quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O dilema dos "Estados falidos"

Ao que parece, o Iêmen é a bola da vez na batalha entre o Ocidente - liderado com mais interesse pelos EUA - e o fundamentalismo islâmico - que tem na al-Qaeda, além de sua maior representante, a marca mais forte e que vem conseguindo ser bem sucedida em sua estratégia de "branding", segundo o que os acontecimentos dão a entender.
A pesquisadora iemenita-suíça Elham Manea assina artigo no britânico Guardian onde questiona se seu país de origem será o próximo a se tornar um "Estado falido" ou será qualificado como tal pelo governo americano.
"A fraqueza do governo central, sua inabilidade em penetrar áreas tribais, a topografia montanhosa do país e a posição ambígua de seus líderes diante dos jihadistas locais tudo isso contribui para atrair os membros da al-Qaeda", escreve.
Essas são características que se aplicam não somente ao Iêmen, mas também a Afeganistão, Paquistão, Iraque e Somália, apenas para citar alguns exemplos. Os EUA já estão presentes em dois deles e informalmente têm atuado também no Paquistão. Nada leva a crer que irão abrir uma nova frente no Iêmen, principalmente por conta dos gastos altíssimos que têm sido despendidos desde 2001e cujos resultados são bastante questionáveis.
Não se pode admitir publicamente, mas acredito que este tipo de ataque minimalista como o do voo que seguia rumo a Detroit é impossível de ser inibido por completo. Há indícios de que houve falhas de segurança e não tenho dúvidas de que elas vão voltar a ocorrer. Nenhuma atividade humana consegue ser 100% eficaz. As medidas que visam a antecipar o terrorismo seguem a mesma lógica. Elas podem se tornar mais sofisticadas, mas os terroristas irão inventar novos métodos igualmente complexos e mais difíceis de serem detectados a tempo.
Às autoridades militares e de segurança resta somente estudar mais. Informe divulgado pela consultoria privada Stratfor - de George Friedman, autor do livro que estou sorteando aqui no site - em 4 de novembro já anunciava a possibilidade de um ataque como o que quase ocorreu.
"Al-Wahayshi (Nasir al-Wahayshi, líder da al-Qaeda na Península Arábica), iemenita que serviu como coronel de Osama bin Laden no Afeganistão, notou que os ataques podem ser conduzidos com armas simples, como facas pequenos Aparatos Explosivos Improvisados (IED, sigla em inglês). De acordo com ele, "jihadistas não precisam fazer grande esforço ou gastar muito dinheiro para fabricar dez gramas de material explosivo'".
O texto original contendo todos os "ensinamentos" foi publicado há quase dois meses numa revista eletrônica destinada a radicais islâmicos e reproduzida em diversos sites. Toda empresa procura seu nicho de mercado, não é verdade?
O fato é que impossível imaginar que ações deste tipo não voltem a se repetir. E a solução é continuar o trabalho preventivo de segurança e inteligência. Até porque, como as experiências em Afeganistão e Iraque já mostraram, logisticamente é impossível reconstruir todos os "Estados falidos" do planeta.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ambições sírias

Após o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005, houve uma enfática condenação internacional. Até porque ficou claro que a influência Síria sobre o país havia chegado ao limite. Não cabe a nenhum outro Estado assassinar líderes de seus vizinhos. Em função disso, o governo de Damasco foi isolado, chegando inclusive a fazer parte do que o presidente Bush passou a chamar de "eixo do mal", numa de suas exposições acerca das relações internacionais.
Hoje, pouco mais de quatro anos, a Síria está de volta ao cenário. E, num passo geopolítico que conta com a aprovação de Barack Obama, o país sai aos poucos da cortina de isolamento do passado recente. Não apenas os Estados Unidos planejam enviar um novo embaixador à capital do país, como também há uma aproximação crescente com a vizinha Turquia.
E isso é bastante curioso. Principalmente porque este movimento acontece devido a motivos opostos. Como se sabe, a opinião pública turca praticamente exigiu uma mudança de postura de seu governo em relação a Israel após o conflito em Gaza, no início do ano. E não apenas isso. A Turquia fez uma revisão de suas estratégias internacionais, passando a se voltar ainda mais para o Oriente, em busca de reconhecimento interno e também flertando com países que culturalmente lhe parecem mais aliados a suas origens históricas.
Não por acaso, as críticas a Israel – com quem Ancara mantinha inclusive profícua parceria militar, vale dizer – aprofundaram-se, e o primeiro-ministro Tayyip Erdogan recebeu o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad fazendo questão de enaltecer os laços históricos, culturais e religiosos a unir os dois países. Ambos, aliás, de maiorias islâmicas, mas não árabes, é sempre bom lembrar.
No último dia seis, inclusive, o líder turco esteve em Washington e disse a Obama que não irá enviar mais soldados ao Afeganistão. Apesar de membro da Otan, a aliança militar ocidental, fica cada vez mais nítida a tendência de ruptura de Ancara com seus parceiros europeus e os EUA.
Por outro lado, a Síria pretende sair do ostracismo no qual se encontrou nos últimos quatro anos. A aproximação com a Turquia é vista como uma possibilidade de mudança, de aproximação com um país que até o momento usufrui de ampla legitimidade em importantes palcos internacionais, como a própria Otan, por exemplo. Em setembro deste ano, Turquia e Síria acabaram com as exigências de visto para visitantes de ambos os países.
Talvez a união entre Síria e Turquia consiga formar um eixo de atuação independente. E rico, claro. Segundo o New York Times, o comércio entre Damasco e Ancara alcançou a cifra de 4 bilhões de dólares neste ano, o dobro do negociado em 2008. Mas a união tem ambições muito maiores do que apenas trocas de bens e serviços.
"É muito mais do que uma relação simplesmente econômica. Ela diz respeito à reorganização da região por conta da percepção de que o Ocidente é mais fraco e menos confiável para fazer qualquer coisa por aqui. Acho que a Síria pretende redefinir sua posição geopolítica", diz Samir al-Taqi, diretor do Centro Oriente para Estudos Internacionais em Damasco.

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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

E se o Irã tiver capacidade nuclear?

Antes de mais nada, devo desculpas aos leitores que não se interessam pela disputa de forças entre Irã e Ocidente. De minha parte, acho essa uma das mais importantes questões internacionais do momento e, por isso, tenho abordado o assunto com bastante frequência. Além disso, acho sempre válido reafirmar as razões pelas quais há um grande esforço para frear as ambições nucleares da república islâmica.

O presidente Ahmadinejad já mencionou diversas vezes e numa variada gama de oportunidades - desde a visita à usina de Isfahan, em seu país, até o discurso na Assembleia Geral da ONU - ser a favor que um outro Estado-membro das Nações Unidas seja "varrido do mapa".

Há um grande concerto internacional para diminuir o arsenal nuclear no planeta. Mesmo potências militares como Estados Unidos e Rússia têm mantido conversações a respeito e se mostram dispostas a reduzir seus próprios arsenais. Como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ao construir usinas secretas e dificultar o trabalho dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Teerã estaria, no mínimo, caminhando para um retrocesso nas relações internacionais.

Na melhor das hipóteses, vejo como inocentes os discursos dos que se colocam favoráveis ao direito de o Irã produzir armamento nuclear. Acho equivocado o argumento muitas vezes usado de "democratizar" o acesso a armas atômicas. Num momento em que são discutidas em conjunto decisões imediatas sobre salvar o meio-ambiente, penso que são contraditórios possíveis esforços para permitir que novos países alcancem potencial nuclear.

Seja como for, se não fossem suficientes os argumentos para impedir que Khamenei-Ahmadinejad tenham sucesso em sua empreitada, acho válido levar em consideração o cenário elaborado por Graham Tillett Allison Jr., cientista político e professor da John F. Kennedy School of Government, de Harvard.

"É possível que, se o Irã obtiver sucesso, na próxima década ele não seja o único Estado com armas nucleares no Oriente Médio. A Arábia Saudita, por exemplo, não irá aceitar um futuro no qual os iranianos – seus rivais xiitas – tenham capacidade nuclear e os sauditas, não. Egito e Turquia podem também seguir os passos atômicos da república islâmica", escreve. Este é apenas um trecho de seu artigo que será publicado na edição de janeiro da revista Foreign Policy.

Ou seja, seria a perda de controle total sobre armamentos nucleares numa das mais explosivas e instáveis regiões do planeta. Acho que ninguém gostaria de ver este cenário se tornar real. Ou gostaria?
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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A guerra da informação

A morte do grande aiatolá Hossein Ali Montazeri complementa o texto da última sexta-feira. Alimenta ainda mais a onda de protestos que vem tomando conta do Irã e é também repleta de significados: como acredita a revista Time, dos EUA, fornece um mártir aos manifestantes em busca de mudanças do regime. Curiosamente, o líder religioso e político veio a morrer justamente em Qom, cidade sagrada onde foi descoberta a construção de uma usina nuclear desconhecida para os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

A situação atual do Irã se resume a especulações de toda a sorte. É fato que há um movimento de oposição atuante, mas não se sabe se ele representa a maioria da população. O que está acontecendo neste momento é uma grande batalha midiática que mobiliza os dois lados da imprensa: a estatal iraniana, representante dos interesses do regime, e a do Ocidente, que tende a se aliar aos opositores. Até mesmo as agências de notícias e grandes redes de jornalismo estão com dificuldades para realizar seu trabalho.

Sabe-se que o governo do Irã tem impedido a imprensa internacional de cobrir os eventos. Mesmo o funeral do aiatolá Montazeri é vetado aos jornalistas estrangeiros. Os veículos têm realizado seu trabalho baseados em raro material primário disponível, como vídeos de celular enviados por manifestantes, circunstância muito semelhante aos eventos que sucederam as eleições de 12 de junho. Portanto, é difícil chegar a qualquer diagnóstico sobre a situação.

Como escrevi não faz muito tempo, o regime da república islâmica já percebeu que informação é uma das mais valiosas armas dos dias de hoje. Por isso pretende em pouco tempo criar sua própria agência de notícias. Os receptores de informação estão em meio ao fogo cruzado da propaganda midiática. Principalmente nós que estamos distantes dos acontecimentos em todos os sentidos. Mesmo jornalisticamente não temos acesso a qualquer fonte primária. Por isso seria irresponsável bater o martelo sobre o que está acontecendo agora nas ruas do Irã.

