pode mesmo ser um dos motivos para a estratégia ocidental não funcionar e sequer conseguir diminuir a adesão civil ao Talibã. Os EUA pagam salários de 100 dólares mensais aos afegãos que desejam ser treinados para fazer parte das forças militares regulares do Afeganistão; o Talibã paga 300 dólares.

Como se vê, ainda falta muito para reverter o cenário em Afeganistão, Iraque e Paquistão. Por mais dinheiro que se empregue, ainda não se conseguiu elaborar uma estratégia eficaz que ao menos consiga tornar claro aos próprios afegãos, por exemplo, que derrotar o Talibã não é algo positivo somente para o governo dos Estados Unidos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

No Oriente Médio surgem as consequências imediatas aos protestos

Com a confusão instalada no Irã por período indeterminado, as consequências das manifestações em Teerã se espalham por todo o Oriente Médio, atingindo aliados e inimigos. No caso específico de Israel – único oponente declarado ao regime dos aiatolás e de Ahmadinejad – há uma posição que paira no ar quase de maneira silenciosa.

Em entrevista ao jornal alemão Bild, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, afirmou que não existe qualquer conflito entre os povos israelense e iraniano. Lembrou que já houve períodos de relações amistosas entre os países – antes da Revolução Islâmica de 1979 – e considerou positivo o descontentamento da população iraniana – cujas enormes passeatas e embate com a polícia são formadas basicamente pelos moradores da capital iraniana. Esta também é a posição do presidente israelense, Shimon Peres.

O assunto não chega a ser comentado com frequência pelas autoridades de Israel por temor de que qualquer declaração possa influenciar diretamente os atuais protestos.

“Os líderes israelenses estão relutantes de apoiarem diretamente os manifestantes porque estar associado a Israel poderia mais prejudicá-los do que ajudar”, diz ao jornal Haaretz Shlomo Aronson, cientista político da Universidade Hebraica de Jerusalém.

O fato é que até o plano de atacar as bases nucleares de Ahmadinejad pode ser adiado. Não se sabe ao certo se para ganhar tempo e ver os efeitos desencadeados por essa crise. Acredito que em parte sim, mas também por uma decisão meramente técnica. Seja qual for o motivo, o chefe do Mossad declarou na última semana que, segundo previsões técnicas, o Irã só deve conseguir obter tecnologia nuclear para produzir armas atômicas em 2014.

No outro lado dessa moeda estão os dois maiores aliados de Ahmadinejad: Síria e Hezbolah. Ambos não estão vendo com bons olhos a confusão nas ruas de Teerã. No caso de Bashar Assad, presidente sírio, existe o temor de que a onda de rebelião se espalhe para seu país. E seu não é figura de linguagem, levando-se em consideração, por exemplo, que o presidente foi reeleito com 97% dos votos. O veto a informações vindas do Irã é medida oficial. Tanto que a agência de notícias síria – controlada pelo governo – ignora solenemente os protestos da população iraniana.

Na parte do Líbano dominada pelo Hezbolah, o movimento é um pouco distinto. O discurso ainda mais extremista ganhou força. Ahmadinejad é visto como um mártir xiita perseguido por Estados Unidos e Israel. Parece que o discurso do presidente iraniano de culpar as forças ocidentais pela confusão no Irã só virou pop mesmo no sul de Beirute.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

No discurso de Khamenei, ataques aos inimigos e mensagem indireta para Mousavi

Para não deixar nenhuma dúvida, o discurso do supremo líder iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, foi repleto de palavras duras contra o ocidente, a mídia e, é claro, Israel. De importante mesmo, o apoio ao presidente reeleito Mahmoud Ahmadinejad. Khamenei reafirmou que as eleições foram limpas e usou um argumento muito semelhante ao do presidente Lula no início da semana para contestar a suposta fraude.


“Houve uma diferença de 11 milhões de votos. Como se pode manipular 11 milhões de votos?”, perguntou.


