sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Hassan Rouhani: contraponto de Ahmadinejad para o Ocidente ver

Como de costume, os encontros e desencontros entre líderes internacionais na ONU acabam por gerar uma série de consequências diplomáticas e geopolíticas. Cada uma das lideranças mundiais desembarca em Nova Iorque suas próprias questões e reivindicações. O simples fato de os principais representantes dos países estarem reunidos em uma única cidade já é, por si só, motivo de grande ansiedade para a imprensa. A cidade americana fica ainda mais cosmopolita, uma vez que os políticos e suas comitivas acabam por criar agendas próprias – encontros com estudantes nas universidades e entrevistas com a imprensa de seus próprios países e também veículos internacionais. 

No centro da polêmica periódica que é a Assembleia Geral, o Irã. Isso não é novidade. Washington e Teerã estão oficialmente separados desde a chamada Revolução Iraniana, ocorrida em 1979. Nos últimos oito anos, a tensão entre o Irã e o Ocidente aumentou ainda mais em função das ações e declarações do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad. O programa nuclear do país é alvo de suspeita internacional e negociações para interromper a corrida atômica iraniana foram infrutíferas. Do ponto de vista retórico, Ahmadinejad usou o palanque da ONU para atacar Israel, chegando a dizer que o país deveria ser “riscado do mapa”. O ex-presidente iraniano também acabou se transformando no principal agente político do antissemitismo ao negar a existência do Holocausto. 

Todo este cenário rendeu expectativas sobre a primeira visita de seu sucessor, Hassan Rouhani, à ONU. Em virtude de seu programa nuclear, o Irã é alvo de sanções internacionais, medidas que afetam diretamente a economia do país e que, segundo a comunidade internacional, tornaram-se necessárias para levar os iranianos a flexibilizar seu projeto atômico cujos propósitos pacifistas (conforme versão oficial de Teerã) são bastante questionáveis. Rouhani é visto como mais moderado que Ahmadinejad e me parece que uma das razões de sua eleição é justamente a de ser um contraponto ao ex-presidente, principalmente para conseguir negociar com o Ocidente. 

O novo presidente iraniano tem seguido bem neste caminho; desejou um bom ano aos judeus em sua conta no Twitter (por ocasião de Rosh Hashaná) e, principalmente, evitou o discurso de negação do Holocausto em entrevista à CNN. A comitiva iraniana acabou por se reunir com diplomatas ocidentais, entre eles o próprio secretário de Estado dos EUA, John Kerry, no primeiro encontro de representantes políticos de alto escalão de Washington e Teerã desde 1979. 

Para o presidente iraniano, os resultados de sua presença na Assembleia Geral são positivos: conseguiu se contrapor a Ahmadinejad e já deixou marcada uma nova rodada de negociações com o Ocidente em Genebra nos próximos dias 15 e 16. Não tenho a menor dúvida de que o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei – a principal autoridade do país –, previa esses resultados. Rouhani cumpriu o roteiro planejado em casa, uma vez que os iranianos precisam flexibilizar as sanções impostas pela comunidade internacional. Num próximo texto, entro em mais detalhes sobre o Holocausto e por que razões sua negação não é apenas absurda, mas representa um aspecto fundamental e uma afronta não somente aos judeus e à humanidade em geral, mas também à própria formação histórica dos países ocidentais.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A escada de Putin

Em função de problemas técnicos por aqui acabei não escrevendo sobre o importante acordo entre Rússia e EUA que, ao menos por ora, impediu um ataque americano ao governo de Bashar al-Assad. Cabe a mim corrigir este atraso e fazer uma análise rápida. Como escrevi no post anterior, a grande vitória foi do realismo político. E complementando o que já disse, Washington e Moscou concluíram em conjunto que a saída diplomática resolve por enquanto o problema de ambos. 

Gostei muito de uma metáfora de Ariel Cohen, especialista em estudos de Rússia e Eurásia da Fundação Heritage. Para ele, “Vladimir Putin exerceu papel fundamental ao oferecer a Obama uma escada para descer”. Acho essa imagem perfeita porque resume bem a situação em que se encontrava o presidente americano, como escrevi por aqui ao longo deste último mês. Obama não queria atacar, mas se viu emboscado pelo histórico de suas abordagens à crise síria. 

A Rússia mostrou uma enorme capacidade analítica e teve muito mérito ao transformar a crise em oportunidade. De uma só vez conseguiu baixar a temperatura de sua relação com os EUA (abalada principalmente em função do abrigo institucional dado a Edward Snowden, que expôs internacionalmente o sistema de espionagem da Agência Nacional de Segurança), evitar ou adiar a intervenção na Síria, manter sua base estratégica no país (em Tartus, base sobre a qual já comentei por aqui algumas vezes), retomar seu protagonismo no cenário internacional (e no Oriente Médio, em particular) e, ao mesmo tempo, mostrar ao mundo que, de certa forma, ainda pode confrontar os EUA. 