Por outro lado, podemos sim debater sobre as consequências. Se de fato a pressão popular for grande, é improvável que Ahmadinejad-Khamenei continuem no poder sem fazer qualquer concessão. Entretanto, se houver um ataque militar ao programa nuclear iraniano, a oposição interna na república islâmica se desmobilizará por completo, uma vez que uma investida estrangeira unirá toda a população em torno da defesa do país.

Amanhã, mais um curioso cenário sobre uma eventual aquisição de armamento nuclear pelo Irã.
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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Nem tudo está perdido

Para terminar a semana, um texto que reflete um pouco mais sobre a situação no Irã. Apesar do tom um tanto catastrófico do post de ontem, gostaria de dizer que ainda acredito numa solução pacífica capaz de evitar um cataclisma nuclear no Oriente Médio. E isso pode estar nas mãos da oposição iraniana. Ela pode impedir um ataque ao país e parece estar absolutamente consciente disso.
Desde o último dia sete, os estudantes de Teerã têm saído às ruas da capital para protestar contra o líder supremo Ali Khamenei e o presidente Ahmadinejad. E agora não apenas se opõem aos polêmicos resultados das eleições de junho deste ano, mas também à violência que se seguiu às manifestações.
Como lembra o líder da Frente Democrática Iraniana, Heshmat Tabarzadi, o movimento conta com a participação de figuras ilustres da sociedade. É o caso, por exemplo, de Faezeh Hashemi Rafsanjani, filha de ninguém menos que Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, a segunda figura da cúpula política atual do Irã.
Será que, mesmo nessas condições, o governo vai reprimir violentamente os protestos? Ou vai aceitar voltar atrás na repressão à liberdade de imprensa e discutir o futuro do país – inclusive do projeto nuclear – com a oposição?
Por mais que essas manifestações sejam alvo da repressão oficial, o governo iraniano sabe que os estudantes compõem a vanguarda da sociedade do país. Simplesmente porque os que hoje comandam a república islâmica fizeram parte de movimentos estudantis num passado nem tão distante assim. É o caso, por exemplo, do próprio presidente Ahmadinejad, que, como líder estudantil, esteve diretamente envolvido na ampla frente popular que derrubou o Xá, em 1979.
Acho que este deve ser um momento de espera pelos acontecimentos internos no Irã. Em entrevista hoje ao site da BBC, Mehdi Karoubi, um dos líderes da oposição e candidato derrotado nas últimas eleições, fez uma declaração importante:
"Desde o primeiro dia em que os resultados das eleições foram divulgados, estou convencido de que Ahmadinejad não vai conseguir terminar seu mandato de quatro anos", disse.
Acho que é preciso dar um desconto ao que ele afirma, até porque é uma das partes diretamente interessadas na substituição do atual presidente. Mas existe de fato um grande movimento descontente com o governo e que exige mudanças. Este é o momento em que o ocidente não deveria se precipitar, mas aguardar os acontecimentos que estão por vir. Até porque fazer qualquer coisa agora é jogar uma pá-de-cal nas pretensões da oposição iraniana.
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Perigosa provocação iraniana

Não por acaso o Irã testou mais mísseis de longo alcance ontem capazes de atingir Israel, parte do sudeste europeu e bases americanas no Golfo. O exercício militar acontece apenas dois dias após o Times, de Londres, publicar documentos comprovando que a República Islâmica estaria próxima de conseguir fabricar sua sonhada bomba nuclear.
A resposta do governo Ahmadinejad-Khamenei mostra como tem sido o comportamento do país quando se sente ameaçado. Afinal, uma das interpretações dadas à matéria é de que a alternativa militar está mais viva do que nunca. Nem Israel, nem os Estados Unidos trabalham com a possibilidade de um cenário internacional onde seja uma realidade lidar com um Irã com capacidade nuclear.
É possível perceber também que, ao mesmo tempo em que Obama faz questão de deixar claro que ainda prefere negociar com o Irã a apoiar logisticamente um ataque israelense, a situação mudou bastante desde as eleições iranianas de junho e a consequente resposta de Teerã à oposição interna.
Washington tem dado sinais claros de que, mesmo se mantendo aberto ao diálogo, há esforços concretos na aplicação de sanções. Foi assim quando no mês passado os EUA articularam politicamente junto a seus aliados a aprovação de uma condenação ao programa nuclear iraniano na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). E foi essa a mesma posição adotada após a divulgação de imagens do teste de ontem.
Na prática, o governo Obama já assume que o caminho para dialogar com Ahmadinejad é cada vez menos possível. A cúpula da República Islâmica respondeu negativamente a todos os convites de diálogo direto com os Estados Unidos. E vai continuar a fazê-lo por conta da estratégia escolhida – e altamente arriscada, diga-se de passagem – de usar a ameaça externa como propulsor de união nacional. A provocação de ontem foi mais um pilar para chegar ao sonhado momento em que iranianos sairão às ruas gritando slogans enaltecendo a coragem de Ahmadinejad em desafiar o "grande satã" (EUA) e o "pequeno satã" (Israel).
Esta é a tática mais velha do mundo e a história mostra que ela consegue funcionar muitas vezes. Acho que não vai ser diferente agora, mas no cenário atual uma guerra aberta no Oriente Médio colocando Israel e Irã frente a frente vai causar muita destruição. Em abril deste ano escrevi que possivelmente haveria um ataque militar ao programa nuclear iraniano. Infelizmente, acho que essa previsão está cada vez mais perto de se tornar realidade.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os assessores de imprensa voluntários de Ahmadinejad

Recebi ontem de um amigo um texto escrito por Jeremy R. Hammond no blog do site do Foreign Policy Journal. O objetivo do autor é descredibilizar o diário Times, de Londres, responsável por uma das grandes reviravoltas internacionais da semana ao afirmar ter tido acesso a documentos secretos iranianos que provariam que a República Islâmica estaria a ponto de conseguir produzir sua bomba nuclear. Inicialmente, não vou entrar no mérito da matéria publicada pelo jornal inglês, nem muito menos me empenhar em tirar a credibilidade de Hammond. Meu ponto de interesse é outro; o fato é que o Irã, mesmo sem fazer qualquer esforço nos EUA ou na Europa, consegue eventualmente que voluntários partam na defesa de algo que por si só deveria ser condenado: o seu programa nuclear.
Não creio que ao escrever este artigo Hammond busque uma espécie de justiça internacional. Até porque não me parece que este seja um objetivo capaz de levar pesquisadores, estudiosos ou jornalistas a se debruçar sobre um tema e emitir opiniões sobre ele. O que considero interessante é a defesa venal feita pelo autor dos argumentos iranianos; para ele, Teerã quer construir usinas nucleares apenas para fins pacíficos e a polêmica frase de que "Israel deveria ser varrido do mapa" - repetida algumas vezes pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad - é fruto de um "erro de tradução".
"Em primeiro lugar, a citação acabou sendo traduzida de maneira ambígua. Na verdade, quando esta declaração foi feita, Ahmadinejad falava da necessidade de regimes opressores caírem - além de Israel, ele citou o Iraque de Saddam Hussein e o Irã do Xá (Reza Pahlevi) como outros exemplos", escreve.
Ora, este me parece um argumento absolutamente ingênuo. Afinal, se o mundo inteiro entendeu errado que a intenção do presidente iraniano era de "varrer Israel do mapa", por que Ahmadinejad não fez um outro pronunciamento ou divulgou comunicado oficial explicando esta situação e afirmando não ter a intenção de "varrer Israel do mapa"? Ou por que não contestou esta declaração nas inúmeras vezes em que esteve no ocidente? Ou mesmo quando discursou na ONU? Seria simples mudar esta "percepção" equivocada. Aliás, não seria apenas simples, como poderia ser um movimento interessante e apaziguador, um gesto de boa vontade de aproximação pacífica com Estados Unidos e União Europeia, por exemplo.
Mas, como se sabe, nada disso foi feito. Muito pelo contrário. Quando o Irã foi alvo de condenação na Agência Internacional de Energia Atômica, respondeu dizendo que não somente não iria interromper seu programa nuclear, como estava pronto para ordenar a construção de mais dez usinas atômicas. Definitivamente, este não é um movimento em direção à conversação ou à busca de um entendimento.
Além disso, algumas outras articulações internacionais iranianas não foram lembradas por Jeremy R. Hammond. Por exemplo, nada foi dito sobre o apoio dado por Teerã ao Hamas, em Gaza, e ao Hezbolah, no Líbano. Não me parece que armar os dois grupos possa ser interpretado como um gesto pacífico em nome da estabilização do Oriente Médio.
Em relação à matéria do Times, acho que existe sim muita especulação sobre o programa nuclear iraniano. Pode ser que as fontes ouvidas pelo jornal não sejam confiáveis. Mas não acredito que um veículo de imprensa com tanta tradição na Europa colocaria toda sua credibilidade à prova em nome de "propaganda para a política externa americana", como dá a entender Hammond.
Acho que sempre é missão do leitor ou do analista buscar fontes primárias. Mas no caso do Irã, por exemplo, isso é absolutamente impossível. Como as respostas da República Islâmica a acusações deste tipo têm normalmente adotado o padrão de subir o tom e ameaçar seus críticos, não resta outra alternativa a não ser desconfiar dos propósitos do programa nuclear iraniano. O resto soa como ingenuidade e um tanto de assessoria de imprensa voluntária.

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sebastián Piñera pode ser novidade política no Chile

Não há qualquer dúvida de que Chile e Brasil são países muito diferentes. Mas os resultados das eleições por lá podem servir como um exercício interessante para prever cenários por aqui. Ou melhor, para toda a América do Sul. Afinal, no continente as grandes mudanças políticas costumam acontecer de forma simultânea. Foi assim quando os militares tomaram o poder, quando a democracia foi restaurada, quando líderes de esquerda foram eleitos nos principais países. E agora, qual será o próximo passo?

