quinta-feira, 31 de julho de 2014

Gaza sem o Hamas?

Acho sempre muito interessante conhecer opiniões distintas sobre o mesmo assunto. Como tem acontecido nesta questão atual, as pessoas têm as mais diversas ideias sobre alguns dos pontos centrais envolvendo a guerra entre Hamas e Israel. A ideia do blog é justamente analisar cenários e fugir dos slogans que povoam a internet e reduzem um conflito tão complexo a uma sucessão de banalidades e lugares-comuns. Por isso, no post de hoje decidi reproduzir três opiniões sobre a possibilidade de redução do papel central do Hamas no futuro palestino. 

“Se o Hamas fosse destruído, provavelmente terminaríamos (tendo de lidar) com algo ainda pior. Uma ameaça pior que chegaria ao tipo de ecossistema de lá (Gaza)... algo como a ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria)”. Esta é a opinião do general norte-americano Michael Flynn, que está deixando a direção da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA. 

Aaron David Miller, conselheiro para assuntos do Oriente Médio dos diversos secretários de Estado norte-americanos entre 1978 e 2003 e hoje pesquisador do Woodrow Wilson International Center For Scholars segue caminho similar, embora elabore mais sua posição. 

“Reforma ou mudança de regime; esta é a questão central. (Deixar) Gaza sem rumo e sem lei nas mãos de algo como a ISIS ou a Jihad Islâmica seria fundamentalmente pior do que o ambiente que existe agora”, diz. 

E aí vem Amichai Magen com uma posição completamente oposta aos dois. Magen é pesquisador sênior do Instituto Internacional para Contraterrorismo e membro visitante da Hoover Institution na Universidade Stanford.

“Depois de tomar o controle de Gaza após um golpe violento (contra o Fatah) em 2007, o Hamas se tornou responsável por governar 1,8 milhão de palestinos. Este poder não serviu para moderar o Hamas, como muitos esperavam. Grupos como a ISIS  não conseguiram demonstrar nada perto deste poder de mobilização (militar do Hamas) e levaria décadas de atividades ininterruptas para (ISIS) atingir (este patamar de capacidade e poder)”, escreve. 

Ou seja, não existe consenso sobre um eventual futuro de Gaza sem o Hamas. Ninguém crava se isso seria positivo ou não para a estabilidade regional do Oriente Médio e para os próprios palestinos. Particularmente, creio que o melhor governo aos palestinos seria o da Autoridade Palestina. Seria interessante imaginar que, ao fim deste capítulo de confrontos, a AP emergisse novamente como a responsável pelo governo em Gaza. Esta disputa interna palestina entre Hamas e Fatah também é responsável pela incógnita que cerca a resolução do conflito atual. Se o presidente Mahmoud Abbas conseguisse encontrar uma maneira de retomar sua prevalência sobre todos os palestinos, não apenas os da Cisjordânia, acredito que os palestinos teriam mais a ganhar. 

quarta-feira, 30 de julho de 2014

A ironia que pode custar caro

A decisão de Chile e Peru de retirarem seus embaixadores de Israel pode ter alguma relação com a polêmica envolvendo o Brasil e o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelense, Yigal Palmor. 

É possível que Chile e Peru viessem a tomar a decisão de qualquer maneira. O Chile, inclusive, tem um fator político interno relevante: há cerca de 500 mil palestinos vivendo no país - membros, portanto, da maior comunidade palestina fora do Oriente Médio. Mas creio que a troca de farpas entre o porta-voz de Israel e a diplomacia brasileira pode ter contribuído para a decisão. 

Ao optar por se posicionar de maneira irônica, Palmor agiu com o estômago, não com a racionalidade exigida pelo cargo que ocupa. E isso mostra seu despreparo de algumas formas: seu primeiro erro foi não ter tido a capacidade analítica de projetar como suas declarações seriam recebidas pela diplomacia brasileira; outra falha grave evidencia a falta de avaliação do poder de suas palavras sobre o imaginário brasileiro comum; em terceiro lugar, o aparente desconhecimento ao fazer tais declarações para o maior grupo de comunicação do Brasil – que, inclusive, realizou a primeira exibição repercutindo Palmor em seu principal telejornal; e, para finalizar, a incapacidade que aparenta ter de perceber que esta é uma guerra cujas derrotas nas disputas virtuais e nos meios de comunicação são tão ou mais importantes que no campo de batalha. 