Ora, nada mais simples. Ao menos numa região onde a manipulação de votos é um hábito quase tão tradicional quanto participar das orações de sexta-feira nas mesquitas.


Era assim nos tempos de Saddam Hussein – sim, ele fazia questão de realizar eleições e incrivelmente era reeleito sucessivamente com mais de 90% dos vots – e continua assim hoje no Egito de Hosni Mubarak e na Síria de Bashar Assad.


A habilidade do governo do Irã com as cédulas de papel deve ser mesmo enorme. Afinal, menos de 12 horas após o encerramento das eleições, Ahmadinejad já era declarado vencedor. Ou seja, se apurar cerca de 30 milhões de votos é rápido, manipular somente 11 milhões deles não deve ser das tarefas mais difíceis, convenhamos.


O discurso do supremo líder realizado hoje teve um tom de “déjà vu” em alguns momentos e acusações inéditas e curiosas em outros.


“Os inimigos através de vários meios de comunicação – e alguns deles pertencem aos sionistas – tentam fazer crer que existe uma luta entre os militantes da oposição e o establishment islâmico”.


Ora, acusar os judeus pela propagação de informações consideradas contrarrevolucionárias não é novidade. Além de unir as diversas partes em conflito, pega bem junto à opinião pública dos países da região. O curioso foi Khamenei apontar sua metralhadora verbal na direção do Reino Unido, qualificando-o de “o mais demoníaco dos inimigos do Irã”. A plateia correspondeu à afirmação entoando o cântico de “morte à Grã-Bretanha”. Soa bastante estranho aos britânicos ser a bola da vez, ainda mais se for lembrado o fato de o próprio Ahmadinejad ter sido convidado pelo Channel 4 para fazer o discurso de natal ao vivo para os ingleses.


Ainda sobre o discurso de hoje, o opositor e derrotado Mousavi havia sido convidado para estar presente durante a exposição. Ele não apareceu e ninguém sabe ao certo qual papel vai exercer a partir de agora. As palavras de Khamenei tentaram constrangê-lo. Afinal, boa parte da mensagem foi o habitual e pouco criativo “quem não está conosco está ao lado dos sionistas”. Os próximos dias vão mostrar como Mousavi devolve a bola para o lado do regime.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Obama enfrenta pressão interna para condenar o Irã. Saia-justa também está próxima

Muita gente boa vê esse movimento de oposição ao resultado das eleições no Irã com a otimista perspectiva de testemunhar a História em curso. Concordo em parte com esta visão justamente porque ninguém pode prever o que vai acontecer daqui pra frente. O regime pode até cair, mas isso não deve acontecer agora.

Na ansiedade por assistir à democratização iraniana, parte dos políticos da oposição americana está se atropelando nos discursos e conseguindo mesmo atrapalhar os protestos em Teerã. Com membros do Partido Republicano quase exigindo de Obama que torne públicas palavras de condenação à suposta fraude eleitoral, os partidários de Ahmadinejad agradecem a Alá e usam uma velha e conhecida tática: tentam unir a população com a alegação de que os Estados Unidos estão se intrometendo em assuntos internos do Irã.

Nada poderia ser mais improdutivo neste momento. E, pra falar a verdade, é bem possível que o combalido Partido Republicano esteja mais interessado em minar a estratégia de política externa dos Democratas do que de fato pretenda expressar solidariedade aos partidários de Moussavi.

De toda a maneira, a saia-justa entre Obama e o Irã está cada dia mais próxima, por mais que os protestos sirvam ao menos para adiar o encontro entre o presidente americano e Ahmadinejad. Sim, porque a Casa Branca não esconde de ninguém seu desejo de se aproximar de Teerã para um diálogo franco e, principalmente, direto.

E sem a menor dúvida, apertar a mão de um presidente que, além de todo o seu discurso radical, ainda é acusado de ter sido reeleito ilegitimamente, vai pegar mal. Muito mal. Principalmente quando se lembra que Obama é o autointitulado “porta-voz” da mudança.