A vitória do empresário Sebastián Piñera no primeiro turno das eleições chilenas pode até ser revertida pelo candidato de esquerda e ex-presidente Eduardo Frei. O segundo turno acontece no próximo dia 17 de janeiro, mas a simples ascensão de Piñera a favorito no pleito já é por si só um fato importante da política sul-americana. Até porque acontece pouquíssimo tempo após a reeleição de Evo Morales, na Bolívia, e da eleição de José Mujica, no Uruguai, dois nomes importantes no quadro de renovação da esquerda do continente.
Todo este contexto faz com que o êxito de Piñera possa ser considero ainda mais estranho aos rumos dos demais países. Mesmo internamente, sua vitória é avaliada como uma quebra de paradigma. Afinal, a atual presidente, Michele Bachelet, do Partido Socialista, tem seu governo aprovado por 78% dos chilenos.
Ou seja, a previsão é que ela fosse capaz de transferir esse respaldo popular para o candidato apoiado por ela. Mas Eduardo Frei ficou 14 pontos atrás de Piñera, mostrando que o eleitorado não faz escolhas automáticas. Além de tudo isso, caso Piñera realmente saia vitorioso em janeiro, será a primeira vez, desde o fim da ditadura militar de Pinochet, em 1990, que um candidato de direita assumirá a presidência do país.
Piñera tem um perfil curioso para os padrões do Chile e mesmo da América do Sul. É um bilionário que ocupa a posição de número 701 no ranking das pessoas mais ricas do mundo da revista Forbes; é o maior acionista da Lan Chile - a companhia áerea mais importante do país -, dono do canal de televisão Chilevisión e do Colo Colo, clube mais popular (uma espécie de Flamengo local, muito embora não exista nada tão grande quanto o Hexacampeão brasileiro, mas essa é outra discussão).
Duvido muito que Piñera provoque uma revolução política no resto do continente. Talvez ele seja apenas a exceção que confirma a regra. Mas é curioso trabalhar com a possibilidade de que um dos mais desenvolvidos países da América do Sul - para se ter noção, as políticas públicas realizadas pelos governos de esquerda conseguiram reduzir a pobreza de 45%, em 1990 para 13% hoje e aumentar a renda per capita para 14 mil dólares ao ano (no Brasil, ela é de 10 mil dólares) - seja governado em breve por uma espécie de Silvio Berlusconi menos afoito sexualmente (pelo menos até que se prove o contrário).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Governo do Paquistão corre risco de cair

Os ataques terroristas que deixaram mais de 50 mortos e outros 150 feridos no Paquistão nesta semana mostram como a situação no país vai de mal a pior. A verdade é que a estrutura de terror instalada há anos por lá acabou por vir à tona graças à invasão do Afeganistão, em 2001. Agora, este problema que cabe aos EUA resolver talvez se mostre tão ou mais complicado do que derrotar o Talibã.

Isso porque Washington vai se deparar com um dilema crucial para a política externa americana: confiar que o presidente Asif Ali Zardari conseguirá ter forças para controlar os radicais que formam parte da cúpula de segurança paquistanesa ou então invadir o Paquistão e, além de abrir mais uma frente de batalha no sudeste asiático, jogar para o alto a frágil aliança que mantém com Islamabad.

Acho que, para evitar esse problema, Obama simplesmente vai tentar levar a situação do jeito como está enquanto pode. A questão é que, ao seguir por este caminho, dá um tiro no próprio pé na medida em que praticamente inviabiliza qualquer chance de vitória no Afeganistão. Afinal, os teóricos de guerra americanos consideram impossível derrotar o Talibã enquanto a região de fronteira com o Paquistão permanecer como zona livre para os terroristas afegãos.

Os Estados Unidos talvez venham a enfrentar os resultados da medida que colocaram em prática ao aprovar no ano passado uma lei impedindo que os recursos financeiros sejam repassados diretamente para a estrutura militar paquistanesa – controlada por radicais que não escondem a simpatia nutrida pelo Talibã e por sua ideologia.

Não por acaso cada vez mais o Paquistão tem sido alvo de ataques terroristas. Não há dúvida de que se tratam de atos cometidos pelo Talibã, mas com a complacência dos oficiais da ISI, as forças de segurança paquistanesa. A situação do governo de Zardari é tão grave que existe a real possibilidade de um golpe militar. É o que sustenta Tarek Fatah, ex-ativista paquistanês e fundador do Congresso Muçulmano Canadense.

"O exército (do Paquistão) vê com suspeita e alarme os esforços do governo de apaziguar a situação no Afeganistão. Além disso, o estabelecimento de uma paz duradoura com a Índia poderia acabar com os motivos que justificariam a própria existência de um forte aparato militar paquistanês", escreve em artigo publicado no canadense Globe and Mail.

Ou seja, Zardari está aos poucos secando não apenas as fontes financeiras que abastecem as ISI, como também minando a relação nefasta entre as forças de segurança e Talibã e al-Qaeda. Seguramente, tudo isso não vai ficar impune. A missão principal de Obama na região é evitar que um golpe militar deponha o presidente paquistanês e coloque todo o vasto arsenal bélico do país – que inclui armamento nuclear – nas mãos de grupos aliados de dois dos principais grupos terroristas da atualidade.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Evo está com sorte

Ainda sobre as eleições bolivianas, acho que é possível fazer um paralelo entre a carreira de Evo Morales e alguns, digamos, recursos naturais que acompanharam sua trajetória política: a água que marcou um de seus mais representativos - e desesperados - protestos (abordarei este assunto com a atenção que ele merece num próximo texto); o gás e o petróleo responsáveis por controversas decisões internas e externas (inclusive afetando a Petrobrás, é bom lembrar); e o lítio, elemento que sem a menor dúvida vai marcar não apenas seu novo mandato, como também todas as manchetes da imprensa nos próximos anos.

Pouco se fala nisso - não duvidem, este assunto vai se tornar cada vez mais comum daqui pra frente -, mas a Bolívia é o país que abriga hoje a maior reserva inexplorada de lítio no planeta. Esta é uma daquelas ocasiões em que os leitores costumam dizer "e daí?". O fato é que o elemento pode salvar não apenas a indústria automobilistica como, por consequência, mudar a balança de poder internacional.

O lítio será usado na confecção de baterias para os veículos elétricos que serão produzidos para gradualmente substituir os automóveis movidos a gasolina. Talvez isso explique o interesse do Irã na Bolívia. Por ora, sem a menor dúvida, fica claro que os olhos do mundo estão se voltando aos poucos para o segundo país mais pobre da América do Sul. Até porque, vale lembrar que o governo de Barack Obama decidiu emprestar 11 bilhões de dólares para empresas que pesquisem formas de reduzir a dependência americana ao petróleo.

Localizada no solo do salar de Uyuni, uma das mais belas regiões da Bolívia, estima-se que a gigantesca reserva de lítio tem capacidade de produzir baterias para mais de 4,8 bilhões de carros. A extração do recurso ainda não começou, mas há grandes expectativas de como a descoberta de uma commodity que será tão valorizada nos próximos anos poderá mudar para melhor o destino dos dez milhões de bolivianos.

Hoje as discussões são retóricas. Principalmente porque o país não tem dinheiro para construir as minas. E isso será uma grande questão para Evo, uma vez que essa dificuldade prática pode obrigá-lo a dividir esta riqueza com transnacionais. Para se ter ideia de como a Bolívia pode mudar a lógica do mercado, hoje 70% da produção de bens a partir do lítio é controlada por duas empresas: a norte-americana Rockwood, de Nova Jersey, e a chilena Sociedad Química y Minera de Chile.

No mundo globalizado, algumas empresas já se ofereceram a Morales para projetar, sem qualquer custo por ora, a mina de Uyuni: o bilionário francês Vincent Bollore - dono de uma fábrica de baterias e que planeja construir carros elétricos - e ninguém menos que a sul-coreana LG e as japonesas Mitsubishi e Sumitomo. Neste aspecto, o socialismo do século 21 de Morales aparentemente vai ter de se associar ao capital externo para garantir os lucros a partir do lítio.

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Evo Morales é reeleito com amplo apoio da população

Evo Morales recebeu a ratificação popular a seu projeto de construir uma nova Bolívia. Com mais de 60% dos votos, o presidente boliviano terá mais cinco anos de mandato pela frente. Muito mais do que ocupar o cargo de presidente por pretensões políticas pontuais, Morales pretende mudar os pilares da sociedade de seu país.

E ele tem obtido sucesso, como mostra o resultado das eleições. Por mais que sejam criticáveis suas alianças internacionais, hoje a Bolívia representa uma forma de gestão inédita no mundo, aliando reestrutuação política e social com eficácia econômica que agrada até mesmo ao FMI - por mais estranho que isso possa parecer.

As estimativas de crescimento econômico no país estão na casa dos 4% - taxa superior à média dos países sul-americanos. Além disso, as reservas monetárias chegam a 7 bilhões de dólares. Sem dúvida, um dos grandes responsáveis pelo sucesso do governo Morales é o objetivo pelo qual ele foi eleito pela primeira vez: mudar a balança de poder injusta da Bolívia.

Ou seja, melhorar a condição de vida dos mais de 60% de indígenas que compõem a população. E isso dá muito trabalho. Assim, uma série de medidas vem sendo tomada, como investimentos em programas de bem-estar social, educação e acesso à saúde. E, é claro, tudo isso gera emprego, renda e movimenta a economia.

Talvez por isso mesmo a Bolívia tenha conseguido taxas de crescimento positivas mesmo durante a crise; por definição, seu governo não credita todas as responsabilidades à mão livre - e, como se sabe hoje, incompetente - do mercado.

Ao contrário de teóricos que sustentam que o governo de Evo Morales é assistencialista, acredito que seja possível fazer uma leitura diferente deste momento: desde 2005, a Bolívia tem pela primeira vez um governo preocupado com questões fundamentais e urgentes para a esmagadora - e historicamente esquecida - parcela da população.

