sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Bomba na embaixada do Irã em Beirute: no Oriente Médio, tudo está conectado

Este é um momento importante no Oriente Médio. Aliás, como o senso comum corretamente estabeleceu no Ocidente, o Oriente Médio é repleto de momentos importante. A região é complexa mesmo e há poucos eventos que podem ser considerados isolados. Agora não é diferente. Enquanto os iranianos negociam seus interesses nucleares na Suíça, o atentado terrorista que mandou a embaixada do país pelos ares no Líbano grita para quem quiser ouvir que nada fica impune no Oriente Médio.

Esta premissa está tão correta que conecta, de uma só vez, o programa nuclear iraniano, a crise humanitária na Síria e o cenário regional mais amplo, envolvendo os Estados árabes do Golfo Pérsico, o Afeganistão, Israel e os ocidentais que querem ser ou deixar de ser parte dos esforços de apaziguamento.

O Oriente Médio não é para principiantes. Por isso, faço questão de lembrar algo que já escrevi muitas e muitas vezes por aqui: é preciso ter em mente os objetivos estratégicos dos atores envolvidos. E um dos principais – senão o principal – objetivos estratégicos do Irã é se tornar o ator hegemônico regional.

O problema é que, para isso, é preciso tempo. Também é preciso afetar drasticamente o equilíbrio de poder constituído. Para felicidade do líder-supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, o país está fazendo tudo certo, contando, neste momento, com um cenário mais amplo que lhe é muito favorável.

As negociações sobre o projeto nuclear do país têm muito a ver com isso. As obras para a constituição de usinas atômicas no Irã estão adiantadas e, sob o ponto de vista ocidental, é preciso convencer Teerã a regredir. Se isso vai acontecer ou não ninguém sabe, mas isso não é tão importante agora. Importante é que as usinas representam um fato consumado, um poder de barganha que o Irã já possui e do qual faz uso com muita habilidade.

Para ser a potência regional que pretende ser, o Irã fez várias alianças, apostando, basicamente, no principal fator a dividir o Oriente Médio: a batalha geopolítica entre Estados e grupos xiitas e sunitas. Este é o aspecto principal de quase tudo o que se passa regionalmente, e o Irã, como o maior Estado xiita do planeta, está envolvido até o pescoço nisso. Naturalmente, seus aliados estratégicos e regionais são a Síria de Bashar al-Assad (Estado que é majoritariamente sunita, mas controlado pela aliança alauíta-xiita estabelecida pela família Assad) e a milícia xiita Hezbollah, cuja proximidade étnico-ideológica com o regime iraniano transportou as forças de Teerã para a fronteira norte de Israel.

Para concluir, o Irã tem a situação a seu favor por duas razões: em primeiro lugar, tem tudo para congelar as sanções que vêm atrapalhando seus planos regionais. Os americanos precisam de resultados internacionais e estão desgastados com seus aliados tradicionais no Oriente Médio – que são, curiosamente, os principais adversários regionais dos iranianos: Israel e os Estados do Golfo. Em segundo lugar, esta é a hora de Teerã ceder, justamente porque percebem – corretamente, por sinal – que o desgaste americano tem afastado os EUA da região (como mostram o protagonismo exercido pela Rússia durante a crise de armas químicas na Síria e o descontrole da situação no Afeganistão e no Iraque).

Os EUA estão loucos para resolver a situação rapidamente. Neste caso, resolver significa conseguir um acordo mínimo com o Irã e deixar um pouco de lado o problema permanente que o Oriente Médio representa a Washington. É com este vácuo de poder que Ali Khamenei e o presidente iraniano, Hassan Rouhani, sonham todos os dias.

É desta ausência momentânea americana que os líderes da República Islâmica do Irã querem se aproveitar para alterar a balança de poder vigente na região. De um lado, usam o Hezbollah para participar da farra sanguinária que se tornou a Síria – fruto do combate entre xiitas da aliança entre Hezbollah e Irã e sunitas da al-Qaeda. De outro, negociam um acordo com os ocidentais em Genebra. O problema é que esta ambição iraniana representa uma possibilidade perigosa de mudança de status quo para todos os atores. Não é à toa que a bomba explodiu na embaixada iraniana num bairro xiita de Beirute (da milícia xiita do Hezbollah). No Oriente Médio, há muito poucos fatos isolados. 

sábado, 9 de novembro de 2013

Na mesa de negociações, Irã e EUA querem ganhar tempo

Sobre a possibilidade de um acordo provisório entre EUA e Irã, muita gente tem escrito que se trata de uma tentativa um tanto desesperada do presidente Obama de interromper décadas de conflito com o regime islâmico. Esta afirmação está correta, claro, mas incompleta. A administração Obama precisa de resultados urgentes e concretos, uma vez que atravessa um de seus momentos mais delicados: contestada internamente pela população – insatisfeita com o escândalo da espionagem revelado por Edward Snowden – e igualmente desestabilizada externamente – em rota de colisão com importantes governos aliados. 

