terça-feira, 30 de outubro de 2012

Furacão Sandy é mais um fator importante nas eleições dos EUA

Todo mundo quer cravar uma posição sobre como o furacão Sandy afetará o resultado final das eleições americanas. Apesar de ser impossível dar uma resposta que não leva em consideração margem de erro, alguns sinais podem ajudar na análise sobre o fenômeno. Posso dizer, no entanto, que, com certeza, Sandy não se restringiu a um fenômeno natural, mas as circunstâncias tornaram o furacão uma peça do jogo político. 

A primeira interpretação é a mais óbvia delas. Em 2005, o presidente republicano George W. Bush agiu muito mal no socorro às vítimas do furacão Katrina. A ausência e posterior ineficácia do resgate federal à população atingida acabou se transformando num exemplo de como a Casa Branca não deve atuar no caso de grandes tragédias. Se ao deixar o cargo Bush foi o presidente a ostentar os índices de popularidade mais baixos da história, boa parte deste recorde negativo se deve à péssima impressão construída durante e após a passagem do Katrina. Lembrando que Romney é do mesmo partido de Bush; os republicanos – e ainda com mais intensidade o Tea Party – defendem a diminuição dos gastos do governo. O atual candidato Romney só não se mostra contrariado com o empenho da administração atual em ajudar vítimas e organizar planos de contingência em coordenação com os governos estaduais porque isso certamente colocaria em risco sua vitória no próximo dia 6. 

Mas ao mesmo tempo em que agora ninguém questiona o papel de Washington, o peso do sucesso ou do fracasso está sob os ombros do presidente e candidato Barack Obama. É verdade que nenhuma das campanhas ousa fazer uso do furacão Sandy como “material” para criticar o adversário. E este é um ponto muito mais favorável a Romney do que a Obama. Se Sandy causar grande destruição e matar centenas ou milhares, caberá ao candidato Romney somente se solidarizar às famílias das vítimas. Ao presidente, caberá o escrutínio público e da imprensa. A campanha republicana não precisará fazer absolutamente nada. 

E outro aspecto prático: os democratas são dependentes de votos de nichos específicos. Latinos, negros e jovens formam um importante grupo de apoio ao presidente. No entanto, apesar de o tecido social norte-americano estar mudando, pesquisa do instituto Gallup mostra que o eleitorado negro corresponde a somente 12% do total de votantes; os latinos, 7%. E, para piorar, esses eleitores são os menos entusiasmados com as eleições. Entre aqueles que devem ir votar, os chamados “likely voters”, 49% dizem que tendem a votar nos republicanos, enquanto 46%, nos democratas. Quatro anos atrás, o Gallup apontava que 54% desses eleitores votariam em Obama. E todo mundo sabe como essa história terminou. 

A missão da campanha do presidente é, há poucos dias das eleições, convencer os aptos a votar a comparecerem às cabines. E aí voltamos ao furacão Sandy. Por um lado, o fenômeno forçou Romney a cancelar eventos em Ohio e Virginia. Mas isso não significa que Obama vencerá nesses estados simplesmente porque, se Sandy provocar uma catástrofe, os eleitores simplesmente não terão como votar. Tudo isso adiciona ainda mais elementos à grande incógnita que é esta eleição presidencial. Possivelmente, só saberemos quem será o próximo presidente americano na última hora.  

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Romney disfarçado e o possível confronto de 2016


A corrida presidencial norte-americana está empatada. Isso nos garante um final realmente emocionante e, como já ocorreu, possivelmente algum erro de contagem. Penso que, o que quer que aconteça, Romney já conseguiu alcançar um objetivo muito interessante nesta campanha: esconder sua verdadeira natureza radical e do grupo que sustenta sua candidatura. E esta vitória é ainda mais relevante quando levamos em consideração o vídeo vazado que tinha potencial para pôr na geladeira sua carreira política. 