Todos esses ganhos geopolíticos foram alcançados com permissão americana. Se este será um preço alto demais a ser pago pela maior potência do planeta, ninguém pode dizer. Mas o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e Barack Obama aceitaram ceder porque perceberam que não tinham outra saída. A ideia do presidente americano era submeter ao Congresso a eventual decisão de levar adiante uma ação militar na Síria. A um ano das eleições na Câmara e no Senado, era muito pouco provável que senadores e deputados americanos votassem a favor de uma nova guerra no Oriente Médio. Obama sabia que perderia também em casa. 

A percepção política é tão importante quanto resultados práticos. Muita gente considera que a saída diplomática oferecida pela Rússia ao EUA resultou numa vitória russa. Eu acho que Obama também venceu, pelo menos diante da opinião pública americana. Seja como for, quem continua perdendo é a população civil síria. Na prática, as potências deixaram claro que Assad e os rebeldes podem continuar se enfrentando nesta guerra civil que já matou cem mil pessoas, desde que não usem armamento químico. Como diria Tim Maia, “o resto vale”. 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Para resolver crise síria, Rússia dá aula de realismo político

Curiosamente, logo após o encontro do G-20 em São Petersburgo, a Rússia apresenta o que pode ser o início de uma solução para o impasse na Síria. A ideia do governo russo certamente foi fruto das conversas de bastidores do encontro entre líderes das maiores economias do mundo. Ela é reflexo, por excelência, do jogo político internacional cujo objetivo, no caso sírio, é evitar o pior: uma nova guerra no Oriente Médio. Para completar, a solução deve ser boa o bastante para não deixar o presidente americano exposto (já explico isso). 

Segundo o que se disse ao longo da segunda-feira, o plano apresentado pelos ministros das Relações Exteriores de Síria e Rússia é colocar todo o arsenal químico de Bashar al-Assad sob vigilância de monitores internacionais. Publicamente, tanto o presidente Obama como o secretário de Estado John Kerry já disseram que esta medida seria suficiente para impedir a intervenção americana. 

Antes do G-20, Obama esteve sob pressão em nome de sua coerência e da política externa dos EUA para os próximos anos. No texto anterior me estendi bastante sobre este assunto, mas não custa resumir; em 2012, o presidente americano deixou bem claro que, em relação à Síria, o limite final de tolerância seria o uso de armamento químico durante o conflito no país. Com fortes indícios de que isso teria ocorrido já em duas ocasiões, Obama ficou exposto: atacar a Síria para punir os responsáveis pelo ataque e se envolver numa nova guerra de consequências e duração imprevisíveis ou não fazer nada e correr o risco de perder a credibilidade (principalmente diante de países e entidades não-estatais com os quais os EUA mantém relação retórica tensa nos últimos anos em virtude de seus arsenais)?

A aparente saída encontrada é a única capaz de resolver o problema de Obama, até porque, para piorar sua situação, nem o Congresso, em Washington, nem os cidadãos do país parecem ter comprado a ideia de uma nova ação militar no Oriente Médio. Se a solução russa for adiante, este grande problema multifacetado do presidente americano pode estar resolvido por ora. Mais uma vez, o realismo político dá evidências de sua força. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Na Síria, erros de avaliação dos dois principais interessados

Começo este post de hoje com um trecho de um ótimo texto de George Friedman, diretor e fundador do Stratfor, a principal empresa privada de análise política dos EUA: “O que começou a definir a posição americana sobre o assunto (Síria) foi uma declaração do presidente (Obama) em 2012, quando ele disse que o uso de armamento químico seria a ‘linha vermelha’. Isso não significaria que iria intervir. Ele estabeleceu a linha vermelha porque imaginou que (o uso de armas químicas) seria justamente o que Assad não faria”. 

Acho esta análise ótima porque ela resume bem duas questões que considero fundamentais para a compreensão deste momento e que venho tentando deixar muito claras por aqui: a primeira delas é que os EUA não têm qualquer interesse numa nova intervenção no Oriente Médio; não há apoio popular, o país está fatigado por duas aventuras militares na região que ainda custam caro demais sob todos os aspectos e não há qualquer vantagem ou benefício nesta guerra para a qual os americanos caminham. 

A outra posição é mais simples: os eventos que deixaram os EUA na iminência de uma nova guerra me parecem fruto de uma série de acontecimentos externos e alheios à vontade política do presidente Obama. Nem o próprio Obama, nem seus assessores foram capazes de prever que, aparentemente, Bashar al-Assad seria mesmo capaz de ultrapassar a “linha vermelha” estabelecida. 

Para completar, ao dizer em alto e bom seu que seu governo não toleraria ataques com este tipo de armamento, na prática Obama dava um “voto de confiança” ao presidente sírio – ele poderia fazer o que bem entendesse, desde que não incluísse lançar mão de seu arsenal químico.  E o Ocidente dava provas mesmo de seu comprometimento de não agir na Síria, uma vez que após dois anos e meio de violência no país e, até duas semanas atrás, nenhum líder mundial fizera qualquer menção a uma ação militar. Se foi mesmo responsável pelos ataques químicos (como parece ser o caso), Bashar al-Assad convidou os EUA para a guerra propositalmente (algo que para mim soa completamente descabido) ou decidiu apostar alto que os americanos silenciariam sobre o assunto (igualmente um tremendo equívoco).