quinta-feira, 26 de março de 2015

Guerra no Iêmen: eixo sunita manda recado militar ao Irã

Durante esta semana abordei a crise institucional no Iêmen e suas muitas possibilidades de consequências regionais. Na madrugada de hoje um novo acontecimento que adiciona ainda mais elementos ao já conturbado cenário – e movimenta de maneira contundente os atores estatais e não-estatais interessados no jogo político do Oriente Médio. Uma coalizão de países árabes invadiu o país para forçar o recuo ou capitulação da milícia xiita Houthi.

O eixo sunita é uma aliança entre Estados sunitas que muitas vezes discordam em diversos aspectos políticos e ideológicos, mas que se mantêm alinhados em função de divisões sectárias cada vez mais profundas no Oriente Médio. Já tratei deste tema muitas vezes por aqui em distintas circunstâncias. Agora, o eixo sunita se movimenta militarmente para atacar os houthis. Nesta guerra há alguns elementos confusos, principalmente porque a estratégia deste eixo sunita é atacar os houthis como forma de mandar um recado real ao Irã, o maior país xiita do mundo e entendido pelo eixo sunita como o principal interessado no sucesso dos houthis. 

O desentendimento está exatamente neste ponto. Os houthis não negam o apoio recebido do Irã, mas os iranianos argumentam que o apoio à milícia xiita se resume a suporte humanitário e diplomático. O eixo sunita pulou o plano teórico e decidiu agir de maneira pesada. A coalizão é formada por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Qatar, Kuwait, Jordânia, Marrocos, Sudão e Egito. A ofensiva – chamada de Operação Tempestade Decisiva – conta com grande aparato bélico. Somente os sauditas enviaram neste primeiro estágio militar cem aviões de combate, 150 mil soldados e unidades da Marinha. Os EUA se pronunciaram e declararam apoio aos aliados sunitas. 

Todo este quadro deixa em suspenso o projeto de acordo nuclear iraniano. De forma bastante explícita, americanos e iranianos estão se enfrentando por procuração no Iêmen. 

quarta-feira, 25 de março de 2015

Os riscos geopolíticos regionais que estão em jogo a partir dos acontecimentos no Iêmen

O estado de desmoronamento institucional no Iêmen tem implicações geopolíticas regionais. O primeiro ponto diz respeito às alianças dos grupos que se opõem ao governo do presidente iemenita, Abd-Rabbu Mansour Hadi. Os houthis carregam a bandeira do xiismo e, em função disso, encontraram no Irã seu parceiro prioritário. O problema é que o Irã está em conversações com as potências ocidentais, inclusive com os EUA – que apoiam o presidente do Iêmen, hoje exilado em Áden, no sul do país, uma vez que a capital Sanaa foi tomada pelo movimento Houthi. 

É embaraçoso imaginar que, enquanto os ministros das Relações Exteriores europeus, o ministro do exterior iraniano e o secretário de Estado americano negociam uma saída para o programa nuclear de Teerã, o mesmo regime iraniano apoia um movimento que contribuiu para expulsar britânicos e americanos do Iêmen. Mais do que embaraçoso – adjetivo que vale muito pouco no jogo político internacional – , este tipo de contradição põe em risco as alianças dos EUA na região. 

A maior parte da população islâmica no mundo é da corrente sunita. O mesmo vale para a balança interna nos países de maioria muçulmana. A divisão regional sectária é cada vez mais forte e sua expressão política e militar também. O Irã é o principal articulador do eixo xiita que se contrapõe ao sunita formado pelos Estados do Golfo. Historicamente, esses países estruturam a principal aliança de Washington, notadamente liderada pela Arábia Saudita. O Irã é o maior interessado em alterar este equilíbrio de forças. E o Irã sabe que o momento lhe é favorável. 

Com a aproximação do fim do mandato do presidente Obama, é preciso apresentar bons resultados no cenário internacional. Resolver a questão do programa nuclear iraniano seria considerado uma importante vitória regional da atual administração americana – mantenho, inclusive, que, se isso acontecer, será, ao lado da retomada de relações com Cuba, a principal vitrine internacional de Obama. As negociações com os iranianos ganharam ainda mais força na Casa Branca diante das perspectivas existentes no Oriente Médio neste momento. O processo de paz entre israelenses e palestinos deixou de ser opção viável. Não há tempo suficiente e os atores não se mostram dispostos a retomar negociações no futuro próximo. Para completar, há evidente descompasso entre Israel e EUA. 