Os assessores de Romney são realmente geniais. Nos debates, o candidato optou por perder nos argumentos, mas ressaltar sua postura de homem gentil. Mesmo quando bateu em Obama, sorriu. Mas, para lembrar, o próximo possível presidente dos EUA é um homem conservador e apoiado pelo Tea Party, a ala mais radical do Partido Republicano e cuja força nos últimos cinco anos tem mostrado que o grupo é um fator de mudança no cenário político norte-americano. Há quem considere, inclusive, a possibilidade de cisão interna e ruptura. Acho isso bem possível, mas com a tomada mesmo do Partido Republicano. 

A campanha de Romney quis jogar para debaixo do tapete quem o candidato realmente é. A reforma da imigração, por exemplo, é um assunto superimportante, mas quase não tem sido mencionado. Aliás, a estratégia dos republicanos aplica a seguinte lógica: há poucas propostas, mas sobram críticas a Obama. Se há crise econômica e desemprego, basta esquecer que Obama recebeu-a de presente do governo Bush. Ou melhor, provocar esquecimento. 

A imigração é um tema tão importante que pode mudar os EUA. Estimativas dão conta que, em 2040, a população latina já será maioria no país. Este fator leva a algumas reflexões: o Tea Party se distancia dos latinos; os republicanos aumentam a virulência do discurso. Romney foi o pré-candidato republicano mais agressivo contra a imigração durante as primárias. Este não é apenas seu modo de ver o assunto, mas uma tendência partidária. Ou os republicanos irão rever a maneira como se dirigem ao eleitorado latino ou estarão fadados ao fracasso. Como nos últimos cinco anos o Tea Party tem seguido uma trajetória de discurso ainda menos conciliatória, não me parece que, ao garantir Romney na presidência, o bloco radical assuma qualquer recuo. Muito pelo contrário. 

Já pensando nas eleições de 2016, o eleitorado latino tenderá a ser um nicho ainda mais Democrata: o descontentamento com o presidente Romney – e com um congresso majoritariamente republicano – poderá deixar o caminho aberto para o retorno de um presidente democrata. Tudo isso, é claro, se Obama perder agora. Mas acredito que a variável de agressividade do Tea Party permaneça inalterada seja qual for o resultado dessas eleições. 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Obama é o mais preparado para continuar comandante-em-chefe


Vou ser explícito logo de cara: a vitória no debate sobre política externa não muda nada no cenário das eleições americanas do dia 6 de novembro. Desculpem-me se magoei os mais sensíveis, mas Obama não vai levar a disputa por ter mostrado o despreparo de Mitt Romney quando confrontado com as muitas questões internacionais. A estratégia de Romney era simplesmente não ser humilhado. Empatar era vencer. Perder por pouco não era apenas aceitável, mas também previsível. 

E, claro, Romney tentou sempre que teve a oportunidade conectar a política externa aos problemas econômicos dos EUA. Obama se saiu bem e soube responder e virar o jogo até nesses casos. No placar frio dos três debates, o resultado final foi a vitória do presidente por dois a um. No entanto, os confrontos têm pesos distintos e, mais ainda, interpretações particulares. Hipoteticamente, derrubar o adversário nos três debates não garante sucesso nas urnas – até por conta do supercomplexo processo eleitoral americano. 

De volta ao debate desta segunda-feira, Obama foi mais agressivo, menos parcimonioso e focado em deixar claro (e ele teve sucesso nisso) o quanto política internacional lhe é familiar. E não somente isso: o quanto ele tem senso de responsabilidade de saber fazer uso de suas atribuições como comandante-em-chefe. E este é um ponto muito importante. 

No início deste texto disse que a vitória num debate sobre política externa não muda nada – ou muito pouco – no cenário eleitoral. Mas é bom deixar claro como a política externa é importante à presidência. Isso porque este é um dos raros temas que o presidente conta com quase autonomia absoluta no processo de decisão. Ser o comandante-em-chefe não é apenas uma forma de tratamento, mas a responsabilidade de ter o poder de colocar em ação as principais forças armadas do mundo. E por isso o debate é, ao mesmo tempo, importante, mas também pouco relevante do ponto de vista eleitoral. 