Todos esses erros de avaliação acabaram por inflamar o próprio posicionamento do governo brasileiro. É possível – e aí tomo o cuidado de deixar claro que esta é apenas uma possibilidade – que Brasília tenha articulado nos bastidores com seus parceiros latinos. Se for este o caso, se o Brasil de fato quiser provar na prática que as declarações do porta-voz israelense estavam erradas, Yigal Palmor vai ser diretamente responsável por uma derrota diplomática de grandes proporções. E tudo isso vai ter como origem o desconhecimento sobre o Brasil e sobre a própria imprensa brasileira. 

terça-feira, 29 de julho de 2014

Mais uma vitória para o Hamas

Este foi o segundo parágrafo do meu post de sexta-feira, comentando sobre a decisão brasileira de retirar seu embaixador de Tel Aviv:

“Para ser bem sucinto, o Brasil não é um anão diplomático. Até a própria imprensa de Israel reconhece isso. Com a ampliação de sua economia e dos esforços internacionais do governo Lula, seu protagonismo internacional também aumentou. Tanto que o país é liderança regional indiscutível. E se países isoladamente não fazem grande diferença – pelo menos a maioria deles, claro – , ninguém há de desprezar um continente inteiro. Como lembrou o Jerusalem Post, quando o Brasil reconheceu a formalização de um Estado palestino, em 2010, outros sul-americanos fizeram o mesmo”.

Como era esperado, a decisão brasileira foi seguida por outros países do continente americano. Nesta terça-feira, Chile e Peru decidiram retirar seus embaixadores de Israel. Na prática, há pouco impacto para a economia ou as decisões geopolíticas de Israel. A questão é o poder simbólico envolvido. 

Desde o início desse conflito, venho dizendo que há um esforço das partes para revalidar suas agendas. Israel quer manter seu poder de dissuasão e aproveitou para impor o maior dano possível à infraestrutura do Hamas, especialmente aos complexos túneis subterrâneos que dão ao grupo a capacidade de receber armamento e também se infiltrar em território israelense. O Hamas reforça sua posição de resistência (termo sobre o qual escreverei num próximo post) e busca legitimidade interna e externa como ator regional não-estatal relevante. Além disso, reafirma sua posição histórica de não aceitar a continuidade da existência de Israel, seja agora, seja por meio de conversações futuras. 

E aí retorno ao ponto da decisão dos países sul-americanos de retornar seus embaixadores em Israel. Quando fazem isso, de certa maneira fazem o jogo de longo prazo do Hamas. Como venho escrevendo, o grupo palestino sabe que, ao menos hoje, não tem capacidade militar de “destruir Israel”, como pede em sua carta de fundação. Se isso não é possível por razões óbvias, esvaziar as alianças israelenses e isolar o país do restante da comunidade internacional é um passo importante. 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Sobre anões e goleadas: a decisão brasileira de retirar seu embaixador de Israel

No Oriente Médio, tudo acontece rápido demais. Os conflitos e discussões se sucedem e, às vezes, pode haver certo esquecimento. Digo isso porque quero tratar rapidamente – muito rapidamente – desta superdimensionada questão entre Brasil, Israel, anões e goleadas. 

Para ser bem sucinto, o Brasil não é um anão diplomático. Até a própria imprensa de Israel reconhece isso. Com a ampliação de sua economia e dos esforços internacionais do governo Lula, seu protagonismo internacional também aumentou. Tanto que o país é liderança regional indiscutível. E se países isoladamente não fazem grande diferença – pelo menos a maioria deles, claro – , ninguém há de desprezar um continente inteiro. Como lembrou o Jerusalem Post, quando o Brasil reconheceu a formalização de um Estado palestino, em 2010, outros sul-americanos fizeram o mesmo. 