Por tudo isso, o Irã passou a ser a aposta de Washington. Mas o Irã não é aliado e, além de tudo, faz oposição ativa aos aliados americanos. Os riscos são evidentes e, desta forma, atuar de forma ativa no Iêmen é ressaltar riscos e contradições tendo muito a perder numa região que tem na fragilidade de alianças uma de suas mais conhecidas características. 

segunda-feira, 23 de março de 2015

No Iêmen, a guerra de todos contra todos

O Iêmen talvez seja o lugar que melhor representa, de forma complexa e explícita, a grande batalha sectária do Oriente Médio. O pequeno país árabe  (e o mais pobre deles) está envolvido num emaranhado de forças que se opõem. E, por isso, o enviado da ONU no país disse claramente que o Iêmen está a caminho da guerra civil. 

Base do braço da al-Qaeda mais empenhado em ataques contra alvos americanos (a al-Qaeda da Península Arábica, AQAP, em inglês), o país serviu também como referência dos esforços de Washington para conter os avanços de seus inimigos mais contundentes até o último ano. A AQAP agora não é mais o único problema em território iemenita. Na última sexta-feira, suicidas islâmicos sunitas atacaram mesquitas xiitas, matando 137 pessoas na capital Sanaa. Assumido pelo Estado Islâmico – que, como a al-Qaeda, é um grupo terrorista sunita – a série de ataques teve como alvo os chamados houthis, membros de um movimento xiita formado em 2004 que reivindica maior autonomia para a parte norte do país.  

Os houthis, por suas vez, são apoiados pelo principal Estado xiita do mundo, o Irã. Houthis, membros da al-Qaeda e do Estado Islâmico são inimigos entre si. Todos são inimigos dos EUA. A confusão é grande a ponto de americanos e britânicos terem optado por fechar suas representações e determinado a retirada de pessoal estabelecido no Iêmen. No meio disso tudo, o Estado nacional Iemenita está ameaçado. E a experiência tem mostrado que países falidos acabam por se transformar em território fértil para a proliferação do terrorismo fundamentalista. Isso aconteceu na Somália, está acontecendo tragicamente na Síria e deve acontecer no Iêmen. Por tudo isso, Riyadh Yaseen, ministro das Relações Exteriores do país, pediu intervenção militar dos países árabes, gesto que tem implicações geopolíticas mais amplas e que irei abordar ao longo da semana por aqui. 

quinta-feira, 19 de março de 2015

A vitória de Netanyahu sobre a torradeira

Para finalizar esta semana de análises preliminares sobre os resultados eleitorais em Israel, acho importante alguns comentários. O primeiro deles diz respeito a quem votou. Assim como em qualquer lugar do mundo, a população israelense não é composta de especialistas políticos, em sua maioria. Não se pode considerar, desta forma, que a população tenha uma estratégia de longo prazo. A decisão do voto, como em qualquer lugar, é movida por uma série de questões: hábito, fidelidade política, religiosa, interesses imediatos etc. De qualquer maneira o voto é o momento de expressão máxima de vontade popular. 

E o voto no Likud pode ser interpretado também como um voto de desilusão com o cenário da esquerda. Como escreveu um comentarista, Isaac Herzog, o líder do partido trabalhista, “tem o carisma de uma torradeira”. Para completar, fez campanha em tom baixo, evitando atritos com Benjamin Netanyahu, este sim um político habilidoso como Frank Underwood. Bibi entendeu o cenário e dois dias antes da votação conseguiu jogar no colo da população uma escolha que em Israel não é simples: ou a opção por manter um primeiro-ministro forte num contexto de catástrofe regional (Estado Islâmico, coalizão entre Hamas e Fatah na Autoridade Palestina, guerra civil síria e possibilidade de um Irã nuclear) ou dar um voto de confiança em Herzog – a torradeira. 

Ficam como exemplo dois líderes de esquerda que conseguiram vencer eleições em Israel nos últimos 38 anos: Itzhak Rabin e Ehud Barak. Dois líderes do tradicional partido Trabalhista, mas também ex-generais condecorados. Para completar, Bibi promete segurança num país que em 2015 avalia a decisão de Ariel Sharon de dez anos atrás, quando o então primeiro-ministro decidiu simplesmente abandonar Gaza retirando unilateralmente toda a população judaica. Desde então, foram duas guerras e a certeza de que o Hamas controlará o território indefinidamente, lançando mísseis contra Israel. De certa maneira, tudo isso explica em parte a vitória de Netanyahu. 