Em relação ao enfrentamento entre os candidatos, vimos que eles concordam na maior parte dos assuntos. Romney tentou implicar Obama numa espécie de armadilha quanto à aliança com Israel (ponto central do debate, inclusive). Não foi bem sucedido, uma vez que o presidente soube se sair bem, lembrando a cooperação militar sem precedentes e o exercício conjunto entre as forças dos países nesta semana. Romney ainda teve de ouvir Obama desdenhando de seus conhecimentos numa estratégia vencedora em que, a partir daí, ficou ainda mais clara a diferença entre os dois. 

De qualquer maneira, por mais interessante que tenha sido o embate, houve pouca novidade. Talvez o aspecto curioso tenha sido a declaração de Romney sobre o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. O candidato republicano disse que iria buscar o indiciamento do iraniano por crimes de guerra devido ao incitamento de genocídio contra Israel. Soou como promessa de campanha, mas é muito pouco provável que, se eleito, Romney leve isso adiante. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Por que Obama demorou a acordar na disputa eleitoral americana


Mais uma vez, o mundo parou para assistir ao debate entre os candidatos à presidência dos EUA. Isso é justificável, na medida em que a disputa pela Casa Branca envolve direta ou indiretamente interesses de todos os países e também das muitas e distintas fidelidades ideológicas – inclusive os que se opõem aos americanos. No entanto, ao contrário do encontro anterior, o que era esperado aconteceu: o presidente Obama voltou a colocar em prática o poder de retórica e argumentação que causou reviravolta no cenário internacional quatro anos atrás. 

Para quem não se lembra, a campanha presidencial de Obama em 2008 teve um de seus pontos altos em Berlim. Na Alemanha, o atual presidente conseguiu reunir 90 mil pessoas para vê-lo discursar. Isso não é para qualquer líder estrangeiro. E não porque se trata da Alemanha, mas há pouca gente no mundo de hoje capaz de reunir uma multidão em território estrangeiro. E não estamos falando de Lady Gaga, mas de um político. 

Voltando ao debate da noite de terça-feira é importante deixar claro que, sim, Obama foi o vencedor da disputa desta noite. Mas, mesmo aos otimistas, é preciso retornar à serenidade. Romney deu o chamado nó tático no encontro anterior e o fato de o presidente ter tido um desempenho realmente melhor dessa vez não garante nada. O que ocorreu foi simplesmente uma sacolejada na campanha morna de Obama. Mas ainda fico impressionado pelo presidente – então um fenômeno de retórica e carisma – não conseguir mostrar a desenvoltura que lhe é particular. No fundo, Obama me parece constrangido pela obrigação de ter de debater com alguém cujos valores são realmente tão diferentes dos seus – e para pior, é bom dizer. 

A simples presença de alguém como Romney desafiando-o na disputa presidencial parece ofender o presidente. Romney argumenta que está ao lado da “família americana”; Romney usa como ponto favorável no debate presidencial o fato de ter servido como pastor de sua congregação cristã durante duas décadas (estamos falando da disputa pelo cargo político mais importante do planeta), Romney defende o aumento da exploração de petróleo e deixa de lado o investimento em energias alternativas, Romney considera que 47% dos americanos não têm responsabilidade sobre as próprias vidas e se vitimizam para receber auxílio do governo, Romney fez dinheiro em sua vida profissional cuidando do fechamento de fábricas e, por consequência, acabando com inúmeros postos de trabalho. E por aí vai. 

E, segundo pesquisas, Romney está tecnicamente empatado com Obama. Na prática, tenho a sensação de que o presidente americano ainda não acredita que, com todas as credenciais descritas acima, alguém como Mitt Romney seja capaz de derrotá-lo. Isso causa frustração, revolta e incredulidade a Barack Obama. Isso fere todos os seus valores e crenças pessoais. Isso o decepciona como cidadão americano. E tudo isso junto tem sido responsável pela impaciência e pelo congelamento do presidente. Ele precisou perder o primeiro debate para conseguir agir. A possibilidade de perder a presidência para alguém como Mitt Romney é algo que Obama, assim como boa parte das pessoas que acompanham as eleições americanas no exterior, não consegue compreender. E essa incompreensão pode ser a principal responsável pela eventual derrota em novembro. 