A piada sempre ganha mais força e é natural a imprensa brasileira repercutir a dolorosa menção aos 7 a 1 diante da Alemanha. Mas acho mais relevante entender a mensagem real deixada pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Yigal Palmor: se o Brasil tinha algum tipo de pretensão de participar de um diálogo mais amplo sobre o futuro do processo de paz, ela foi por água abaixo com a decisão de Brasília de retirar o embaixador de Tel Aviv. E aí não cabe interpretação. Em negociação – ainda mais quando se trata de uma questão delicada como o conflito árabe-israelense e o conflito entre israelenses e palestinos, em particular –, os interlocutores devem ser aceitos pelas partes envolvidas. E ao tomar a posição de chamar o embaixador brasileiro de volta, o Brasil abriu um precedente para ser descartado por uma das partes interessadas de futuros diálogos que venham a existir. 

É claro que ninguém é inocente de achar que o Brasil estava entre os cotados a ser protagonista da resolução do conflito entre israelenses e palestinos. Mas é igualmente importante lembrar que, não faz muito tempo, o Brasil deu um passo gigante (para usar o vocabulário desta disputa verbal) ao alcançar, junto com a Turquia, um acordo sobre o programa nuclear iraniano. Este acordo foi solenemente ignorado pelos EUA, mas serviu para mostrar a capacidade brasileira de encontrar soluções criativas para impasses internacionais. Ou ao menos para ser considerado como interlocutor confiável. 

Ao retirar seu embaixador de Tel Aviv, o governo brasileiro quis reforçar uma posição internacional e conquistar ainda mais simpatia de países que já são seus aliados. O problema disso é que ganhar credibilidade de quem já é aliado não faz diferença. Principalmente porque a principal ambição internacional brasileira é conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. E, para isso, é importante ter votos de quem é mais relevante. É preciso capitalizar com quem já é membro permanente neste fórum de tomada de decisões. Por isso, do ponto de vista estritamente pragmático, é pouco provável que a decisão brasileira tenha algum impacto positivo na viabilização de seu maior objetivo internacional. 

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Hamas ganha a guerra de qualquer maneira

Essas são as demandas de Hamas e Autoridade Palestina para aceitar o cessar-fogo:

Abertura de fronteiras e liberdade de movimento para os moradores de Gaza; a abertura da passagem de Rafah coordenada entre Egito e Autoridade Palestina; a libertação de prisioneiros que foram novamente capturados durante a investigação do sequestro dos três adolescentes israelenses; a libertação de mais uma leva de prisioneiros; a permissão para que pescadores de Gaza possam navegar até 12 milhas náuticas de distância da costa; a permissão de liberdade de movimento para palestinos em corredores atualmente restritos; e o estabelecimento de uma comissão internacional para assegurar a implementação do acordo. As informações são do jornal israelense Haaretz. 

Acho pouco provável que Israel aceite todas essas demandas. Principalmente em virtude do armamento apresentado pelo Hamas neste conflito atual. Mesmo com o território de Gaza bloqueado, o Hamas conseguiu aumentar e melhorar seu arsenal. Se no conflito de novembro de 2012 as comunidades israelenses mais suscetíveis estavam restritas ao sul do país, agora toda a extensão de Israel está ao alcance do grupo. Por ora, foi possível mapear que o Hamas possui mísseis M-302 de fabricação chinesa e montagem na Síria com alcance de 160 km. Se Gaza estava bloqueada por terra e mar, como foi possível obter este tipo de armamento sofisticado? Para entender a razão, volto ao penúltimo parágrafo do post do dia 21 de julho. Leia aqui

Para suspender o bloqueio a Gaza, Israel vai exigir garantias da comunidade internacional. E aí será necessário que os atores que hoje tentam obter o cessar-fogo se comprometam. Quem estará de fato disposto a impedir que o Hamas obtenha mais armamento? E com isso chego ao pedido de autorização para navegação a 12 milhas náuticas da costa. Quem vai estar disposto a navegar pelo Mar Mediterrâneo impedindo que qualquer barco pesqueiro de Gaza se transforme em receptor de contrabando marítimo de armas? 