Talvez seja difícil compreender a situação da Bolívia porque por lá há mesmo uma relação clara ente o sucesso de brancos e a miséria da população indígena. Por aqui existe sim racismo, mas, para não morrer afundada em culpa, nossa sociedade prefere fingir que os negros não sofrem hoje as consequências de políticas racistas de outrora - só não vê quem não quer.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Os passos a serem seguidos para se tornar uma potência

Como mencionei ontem, acredito que o governo iraniano tenha duas grandes preocupações: conseguir legitimidade interna sufocando os que questionaram o processo eleitoral do meio deste ano; e se estabelecer como potência regional no Oriente Médio. Sinceramente, não sei se existe uma diferença de importância entre os dois projetos na visão de Teerã. Ambos são fundamentais para as aspirações geopolíticas do país e acabam se retroalimentando.
Mas uma lição ficou bastante clara para o governo da república islâmica após a controversa reeleição de Ahmadinejad: a simples repressão física não seria mais suficiente para conter as vozes dissonantes. Era preciso travar uma guerra interna para varrer do Irã a possibilidade de articulação de manifestações como as que ocorreram.
E aí entra em cena um programa que a cúpula de dirigentes do país vem chamando de "soft war" e confirma tudo o que Ahmadinejad disse quando esteve por aqui ("a era de confrontos militares acabou").
O Irã entra de vez no circuito de propaganda que os governos de todo o mundo – principalmente de países que enfrentam protestos internacionais – costumam chamar de "diplomacia pública". A diferença, neste caso, é que o objetivo vai além de explicar as razões de determinadas atitudes ou discursos iranianos no exterior. A meta é fechar o cerco internamente, uma vez que Teerã colocou a culpa pela revolta popular nas antenas parabólicas da BBC, muito comuns nas casas da classe média do país.
Uma companhia associada à temida Guarda Revolucionária adquiriu a maior parte das ações da empresa que controla as telecomunicações no Irã – provedores de internet e companhias de telefonia celular.
O líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, pretende “reislamizar” o sistema educacional, diminuir as influências seculares e "purificar" a mídia.
O ponto alto deste projeto está na criação de uma agência de notícias cujo nome deverá ser Atlas e usará como modelo os serviços da temida BBC e da Associated Press, com a diferença de difundir os ideais da revolução islâmica.
Aí sim, com o país unido em torno do pensamento de Khamenei e Ahmadinejad, o programa nuclear poderá ser a ameaça lançada contra as forças do exterior que ousarem questionar o Irã pela tentativa de obtenção de armas atômicas.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

20 porcento no urânio; 80 porcento de chances de ataque

E a semana se encaminha para terminar mais ou menos como começou: na tentativa de entender os princípios suicidas da política externa iraniana. E hoje isso está mais claro ainda principalmente após a declaração de Mahmoud Ahmadinejad, em Isfahan, no Irã, de que vai produzir combustível enriquecido a 20 porcento – o índice corresponde ao senso comum na comunidade internacional do necessário para abastecer um reator nuclear.
A reação que mais explica a situação é a de um diplomata da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que pediu para não ser identificado – por motivos óbvios, diga-se de passagem.
"Eles estão quase pedindo para serem atacados. Por definição, 20 por cento significa uso bélico", disse.
Desde que a discussão em torno de seu programa nuclear começou, o Irã opta por um jogo duplo. No exterior, garante que seus objetivos são pacíficos. Em casa, não hesita em subir o tom.
Está muito claro há algum tempo que o Irã pretende ser reconhecido como potência regional. Enriquecer urânio e quem sabe obter armas nucleares elevaria o país ao status de alguns de seus vizinhos que já possuem bombas atômicas ou são suspeitos de manter arsenais nucleares – casos de Índia, Paquistão e Israel.
Por isso, o governo de Ahmadinejad tenta ganhar tempo, enviando sinais ambíguos que confundem principalmente os países que pretendiam levar o Irã à mesa de negociações. Mas agora parece que a estratégia mudou. Após retornar de sua viagem em busca de aliados, o presidente iraniano mostra que talvez a cúpula de seu governo tenha decidido romper com esta estratégia e abrir uma escalada de provocações, justamente após a AIEA ter aprovado na semana passada o veto ao programa nuclear do país.
Ninguém sabe ao certo quais serão as consequências desta mudança de rumo. Em 17 de abril escrevi aqui mesmo que Israel atacaria o Irã até o final deste ano. Ainda acho que isso possa ocorrer, mas as probabilidades são menores por conta da compulsória desaprovação americana. Israel só atacará as usinas nucleares iranianas se Jerusalém considerar que o regime da república islâmica tem condições de representar uma ameaça na prática. Enquanto esta for uma hipótese retórica – um projeto, como é o caso – Israel não irá se expor à condenação internacional e de seu maior aliado.
O Irã no momento pretende unir sua população em torno do programa nuclear, uma vez que as feridas por conta das eleições presidenciais ainda estão abertas. O problema é que este jogo pode tocar fogo no planeta. Amanhã, abordarei mais a fundo essa questão.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sem grandes mudanças à vista

A estratégia de Obama para o Afeganistão é tão complexa, cara e demorada que é quase impossível acreditar no prazo que estabelece para iniciar o retorno dos soldados americanos aos EUA: 18 meses. Basta listar os desafios que a coalizão comandada pelos Estados Unidos enfrenta há oito anos. Se, depois de todo este tempo, o Talibã permanece ativo e domina grandes porções de território, o que seria tão diferente agora que levaria a crer que a estratégia poderia ser bem sucedida?

Para piorar, há oito anos Washington contava com grande apoio interno e externo para caçar bin-Laden – o esquecido objetivo inicial da campanha. Hoje, a situação é bem diferente. Boa parte da opinião pública americana considera que o governo deveria se empenhar em diminuir o desemprego – com taxa média superior à casa dos 10% -, por exemplo.

Definitivamente, o momento não é nada bom para Obama, cujo índice de aprovação caiu para 49% - 20 pontos a menos do que os 70% de sua posse. Mas o presidente americano não tem alternativas.

Não concordo com a opinião de que os EUA deveriam simplesmente deixar o Afeganistão. Penso que seria admitir perigosamente uma derrota para o fundamentalismo islâmico que teria consequências catastróficas em todo o mundo. A resistência Talibã seria um modelo a ser exportado para outras zonas de conflito envolvendo terroristas fundamentalistas. Mas tampouco acredito que seja função de Washington arcar com custos e riscos de criar um projeto de nação afegã, patrocinando inclusive o corrupto governo do presidente Hamid Karzai.

Talvez o dinheiro devesse ser investido no pagamento de salários mais atraentes para os que desejassem deixar as fileiras do fundamentalismo e se unir às embrionárias forças de segurança. Este me parece ser um caminho a ser seguido. Basta lembrar que os salários pagos pelos EUA atualmente estão na casa dos 100 dólares mensais, enquanto o Talibã oferece 300 dólares. Medidas pragmáticas como essa me parecem capazes de mudar a realidade em longo prazo.

Por ora, sabe-se apenas que os 30 mil soldados que Obama mandará para o Afeganistão irão contribuir para formar um respeitável contingente de quase 150 mil combatentes. Entretanto, esse número não vai ser eficaz sozinho, caso o "aliado" Paquistão continue a não reprimir os talibãs que circulam livremente na fronteira do país.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Intolerância à suíça

A decisão da população suíça de proibir a construção de minaretes muçulmanos no país é lamentável. Ela é simplesmente a demonstração pública de que o choque de civilizações propagado por radicais surte efeito.
A Europa mostra que não apenas quer se abster das questões internacionais, mas também regredir a um passado idílico onde a multiplicidade étnica, histórica e religiosa deve ser sempre interpretada como ameaça aos "verdadeiros" cidadãos europeus. Todo mundo sabe o que esse discurso significa, não é?
Quase 60% dos suíços foram favoráveis à proibição. Ela se torna ainda mais incompreensível quando se leva em conta que os muçulmanos representam apenas 4% da população, muitos dos quais imigrantes bósnios, kosovares ou turcos. Pior: todo este tumulto aconteceu por causa de apenas quatro minaretes.
A Suíça mostra o pensamento europeu de hoje. O estrangeiro, o que não apresenta características dos considerados europeus "legítimos" e o imigrante representam a ameaça. Mesmo que, conforme as estatísticas deixam claro no caso específico da Suíça, a presença islâmica no país seja bastante reduzida.
A campanha que terminou por aprovar o polêmico banimento se sagrou vitoriosa porque seus patrocinadores políticos conseguiram transformá-la numa espécie de referendo sobre o próprio futuro da Suíça. Assim, não estaria em jogo apenas a construção dos minaretes, mas o temor de que um dia a influência islâmica fosse capaz de implementar a sharia - o código de conduta muçulmano - ou as mulheres passassem a usar burca, por exemplo.
Parece piada, mas foram esses "argumentos" risíveis que terminaram por convencer 22 dos 26 cantões a votar pelo "sim". A estratégia da extrema-direita foi a mesma de sempre. O outro deve ser sempre demonizado; ele é sempre uma ameaça ao chamado "mito original".
O resultado deste referendo talvez resuma bastante o pensamento europeu contemporâneo – que, aliás, está expresso também na política externa da União Europeia. A resposta a este posicionamento virá aos poucos: gradativamente, as opiniões europeias sobre o cenário internacional terão menos importância. Outros atores tomarão seu lugar.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Por que Ahmadinejad não vai ceder aos pedidos internacionais