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Novos passos rumo a uma guerra aberta entre Israel e Irã


Alguns novos e importantes acontecimentos aumentaram ainda mais a temperatura do Oriente Médio. O clima de rivalidade, disputa e batalha retórica entre Israel e Irã atingiu níveis perigosos. A escalada rumo a uma guerra aberta entre os países tem ares de Guerra Fria, mas a tendência é que os discursos acirrados e provocações sejam, em algum momento, transportadas a um cenário de conflito dramático. O Irã deu o passo mais ousado até agora ao lançar sobre o território israelense um veículo aéreo não tripulado, popularmente chamado de Drone. 

Assumidamente lançado pelo Hezbollah, a milícia xiita libanesa, o veículo voou 56 quilômetro por Israel antes de ser abatido pela força área do país sobre uma floresta na fronteira com a Cisjordânia (foto). Se num primeiro momento havia fortes suspeitas sobre a participação iraniana no episódio, agora ela está confirmada. O líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, declarou que a aeronave foi mesmo fabricada pelo Irã. A institucionalidade da ação foi reconhecida neste domingo pelo ministro da Defesa iraniano; o general Ahmad Vahidi parabenizou o Hezbollah e confirmou que o Drone foi fabricado no Irã. Além disso, autoridades do país anunciaram uma nova aeronave do gênero: chamada de Haazem, o modelo pode ser construído para voar distâncias curtas, médias e longas, podendo também ser equipado com mísseis capazes de efetuar bombardeios aéreos. 

Basta ligar os pontos entre tudo isso. Mais explícito do que o ocorrido, só uma declaração de guerra. Mas isso não vai acontecer. O próprio presidente Mahmoud Ahmadinejad diz que não irá disparar o primeiro tiro. E é capaz de levar adiante esta posição, até porque come pelas beiradas e não quer abrir mão do apoio internacional. Mas lançar um veículo sobre um país inimigo e menos de uma semana depois anunciar que este tipo de equipamento pode receber mísseis é uma maneira nem um pouco sutil de dizer a mesma coisa. Como os israelenses vão interpretar isso também está ficando claro aos poucos. 

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anunciou a eleições antecipadas para janeiro. Seu governo não conseguiu aprovar o orçamento para o ano que vem e a manobra política de Bibi já era mesmo esperada. De acordo com pesquisas preliminares, o próximo gabinete deve continuar a ser comandado pelo atual líder israelense. Sua coalizão deve aumentar a participação no parlamento de 66 para 68 cadeiras. O Likud, partido do primeiro-ministro, deve manter a ponta como principal legenda e aumentar sua participação de 27 para 29 deputados. Muito além da aprovação do orçamento, acho que o objetivo de Netanyahu é realizar uma espécie de referendo sobre o eventual ataque ao programa nuclear iraniano. 


Mais do que ninguém, o primeiro-ministro de Israel quer cumprir suas promessas quanto à manutenção da segurança do país. No entanto, sabe das graves consequências de uma guerra e não quer arriscar seu nome político – e a história de sua família no cenário político de Israel – numa ação que corra o risco de não contar com apoio amplo da sociedade. De fato, pesquisas mostram a população israelense dividida neste assunto. As eleições talvez funcionem como uma espécie de chancela aos seus planos. A vitória quase certa nas urnas será interpretada como uma “divisão de responsabilidades”. Como menciona o ataque ao Irã há muito tempo, Netanyahu acredita que ninguém poderá alegar desconhecimento quanto ao que ele pensa a respeito e de como encara uma solução para as pretensões iranianas. 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A reeleição de Chávez e os muitos problemas da Venezuela


O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi reeleito para seu quarto mandato. Ocupando o cargo executivo mais alto do país desde 1999, está no poder há quase 14 anos. Declaradamente, diz que quer continuar presidente até 2031, o que permitiria a ele bater o recorde de Hosni Mubarak, presidente deposto pela Primavera Árabe egípcia. Se por um lado as seguidas reeleições de Chávez são limpas – do ponto de vista da legislação venezuelana –, fica difícil entender como alguém verdadeiramente democrático possa pretender ocupar a presidência por mais de 30 anos. 