Vale também a explicação de Avi Degani, presidente de um instituto de pesquisa israelense:

"Muitas pessoas queriam substituí-lo (Netanyahu), mas não havia ninguém para substituí-lo”.  

quarta-feira, 18 de março de 2015

Em Israel, Institutos de pesquisa erram, Netanyahu vence e agora sobram perguntas

Este é o post de número mil do blog

Deu Netanyahu novamente. Ao contrário do que previam quase todos os institutos de pesquisa, o partido do primeiro-ministro obteve 30 cadeiras no Knesset, o parlamento israelense, e não enfrentará dificuldades para formar o novo governo. Há algumas conclusões a partir deste resultado. Ou melhor, há resultados distintos que emergem da disputa. 

Jerusalém, maior cidade e capital de Israel, está, como se sabe, divorciada ideologicamente de Tel Aviv, a cidade mais liberal. Em Jerusalém, Bibi levou com tranquilidade. Em Tel Aviv, a esquerda venceu. Nada disso importa para o resultado final, mas mostra que a divisão da sociedade permanece. 

Apesar da derrota, o bloco de esquerda União Sionista conseguiu 24 cadeiras no Knesset. Se o líder trabalhista, Isaac Herzog, mantiver a declaração desta manhã de que será oposição ao governo, a esquerda israelense pode passar por um processo de renovação, ampliando sua importância no cenário local. Talvez, inclusive, a esquerda se torne ainda mais importante diante de um Likud fortalecido. 

Isso porque outro resultado dramático dessas eleições é a posição de Netanyahu de que não haverá Estado palestino em seu mandato. Penso que esta posição pode ter sido fruto do desespero diante das previsões dos institutos de pesquisa de vitória da esquerda. Bibi pode ter tentado apelar aos mais radicais e forçado a polarização máxima do eleitorado. Como estratégia para vencer, funcionou. Mas como manter a posição considerando que seu principal aliado, os EUA, tem como diretriz que a solução ao conflito entre israelenses e palestinos passa pela existência de dois estados soberanos que convivam em paz lado a lado? 

Ou Netanyahu vai fingir que não fez esta declaração polêmica ou voltará atrás em conversas internas com o presidente Obama e líderes europeus. Se optar por seguir adiante, deixará Israel ainda mais isolado. E aí caberá à oposição de esquerda, a União Sionista, marcar território em nome da sobrevivência do país. Por isso que, apesar da derrota, este número expressivo de 24 cadeiras no parlamento é importante. 

A vitória do Likud ainda deixa em suspenso o futuro das relações com os EUA. Antes das eleições, o primeiro-ministro israelense esticou a corda ao máximo. Resta saber como será sua postura a partir de agora. Resta saber também como será a reação real do presidente Obama (não o protocolar envio de felicitações ao vencedor), dos Democratas e Republicanos nos EUA. No próximo ano, a disputa eleitoral americana certamente incluirá no debate o relacionamento com Israel. Com Netanyahu primeiro-ministro, uma eventual vitória Democrata pode aumentar ainda mais a distância entre os dois países. O processo eleitoral americano também mostrará o resultado do desgaste entre as lideranças de Israel e EUA, respondendo a esses tempos de divergência e à principal questão envolvendo o assunto: a posição sobre Israel passou ou não a ser pauta de discussão partidária entre republicanos e democratas?

Ainda hoje análise sobre a vitória de Netanyahu em Israel

terça-feira, 17 de março de 2015

Em Israel, União Sionista mira preocupações do cotidiano para vencer

O ótimo artigo de Gregg Carlstrom na Foreign Policy faz uma radiografia da sociedade israelense nesse período eleitoral. O mais relevante diz respeito ao foco da centro-esquerda na campanha. A União Sionista reorienta o debate a partir de um olhar mais próximo às demandas do dia a dia das pessoas comuns. Isso tem dois lados, mas abordo o assunto mais adiante:

“Os salários médios em 2013 permaneceram em cera de 28.800 dólares, mais de 10 mil dólares abaixo da média (nos países) da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD, em inglês), um bloco de economias desenvolvidas do qual Israel faz parte. No entanto, é muito mais caro viver em Israel do que nos outros países da OECD; o preço dos itens básicos de consumo aqui é 12 por cento maior do que a média (...). Mais de 40% dos israelenses dizem que suas contas bancárias estão ‘regularmente descobertas’”. 