Após condenação internacional na última sexta-feira, o Irã respondeu como ninguém gostaria que respondesse: optou pelo tom desafiador. O regime de Mahmoud Ahmadinejad não aceitou as críticas e se recusa a cooperar. Pior do que isso, Teerã diz que pretende construir mais dez usinas nucleares. Foi da própria emissora de tevê estatal do país a notícia de que o gabinete presidencial já teria votado a decisão de iniciar a operação.
Não tem jeito. Todas as estratégias adotadas até agora não surtiram efeito. Os organismos multilaterais jogam a bola para o lado iraniano; com a mesma intensidade, o regime da república islâmica a devolve. E com isso o tom bélico sobe rumo ao que parece ser um inevitável – e, sem qualquer dúvida, devastador – confronto militar.
"Se o Irã busca energia para fins civis, não haveria necessidade de se comportar de maneira tão furtiva e opaca", diz editorial publicado hoje pelo jornal libanês Daily Star.
E o caminho parece não ter volta. Afinal, seria ainda mais patético se a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recuasse. E isso não vai acontecer.
Segundo cálculo do Wall Street Journal, se de fato o Irã conseguisse construir dez novas usinas, o país teria à disposição 500 mil centrífugas. Por mais que este número não signifique nada num primeiro momento, ele faz sentido quando se sabe que, a partir disso, Teerã poderia produzir 160 bombas de urânio enriquecido. A cada ano.
O regime de Ahmadinejad não admite a possibilidade de ceder diante dos pedidos internacionais. Vale sempre lembrar que o presidente do Irã condicionou qualquer diálogo com os EUA a um pedido de desculpas de Washington pela participação do governo americano na derrubada do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, em 1953.
Ora, ninguém poderia imaginar que, somente a partir de uma votação da AIEA, Ahmadinejad passaria a colaborar. Seria preciso que deixar de lado todos os ressentimentos com o ocidente. E isso não vai acontecer. Até porque parte da política externa iraniana está baseada no confronto retórico com os países desenvolvidos – EUA e Grã-Bretanha, em particular. É este o espaço que o Irã ocupa no cenário internacional. Basta lembrar que Ahmadinejad deve assumir em breve a presidência dos países não-alinhados.
Resta saber, no entanto, qual será o limite dessa estratégia iraniana. Por mais "ressentimento" envolvido, não me parece que o Irã estaria disposto a um confronto de fato com Estados Unidos e Israel. Como Ahmadinejad sabe que até agora Jerusalém não conta com a aprovação de Obama para atacar – e o próprio Obama enfrenta grandes dificuldades no Afeganistão, inclusive com desaprovação interna da opinião pública norte-americana –, ele vai sustentar esta retórica desafiadora até que toda essa conjuntura internacional mude. E isso não deve acontecer em breve.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Programa nuclear iraniano sofre condenação internacional

A parceria entre os governos brasileiro e iraniano começa a render frutos políticos. Para Teerã, claro. Hoje, o Brasil foi um dos seis países a se abster de votar a resolução que condena o programa nuclear do Irã. Os "parceiros" de Ahmadinejad foram, além do Brasil, África do Sul, Egito, Afeganistão, Paquistão e Turquia. Venezuela, Cuba e Malásia se opuseram à decisão. Mesmo assim, no entanto, a resolução foi aprovada pelos demais membros que compõem a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) com placar final de 25 votos a três.

A mensagem que se coloca é a seguinte: a grande maioria dos estados ocidentais decidiu censurar o programa nuclear iraniano. A AIEA condena a construção secreta da usina de Qum e também o potencial militar do projeto atômico do Irã.

Alguns fatores causaram surpresa neste processo que culminou com a censura internacional ao governo iraniano: a enérgica reação do presidente da AIEA, Mohamed ElBaradei, que chegou mesmo a declarar que Teerã tem bloqueado o trabalho dos inspetores da agência; e também disse que seus esforços para revelar a verdade "chegaram a um final morto" - uma tradução ao pé-da-letra da expressão em inglês "dead end", usada por ele.

Outro aspecto interessante é o gesto ter recebido o apoio de Rússia e China, países aliados política e logisticamente do governo do Irã. O veto foi um trabalho conjunto de Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha, China e Rússia.

Acho que a atitude mostra o quanto Ahmadinejad está isolado. E não por acaso acontece na mesma semana em que o presidente iraniano visitou seus colegas em Venezuela, Bolívia e Brasil. A intenção é deixar claro que, ao contrário do que possa parecer, a comunidade internacional em peso – ou pelo menos a parte mais importante dela – condena o programa nuclear iraniano.

A estratégia internacional brasileira sofre um duro golpe na medida em que se afasta das expectativas acerca dessa questão. Mais ainda, coloca o Brasil no campo oposto. E o recado já havia sido dado quando o presidente Obama inusitadamente enviou um longo fax a Lula enumerando as preocupações americanas quanto a visita de Ahmadinejad. A carta foi recebida justamente às vésperas do encontro e pedia, dentre outros assuntos, que o líder brasileiro condenasse o projeto atômico de Teerã.

Como se sabe, isso não foi feito. E aí está o resultado de uma semana absolutamente crucial e polêmica no cenário internacional e para a política externa brasileira, em particular. Vamos aguardar quais serão os próximos passos.

Importante deixar claro que, mesmo tendo recebido Ahmadinejad na segunda-feira, acredito que não seria incoerente se o Brasil tivesse apoiado a resolução da AIEA de hoje. Simplesmente porque, em Brasília, Lula disse ser favorável ao direito de o Irã obter tecnologia nuclear, desde que para fins pacíficos. E o veto de hoje ocorreu justamente pelas dificuldades impostas aos inspetores internacionais, a preocupação de que o programa se transforme num processo militar e também por conta da usina secreta de Qum, descoberta através de fotos de satélite há dois meses.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ahmadinejad já está em guerra

Mahmoud Ahmadinejad continuou sua visita pela América do Sul. Em Venezuela e Bolívia, apenas reforçou os laços. Mas foi nos dois países que ele pôde finalmente relaxar e expor sem qualquer constrangimento suas opiniões polêmicas. Mais do que isso, recebeu apoio de Chávez, que aproveitou para ameaçar Israel. A verdade me parece cada vez mais que o Brasil acabou fazendo papel de bobo.
Há duas grandes correntes de pensamento que concordam e discordam da recepção de Ahmadinejad em Brasília; a posição oficial brasileira defende que é preciso conversar com todos os atores. O Itamaraty é pragmático, pretende ser reconhecido como um eventual mediador responsável e legítimo no cenário internacional - e principalmente no que diz respeito aos conflitos no Oriente Médio. Assim, como o Irã é indiscutivelmente uma potência regional, não é possível simplesmente ignorá-lo.
Os que se opõem à visita argumentam que receber o líder iraniano representa, mesmo que indiretamente, legitimar seu discurso e práticas antissemitas, homofóbicas e contrárias aos direitos humanos.
Acho que a discussão sobre a presença do presidente iraniano no Brasil é uma das questões que merecem uma abordagem totalmente despida de interpretações maniqueístas. Considero que tanto o argumento do governo quanto o dos opositores à visita de Ahmadinejad são válidos. Ou melhor, as razões apresentadas por Brasília para justificar a visita fazem sentido.
No entanto, penso que era sim importante que Lula tivesse optado por um discurso mais firme, condenado as práticas de Ahmadinejad e, mais importante ainda, todos os elementos de seu discurso. Mas o Itamaraty optou por silenciar em nome das pretensões brasileiras; e o presidente iraniano presenteou a audiência oficial com a promessa de apoiar a reforma do Conselho de Segurança da ONU com a concessão ao Brasil de um assento permanente.
No mais, olhando agora o giro sul-americano de Ahmadinejad como um todo, fica a péssima impressão de que o Brasil foi usado para ratificar as posições iranianas. Mesmo que essa não tenha sido a intenção do governo brasileiro - e tenho certeza de que não foi mesmo - entramos no bolo de Bolívia e Venezuela como países que legitimam a estreita visão de mundo do presidente iraniano.
Pode não parecer, mas Ahmadinejad está em guerra. A batalha da mídia busca conquistar corações e mentes em todo o mundo. E, como sabia o que a audiência brasileira gostaria de ouvir dele, o líder iraniano fez questão de se mostrar - ao menos enquanto esteve no Brasil - uma pessoa cordial, com objetivos pacíficos e como um mártir da luta contra o imperialismo americano.
Tanto que na segunda coletiva de imprensa que deu em Brasília declarou que a "era de ataques militares terminou". Ao ser perguntado se estaria pronto para responder a eventuais ofensivas militares de Israel e EUA, disse que os dois países citados representavam um "pensamento retrógrado".
A luta de Ahmadinejad é contra a enorme ameaça representada pela liberdade de expressão. Mas deixo este assunto para amanhã, já que é interessante demais e merece um texto próprio.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Tensão e chá-de-cadeira. Ahmadinejad no Brasil

Sou o primeiro jornalista a chegar à Esplanada dos Ministérios, em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília. Um grande espaço cercado por cones foi reservado para os protestos. A previsão era de mais de 300 pessoas que seriam favoráveis ou contrárias à visita do polêmico presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil. Por volta das 9h40, chega o primeiro grupo de manifestantes. São seis ao todo e vieram para prestar apoio à presença do líder do Irã.

Acelino Ribeiro é coordenador do Movimento Democrático Direto (MDD) e, por mais contraditório que pareça, vê na figura de Ahmadinejad um pacifista. Para ele, o presidente do Irã representa a luta contra o imperialismo americano. Ao mesmo tempo em que conversamos, seus quatro correligionários acenam positivamente com a cabeça. Acelino me explica que existe uma grande manipulação da mídia e, ao contrário do que todo mundo pensa, Ahmadinejad faz parte de um grupo de autoridades internacionais cujas palavras são seguidamente distorcidas pela imprensa. Este grupo inclui o ditador norte-coreano Kim Jong-il, o ditador líbio Muamar Kadafi e os presidentes Chávez e Evo Morales, aqui na América do Sul.

Logo em seguida, aproxima-se Faraj Hassan Ali, presidente do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino. Com a camisa negra castigada pelo sol de Brasília, ele admite que a passeata foi organizada às pressas, ao saber da presença de manifestantes contrários à visita do controverso presidente. Pergunto a ele o que pensa sobre as declarações de Ahmadinejad sobre "varrer Israel do mapa" e de que "desconhecia a existência de homossexuais no Irã".

"Todas as religiões combatem o homossexualismo. A imprensa usurpa as declarações do presidente do Irã", diz. "Acho que o processo de paz no Oriente Médio morreu. A única solução é mesmo acabar com o regime sionista israelense", completa, mesmo que suas declarações sigam na contramão da posição oficial da Autoridade Palestina.

A essa altura, já há duas ou três faixas pregadas no gramado da Esplanada dos Ministérios. "Brasileiros e palestinos saúdam o presidente Ahmadinejad e Lula e desejam vida longa por lutarem contra o imperialismo (EUA) e o sionismo (Israel)".

Já está claro que o conflito do Oriente Médio vai travar por aqui um de seus capítulos. Mesmo que as armas sejam os slogans de sempre.

O major Franco, coordenador de segurança pública encarregado, informa que o efetivo é maior do que o empregado normalmente. É fácil perceber a tensão nos rostos e ela é quase palpável no ar.