Seja lá qual for o resultado dessas negociações, é impossível não interpretar que o Hamas é o ator que mais conseguiu vitórias neste conflito. E, claro, acho que a decisão israelense vai passar por isso também. O dilema do governo de Natanyahu vai precisar fazer uma escolha ingrata: assumir que é possível acabar com a infraestrutura do Hamas (o que de fato não é) e continuar com este conflito que a cada dia isola o Estado judeu da comunidade internacional devido às inúmeras e lamentáveis perdas de vidas civis? Ou acatar às demandas de Hamas e Autoridade Palestina, encerrar as atividades militares, mas ter a certeza de que o Hamas sai fortalecido entre os palestinos e mesmo regionalmente?

terça-feira, 22 de julho de 2014

Nova análise sobre a dificuldade de estabelecer um cessar-fogo

Ainda sobre a dificuldade de alcançar um cessar-fogo, há outros elementos em jogo. Acho válido expô-los agora, na medida em que a comunidade internacional anseia pela interrupção do conflito. 

As duas principais autoridades de aviação europeia e americana emitiram notas que praticamente isolam o aeroporto internacional de Tel Aviv do resto do mundo: a FAA (Federal Aviation Administration) e a (EASA) Europe Air Safety. A FAA chegou mesmo a proibir companhias americanas de voar para e a partir de Israel. A EASA enviou nota com forte recomendação para as companhias evitarem o principal aeroporto israelense até nova recomendação. 

Com essas duas notícias, mais uma vitória para o Hamas. Tenho escrito desde o começo do conflito que um dos principais objetivos do grupo é o isolamento de Israel da comunidade internacional. Nada mais simbólico do que o isolamento real, como é o caso da determinação das maiores autoridades de aviação do mundo. Isso sem falar nos protestos contra Israel que se multiplicam diariamente. 

Somado a esses fatores, o Hamas também ostenta vitórias no campo de batalha. Numa guerra entre um dos exércitos mais bem preparados e equipados do mundo e um grupo terrorista, o Hamas certamente vai capitalizar as mortes de 28 soldados israelenses. No domingo, o grupo impôs ao Estado judeu seu dia de maior perda de vidas militares desde 2002. 

Todo este ambiente “favorável” ao Hamas explica em boa parte a rejeição do grupo já a três propostas de cessar-fogo. A morte de civis palestinos é parte da estratégia do Hamas, como já expliquei em textos anteriores e, lamentavelmente, é parte do escopo do arsenal usado nas batalhas diplomática e de mídia (hoje, batalhas tão importantes quanto as militares). Diante disso tudo, o Hamas ganha mais apoio interno nos territórios palestinos, relegando a Autoridade Palestina a papel de coadjuvante. Esta é uma notícia perigosa para além do conflito atual – importa mesmo ao futuro do Oriente Médio. 

Se o Hamas sair fortalecido diplomaticamente deste conflito – e ao que tudo indica é isso o que acontecerá – o que ainda resta do processo de paz pode deixar de existir. A solução passa pelo fortalecimento do presidente Mahmoud Abbas e da Autoridade Palestina. Mas este é assunto para outro post. 

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A dificuldade geopolítica que impede o cessar-fogo entre Hamas e Israel

Desta vez, está mais difícil convencer o Hamas a aceitar o cessar-fogo. Há muitos elementos em jogo, mas existe claramente uma resistência do grupo a encerrar o confronto (foram três negativas formais até agora). E há explicações para isso. 

O grande jogo de poder do Oriente Médio é uma questão importante. Como venho escrevendo há alguns anos por aqui, a região é hoje dividida entre os chamados eixos de Estados e entidades sunitas e xiitas. Não necessariamente os países têm maioria xiita ou sunita, mas esta foi a primeira forma de agrupamento. Agora, a situação se sofisticou. De um lado, Irã, Turquia, Qatar, Síria, Hamas e Hezbollah. De outro, Egito, Arábia Saudita, Jordânia – países apoiados pelos EUA. Como o cessar-fogo foi mediado pelo Egito, o Hamas está segurando o máximo que pode. Lembrando aos leitores que o Egito atual é governado por Abdel-Fattah el-Sissi, ex-chefe do exército e responsável direto pela derrubada do presidente Mohamed Mursi, líder da Irmandade Muçulmana egípcia – movimento que deu origem ao próprio Hamas, em Gaza. 

Turquia e Qatar eram aliados de Mursi. E perderam influência com o golpe militar que o tirou do poder e enfraqueceu a posição da Irmandade Muçulmana no país. 