Vale lembrar, entretanto, que a política externa americana é regida pelos preceitos constituintes dos EUA, mas também pelo realismo. Afinal, Obama esteve em Riad, na Arábia Saudita – um dos grandes aliados dos americanos no Oriente Médio – e ninguém é louco de cogitar a existência de qualquer traço de democracia no país. O mesmo vale para o Egito – outro grande parceiro dos Estados Unidos na região – palco do discurso mais significativo de Obama até agora, mas cujo presidente, Hosni Mubarak, é reeleito seguidamente com parcelas nada modestas dos votos.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Como a situação desandou para o regime linha-dura do Irã

Os protestos deste momento no Irã estão sendo mal-interpretados. Não está em jogo apenas o resultado das eleições atuais, que se suspeitam fraudados. Mais do que isso, a sociedade coloca em dúvida a própria continuidade do regime. E essa é a grande notícia do dia.

Também é bom deixar claro que muito provavelmente os resultados foram sim manipulados. Entretanto, soma-se a isso um “oba-oba” exagerado da imprensa internacional.

Talvez nada disso tenha sido planejado, mas os acontecimentos se deram da seguinte maneira: os veículos de comunicação estavam justificadamente interessados nas eleições iranianas; o regime percebeu que este era um movimento natural e pensou que poderia até lhe valer uns pontos junto à opinião pública internacional – houve até viagens bancadas para jornalistas estrangeiros, inclusive de alguns jornais brasileiros; os votos possivelmente foram manipulados, mas a maré acabou se voltando contra a cúpula de poder da república islâmica.

O volume de protesto foi muito além do aceitável – para os linha-duras, é claro. Afinal, é bem complicado impedir passeatas envolvendo mais de um milhão de pessoas. Só que a imprensa estava lá pra cobrir inclusive a violência da resposta oficial.

A provável fraude eleitoral é apenas um dos motivos da revolta. A falta de emprego e do poder de compra num país onde a inflação aumenta, mas cujo índice é maquiado pelo governo, a falta de liberdade reivindicada com ainda mais força por dois terços de população com idade inferior a 30 anos e o crescimento da diferença entre pobres e ricos são motivos bastante justificados para levar a massa de gente esclarecida de Teerã a desafiar as forças de repressão governamentais nas ruas.

Aliás, como gosto de repetir, à exceção da falta de liberdade de expressão e também de informação, os demais fatores são os mesmos que têm provocado grandes manifestações na Europa desde o ano passado – lembram do que aconteceu em Grécia, França e Ucrânia?

Seja como for, há dois grupos de resultados importantes emergindo desta confusão toda: fica claro que o líder supremo Ali Khamenei conseguiu reafirmar seu poder; e, por mais contraditório que possa parecer, o tiro acabou saindo pela culatra. Fraudando as eleições, o aiatolá que sucedeu Khomeini acabou por se colocar como alvo da revolta, levando a população a questionar a própria natureza do regime.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Nada muda no Irã

Com os resultados preliminares das eleições iranianas sendo divulgados, a vitória de Ahmadinejad está muito próxima. A euforia criada pela imprensa mundial em torno da candidatura do “reformista” Mousavi se mostrou um engodo.

De todo modo, é preciso deixar claro – como alguns veículos sérios fizeram nesses dias – que mesmo uma hipotética virada eleitoral no Irã mudaria pouca coisa na relação do país com o ocidente. Simplesmente porque o presidente iraniano não é a principal figura no que concerne a decisões sobre política internacional, aproximação com os Estados Unidos e o programa nuclear – esses assuntos ficam por conta do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, herdeiro político e religioso do aiatolá Khomeini.

Houve uma precipitação em torno da candidatura de Mousavi. Ou melhor, a imprensa brasileira – diga-se de passagem, seguindo uma tendência mundial amplificada pelas agências de notícias – deu a entender que a vitória do principal candidato de oposição a Ahmadinejad poderia levar quase a uma mudança real no destino do Irã e até mesmo um relaxamento das diretrizes que regem a república islâmica.