A ideia de Isaac Herzog durante a campanha foi mudar o foco do debate. Enquanto o Irã e as demais ameaças à segurança do país acabaram por se tornar parte da agenda do Likud de Netanyahu, Herzog e Tzipi Livni optaram pela manutenção da agenda histórica e internacional dos partidos de esquerda. Isso explica em boa medida o sucesso obtido pela União Sionista, que também incluiu na pauta de discussões o casamento homossexual, energia solar e acesso a financiamento imobiliário (ver o artigo de Gregg Carlstrom). 

Sobre as discussões de paz com os palestinos, Herzog é favorável ao retorno à mesa de negociações. O problema neste ponto – e aí volto à deixa do primeiro parágrafo – é que o processo de paz foi tão desgastado durante os últimos anos que mesmo os partidos de esquerda já não consideram que se trata de um tema prioritário.  A sociedade em Israel perdeu a confiança na possibilidade real de estabelecimento de um acordo definitivo. O mesmo acontece com a população palestina. E isso é resultado direto da incompetência das lideranças de ambos os lados de construir um caminho viável para o desenvolvimento de confiança mútua. Mesmo que Herzog saia vencedor do processo eleitoral em Israel, será necessário convencer os cidadãos comuns de que é possível retomar o diálogo com a liderança palestina. 

segunda-feira, 16 de março de 2015

A polarização política em Israel durante as eleições

A União Sionista (ou Acampamento Sionista) é o bloco político de centro-esquerda que ameaça a vitória do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em Israel. Escrevi sobre esta possibilidade na sexta-feira. Agora, vale entender como este grupo de oposição imagina as relações internacionais a partir de sua eventual conquista política. 

Como ex-Ministra da Justiça e negociadora chefe no processo de paz com os palestinos, Tzipi Livni (que compõe a chapa de oposição ao lado de Isaac Herzog) inclui na agenda a retomada das conversações. Mais do que isso, Livni promete rever não apenas o diálogo com os palestinos, mas a posição de Israel em sua relação com seus aliados, principalmente com os EUA. Não é segredo que há um impasse no diálogo entre os dois países, o que tem se tornado problemático porque isola ainda mais Israel. Netanyahu esticou a corda ao máximo ao reforçar a aliança com os opositores internos do presidente Obama. Tzipi Livni quer seguir no caminho contrário.

“No dia seguinte à minha eleição, o tsunami diplomático vai parar”, disse. 

E aproveitou também para abordar a situação iraniana, reforçando a ideia de retomada das relações com os EUA:

“A maneira de evitar que o Irã obtenha armamento nuclear é dialogar intimamente com os EUA. Isso é algo que podemos fazer, e Netanyahu não pode. Podemos lidar melhor com (questões de) segurança, negociações de paz e o desafio do Irã”. 

As posições políticas estão evidentemente polarizadas. A centro-esquerda está atacando diretamente o governo Bibi. E Bibi está apelando ao eleitorado de direita, pedindo que os eleitores concentrem os votos em seu partido, o Likud. A tendência é que os lados se aprofundem em suas diferenças até o final da apuração dos votos. Depois disso, deve haver uma reordenação política e, naturalmente, as posições serão menos conflituosas. Principalmente porque esta é a exigência do sistema parlamentarista, onde o novo primeiro-ministro não será somente aquele que obtiver mais votos, mas o que melhor souber negociar para conseguir o apoio dos partidos derrotados e formar o próximo governo. Assim aconteceu em 2009, quando a mesma Tzipi Livni ganhou mas não levou porque Bibi teve mais habilidade política para conseguir formar a coalizão majoritária no Knesset.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Centro-esquerda tem chances reais de vitória em Israel

Na próxima terça-feira, mais um evento relevante no Oriente Médio. Os eleitores israelenses vão às urnas para decidir quem serão os membros do Knesset (o parlamento do país) e, por consequência, quem será o novo (ou velho) primeiro-ministro. No parlamentarismo, o chefe do partido mais votado se torna o comandante do Executivo. Estão em disputa as 120 cadeiras do Knesset – o intricado jogo de coalizões é determinante para a escolha mais importante. Vence quem conseguir ter mais habilidade política para conseguir ao menos 61 cadeiras. 