“O eixo Hamas-Qatar-Turquia está tentando abortar o papel (geopolítico) egípcio, em face de um complô destinado a fragmentar a região em pequenos Estados rivais”, disse o ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shukri. 

Em 2012, no último confronto entre Hamas e Israel, o cessar-fogo foi mediado pelo próprio Mursi. Os termos eram os mesmos oferecidos agora pelo Egito ao Hamas. E recusados pelo grupo palestino. Há dois pontos neste caso: o primeiro deles, uma tentativa de não dar a legitimidade a el-Sissi; o outro é uma represália ao cerco que o atual governo do Cairo tem feito aos túneis clandestinos na fronteira entre Egito e Gaza – passagens construídas para a entrada de bens de consumo e armamento no território palestino. Foi simples chegar a um cessar-fogo em 2012 porque, na prática, o ex-presidente Mursi fechou os olhos aos túneis, daí o arsenal mais poderoso que o Hamas tem usado no conflito atual. 

Esta é a maneira mais simples de resumir a explicação geopolítica para a dificuldade de pôr fim aos confrontos em Gaza. 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

O erro estratégico do Hamas

Não costumo fazer isso com frequência. Mas, dessa vez, vou usar o espaço aqui no blog para recomendar o texto de William Saletan, da revista eletrônica Slate. No texto, ele discute e recupera o passo-a-passo que levou ao conflito atual entre Israel e Hamas e mostra como o grupo terrorista palestino tem perdido uma chance após a outra de evitar a expansão da catástrofe em curso. O texto cita discursos e declarações de membros do Hamas com links para as matérias jornalísticas originais. Está em inglês. Há muitos dados.

Clique aqui para ler

A partir do artigo de William Saletan, acho que vale fazer uma pequena análise: só quem é inocente, mal-intencionado ou desconhece o conflito para achar que o Hamas se importa minimamente com os próprios palestinos. Tenho repetido em meus textos que a morte é a estratégia do grupo para enfraquecer Israel entre a comunidade internacional, conseguir legitimidade política no Oriente Médio e entre os próprios palestinos. Isso tem até funcionado. Mas a que preço? Do ponto de vista humano, transformar o próprio povo em alvo (o que o Hamas tem feito de maneira explícita neste conflito atual) é inaceitável. Do ponto de vista estratégico e analítico, Israel investiu em proteção aos seus cidadãos e o Domo de Ferro tem se mostrado eficaz – o grupo já lançou mais de 1,2 mil mísseis contra o território israelense, causando somente uma baixa. 

Enquanto a perda israelense é mínima, o Hamas agora enfrenta a ofensiva terrestre de Israel. A operação certamente vai causar ainda mais baixas, e o Hamas vai ter sérios prejuízos de infraestrutura. O grupo palestino recusou o cessar-fogo mediado pelo Egito e aceito por Israel e interrompeu o cessar-fogo unilateral declarado pelos israelenses com mais lançamento de mísseis. Isso tudo para impedir que um acordo temporário fosse interpretado como derrota e buscando o isolamento israelense a partir da perda de vidas palestinas. Não dá para dizer que o grupo tem sido exatamente inteligente em suas escolhas recentes. 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O prosseguimento da guerra em Gaza

O Hamas rejeitou o cessar-fogo mediado pelo Egito. A determinação do grupo de continuar com a guerra reforça a teoria explicada em meu texto anterior: para o Hamas, quanto pior, melhor. 

A estratégia midiática do grupo tem se mostrado “bem sucedida”. Quanto mais mortes de civis, maior é a grita internacional contra Israel. O problema disso é óbvio: quanto mais mortes civis, mais mortes civis. Você não leu errado. A morte de civis, por si só, já deixaria claro que o projeto de lançamento de mísseis com cada vez mais alcance sobre as cidades israelenses resulta em contra-ataques por parte de Israel. E, claro, ao continuar a posicionar membros do grupo e bases de lançamento de mísseis nas proximidades de alvos civis no território mais densamente povoado do mundo, mais o Hamas usa como “patrimônio” a vida dos próprios palestinos. 