“Somente candidatos que mostrem lealdade suficiente aos ideais ‘revolucionários’ são autorizados pelo Conselho dos Guardiões a concorrer. O Conselho é composto por 12 ‘super delegados’ indicados direta ou indiretamente pelo supremo líder”, escreve o iraniano Karim Sadjadpour, pesquisador do Instituto Carnegie de Paz Internacional, na revista Foreign Policy.

De qualquer forma, a população iraniana deixou claro que deseja mudanças. E isso não será ignorado, principalmente por um regime inteligente e que pretende se perpetuar no poder. Por isso, acredito que mesmo Ahmadinejad deve dar um tempo nas provocações e aceitar o diálogo direto proposto por Barack Obama. Isso não significa, no entanto, que abrirá mão de seu programa nuclear, até porque o próprio presidente americano declarou, no discurso realizado no Cairo, que não se opõe aos objetivos nucleares iranianos desde que tenham fins pacíficos. As palavras de Obama serviram somente para assinar embaixo do maior projeto de governo de Ahmadinejad e podem mesmo ter sido decisivas para alimentar a reeleição deste último.

Seja como for, o poderio e a importância do Irã ficaram cada vez mais evidentes na intensa cobertura jornalística destinada às eleições do país. E isso pode ser um fator positivo, pelo menos para aqueles que desejam um arrefecimento das ambições militares de Teerã.

Como já escrevi neste espaço, quanto mais óbvio o objetivo estratégico do Irã de se tornar a grande potência do Oriente Médio, maior será a união entre os países sunitas para se opor à concretização deste cenário.

É exatamente sobre isso que escreve Jeffrey Goldberg, da revista Atlantic, de Nova Iorque, citando uma fonte anônima do governo dos Emirados Árabes Unidos.

“Mesmo que possamos nos esquecer que o Irã está em busca da obtenção de capacidade nuclear, todos os países árabes e do Golfo estão extremamente insatisfeitos com o envolvimento iraniano em nossa região. Vemos isso no Iraque, no Líbano, no Iêmen. Acabamos de ver Marrocos quebrar os laços diplomáticos com o Irã por causa disso. De um modo ou de outro, isso também está acontecendo em Afeganistão, Paquistão e Sudão”, diz.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Perigos do Jornalismo militante. Aliás, e isso lá pode existir?

Tendo a ética como parâmetro profissional desde sempre, confesso que me envolvi em alguns dilemas ao decidir escrever este texto. Mas a insatisfação com informações equivocadas acerca de alguns pontos relativos ao resultado das eleições no Líbano me convenceu a encontrar uma solução alternativa de forma a expor minhas opiniões e, ao mesmo tempo, não prejudicar um colega de profissão.
Sendo assim, antes de entrar no assunto propriamente, preciso ressaltar que este texto tem por objetivo corrigir um dano que talvez seja incorrigível, uma vez que a avaliação do colega foi exibida no canal a cabo de jornalismo de maior audiência do Brasil.
O fato é que, diante do otimismo gerado pela derrota do Hezbolah, o jornalista em questão assina uma matéria televisiva de Beirute onde coloca a disputa entre os dois principais grupos concorrentes de uma forma nada pertinente à realidade do país. Segundo ele – e esses foram os termos usados –, a coalizão conhecida como 14 de Março, “de direita e apoiada pelos Estados Unidos”, derrotou o Hezbolah, “grupo militante de esquerda”.
Tomei um susto tremendo na mesma hora em que assistia à reportagem. Baseado em quê o colega simplifica de tal forma as complexas disputas que há muito tempo tomam o país? Como considerar o Hezbolah um “grupo” de “esquerda”?
Reconhecidamente usando métodos terroristas e adotando um discurso extremista abertamente, o Hezbolah jamais foi ou pretendeu ser uma facção somente política. E muito menos de esquerda, cujos valores estão historicamente associados a princípios como direitos femininos, liberdade de expressão, respeito às minorias e busca por soluções pacíficas de conflitos. Ao menos em teoria essas são algumas das bandeiras reivindicadas por aqueles que militam em partidos ou grupos de esquerda.