No palco da solenidade, nos salões do Ministério das Relações Exteriores, jornalistas correm para obter suas credenciais. O da Al-Jazira discute para entrar. Mal-sucedido, corre de volta para o gramado e entrevista os manifestantes pró-Irã. Uma questão de público alvo.

Por volta das 11h, começa a chegar o grupo dos opositores a Ahmadinejad. Eles vestem lenços verdes, em alusão a cor símbolo dos protestos aos resultados das últimas eleições presidenciais no Irã. Por aqui, no entanto, o líder do movimento é corretor de imóveis e mora em Goiânia. Faltou ao trabalho para protestar contra o programa nuclear do governo de Teerã e à intolerância contra homossexuais, membros da fé Bahai e dissidentes políticos praticada no país do Oriente Médio. "Aqui Não" é o nome dado ao protesto.

"Não somos contra o povo iraniano. Mas não podemos ser coniventes à censura que se pratica por lá. Acho que estamos tendo sucesso, já que conseguimos marcar presença em manifestações realizadas em 15 estados", diz Natan Cunha.

Um das pontas da faixa onde se lê "os membros da fé Bahai são perseguidos e mortos no Irã" é segurada por um menino de apenas 12 anos de idade. Ele está perdendo aula e diz que está aqui porque seu tio é um dos organizadores do evento. Mas, com tremenda rapidez de raciocínio, mostra ter aprendido direitinho os argumentos para condenar Ahmadinejad.

"Ele quer enriquecer urânio para fazer a bomba atômica. Não podemos deixar", afirma.

No meio da multidão, dois ex-servidores da Aeronáutica são os que atraem mais curiosidade. Reivindicam a reincorporação na força e levantam o público ao clamar por democracia. Depois deste episódio, os dois grupos de manifestantes parecem deixar a inércia e voltam a gritar seus slogans.

No caminho para o Palácio do Itamaraty, um homem moreno filma a passeata. Ao me aproximar, pergunto para qual empresa ele trabalha. Num inglês ruim, diz que só fala farsi - o idioma iraniano - e não está autorizado a conversar.

Na porta de entrada do Ministério das Relações Exteriores, constrangimento. Um manifestante pró-Ahmadinejad é barrado. Revoltado com a situação, questiona a funcionária do MRE: "Por acaso você é judia?".

No salão principal do Itamaraty, jornalistas e fotógrafos se acotovelam. Lula e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, conversam ansiosos à espera de Ahmadinejad. O presidente tenta descontrair e comenta sobre a rodada deste domingo do Campeonato Brasileiro. "Eu queria ter sido ponta-de-lança", brinca.

Os Dragões da Independência tomam posição. Nas ruas, a multidão grita palavras de ordem e as sirenes de carros oficiais apressados são acionadas. Mahmoud Ahmadinejad salta sorridente e sua comitiva caminha a passos lentos em direção a Lula e Amorim. Os presidentes se abraçam, posam para fotos e entram rápidos para reuniões a portas fechadas.

Só reaparecem novamente mais de duas horas depois. O encontro com a imprensa estava previsto para as 12h30, mas só começa às 15h22. Os jornalistas comentam que a distância entre as cadeiras de Lula e de Ahmadinejad é maior do que de costume. O presidente brasileiro bate repetidamente os dedos na mesa enquanto conversa baxinho com Celso Amorim.

Ao ser convocado para o pronunciamento oficial, Lula faz um discurso protocolar, com cada palavra sendo dita de forma a não provocar ainda mais eletricidade. Nada pode dar errado e o governo brasileiro não apresenta qualquer surpresa. Defende a obtenção de energia nuclear para fins pacíficos, celebra a diversidade étnica e religiosa no Brasil e reafirma a posição brasileira de buscar a paz no Oriente Médio. O que talvez constranja o líder iraniano é Lula lembrar a recente visita do presidente Shimon Peres ao Brasil. O presidente brasileiro mais uma vez se diz favorável à criação de um Estado palestino capaz de conviver ao lado de Israel sem ameaçar a existência e a segurança do Estado judeu.

Ahmadinejad discursa sobre as semelhanças entre Irã e Brasil e condena a ordem mundial que, segundo ele, pretende acabar com as características individuais dos países. Diz que o capitalismo é um fracasso e que há um plano para atacar as culturas autóctones. Ahmadinejad cutuca Israel ao afirmar que o sistema nascido após a Segunda Guerra Mundial já não funciona mais. Lula boceja e o ministro da Indústria e Comércio, Miguel Jorge, rodopia o celular sobre a mesa.

O clima de tensão parece ter ficado do lado de fora. Até porque existe uma simbiose entre as partes. Lula defende o direito iraniano de prosseguir com o programa nuclear; Ahmadinejad diz que o Conselho de Segurança das Nações Unidas deve mudar e incluir um assento permanente para o Brasil.

O clima ameno só é quebrado quando um jornalista questiona o governo brasileiro por mediar um tema tão polêmico. Lula se irrita um pouco e diz que a pergunta já foi respondida. Ahmadinejad pede a palavra e em dez longos minutos explica o programa nuclear de seu país, ao mesmo tempo em que mais uma vez culpa a imprensa por distorcer suas declarações, afirmando ter sido dele a iniciativa de trocar urânio enriquecido no Irã por combustível - a proposta não seria de Estados Unidos, Europa, Rússia ou ONU, como se acreditava anteriormente.

A repórter iraniana - da agência de notícias oficial do país - desperdiça a oportunidade e pede a Lula para que ele apresente sua visão acerca da ordem mundial. Lula ri e resume tudo o que seu discurso já explicara na abertura da coletiva. O próprio presidente encerra o evento: "Eu não sei quanto a vocês da imprensa, mas eu ainda não almocei", diz. Entre risos e aplausos, a entrevista termina sem grandes novidades, a não ser o anúncio da visita do presidente brasileiro a Teerã, entre abril e maio do ano que vem.

sábado, 21 de novembro de 2009

Atualização do post anterior

Lady Ashton, como é conhecida na Grã-Bretanha, pode ficar tranquila. Pelo menos por ora. Rússia e Ucrânia conseguiram resolver o impasse quanto ao preço para transportar o gás russo para o restante da Europa. Ou seja, a primeira representante europeia para assuntos internacionais após a ratificação do Tratado de Lisboa não precisou deixar sua posição de conforto para intervir. Pode permanecer em low profile. Ainda não foi desta vez que a UE foi incomodada pelos problemas do mundo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A Europa em fuga

Se o ex-primeiro-ministro Tony Blair era barbada para ser o primeiro presidente europeu, a UE respondeu a todos os lobbies, expectativas e apostas com a surpreendente escolha do atual primeiro-ministro da Bélgica, Herman Van Rompuy, e da comissária europeia de comércio, Cathy Ashton, para os cargos de presidente e ministro das relações exteriores, respectivamente. Para ser mais claro, dois digníssimos desconhecidos e figuras sem qualquer importância no cenário internacional.

Na primeira vez em que a União Europeia aponta seus representantes supranacionais com poderes de fato para falar pelos 27 países que compõem o bloco, a entidade opta por uma escolha conservadora. Este é o termo mais educado, digamos assim, para diagnosticar um sintoma desta nova dinâmica das relações internacionais. A Europa está em fuga.

A decisão tomada ontem à noite mostra que o subterfúgio será a nova norma da política externa europeia. É como se o recado enviado ao mundo fosse algo do tipo "não nos procure com seus problemas, deixe-nos em paz". E isso é evidente. Basta ler a primeira declaração de Cathy Ashton após ser eleita para o cargo:

"Vou buscar realizar uma estratégia de diplomacia tranquila", disse. Acho que a expressão em inglês que usou explica melhor seus objetivos. "Quiet diplomacy" foram as suas palavras. Ou seja, ela vai trilhar um caminho daqueles que preferem não ser notados, o chamado "low profile".

Ao que parece, o destino do mundo vai ficar mesmo para ser decidido por Estados Unidos, China, os Brics, os grupos terroristas e quem mais se habilitar. A Europa abre mão de sua posição.

A questão é que fingir que os problemas não existem não é suficiente para solucioná-los. Mesmo que a Europa adote essa estratégia, as ameaças estão aí. Aquecimento global, corrida nuclear, terrorismo, dentre outros, são questões das quais não se pode fugir. Cedo ou tarde, será preciso se deparar com elas. E agora, ironicamente, a Rússia mostra que está disposta a acordar seus vizinhos ocidentais. Hoje, os ucranianos decidiram aumentar o preço cobrado de Moscou para transportar o gás para a Europa ocidental.

Ou seja, se a UE não entrar de cabeça neste assunto, é bem capaz que os europeus sofram com a possibilidade de racionamento ou ausência total de gás durante o inverno. Não resta dúvida de que será uma grande oportunidade de Cathy Ashton pôr em prática seu conceito de "diplomacia tranquila".