E isso resulta num jogo de soma zero, pelo menos quando o assunto é analisado por quem, naturalmente, valoriza a vida acima de tudo. Não é o caso do Hamas. Ao rejeitar o cessar-fogo e continuar o lançamento de mísseis sobre Israel, o grupo optou por manter o conflito da maneira como está: Israel aciona o domo de ferro e, ao mesmo tempo, ataca Gaza. Isso porque não há como o conflito ser interrompido enquanto o lançamento de mísseis prosseguir. Ou alguém acredita que o governo de Israel deixará de agir enquanto os ataques a partir do território palestino prosseguirem?

Para completar, é improvável que Israel venha a aceitar as condições do Hamas para interromper o lançamento de mísseis: o fim do bloqueio a Gaza, a reabertura da passagem de Rafah (demanda a ser respondida pelo governo egípcio, uma vez que a passagem fica na fronteira entre Gaza e Egito), e a libertação de dezenas de membros do grupo presos recentemente durante a investigação do sequestro que resultou na morte de três jovens israelenses. 

Posteriormente, escreverei sobre essas demandas. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Mesmo perdendo, o Hamas continua ganhando

Boa parte das análises considera que a atual Guerra entre Hamas e Israel não era de interesse das partes. Não neste momento. De qualquer maneira, mesmo tendo mais prejuízos de infraestrutura e pessoal, o Hamas é o maior beneficiário deste conflito. 

Para chegar a esta conclusão, é preciso entender a linha de raciocínio do grupo. Seu objetivo de longo prazo não é o estabelecimento de um Estado palestino em Gaza e na Cisjordânia. Pelo menos formalmente, este é o objetivo da Autoridade Palestina, entidade criada a partir dos acordos de Oslo, em 1993, e reconhecida internacionalmente como porta-voz das demandas palestinas. O Hamas não se compromete com esses acordos, nem muito menos com o diálogo com Israel. Pelo contrário; o grupo não imagina qualquer tipo de convivência com Israel, mas sua destruição.

Digo isso porque em tempos de conflito é importante entender os objetivos estratégicos dos envolvidos, até para compreender a razão de suas ações. Mesmo tendo perdas práticas, o Hamas tem visão distinta sobre elas. Ao atacar Israel, espera mesmo o revide. Ao chamar Israel para dentro de Gaza, a região mais densamente povoada do planeta, conta com a morte de civis – considerada martírio para alcançar objetivos estratégicos de longo prazo. 

O Hamas fez a leitura do cenário atual e entende, corretamente (sob seu ponto de vista), que a natureza das guerras mudou. Se não é possível derrotar Israel militarmente, é possível derrotar Israel em longo prazo, isolando cada vez mais o país. Assim, ao chamar Israel para o território, usa as mortes de civis para causar repúdio internacional ao país. Certamente, o Hamas não se importa com as mortes. Com nenhuma delas, podem ter certeza. A sempre condenável perda de vidas civis passa a ser um “patrimônio” usado na guerra virtual – onde o grupo tem derrotado Israel com frequência e com alguma facilidade. Essas mortes angariam simpatia ao grupo e condenações internacionais a Israel.  

“Os quatro conflitos desde 2006 restauraram a reputação do Hamas como a ‘resistência’, construíram solidariedade na frente de batalha, aumentaram a dissidência entre judeus e árabes em Israel (...), causaram embaraço a líderes árabes seculares, garantiram novas resoluções condenatórias a Israel na ONU, inspiraram europeus a impor sanções mais severas a Israel, abriram frentes de condenação da Esquerda internacional ao Estado Judeu e conquistaram ajuda adicional do Irã”, escreve Daniel Pipes, diretor do Middle East Forum

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Minimizar a derrota para a Alemanha é perder novamente

Para complementar o texto de quarta-feira, queria apenas concluir a análise a partir do momento pós-traumático. Obviamente, a derrota não destrói o Brasil como país, mas enfraquece um de seus pilares – talvez o mais importante deles. 

Parece-me que há um movimento em curso que pretende minimizar a humilhação diante da Alemanha. Esta tentativa faz parte do jogo dos que comandam o futebol brasileiro. Afinal, se houver consenso de que uma “pane” explicaria o ocorrido, nada precisaria ser feito. Se a ideia de que se trata de uma derrota pontual prevalecer, não haverá revisão de coisa alguma. A estrutura do futebol brasileiro permanecerá a mesma. 