Por mais que exista uma inegável estrutura de assistência social patrocinada pelo grupo xiita, penso que é irresponsável qualificá-lo como pertencente à esquerda. Simplesmente por três grandes motivos: 1 – o xeque Hassan Nasralah, líder do Hezbolah, não cansa de realizar discursos onde pede o uso de todos os meios por muçulmanos de todo o mundo para destruir Israel; 2 – as bases de discussão política no Líbano jamais foram se as distintas representações e segmentos da sociedade do país estão sob os amplos “guarda-chuvas” de esquerda, direita ou centro, classificações tipicamente ocidentais; 3 – o Hezbolah foi fundado em 1982 para combater Israel e, inicialmente, criar uma república islâmica nos moldes do Irã – país que, por sinal, é até hoje seu grande financiador, ao lado da Síria.

Com todas essas informações básicas sobre o movimento extremista xiita libanês, qualificá-lo de partido de esquerda é no mínimo desinformação. Como a imprensa exerce uma função fundamental na formação de opinião pública, o ocorrido se transforma em irresponsabilidade.
Levando-se em consideração que o jornalista em questão mora no Líbano há mais de 20 anos, seguramente ele não desconhece as práticas e o discurso do Hezbolah, tornando o fato ainda mais imperdoável porque me leva a pensar que talvez o sujeito seja mesmo um partidário do grupo. E fica o questionamento neste caso: é possível ou honesto ser jornalista e militante do Hezbolah ao mesmo tempo? E se for este o caso, não seria mais justo que o colega viesse a público para expor suas filiações ideológicas?

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Derrota do Hezbolah no Líbano pode ser o começo de uma virada no Oriente Médio


São tantas as eleições desta semana que é até difícil saber por qual delas começar o texto de hoje. Acho que a mais simples é a europeia, cuja vitória dos conservadores era manjada há um tempo. Na equação proposta pelas urnas, os eleitores deram uma boa margem para a direita que, diante de uma crise financeira sem precedentes e de taxas de desemprego assustadoras – como a de mais de 17% na Espanha –, tem como programa de governo para os próximos anos a velha e conhecida caça aos imigrantes. Nenhuma novidade nisso.

Interessante e surpreendente mesmo foi a vitória do grupo conhecido como 14 de Março, no Líbano. A coalizão, apoiada retoricamente pelos americanos, conseguiu derrotar o grupo extremista xiita Hezbolah.

Ainda é difícil avaliar os resultados práticos desta derrota dos radicais libaneses. Mas ela pode ser interpretada de algumas maneiras: 1 – a visita do vice-presidente americano Joe Biden ao país, em 22 de maio, e o discurso de Obama no Cairo, na última semana, podem ter surtido efeito direto no resultado, o que seria um sinal de que aos poucos os EUA conseguem dissolver o poder da retórica antiamericana na região; 2 – o momento é muito importante: na sexta-feira, as eleições no Irã podem mesmo decidir o futuro do Oriente Médio a curto e longo prazos.

Existe a esperança de que o a vitória do 14 de Março no Líbano possa ser o início de uma onda de ascensão de governos e grupos moderados no Oriente Médio. Na minha opinião, se isso acontecer, Obama não precisará fazer mais nada nos próximos quatro anos para inscrever seu nome na lista dos maiores presidentes americanos de todos os tempos. Mas acho que é prematuro para chegar a qualquer conclusão.

De qualquer forma, fica também o marco de independência do povo libanês. Depois de ir as ruas e dar um sonoro "não" ao domínio sírio, em 2005, a mensagem agora ratifica a decisão de quatro anos atrás. Como se sabe, o Hezbolah é um importante aliado de sírios e iranianos no país. Para ser mais claro, vale citar o apelo de última hora emitido pela Igreja Maronita libanesa, avisando que a identidade árabe do Líbano estava ameaçada – uma clara referência ao Hezbolah e a seu patrocinador, Irã.