Uma das mais interessadas nessas eleições sabe disso como ninguém. Tzipi Livni, ex-ministra da Justiça e que chegou a chefe das negociações de paz com os palestinos, foi a vencedora da corrida eleitoral de 2009, mas não se tornou primeira-ministra porque Netanyahu foi mais hábil na formação de coalizões. Ao obter apoio da maioria do parlamento, Bibi tirou a vitória de Livni. Agora, cinco anos depois, ela tem boas chances de mudar a história. Seu partido, Ha’Tnuah (A Mudança), se aliou formalmente ao Partido Trabalhista, liderado por Isaac Herzog, formando o bloco de centro-esquerda União Sionista (ou Acampamento Sionista). Se este bloco for vitorioso, Livni e Herzog (foto) se revezarão no cargo de primeiro-ministro, cada um ocupando a posição durante metade do mandato

De acordo com as pesquisas mais recentes, esta aliança tem chances reais de vitória. Segundo pesquisa do Haaretz, a União Sionista tem 24 cadeiras, e o Likud, 21. Seria uma guinada importante de Israel à centro-esquerda, principalmente após eventos fundamentais ocorridos no mandato de Netanyahu, como a guerra em Gaza, a discussão em torno do programa nuclear iraniano e o recente impasse com os EUA. Apesar de a opinião pública internacional estar interessada em Israel a partir das questões geopolíticas, esses elementos têm importância reduzida ao eleitor médio. As variáveis econômicas têm maior impacto na vida do cidadão comum, e Benjamin Netanyahu pode vir a perder as eleições em função de assuntos mais cotidianos, como a percepção de distribuição desigual de riqueza pela população e o alto custo de moradia em Israel. 

quarta-feira, 11 de março de 2015

As brechas deixadas pela carta dos senadores republicanos

É claro que a carta dos senadores republicanos ao Irã precipitou uma série de respostas dos atores envolvidos. Uma delas veio de Teerã por meio de texto escrito pelo próprio ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif. Em meio a muitos pontos de argumentação, Zarif consegue dar um nó contrário na correspondência dos congressistas republicanos ao estabelecer paralelos entre o episódio e o cenário político mais amplo. 

Há duas questões que apresenta que colocam os autores da carta em situação delicada: o primeiro ponto lembra que as negociações entre Irã e EUA não são parte de um acordo bilateral entre os dois países, mas de um diálogo mais amplo envolvendo Irã, EUA e o chamado P5 +1, grupo formado pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França)  e mais a Alemanha. Isso torna menos efetiva a tentativa de um grupo de senadores de minar o acordo, considerando que se tratam de negociações multilaterais e que contam com a legitimidade dos Estados mais importantes da ONU, pelo menos sob o ponto de vista de segurança. 

O outro aspecto tem a ver com este primeiro. Se o Senado americano iniciar um processo de revisão deste eventual acordo, colocará em risco os muitos entendimentos internacionais unicamente assinados pelo Executivo (o presidente Obama) que perderiam força ou estariam ameaçados a partir deste precedente. Os governos de todo o mundo assinam acordos internacionais por meio de seu poder executivo, excluindo a necessidade de ratificação pelos respectivos parlamentos nacionais. Com os EUA não é diferente. Se os senadores americanos realmente se debruçarem sobre este acordo internacional com o Irã, poderão abrir uma série de brechas para questionamentos de outros tantos documentos assinados no exterior exclusivamente pelo presidente Obama. 

No caso deste documento negociado em conjunto por EUA e seus principais aliados europeus (Reino Unido, França e Alemanha), a situação é até mais delicada, uma vez que expõe qualquer futuro presidente americano a um desgaste com importantes Estados do continente. Quem poderá garantir que o próximo presidente americano conseguirá manter o acordo? Isso, claro, na eventualidade de que Irã e P5+1 cheguem a um entendimento e que os senadores republicanos obtenham sucesso no processo de questionamento.

terça-feira, 10 de março de 2015

Senadores republicanos enviam carta ao Irã


Uma carta assinada por 47 senadores republicanos dos EUA e enviada aos líderes iranianos pode ser o início de uma longa controvérsia. Escrita por Tom Cotton, do Arkansas, o texto é uma espécie de aviso. O teor é simples: qualquer acordo que eventualmente venha a ser assinado com os EUA pode ser revertido pelo sucessor de Obama na presidência ou revisto pelo Congresso americano. A carta foi enviada ao Irã num momento especialmente delicado: março é o mês estabelecido como prazo final para um entendimento entre as potências ocidentais e Teerã acerca do programa nuclear da República Islâmica. A correspondência foi enviada também na semana seguinte ao pronunciamento do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, no Congresso. E uma semana antes das eleições israelenses. 