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Visita de Obama à China foi positiva

A imprensa americana tem adotado um tom bastante crítico aos resultados da visita do presidente Obama à China. Acho que esta é uma visão equivocada e injusta. O que se poderia esperar do primeiro encontro entre os líderes das duas potências? Que Obama conseguisse mudar toda a visão do regime chinês sobre direitos individuais, liberdade de imprensa ou direitos humanos?
Talvez o próprio Obama esteja colhendo os frutos ainda da imagem que sua equipe de marketing construiu ao longo de sua campanha presidencial. Ele pode, mas não pode tudo. É o líder da maior potência do planeta, mas não um Messias político que em menos de um ano de mandato vai colocar o mundo inteiro nos eixos dos valores prezados pela sociedade ocidental.
Acho que a visita de Obama foi importante. Não apenas por ter conseguido um compromisso com Beijing de que o governo popular e comunista do país vai se aproximar do ocidente para resolver questões fundamentais, como a capacidade nuclear de Irã e Coreia do Norte e o aquecimento global. É melhor ter a China por perto do que isolada e ausente da comunidade internacional. É verdade que o presidente americano foi atraído para uma cilada e acabou por acaso ratificando o poder do país asiático de resistir às pressões externas.
“Num golpe de mestre, eles (os chineses) mudaram o paradigma de discussões, ao colocar em pauta o protecionismo americano e excluir das conversas os riscos globais representados por sua política cambial”, analisa em entrevista ao New York Times o pesquisador Eswar S. Prasad, especialista em assuntos chineses da Universidade Cornell, nos EUA.
Mas qual era alternativa? Ignorar a existência da China e de seu poder econômico? Projeções recentes apontam que em 2027 o regime comunista vai ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do planeta. E este é um dado que não poder esquecido e vai pautar as relações internacionais daqui pra frente. Não se pode prever como será um mundo com a China dando as cartas. Mas é imprescindível se aproximar do país, até para evitar uma aliança de Beijing com os demais Estados da região que igualmente não prezam direitos humanos, liberdade de imprensa e expressão, democracia etc.
Sobre a visita de Obama, penso que vale citar um trecho do artigo do colunista Hamish McRae, publicado no britânico Independent. O parágrafo abaixo resume bem a evolução das relações sino-americanas e, principalmente, o crescimento chinês.
“Em 1972, quando o presidente Nixon esteve na China, ele era o líder da maior economia do mundo iniciando relações diplomáticas com os líderes do país mais populoso do mundo. Agora, Obama é o líder da maior economia do mundo se encontrando com os líderes da segunda maior economia. Se, nos próximos 37 anos o presidente americano estiver na China, ele será o líder da segunda maior economia do mundo visitando a maior economia do planeta”.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Presidente palestino corre para salvar seu nome

Ainda dando continuidade ao assunto abordado ontem, é importante colocar no centro dos acontecimentos o presidente palestino, Mahmoud Abbas – que, aliás, estará no Brasil a partir de amanhã. Líder do Fatah e figura máxima da Autoridade Palestina, ele tem buscado reverter o mal momento político que vivia desde que aceitou empurrar pra frente as discussões acerca do Relatório Goldstone, documento que acusava Israel e Hamas de terem cometido crimes de guerra durante o conflito em Gaza, em janeiro deste ano.

O gesto pragmático que tomou em nome da contiuidade das negociações de paz não encontrou qualquer respaldo entre os principais grupos políticos palestinos. Pelo contrário, foi capitalizado pelo rival Hamas, que passou a acusar Abbas de ceder a Israel e Estados Unidos. O pragmatismo, muito elogiado no ocidente, foi execrado no Oriente Médio.

Talvez Abbas não imaginasse que sairia tão prejudicado da situação. E talvez por isso esteja jogando todas as suas fichas em limpar seu nome junto a seus compatriotas.

Assim, tem conseguido reverter o início de um processo que culminaria por inclui-lo no nada nobre panteão dos traidores da causa palestina. Por meio de declarações e gestos unilaterais, está conseguindo salvar a própria pele e ser novamente identificado como um símbolo de não-capitulação na Cisjordânia, mesma fama que seu rival Hamas usufrui em Gaza.

É claro que Abbas sabia que seria muito difícil obter apoio para seu projeto de declaração de independência unilateral. Nem mesmo a União Europeia – que politicamente está aliada aos palestinos – quis se comprometer. E esta promete ser uma tremenda saia-justa para o encontro agendado com o presidente Lula, na sexta-feira, em Salvador. Se o presidente brasileiro corroborar a iniciativa do colega palestino, irá se contrapor diretamente a EUA e UE, para os quais as negociações de paz não podem ser substituídas por medidas unilaterais.

Já o também membro do governo de Abbas, o negociador chefe Saeb Erekat, adotou discurso contrário. Disse que se Israel continuar a construir colônias na Cisjordânia, os palestinos devem buscar a alternativa de um Estado binacional, ou seja, um único país para israelenses e palestinos.
Erekat não é bobo e sabe que este é o maior temor de Israel, uma vez que, se a medida fosse adotada, na prática significaria o fim de Israel como Estado Judeu, por conta das taxas demográficas e de natalidade apresentadas pela população palestina. O fato é que as palavras de Erekat assustam bastante os israelenses e foram ditas muito mais para pressionar o governo de Jerusalém do que por convicção própria.

Em relação a este assunto, vale mencionar os resultados divulgados nesta semana por pesquisa realizada em Israel e nos territórios palestinos: 74% dos palestinos e 78% dos israelenses acreditam na solução de dois Estados para dois povos como forma de resolver o conflito.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A caminho da terceira intifada

É bem possível que algo de muito grave venha a ocorrer em breve no Oriente Médio. E mais especificamente entre israelenses e palestinos. Como muita calma costuma antecipar grandes tensões na região, esta lógica perversa deve voltar a funcionar. Mas há alguns motivos bastante claros para a erupção de uma terceira intifada palestina.

Estava tudo muito calmo por ali. Principalmente para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A economia cresce e se recupera da crise financeira, o turismo volta a apresentar índices bastante positivos, e, mais importante, os atentados terroristas estão sendo contidos. Nas fronteiras norte – Líbano – e sul – Gaza – bem ou mal os ataques de Hezbolah e Hamas, respectivamente, diminuíram bastante. Nunca nenhum governo israelense vai admitir, mas é claro que existe internamente um número a ser tolerado. Já se sabe que será bem improvável que este número chegue a zero.

O problema é que a situação é bem diferente nos territórios controlados pela Autoridade Palestina. Ou melhor, Gaza é quase um Estado soberano do Hamas e isso em parte explica a tensão crescente entre os palestinos – e também é um motivo que pode levar à coordenação de uma terceira intifada.

Mesmo após o congresso do Fatah, em agosto passado, não houve acerto entre o próprio Fatah e o Hamas. Pra completar, a incongruência dos dois ficou evidente após o fracasso da iniciativa egípcia de formalizar um acordo entre as partes. Some-se a isso a recusa do Hamas em participar das eleições gerais convocadas pelo presidente da AP, Mahmoud Abbas, que estavam marcadas para 24 de janeiro do ano que vem.

Ninguém sabe mais o que vai acontecer. O futuro da AP está a perigo e Abbas declarou que vai deixar o cargo. A escalada política que deve desaguar numa nova revolta palestina caminha a passos largos e segue também a mesma lógica que, off-record, justificaram as duas intifadas anteriores: somente a revolta popular seria capaz de pressionar por reformas políticas na estrutura de poder palestina.

A indiferença de Bibi à situação é ainda pior. Como continua se recusando a congelar a construção de assentamentos na Cisjordânia, oferece de bandeja um argumento que a comunidade internacional considera legítimo para a AP deixar a mesa de negociações e, pior, Abbas abandonar a política.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

América do Sul pode reeditar um mundo de 20 anos atrás

Talvez os venezuelanos saíssem em vantagem numa eventual guerra com a Colômbia, uma vez que já estão acostumados aos cortes de água e energia elétrica – situações comuns durante conflitos armados. Chávez pediu à população que se preparasse para “100 anos de guerra”. Um tanto exagerado, a meu ver. Mas, assim como o estranhíssimo episódio de espionagem envolvendo Chile e Peru, mostra que algo anda errado com os países vizinhos.

O melhor que o Brasil tem a fazer neste momento é aproveitar a ocasião. O governo Lula deve surfar na onda e confirmar a posição de unanimidade internacional de que o Brasil é, no momento, o mais prudente e moderado dos Estados da região.

As trocas de acusação entre Colômbia e Venezuela e Chile e Peru são retrógradas. Deixam a sensação de que esses governos ainda não perceberam que no mundo de hoje cooperação vale mais do que discursos nacionalistas; conhecimento científico e desenvolvimento econômico mais do que território. São essas as verdadeiras guerras que estão em jogo na América do Sul: a luta de alguns pelo retorno a um mundo que ruiu há exatos 20 anos.

É preciso ser ousado e convocar uma cúpula entre Colômbia e Venezuela. E talvez o Brasil fosse o melhor intermediário na disputa. Lula teria a dura missão de ser direto e impedir a guerra fria indireta e decadente que está prestes a acontecer bem do nosso lado.

Acho que o ocorrido entre Chile e Peru é um ponto fora da curva. Muito provavelmente fruto da antiga rivalidade entre os países e que, ainda hoje, ainda não está resolvida em boa parte por conta das demandas territoriais peruanas.

No caso entre Venezuela e Colômbia, no entanto, a disputa é pra valer. E os dois países saem perdendo logo de cara. Os colombianos porque deixar de fazer negócios com a Venezuela significa abrir mão de 7,6 bilhões de dólares ao ano; os venezuelanos porque ao não comprar de seu segundo maior parceiro comercial (os EUA são os primeiros, podem acreditar) deixam de receber componentes eletrônicos, bens agrícolas e químicos, comida e carros.

E adivinhem de quem Chávez promete comprar para substituir as importações da Colômbia: de Brasil e Argentina. Talvez isso explique o interesse da Venezuela em aderir ao Mercosul. E aí se configura um certo dilema para o governo brasileiro; o que valeria mais: mediar o fim das hostilidade ou buscar ser o substituto à Colômbia nas importações de Chávez?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

As coincidências voltaram

As grandes coincidências do Oriente Médio voltaram a dar as caras nas últimas duas semanas. E, como mencionei no texto de quarta-feira, o Brasil pode estar envolvido no polêmico episódio da apreensão de centenas de armamentos pela Marinha israelense no último dia 4, já que foram encontrados contêineres escritos em português ou espanhol – isso ainda não está claro e, portanto, é mais sensato optar pelo benefício da dúvida.

O que se pode fazer por ora é imaginar cenários capazes de explicar o ocorrido. Os fatos são os seguintes: o navio Francop, de bandeira de Antígua e Barbuda, carregava mais de 60 toneladas de mísseis, foguetes e armas antitanque. A embarcação operava sob disfarce de um navio de ajuda humanitária. Os contêineres exibiam as siglas IRISL (Islamic Republic of Iran Shipping Lines).

O último destino do navio era a Síria. Muito possivelmente, o armamento seria destinado ao Hezbolah. Cinco dias após a interceptação israelense, coincidentemente, o primeiro-ministro libanês, Saad al-Hariri, confirmou o retorno do grupo radical xiita ao governo do país, apesar de sua derrota nas urnas nas eleições de julho deste ano.

O Hezbolah simplesmente se utilizou de sua força política para impedir a governabilidade. E conseguiu; barrou a lei que institucionalizaria o desarmamento do grupo. A tentativa de tirar seu poder de fogo criou um impasse tão grande que o Líbano mergulhou no limbo político. E agora, quando o Hezbolah retorna ao governo, o país vai sair da inércia, mas com a grande perda de manter parte de seu território sob domínio militar do grupo xiita.