Até o momento, o próprio Hezbolah aceitou o resultados das urnas. Segundo o editor-chefe da revista síria Forward Magazine, Sami Moubayed, está é a posição também do presidente Bashar Assad, em Damasco.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Muito mais que palavras em apenas cinco meses

Uma das grandes críticas da opinião pública e dos governos árabes e muçulmanos ao discurso de Obama de ontem é de que as palavras corajosas do presidente americano não se traduzem em ações. Essa é uma visão equivocada, de quem enxerga sempre um copo meio vazio.

Desde que tomou posse, em janeiro, Obama praticamente fez uma cruzada estratégica de mudança dos parâmetros de relações internacionais dos Estados Unidos.

Por mais que tenha aumentado o efetivo militar no Afeganistão, algumas atitudes contrárias às diretrizes do governo Bush são emblemáticas. A determinação de fechar Guantánamo, a aproximação com os países árabes e muçulmanos, o repetitivo – e por vezes desgastante para Washington – processo de tentativa de levar o Irã à mesa de negociações, o fortalecimento dos laços com a Europa e até mesmo uma relativização do apoio a Israel.

Nesta semana, os Estados Unidos não vetaram o retorno de Cuba à Organização dos Estados Americanos (OEA), vigente desde 1962.

Não se pode dizer que Obama não tomou medidas práticas. É injustiça e má-vontade.

Por mais que tenha criticado Israel no Cairo, o presidente o fez muito mais para agradar a seus interlocutores muçulmanos do que por convicções políticas, ideológicas ou pessoais. Ele mesmo acrescentou que a aliança com os israelenses é indissolúvel.

Obama sabe que tem uma missão – e ele gosta disso, pra ser bem sincero – e quer tomar a dianteira. No caso específico do fechamento de Guantánamo, no entanto, precisa da colaboração de mais países. Por mais que todo mundo seja favorável ao fim da prisão americana em Cuba, até o momento somente a Alemanha se comprometeu a receber os terroristas presos.

E isso vai de encontro às críticas direcionadas a Obama. Neste caso, por exemplo, ele quer tomar medidas práticas. São os outros que se recusam a agir.

As críticas a Obama que têm sido feitas pelos países árabes e muçulmanos são parte do processo de pressão exercido neste momento que o presidente americano deixa claro que o Oriente Médio é um foco importante de seu governo. Essa pressão vai continuar como uma espécie de barganha para conseguir que Washington ceda o máximo possível aos argumentos desses Estados durante o rascunho de uma solução que Obama pensa ser possível para o conflito entre Israel e os palestinos.

É uma estratégia que pode ser vitoriosa, caso a atual administração dos EUA deixe ainda mais claro que precisa de rapidez, boa vontade e parceria dos líderes da região.

Em tempo – combatendo a proliferação do lugar-comum, disponibilizo aqui um mapa que mostra a distribuição do petróleo extraído do Oriente Médio. Como se vê, não há produção em Israel ou nos territórios da Autoridade Palestina.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Obama faz discurso corajoso no Cairo

Não há como negar que o discurso de 55 minutos de Obama no Cairo tenha sido espetacular. Com tantas metáforas, conexões, alusões e poesia, bem poderia ter sido de autoria do Cara. Como se esperava, o presidente americano conseguiu criar um clima de otimismo capaz de constranger qualquer um que ambicione mais uma guerra na região.

Houve de tudo. Como um professor, Obama pontuou cada item e, assim, conseguiu agradar a todo mundo. Dentre os pontos mais aguardados, falou sobre as semelhanças entre judaísmo, cristianismo e islamismo; reafirmou os laços “indissolúveis” entre EUA e Israel; usou o termo Palestina para mencionar a solução de dois Estados para dois povos vivendo em paz lado a lado; e cutucou o atual governo israelense pela continuidade da construção dos assentamentos na Cisjordânia.