A ideia de enviar uma carta aos iranianos dá margem para análises e questionamentos das mais diversas formas. O primeiro ponto é simples: ao contrário do que Bibi fez questão de reforçar em Washington, o programa nuclear está aprofundado a divisão partidária nos EUA sobre as relações com Israel. Se até este momento o apoio a Israel não era um ponto de atrito entre republicanos e democratas, atitudes como a dos senadores republicanos podem fortalecer a polarização entre as duas forças políticas americanas. E aí o discurso de Bibi no Congresso em Washington poderia se transformar num gol contra histórico, sendo lembrado como o ponto de partida para a mudança nas relações entre EUA e Israel. Se a oposição israelense tiver tempo e capacidade de interpretar e repassar esta mensagem a seu público interno, a coalizão de Netanyahu pode até perder as eleições. Muito embora uma semana seja pouco tempo para debater as eventuais consequências do pronunciamento de Bibi que começam a se concretizar. 

Nos EUA, a situação é igualmente complicada. O vice-presidente Joe Biden já deu o tom da gravidade com que a Casa Branca está lidando com o assunto: “em 36 anos no Senado, não me recordo de outro caso em que senadores tenham escrito diretamente a outro país – muito menos um adversário externo de longa data – avisando que o presidente não tem autoridade constitucional para chegar a um entendimento com eles (os iranianos)”. Na prática, os republicanos estão tentando amarrar qualquer decisão internacional de Obama, podendo inclusive causar um problema institucional nos EUA. 


segunda-feira, 9 de março de 2015

A visão do Irã. Por que é tão difícil chegar ao acordo nuclear

Comentei na última semana sobre as questões que unem os distintos campos políticos de Israel sob a máxima de segurança do país – a que estabelece a diretriz de que, regionalmente, nenhum Estado nacional poderia chegar a um estágio de empate no que concerne à capacidade militar. Do lado iraniano, há pouca divergência quanto à questão nuclear. Mesmo a oposição iraniana oficial concorda com o objetivo final de buscar capacidade atômica. Portanto, diante de duas posições tão firmes e opostas na geopolítica do Oriente Médio, o impasse está colocado. E, claro, os EUA sabem disso. 

O que é mais curioso nisso tudo é que a posição iraniana jamais foi secreta. Mesmo assim, o Ocidente está em busca de um acordo com o país, o que leva a crer que de fato imagina que a República Islâmica terá algum acesso à tecnologia nuclear. A ideia parece ser minimizar o uso desta capacidade. Ou ao menos estar por perto para direcionar ou inspecionar. James Jeffrey, do Washington Institute For Near Policy, lembra da posição exposta por Seyed Hossein Mousavian, considerado um moderado aliado ao presidente Hassan Rouhani (ele próprio também considerado um moderado, principalmente quando comparado a seu antecessor Mahmoud Ahmadinejad).

Seyed Hossein Mousavian hoje é acadêmico do Programa de Ciência e Segurança Global de Princeton, uma das mais conceituadas universidades americanas. Foi embaixador do Irã na Alemanha, chefe do Comitê de Relações Exteriores do Conselho Nacional de Segurança do Irã e porta-voz do país nas negociações nucleares com a União Europeia (entre 2003 e 2005). Estes são alguns dos muitos cargos de alto escalão que ocupou ao longo de sua vasta carreira política. Em seu livro The Iranian Nuclear Crisis: A Memoir, expõe sua visão sobre as possibilidades de acordo com os americanos. Em sua visão, qualquer entendimento deveria incluir a retirada das tropas dos EUA de Afeganistão, Iraque e Golfo Pérsico, a interrupção do fornecimento de armas aos Estados do Golfo, o enfraquecimento de Israel e um ordenamento de segurança regional subordinado à dominação iraniana. 