Isso não pode acontecer. Esvaziar de significado o 7 a 1 serve aos propósitos dos que não pretendem mudar. E ainda reforçando a minha posição inicial, reafirmo que o futebol tem importância real na matriz simbólica do país. O Brasil – e qualquer Estado nacional – não é construído somente a partir do concreto. Nenhum país é um amontoado de gente, cidades, arranha-céus, mas uma composição de tudo isso e mais o capital simbólico. Muitas vezes, o simbólico é até mais importante que o concreto. No Brasil, nada de simbólico é mais importante que o futebol. 

Um país esvaziado de significado é um lugar sem alma, um conjunto de itens e gente, tal como um supermercado. Talvez os dirigentes do futebol brasileiro não tenham articulado intelectualmente esta ideia, mas a tentativa de transformar o futebol num supermercado atende bem ao que querem. Dá até para dizer que foram bem sucedidos nisso. E olha no que deu. Temos uma seleção composta de jogadores vendidos neste supermercado muito cedo, tão cedo que muitos só conseguiram criar algum laço afetivo com as pessoas do Brasil durante esta Copa do Mundo. 

Minimizar a humilhante derrota diante da Alemanha é ser cúmplice da tragédia. É também ser conivente com o esvaziamento simbólico do Brasil. Mas é claro que nossos dirigentes de futebol não dão a menor importância para isso.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Uma parte do Brasil morreu em 8 de julho

Arrigo Sacchi foi o técnico italiano derrotado naquela final contra o Brasil, em 1994. Neste momento de derrota – a pior delas –, acho que vale recorrer a uma frase dele que se tornou célebre: “o futebol é a coisa mais importante entre as coisas desimportantes”. Este pensamento resume bem o que penso sobre o assunto e justifica a razão pela qual decidi escrever sobre futebol num espaço dedicado a outras questões. 

O dia 8 de julho de 2014 passa para a história do Brasil como um dia trágico. E não estou brincando. Considero que uma parte do país morreu neste dia. Uma parte de todos os brasileiros morreu. Talvez muitos acreditem que eu pretenda superestimar um resultado esportivo, mas não se trata disso. A análise é curta, mas direta. 

Levar sete gols da Alemanha, no Brasil, numa semifinal de Copa do Mundo é o ápice de uma humilhação que o país não estava preparado para sofrer. Isso porque o futebol no Brasil não se resume somente a um esporte, pelo contrário; é um traço importante de identidade nacional, muito maior do que qualquer outro simbolismo. No Brasil, nenhuma manifestação religiosa, cultural ou artística provoca tamanha comoção. Tanto que este é o país do futebol muito mais do que o país do samba, do candomblé, da capoeira, da Floresta Amazônica, do Corcovado e todos os outros símbolos brasileiros. 

O Brasil foi humilhado em 8 de julho de 2014 naquilo que mais o define interna e externamente. Perder faz parte do jogo sim, mas perder desta maneira equivale a ser destruído numa batalha épica sem esboçar reação. Foi muito, muito pior do que a derrota de 1950. O país está em cacos por ter sua identidade nacional despedaçada em casa. Não é pouco. 

Mas ainda há esperanças. Podemos renascer se transformarmos esta derrota em símbolo de reconstrução do futebol brasileiro. Esta é uma grande oportunidade e seria lamentável desperdiçá-la. Este é o momento de o povo brasileiro se apropriar deste gigantesco traço de identidade nacional e exigir mudanças profundas na CBF. A seleção brasileira não é um ente isolado, mas uma parte do Brasil. Somos, muitas vezes, o país que não valoriza pesquisa, estratégia, planejamento de longo prazo. Perdemos para um país que faz o oposto. Esta é uma lição que extrapola o campo de futebol. 

Este é o momento de o próprio governo brasileiro relativizar esta privatização do futebol, exigindo transparência, responsabilidade e profissionalismo na gestão e dando voz ao Bom Senso F.C – organização fundada pelos jogadores profissionais brasileiros repleta de sugestões, mas com a qual a CBF se recusa a dialogar. Se nada for feito – e esta possibilidade de nada acontecer é muito real –, esta terá sido uma derrota humilhante, angustiante, triste e em vão. Ainda há maneiras de transformação depois do Mineirazzo. Resta saber o que será feito a partir disso. 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A dor das famílias enlutadas mostra a urgência da retomada do processo de paz

Os conflitos no Oriente Médio costumam provocar acontecimentos impactantes. Mas, desta vez, o assassinato de crianças israelenses e palestina evidencia ainda mais a aberração das guerras.

