quarta-feira, 30 de abril de 2014

A ameaça russa à Europa

O impasse da situação no leste europeu deve servir para lembrar quais são as principais preocupações da Europa ocidental. Não se trata de um temor de realinhamento das fronteiras ucranianas ou mesmo dos discursos do presidente Putin. De maneira bastante pragmática, os países mais desenvolvidos do continente temem uma nova guerra total, a interrupção do abastecimento energético de origem russa e grandes levas de refugiados inundando suas fronteiras. 

Junte todas essas ameaças e aí é possível compreender por que razões o foco das lideranças do continente é interromper a crise o quanto antes sem que, para isso, precisem empregar força militar. Vale levar em consideração também o objetivo maior dos Estados europeus. Por mais que o resultado da criação da União Europeia tenha sido nos anos anteriores à crise econômica a demonstração da prosperidade alcançada pelos países do bloco, uma outra importante preocupação serviu para impulsionar a empreitada. A constituição de um Estado supranacional era – e ainda é, apesar de tudo – a tentativa de amenizar as muitas hostilidades num continente marcado por nacionalismos e, principalmente, que tem o histórico de ter sido o ponto de origem das duas guerras mundiais. Como numa grande empresa privada, a UE tem uma missão para si mesma superior a todos os muitos processos e desdobramentos do bloco: a manutenção da paz na Europa. 

A perspectiva de ter um gigante militar como a Rússia ameaçando este conceito fundamental a uma Ucrânia de distância da Polônia (país membro da UE) é uma ameaça concreta. Li uma teoria interessante que vai além do lugar-comum. Segundo reportagem da revista alemã Der Spiegel, o cientista político Herfried Münkler defende que países mais pobres ainda apreciam o ideal de “heroísmo de masculinidade”. Para ele, “a Europa oriental ainda não é próspera o bastante para desencorajar os jovens desta ideia de heroísmo. De fato, políticos frequentemente obtêm lucros (políticos) se forem capazes de manobrar essas emoções”. O que explicaria, também, os motivos de Putin seguir em frente com atos que insuflam o nacionalismo russo em todo o leste da Europa. 

terça-feira, 29 de abril de 2014

Pesquisa mostra apoio à atuação de Obama diante da crise com a Rússia

No texto de segunda-feira, expus a nova estratégia americana para situações de confronto internacional onde os EUA precisam estar presentes, mas não têm intenção de envolvimento direto. Curiosamente, nesta terça, pesquisa do jornal USA Today e do Pew Research Center mostram como o presidente Obama parece estar no caminho certo de representação da população americana. 

De acordo com a pesquisa, 53% dos entrevistados são favoráveis às sanções contra a Rússia. Entre eleitores dos dois partidos (Democrata e Republicano), há forte oposição ao envio de armamento americano (62%). E, coroando a leitura da equipe de Obama sobre as prioridades dos cidadãos comuns, 72% dos que participaram da pesquisa disseram que o presidente deve focar mais nas questões internas do que na política internacional. Ou seja, o discurso do líder americano durante a exposição das novas sanções está em pleno acordo com a opinião dos cidadãos comuns, o que possivelmente irá reforçar o distanciamento de Washington em relação aos assuntos externos que não sejam considerados fundamentais. 

Agora, para causar certo constrangimento, há resultados secundários que reforçam a ideia de falta de interesse dos americanos nas notícias internacionais; um em cada três entrevistados disse que pouco sabia do assunto – 20% disseram que não sabiam nada, não ouviram nem falar da crise na Ucrânia. Particularmente, acho que a pesquisa obteria dados parecidos por aqui. Fundamental mesmo é o retrato da diferença de gerações: entre os que têm até 30 anos de idade, somente 20% consideraram a situação muito importante aos EUA. Mas, para entrevistados com faixa etária entre 50 e 64 anos, o índice mais do que dobra, 41%. A diferença é fruto do olhar distinto de uma geração que viveu boa parte da vida durante a Guerra Fria. 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A nova estratégia americana

Sei que os leitores vão entender minha ausência nesses dias. Eu também precisava de férias. Mas estou de volta – o que é mais importante neste período conturbado. Aliás, antes de entrar no assunto, acho importante uma reflexão rápida. Um mês depois de meu último texto, a problemática internacional permanece a mesma. Os problemas são grandes demais e por isso têm resolução complexa ou o processo é arrastado justamente para soar complexo? Esta é apenas uma das questões. 

Sobre a crise ucraniana – que se transformou numa profunda revisão das relações internacionais e do posicionamento da Rússia com o Ocidente –, a resolução parece distante. O que está cada vez mais claro, no entanto, é a indisposição do presidente americano de se envolver militarmente. Os EUA não querem e não estão interessados em bancar um problema que lhes soa distante e caro demais. 

Mas, ao mesmo tempo, a maior potência mundial não pode se permitir ficar de fora da discussão ou do processo. A alternativa – e que deve ser aplicada como padrão, de certa maneira – é discutir com aliados a elaboração de sanções de naturezas distintas, variando de acordo com a crise em questão. Obama já deixou isso claro em muitas situações e, desde o constrangimento ocidental na Líbia (cujo fracasso em reconstruir o país após a morte de Kadafi é inegável), a ideia de confrontos militares está em baixa como nunca. Nesta segunda-feira, Obama foi muito explícito durante a divulgação de novas sanções ao regime de Vladimir Putin:

“O objetivo é mudar seu cálculo (de Putin) em relação a como as ações atuais em que está se envolvendo podem ter impacto negativo na economia russa a longo prazo. (...) (não entendo como) todo mundo está tão ansioso para usar a força militar logo depois de atravessarmos uma década de guerra com enormes custos às nossas tropas e ao nosso orçamento”. 

É claro que não há novidade alguma nisso. Mas o fato de o presidente americano expor a situação desta maneira deixa evidente que há uma nova linha de construção de estratégia internacional. A ideia é também representar o que pensa a população americana comum, que certamente está mais preocupada com as contas a pagar do que com Ucrânia e Rússia. E, obviamente, ainda se distanciar do partido Republicano.