Este projeto político que não prevê sucessor para os próximos 19 anos é suspeito. Repito: a eleição foi limpa, o adversário Henrique Capriles admitiu a derrota e, mais importante, o voto no país não é obrigatório. Aliás, o comparecimento voluntário de 80% dos eleitores mostra uma intensa participação política. No caso venezuelano, com um cenário polarizado e de alta tensão, a adesão popular envolve uma forte militância. Se isso pode ser interpretado positivamente por um lado, por outro, a paixão partidária – absolutamente centralizada na figura de Chávez – provoca um embate que vai muito além do debate. Na última semana, três militantes de Capriles foram mortos. 

Agora, o tom conciliatório adotado por ambos os candidatos é muito contrastante com a violência física e retórica dos dias de campanha. Chávez foi agredido verbalmente por Capriles. Chávez chamou Capriles de “porco”, “fascista” e “medíocre”. A irresponsabilidade desta agressividade mútua inevitavelmente é reproduzida pela militância nas ruas. O presidente agora diz querer conversar com a oposição e contar com apoio amplo para resolver os problemas do país. E é bom lembrar que eles não são poucos: hoje, a Venezuela tem a taxa de homicídio mais alta entre os países da América do Sul (podendo chegar a 70 por 100 mil habitantes ainda neste ano – segundo a ONU, o índice aceitável é de dez para cada grupo de 100 mil) e uma das taxas de inflação mais altas do mundo (cerca de 18% ao ano). Além disso, sofre com a falta de produtos essenciais e também com apagões de energia diários. 

A revolução que Chávez diz fazer na Venezuela está, segundo ele, mais preocupada com a ascensão social da população mais pobre. Pelo resultado das urnas, a maioria quer continuar com este projeto. No entanto, a diferença percentual entre os seguidores do presidente e a oposição está caindo a cada eleição. A vitória por dez pontos é a menor vantagem alcançada desde 2006 – quando obteve a expressiva diferença de 26 pontos percentuais. Naturalmente, acho que, também por conta de seu estado de saúde (um câncer misterioso no abdome), a tendência deste mandato é de mais conciliação e pragmatismo. Chávez sabe que é preciso resolver os problemas práticos do país e atender a uma grande parcela cada vez mais insatisfeita com as lacunas da revolução bolivariana. 

PS: o presidente Chávez disse que, se votasse nos EUA, escolheria como candidato o presidente Barack Obama. Como os republicanos têm insistido nas críticas à política externa de Obama, não duvido nada que a declaração do líder venezuelano seja usada como combustível para as associações que o Tea Party tem feito entre Obama e o “socialismo”.  

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Turquia risca o fósforo na Síria


Coube à islâmica Turquia o início de um ataque militar à Síria. É claro que não se trata de uma ação para frear o presidente Bashar al-Assad no sufocamento da oposição. Imagina. Os turcos estão vingando um míssil supostamente sírio que caiu sobre a cidade turca de Akcakale, matando duas mulheres e três crianças. A escalada no discurso e na prática é considerável. O nacionalismo do governo da Turquia está mais exacerbado do que nunca, a ponto de o parlamento ter autorizado ações militares no período de um ano (foto). 

Se você leu o parágrafo acima e entendeu que se trata de uma declaração de guerra, está equivocado. Pelo menos é o que as autoridades turcas garantem. O problema é que em política nada está garantido. Ainda mais se levarmos em consideração que estamos falando da Turquia do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan cujas pretensões internacionais são conhecidas. 