O resultado do pronunciamento pode ser considerado positivo. Com direito a aplausos da plateia e até gritinhos de “eu te amo”. Uma espécie de Rock in Rio da política externa.

Alguns dos principais atores internacionais já deixaram claro que gostaram do que ouviram. O porta-voz da Autoridade Palestina disse estar “animado e com boas expectativas” depois do pronunciamento do presidente americano; o chefe de política externa da União Europeia, Javier Solana, usou o adjetivo “extraordinário”; até o governo israelense disse partilhar da visão apresentada por Obama, dizendo esperar que o discurso seja o início de uma era de conciliação entre o país e o mundo árabe e islâmico.

O ponto fora da curva ficou por conta do Irã. Em meio às comemorações pelos 30 anos da Revolução Islâmica, o líder supremo iraniano, o Aiatolá Ali Khamenei, fez um comunicado público em que afirmou que os muçulmanos de todo o mundo “odeiam a América do fundo de seus corações.

O discurso de Obama serve para amenizar as feridas. De fato, é bem provável que um novo começo com os países muçulmanos seja mesmo possível.

Mas existem grandes pontos de divergência e acho pouco viável que os EUA abram mão de valores considerados fundamentais em nome de uma aliança com os países da região – para ser mais claro, o próprio discurso de hoje reiterou a posição americana de não negociar com o Hamas enquanto o grupo não aceitar a existência de Israel e tampouco deixar de se utilizar de métodos terroristas.

Como a cooperação de governos muçulmanos vai depender em boa parte dos passos tomados na prática pelos Estados Unidos, a situação é de esperança, mas com reservas. O que se pôde ver hoje foi o presidente americano ansioso por pôr a mão na massa. Ele disse que vai se envolver pessoalmente na busca pela resolução do dramático impasse entre Israel e os palestinos, mas sem maniqueísmos que simplifiquem a situação.

“O conflito árabe-israelense não deve mais ser usado como forma de distrair a população dos países árabes de seus próprios problemas”, disse.

É preciso coragem para mandar esta mensagem tão direta. Acho que o pronunciamento de hoje pode ser o começo de um caminho.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Otimismo de Obama contrasta com realidade do Oriente Médio

Pela primeira vez desde que assumiu a posição política mais importante do planeta, Barack Obama concedeu uma entrevista à BBC. É a primeira entrevista também a um veículo de comunicação do Reino Unido. Não significa muito, mas, segundo a própria megacorporação britânica, a empresa foi escolhida pela equipe de Obama porque seu objetivo é alcançar os rincões do mundo. E a BBC está em boa parte das parabólicas mesmo nos lugares mais isolados.

E esse foi um esquenta importante para a empreitada do líder americano. Conforme informado no texto de ontem, o aguardado discurso de quinta-feira, no Cairo, irá simbolizar uma aproximação ainda maior com o mundo islâmico. E por isso o próprio presidente dos EUA fez questão de enfatizar à empresa britânica dois dos mais importantes e sensíveis temas aos muçulmanos: a relação dos Estados Unidos com o Irã, e a posição norte-americana acerca de uma solução do conflito entre israelenses e palestinos.

Jogando pra galera, Obama disse que pretende conseguir progresso com os iranianos até o final do ano através de contatos diplomáticos firmes e diretos. Sobre o conflito entre Israel e os palestinos, a posição é a mesma de sempre: “é interesse dos Estados Unidos que existam dois Estados convivendo lado a lado em paz e segurança”, disse. É um discurso bonito, um tremendo lugar-comum, mas não uma solução definitiva (para ler o que escrevi sobre isso, clique aqui).

Enquanto é criado este clima de otimismo, os fatos “on the ground” – como gostam de dizer os analistas internacionais – mostram que as expectativas da região são opostas.