Ou seja, o Irã espera alcançar a partir do acordo nuclear com o Ocidente nada menos do que a hegemonia no Oriente Médio. Isso não surpreende de nenhuma maneira, até porque esta era a visão de Ahmadinejad. A mesmo visão – desta vez exposta pelos chamados moderados iranianos – mostra a dificuldade que é encontrar termos concretos sobre os quais basear um acordo que de fato seja possível de ser alcançado e legitimado pelos demais atores regionais.  

quinta-feira, 5 de março de 2015

As diferenças conceituais entre Israel e EUA sobre o Irã

Ainda sobre as consequências do discurso de Benjamin Netanyahu, há algumas questões que precisam ser esclarecidas. Houve muito mais interesse pela forma do que pelo conteúdo do que Bibi realmente disse. Sobre o conteúdo, há questões relevantes. Por exemplo, uma das grandes insatisfações do governo israelense diz respeito à natureza do acordo com o Irã. Se agora há um bate-boca aberto entre Jerusalém e Washington é porque as duas administrações têm mesmo interesses distintos sobre o programa nuclear iraniano.

Não apenas o governo Netanyahu mas qualquer coalizão em Israel (mesmo de esquerda) irá defender a posição de que o país só estará seguro a partir de garantias de que Teerã não alcançará capacidade nuclear. A posição americana não é essa. Para os EUA, é preciso proteger seus aliados regionais, mas chegar a um comprometimento com o Irã é um passo importante para restaurar relações normais com uma potência regional inimiga há 36 anos. Por mais que John Kerry e Obama digam o contrário, os avanços no diálogo com a República Islâmica são interpretados como passos a caminho da inserção do país no sistema internacional. Isso quer dizer que, para os americanos, o acordo com Teerã continuará a valer a pena mesmo que ele não seja capaz de desmantelar o programa nuclear de vez. Se simbolizar a abertura da possibilidade de diálogo, ainda melhor. 

Para a Casa Branca, “virar a chave” iraniana seria uma grande vitória diplomática que comporia, ao lado da reaproximação com Cuba, o principal legado da administração Obama no campo da política internacional. Reconduzir Cuba e Irã aos trilhos do sistema internacional formal seria restabelecer o imaginário sobre Obama – o mesmo imaginário que deu ao presidente americano o prêmio Nobel da Paz em 2009. Para Israel, no entanto, esta premissa não vale. Como já escrevi muitas vezes por aqui, o principal fio condutor dos aspectos de segurança interna do Estado Judeu é o que determina sua sobrevivência. Na prática, seja qual for o partido à frente do governo israelense, a diretriz internacional do país estabelece que nenhum ator regional pode estar no mesmo nível de capacidade militar do Estado judeu. Certamente o Irã nuclear seria uma ameaça concreta a esta determinação. Ainda mais considerando que se trata de um regime hostil e que nunca desperdiçou oportunidades de repetir o mantra sobre a destruição de Israel.

terça-feira, 3 de março de 2015

O discurso de Benjamin Netanyahu em Washington

Após muita expectativa, Benjamin Netanyahu discursou diante do Congresso americano. Pela terceira vez, é bom lembrar. E, como nas anteriores, houve muito entusiasmo e aplausos por parte dos parlamentares, apesar de toda a polêmica envolvida. Bibi foi aplaudido de pé 26 vezes. Mas, mesmo com este aparente sucesso, as feridas estão abertas. Tampouco há como concluir que o primeiro-ministro tenha sido eficaz em sua tentativa de alertar sobre os perigos de um acordo com o Irã. A administração Obama temia que Netanyahu revelasse detalhes secretos das conversações entre as potências ocidentais e os iranianos. Isso não aconteceu de forma grave, mas o líder israelense expôs uma informação fundamental: um eventual entendimento com os iranianos congelaria a atividade nuclear do país por apenas dez anos. Ou seja, não há possibilidade, pelo menos por ora, de imaginar o desmantelamento total do programa atômico da República Islâmica. 

“Este acordo não evitaria que o Irã obtivesse armas nucleares, mas garantiria (este acesso) – a muitas delas (armas). Este é um acordo ruim. Muito ruim”, disse Netanyahu na frase que deve se transformar na principal marca do discurso. A posição do primeiro-ministro – reafirmada neste pronunciamento – é que qualquer acordo que não inclua o encerramento completo do programa nuclear do Irã é ineficaz. Ou seja, esta posição, absolutamente oposta à de Washington, agrava o distanciamento entre os países, muito embora membros do governo Obama – e o próprio presidente do país – afirmem o contrário. 