Já tratamos sobre este assunto algumas vezes, mas o líder turco tem a sua própria estratégia pan-islâmica e as ações que coloca em prática tem como objetivo torná-lo uma espécie de “pai-herói” da população muçulmana internacional. Por isso enfraqueceu laços com Israel, por isso se distanciou do Irã de Ahmadinejad (com quem compete diretamente), por isso recebe os sírios refugiados (já são 93 mil), por isso patrocinou a frota que tentou furar o bloqueio marítimo a Gaza. Há quem considere, não sem razão, que a política de Erdogan tenha como norte um certo “otomanismo”. Ou seja, a reconstrução do poderio da Turquia dos tempos do Império Otomano. É claro que isso é um tanto hiperbólico, mas os objetivos estratégicos são audaciosos mesmo. 

O problema agora é que um ataque sírio à Turquia – mesmo que não tenha sido proposital – pode dar a justificativa que o primeiro-ministro turco precisava para pôr em prática seu projeto de poder. E com o agravante de que o país é membro da Otan, a aliança militar ocidental. É muito importante lembrar que um ataque a um membro do bloco é considerado, por estatuto, um ataque a todos. É a partir deste dilema – deste grave dilema – que se constrói qualquer decisão de agora em diante. 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A aparente conciliação de Israel e EUA; a ingenuidade republicana


Aparentemente, a situação de embate entre Israel e os EUA está controlada. Ou melhor, adiada até as eleições americanas. Como escrevi no último post, o discurso de Netanyahu na ONU foi redigido com alguns objetivos; um dos mais importantes, certamente, foi baixar o tom das críticas aos americanos principalmente porque as declarações oficiais caminhavam rumo a um confronto teórico mais grave, possivelmente o maior entre os aliados. 

Vale lembrar que Benjamin Netanyahu chegou a fazer declarações públicas fortes contra Washington: “países que se recusam a estabelecer uma linha vermelha sobre (o programa nuclear do) Irã não têm direito moral de colocar uma luz vermelha diante de Israel”. Esta é uma crítica aberta à recusa de Obama de fixar uma data limite para as pretensões iranianas e também de o presidente impedir um ataque israelense a Teerã. Agora, no entanto, todo este clima de discordância parece amenizado. Muito por conta do discurso do primeiro-ministro Netanyahu na ONU, que lhe rendeu, inclusive, uma conferência telefônica menos tensa com Obama na última sexta-feira. O presidente e candidato teve de passar por cima de sua antipatia pessoal ao líder israelense em nome da aliança entre os países e, claro, por conta da promessa de Bibi de não seguir adiante com qualquer plano militar para interromper o programa nuclear iraniano pelo menos até o final deste ano. 

Enquanto isso, a disputa eleitoral americana segue no mesmo compasso de muitas discordâncias entre Obama e Romney. E se os lados já discordavam conceitualmente em tudo – principalmente no ponto mais importante da corrida presidencial, a solução da crise e os muitos problemas domésticos dos EUA – , a política externa se transformou num nicho de mercado a Romney. A visão Republicana sobre o assunto é tão ingênua – ou melhor, propositalmente simplista – que repete os mesmos paradigmas aplicados aos demais temas da campanha. Como bem escreveu o colunista do New York Times Roger Cohen, tudo parece se resumir “à falta de vontade” do presidente. Ela é a fonte de boa parte das críticas dos republicanos, ignorando toda a complexidade do mundo atual. 

Eu diria mais: por vezes, a eleição americana parece uma grande competição cujo objetivo é convencer os eleitores sobre quem é o mais patriota. A agenda republicana “sequestrada” pelo Tea Party resume o debate a uma espécie de disputa em que está em jogo provar a capacidade do candidato de demonstrar “amor” pelo país, pelos “valores americanos” e até mesmo por Deus; e, claro, ódio pelo governo. Os republicanos abriram mão de ter candidatos prontos a apresentar propostas e pensar em soluções, optando por satisfazer a ala mais radical do partido e que está preocupada simplesmente em eleger alguém que preencha uma lista de pré-requisitos conceituais e um tanto simplistas.