Normalmente, este blog trata mais da análise política e passos estratégicos. No entanto, abro espaço aqui para reflexões um pouco diferentes das usuais.

O sequestro dos rapazes israelenses e do palestino deixam claro que, mais do que nunca, é importante frear ânimos e pedidos por vingança. Especialmente comovente a ligação telefônica intermediada pelo prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, entre a família de Naftali Fraenkel – um dos israelenses mortos – e de Mohammed Abu Khdeir, o menino palestino morto. As famílias lamentaram os assassinatos mútuos de seus filhos, complementando que não desejam qualquer escalada de violência.

A dor dessas famílias é inimaginável. São elas as principais vítimas de lemas que os assassinos usaram para cometer essas barbáries. O que significa pátria, nacionalismo, religião, bandeira e slogans políticos diante da morte de crianças? Nada justifica ou explica tais barbaridades.

Essas famílias enlutadas têm muito a ensinar. Na teoria, D’us compreende tudo e, imagino, deve ser o auge da sensatez. Por isso mesmo, D’us certamente compreende o fato de nós, serem humanos, amarmos mais a nossos filhos do que a Ele. Por consequência, está revoltado e desapontado com os assassinos de crianças por quem argumenta falar em nome Dele.

É neste ambiente de tristeza profunda, sensatez e estupefato testemunho diante da capacidade humana de ser irracional que o diálogo entre palestinos e israelenses deve ser retomado. Com a urgência do entendimento de que somos capazes de produzir os mais absurdos atos de violência.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Conflito entre israelenses e palestinos: fortalecer os moderados é a única alternativa possível

Os analistas concordam que nem o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, nem o Hamas estão interessados num confronto prolongado após o assassinato dos três adolescentes israelenses. 

Como escrevi, é provável que o Hamas tenha envolvimento no caso. Se de fato isso for verdade – e não seria surpresa que fosse –, o Hamas pode ter levado a região a uma nova espiral de violência. Seja qual grupo palestino tenha realizado o sequestro e assassinato dos rapazes israelenses deveria ter imaginado que o gabinete em Jerusalém reagiria com firmeza. Muito pior do que a reação institucional é a possibilidade de inflamar os ânimos dos radicais. O condenável assassinato de um adolescente palestino parece ser já parte das consequências que estão por vir. 

A conta deve recair sobre radicais judeus num ato igualmente abominável de vingança pela morte dos três jovens israelenses. Se a ideia do grupo palestino era riscar o fósforo e empurrar a todos para consequências imprevisíveis, é possível que obtenha sucesso. A situação do presidente palestino, Mahmoud Abbas, é delicada. Abbas é o único interlocutor oficial palestino com quem Israel pode dialogar. O presidente palestino foi bastante corajoso ao condenar o sequestro dos adolescentes israelenses em discurso na Arábia Saudita. Para uma plateia de ministros das Relações Exteriores de países islâmicos, Abbas disse que “Quem está por trás desta operação (o sequestro) deseja nos levar à ruina. Os colonos (judeus) são seres humanos como nós, e nós devemos procurar (os jovens) e retorná-los às suas famílias”. Isso foi dito, claro, antes da trágica notícia sobre as mortes. 

Neste momento, onde há pedidos de vingança pelas duas partes, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que a morte do adolescente palestino será investigada. Disse também que Israel é um Estado com leis e, por mais que o país esteja envolto pelo sentimento de luto coletivo, não aceitará que as pessoas façam justiça por conta própria. Esta é uma posição consciente. 

Além disso, um dos caminhos possíveis para reconduzir o processo de paz aos trilhos é o fortalecimento dos moderados. Uma reaproximação com Mahmoud Abbas e o reforço de seu papel como legítimo representante das aspirações palestinas deveria ser a alternativa adotada não apenas pela liderança política do Estado judeu, mas também pela comunidade internacional, principalmente EUA, União Europeia e Nações Unidas.