Desde domingo, Israel realiza o maior exercício civil de sua história. O objetivo é avaliar as reações de diversas áreas de segurança e da própria população para o caso de um ataque de grandes proporções ao país.

A mobilização nacional termina na quinta-feira – mesmo dia do discurso de Obama logo ali ao lado, no Egito –, quando equipes médicas, de resgate e segurança vão se deparar com cenários pessimistas diversos, incluindo simulações de explosões de armamento químico dentro de Israel. Precisa dizer mais alguma coisa? 

É uma pena, mas neste momento o otimismo no Oriente Médio está representado somente por boas intenções e discursos cinematográficos. E para por aí mesmo.


PS: ao contrário do que evidenciam os fatos, em encontro com seu parceiro de cargo na Rússia, o ministro das Relações Exteriores israelense, Avigdor Lieberman, disse à imprensa que Israel não tem intenções de atacar o Irã.

“Não queremos que um problema global seja resolvido por nossas mãos”, declarou.

Talvez ele esteja blefando. Talvez seja uma estratégia para despistar. O exercício civil envolvendo vários setores do país pode ser uma forma de mandar um recado para o Irã de que Israel está se preparando. Quem confunde sai na frente. O Irã confunde o mundo com a ambiguidade de declarações políticas e o sigilo em torno de seu programa nuclear. É possível que Israel tenha decidido fazer o mesmo. Todas as possibilidades estão abertas. 

terça-feira, 2 de junho de 2009

A guerra da mídia

Na próxima quinta-feira, o presidente americano, Barack Obama, estará no Cairo, capital do Egito, onde fará um dos mais aguardados pronunciamentos do ano. Segundo o analista Howard Fineman, da Newsweek, o objetivo de seu discurso é nada menos do que reconciliar Islã e modernidade. Mas, em meio a tanto otimismo, alguns dados chegam da guerra travada pelos EUA no Iraque.

É verdade que o ex-país de Saddam ficou meio esquecido nas últimas semanas. A luta entre talibãs e forças governamentais do Paquistão tem merecido maior destaque. Além, é claro, da escalada de ameaças e testes nucleares na Coreia do Norte.

Um fato ocorrido nesta segunda-feira me chamou a atenção. A divulgação dos recentes números sobre a violência no Iraque. É chocante e interessante notar como uma mesma notícia pode ser veiculada de várias maneiras. Tudo depende somente da empresa de comunicação responsável pela publicação e de suas filiações e simpatias ideológicas.

No caso, as duas empresas enxergam o mundo de maneira diferente, muito embora ambas sejam referências internacionais. Dando nome aos bois: The Wall Street Journal e BBC.

A matéria da BBC leva o título “mortes de americanos no Iraque aumentam em maio”.

“Em maio, 24 soldados dos EUA morreram, aumentando o número total de mortos americanos desde a invasão de 2003 para pouco mais de 4.300”, informa o texto. Este é o ponto principal da matéria.

No terceiro parágrafo, entretanto, o leitor fica sabendo que houve uma queda significativa na quantidade de baixas civis. Citando os ministérios do Interior e Saúde iraquianos, a BBC divulga a informação de que 124 civis morreram em maio. Em abril, foram 355.

Já o olhar do Wall Street Journal é repleto de um otimismo absolutamente oposto ao da BBC. A manchete é “mortes no Iraque diminuem” e o subtítulo é ainda mais explícito: “o mês de maio apresentou o menor número de mortes violentas desde 2003 (o ano da invasão ao país)”.

Logo em seguida, o texto cita as mesmas informações da matéria da BBC em relação ao número de civis mortos e a comparação com o mês de abril.

Com o Oriente Médio em evidência desde o 11 de Setembro e as ofensivas militares que se sucederam, informação é um bem valioso e que serve a interesses diversos. Neste caso específico, o maniqueísmo é claro: os dados podem ser interpretados de maneira favorável ou contrária à guerra contra o terror.

Por outro lado, as fontes estão aí pra quem quiser procurar. A guerra da mídia pode ser tão disputada quanto a real.