Historicamente, o apoio americano a Israel está acima de questões partidárias. Isso quer dizer que, apesar das diferenças políticas entre os dois principais partidos americanos, a aliança com os israelenses não está na pauta de discussões entre republicanos e democratas. Uma das consequência da visita de Netanyahu parece ser, pelo menos neste momento de grande tensão, um intervalo nesta diretriz. Bibi acertou todos os detalhes de sua ida a Washington com os republicanos, especialmente com o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, John Boehner (leia texto do dia 2 de março), o que causou bastante incômodo na Casa Branca. Até agora, o ápice desta polarização partidária envolvendo Israel foi a decisão de 50 parlamentares do partido Democrata de boicotar o discurso do primeiro-ministro israelense. Caso o Likud, legenda de Bibi, volte a vencer as eleições em Israel no próximo dia 17, ninguém sabe quanto tempo irá levar até que os ânimos se assentem e Israel volte a ser um assunto que está acima das discussões partidárias americanas. Esta é sim a questão mais delicada causada pela decisão de Netanyahu de discursar no Congresso e também o maior risco político que decidiu tomar. Bibi certamente não quer ser conhecido como o responsável por isso. 

Por enquanto, a reação oficial do governo Obama é de responder ao discurso dizendo que o líder israelense não ofereceu alternativas políticas viáveis aos EUA para lidar com a questão iraniana. Isso quer dizer que Obama e as demais potências ocidentais não aceitam a posição de Bibi de que a solução seja acabar com o programa nuclear iraniano sem qualquer contrapartida política.  A ideia de Washington é também reafirmar que o objetivo desta rodada de negociação com Teerã não é aumentar o escopo do diálogo com o Irã, mas se limitar às questões atômicas. De qualquer maneira, após o discurso de Bibi, está claro que a polêmica entre Israel e EUA deve continuar por mais tempo – a depender também dos resultados eleitorais em Israel no próximo dia 17.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Netanyahu em Washington e a principal crise política entre EUA e Israel

Não há inocentes na política. Repito isso com alguma frequência por aqui porque nunca considero exagerado ter isso em mente ao buscar analisar os eventos. E a visita do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a Washington é uma dessas ocasiões. É como assistir a um jogo da primeira divisão da grande política internacional. E este é um lugar que não permite amadores. Esta é uma disputa envolvendo EUA, Israel, Rússia, China, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Irã. É fundamental ter essas informações claras antes de tentar entender o que está se passando. 

Netanyahu foi convidado para discursar diante do Congresso americano. Houve muito atrito e polêmica entre o primeiro-ministro israelense e o governo americano sobre sua ida a Washington. A Casa Branca não queria que Bibi discursasse justamente porque, simultaneamente, busca um acordo sobre o programa nuclear iraniano. Enquanto Bibi discursa em Washington, o secretário de Estado, John Kerry, está em Montreux, na Suíça, tentando obter a maior vitória diplomática do governo Obama no Oriente Médio. Após idas e vindas desde 2007, este é o momento mais favorável aos americanos na complicada relação com os iranianos. Assistir ao discurso de Netanyahu na companhia do ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, é constrangedor e, dependendo das consequências, dramático. Os americanos estão na Suíça se arriscando diplomaticamente porque acreditam nos grandes benefícios práticos e políticos de investir num acordo com Teerã. Kerry negocia também em nome do grupo mais amplo de diálogo com Teerã: Rússia, China, Grã-Bretanha, França e Alemanha. Esses países estabeleceram o próximo mês de junho como o prazo final para o entendimento definitivo sobre o programa nuclear. 

Israel também está assumindo riscos. Benjamin Netanyahu está ao lado do presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, John Boehner. O republicano é o maior adversário político do presidente Obama. E não é segredo a ninguém que Bibi e Obama mantêm péssimo relacionamento. Em política, apesar da máxima de que todo mundo usa todo mundo, Bibi está aumentando o atrito com o principal aliado do país num momento histórico de profundo isolamento político de Israel. Do lado do Irã, a situação não poderia ser melhor; aguarda os resultados enquanto assiste à pior crise política entre Israel e EUA. Houve boatos inclusive de que membros do governo americano teriam dito em off que os caças do país no Oriente Médio iriam abater os aviões da força aérea de Israel a caminho de um eventual ataque às instalações nucleares iranianas. O boato foi prontamente negado, claro, mas dá ideia da gravidade da situação. Não é demais lembrar também que no próximo dia 17 de março  ocorrem as eleições em Israel. A coalizão de Bibi tem como foco a segurança nacional. Mas não deixa de ser uma aposta alta demais entrar em choque com seu principal aliado no mundo.