O regime iraniano sabe de tudo isso, claro. E leva vantagem no jogo atual porque, uma vez mais, tem o tempo a seu favor. Desde o debate inicial sobre suas pretensões nucleares, o caminho escolhido por Teerã é exatamente o mesmo: ora acena com intenção de aproximar-se do Ocidente, ora se afasta. O Irã sabe de seu valor de mercado, sabe que provoca interesse no imaginário dos governos ocidentais. E se comporta como uma mulher bonita que atrai galanteios em razão do desafio que representa sua sedução. 

E, assim, ganha tempo. O ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, seus opositores internos mais ferrenhos e agora o novo presidente Hassan Rouhani têm sido coerentes em suas declarações: nenhuma dessas partes jamais disse ter interesse em interromper o programa nuclear do país. Todos consideram unânime o direito de continuar com as pesquisas e o desenvolvimento de capacidade atômica. Por outro lado, o presidente Obama acredita, por alguma razão ainda não explicada, que é possível mudar esta posição da cúpula política e político-religiosa do Irã. Por isso será realmente surpreendente se o líder americano conseguir obter sucesso. 

O que se sabe hoje é que há uma possibilidade de acordo. Mas este é um ponto que exige atenção. Em nenhum momento qualquer liderança iraniana admitiu estar disposta a acabar com o programa nuclear, cenário que daria o assunto por encerrado aos principais interessados na questão (os Estados árabes do Golfo Pérsico e Israel). Os representantes iranianos dizem estar focados no relaxamento de parte das sanções ocidentais ao país em troca de uma interrupção temporária da atividade nuclear. Este “congelamento” ocorreria por seis meses, ou seja, haveria a assinatura de um acordo interino. 

E, olhando com um pouco de distanciamento, dá para entender as razões pelas quais este acordo realmente parece viável a iranianos e americanos neste momento: os EUA precisam apresentar algum resultado rápido em negociações internacionais, precisam mostrar sucesso diplomático num período para lá de complicado; os iranianos, por outro lado, estão fazendo o que sabem fazer melhor, ganhando tempo – e, se tudo der certo, levando na mala de volta a Teerã o relaxamento de sanções que têm prejudicado a economia do país. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Diego Costa: o novo criminoso nacional

Não costumo escrever sobre futebol, mas o faço sempre que considero que o esporte esbarra nas relações entre os países. Nada mais emblemático do que este caso envolvendo o atacante do Atlético de Madri Diego Costa. O jogador, que tem dupla cidadania (espanhola e brasileira), está no centro de uma polêmica que certamente é muito mais oportunista do que real. Destacando-se em seu clube, foi alvo de interesse dos dois países. Optou pela Espanha, um direito que lhe é garantido pela Fifa, entidade máxima do futebol. 

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) partiu para a briga. E o fez da maneira mais sórdida: ameaçando Diego Costa. O assunto passou a ser tratado pela instituição como um caso de traição nacional, mostrando como pode ser covarde a retórica de parte dos dirigentes esportivos brasileiros. Diego Costa é o bode expiatório da vez, o culpado por uma traição indesculpável: escolher algo que considera positivo para sua carreira, somente isso. Diego Costa não entregou segredos militares brasileiros à Espanha, não trocou de lado na trincheira, não abateu um avião brasileiro, não cuspiu na bandeira nacional. Apenas declarou que, se convocado pelo treinador espanhol, irá atender ao chamado. 

A loucura foi além quando a CBF decidiu protagonizar mais um capítulo vexatório, considerando a possibilidade de ir ao Ministério da Justiça para requerer a revogação da cidadania brasileira do jogador (!). Segundo a visão míope da CBF, o pobre centroavante é quase um criminoso de guerra. Mas esta instituição é a mesma que, entre outros, é aliada das empresas que estão superfaturando as obras da Copa do Mundo, ameaçou impedir os jogadores campeões de 1994 de desfilarem em carro aberto pelo Rio de Janeiro caso os funcionários da Receita Federal insistissem em inspecionar as 14,4 toneladas de bagagem trazidas no voo dos EUA, foi presidida por Ricardo Teixeira durante mais de 20 anos (atualmente em exílio em Miami) e, vale dizer, é hoje presidida por um entusiasta da ditadura – segundo o UOL, José Maria Marin teve ligações muito próximas à ala mais radical do regime militar brasileiro. 

E Diego Costa é o grande vilão nacional? Olha, acho importante expor o contexto. Entendo que a luta da CBF seja para evitar que as seleções nacionais se transformem em arremedos de jogadores naturalizados. Mas definitivamente não concordo com o modo bárbaro como este caso vem sendo tratado. Soa como oportunismo barato e desonesto, na medida em que tenta usar um assunto que mobiliza a opinião pública para resgatar algum prestígio a uma instituição desgastada como a CBF. Acho que não se pode deixar de lado tudo o que aconteceu além dos gramados durante a realização da Copa das Confederações – manifestações que, aí sim, foram movidas por um desejo real de mudança, pelo exercício genuíno da população de seu direito a exigir posturas mais honestas. 

Claro que a imagem da CBF saiu arranhada, da mesma forma que todos os envolvidos na construção de elefantes brancos com dinheiro público. Jogar o atacante do Atlético de Madri aos leões parece uma manobra das menos habilidosas para angariar algum prestígio patriótico à entidade. Na verdade, só reforça o distanciamento dos dirigentes máximos do futebol brasileiro com a sociedade brasileira.