Em nome da mínima governabilidade, as forças pró-ocidentais que alcançaram uma vitória histórica este ano tiveram de recuar. É a mostra de que será preciso muita articulação política, paciência e, acima de tudo, tempo para diminuir o poder paralelo que na prática governa boa parte do território libanês.

E por causa desta bem sucedida virada de jogo no Líbano, Irã e Síria retomaram o envio de armas ao Hezbolah, que atua como satélite direto dos dois Estados na fronteira norte de Israel.

Esta é a possibilidade que considero a mais provável.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Lula ganha mais prestígio com visita de Shimon Peres

Não há dúvidas de que a visita do presidente israelense, Shimon Peres, ao Brasil pretende frear o estreitamento de laços do Irã com os demais países do continente. Este não é o único significado da estadia de um dos mais importantes e respeitados estadistas do mundo. Mostra também como o Brasil passou a ser um ator importante das relações internacionais neste início de século.

Aproximar-se do Brasil é também se associar ao Estado com o maior peso internacional da região. Além disso, o governo Lula representa hoje a administração mais racional na América do Sul e capaz de escolher parceiros menos por ideologia e mais por pragmatismo. Vale lembrar que o país é capaz de realizar transações comerciais e contatos diplomáticos com os demais Estados das Américas e também com atores importantes como China, Rússia, Irã, Estados Unidos e União Europeia. Todos ao mesmo tempo.

Peres discursou em Brasília diante de deputados e senadores. Revelou as intenções israelenses de abrir negociações de paz diretas com a Síria e retomar os diálogos com os palestinos e deu o recado sobre a posição oficial em relação ao Irã – embora, por questões diplomáticas, não tenha se fixado tanto no assunto. Após reunião com o presidente Lula, hoje, pelo menos um importante resultado prático: o Brasil fechou um acordo no valor de 350 milhões de dólares com as Indústrias Aeroespaciais Israelenses. A negociação deve permitir ao Brasil o acesso a aviões não-tripulados para patrulhar as fronteiras e o equipamento deve ser usado também durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas no Rio.

A visita de Peres marca o que se pode chamar de simbiose internacional. É boa para o Brasil, já que o país pretende exercer um papel de maior destaque nas tentativas de diálogo no Oriente Médio e busca a sonhada vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU – e em breve Lula irá receber, além do polêmico presidente iraniano, o presidente palestino, Mahmoud Abbas. O encontro entre Lula e Peres também é importante para o israelense, que conseguiu suceder magistralmente o insosso e acusado de crimes sexuais Moshe Katsav, transformando a presidência de Israel num cargo de verdadeira relevância política.

O que ficou pendente até agora é uma questão delicada e completamente ignorada pela imprensa daqui. A carga de armamentos apreendida pela marinha israelense no último dia 4 a bordo de um navio iraniano continha contêineres com inscrições provavelmente em português. Digo provavelmente porque podem ser em espanhol também; as palavras “lote” “disparo” e “espoleta” são comuns aos dois idiomas. Mas o que importa mesmo é o conteúdo da carga: rifles M40. Ninguém vai questionar o ocorrido? O governo brasileiro não irá se pronunciar sobre o assunto? Amanhã um texto mais detalhado sobre o assunto onde pretendo articular alguns fatos aparentemente isolados acerca desta apreensão.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Um mundo bem diferente de 1989

O fim de todas as ideologias e a supremacia do capitalismo provocaram grande euforia. Afinal, sem o mundo dividido em zonas de influência entre as potências, não havia mais motivos para que novas guerras acontecessem. Era apenas uma questão de tempo para unir o planeta em torno do livre mercado, aumentar a produtividade, alavancar os países subdesenvolvidos, criar novos mercados e pronto: a história chegaria a um final feliz. Logística e paciência dariam contornos positivos mesmo ao mais precário dos Estados nacionais – todas as populações consumiriam e esta era a chave que parecia ser capaz de abrir as portas do paraíso.

Mas ninguém se deu conta – ou em meio a tanta festa não se podia ver – que o fundamentalismo islâmico era uma realidade pronta para confrontar o ocidente. E foi exatamente isso o que aconteceu, como todos sabem. E este parece mesmo ser um dos maiores desafios do mundo pós-guerra fria, pelo menos no campo das relações internacionais – é preciso lembrar também dos desafios do clima, do fim da recessão econômica mundial, da inclusão econômica e social que ainda não veio.

A queda do muro é um desses eventos marcantes, mas muito diferente de boa parte das lembranças políticas recentes. Ao contrário de situações-chave do mundo, marca a conciliação, não a catástrofe. Alem do mais, dá visibilidade a uma forma de pensamento única não-totalitária. Afinal, quem é louco de defender a existência do muro de Berlim hoje em dia ou ao menos lamentar sua ausência?

Ė interessante notar também que, muito distante da Europa, a China vivenciou sua própria revolução em 1989. Mas a potencia asiática conseguiu graças à sua economia e população encontrar uma brecha no mundo atual. Num regime muito particular e controlado pelo Estado, impõe-se numa mistura bem-sucedida – por mais controversa que seja, os números frios apresentam-na como a próxima maior economia do planeta – de totalitarismo e lógica de mercado.

A verdade é que, 20 anos depois, o mundo é completamente diferente daquele imaginado a partir de 9 de novembro de 1989. E ele tem mudado bastante principalmente desde o início deste século. Justamente porque o multilateralismo já é uma realidade política e econômica. Se, por um lado, a Europa está cada vez mais unida, a Rússia se afunda mais nas paranoias de seus lideres que ainda sonham com o retorno de um mundo anterior a 1989. O interessante mesmo é perceber que, quando se comemora a queda do muro, a Europa já não é, nem de perto, o mais importante dos palcos dos grandes desafios planetários de nossa era.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Impasse afegão

Não apenas por conta das denúncias e comprovações sobre a fraude nas eleições afegãs a posição americana é altamente constrangedora e delicada. A situação questionável é fruto de uma derrubada de peças de dominó que vem ocorrendo em sequência desde os atentados de 11 de Setembro de 2001. Às vezes tudo isso pode parecer um tanto distante e desassociado com o status quo caótico, mas os ataques terroristas cometidos pela al-Qaeda nos Estados Unidos foram os responsáveis pela decisão da Casa Branca de invadir o Afeganistão.

E não somente isso. A opção pela guerra do Afeganistão aconteceu justificadamente e contou inclusive com o apoio da comunidade internacional – na época ainda sem saber exatamente a dimensão das mudanças que estavam por vir. Os Estados Unidos expuseram motivos válidos para enviar sua máquina militar ao país asiático: era preciso prender e julgar os terroristas da al-Qaeda. E eles estavam escondidos em montanhas e cavernas de pontos remotos do Afeganistão.

Hoje, após bilhões de dólares dos contribuintes americanos gastos na empreitada, Osama bin Laden não foi encontrado. O objetivo acabou por mudar completamente, e EUA e OTAN lutam sem sucesso para derrotar de vez o Talibã, grupo terrorista que ainda domina boa parte do território.

Generais são destituídos e outros assumem sem qualquer previsão de vitória das forças ocidentais. Aliás, não fica claro o que seria vencer, principalmente quando se levam em conta os objetivos iniciais da invasão americana de 2001. Nem a al-Qaeda se esconde no Afeganistão, muito menos bin Laden.

Ao mesmo tempo, ao assumir essa guerra como sua, o presidente Obama se depara com grande possibilidade de fracasso. Até porque está cada vez mais claro que os impostos dos cidadãos americanos estão sendo usados para construir um outro país. E justamente num momento de recuperação pós-crise econômica que apresenta taxas de desemprego crescentes nos EUA.

Para complicar ainda mais, a Casa Branca e a OTAN acabam de patrocinar eleições fraudulentas. O presidente Hamid Karzai não conta com o apoio sequer da maioria dos afegãos, algo que torna ainda mais ilegítima a tentativa de “inventar” uma nação. O problema é que abandonar este projeto agora seria jogar bilhões de dólares no lixo e assumir terríveis consequências internacionais.

Por conta de todos esses complicadores, as alternativas são muito poucas. Resta à administração americana continuar a combater o Talibã de um lado e criar a infraestrutura de Estado, de outro. Ou seja, o projeto vai permanecer caro e seus resultados não serão percebidos em curto prazo. Mas esta opção ainda é melhor do que deixar o barco à deriva e permitir que os talibãs comemorem vitória sobre a OTAN e os EUA. Aí sim os resultados seriam ainda mais catastróficos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Mais do mesmo

Depois de merecido descanso - não vou adotar qualquer discurso de autopiedade, fiquem tranquilos quanto a isso -, retorno à rotina do blog. Após me interar dos acontecimentos internacionais, é impossível não chegar à conclusão de que muita coisa ocorreu nessas duas semanas de ausência. Mas também é inegável - e um tanto deprimente, pra falar a verdade - perceber que o noticiário se resume simplesmente a mais do mesmo.
Em Honduras, Afeganistão, Iraque, Paquistão, Irã, Europa, Estados Unidos e no conflito árabe-israelense nada mudou. Existe uma grande diferença entre muito ter acontecido e algo de significativo ter acontecido. Mais atentados no Paquistão, discussões e acusações mútuas entre lideranças do Oriente Médio, o Irã tentando - e conseguindo - ganhar mais tempo para desenvolver seu programa nuclear, o impasse na surreal situação política hondurenha e a corrupção descarada do reeleito Hamid Karzai no Afeganistão não representam qualquer fato novo ou desconhecido no cenário internacional.
Prefiro não entrar no mérito do debate sobre as mudanças no sistema de saúde americano. Acho que o assunto se enquadra muito claramente no espectro político interno dos Estados Unidos e penso que não cabe discuti-lo por ora, apesar de considerar o plano de Obama absolutamente justo e incriticável sob qualquer prisma.
Em relação a Honduras, acho que o assunto merece um comentário rápido: a falta de veículos brasileiros dedicados a analisar o cenário internacional explica em parte o fracasso de nossa imprensa ao cobrir a situação. Houve um clima de oba-oba após o anúncio de um acordo entre golpistas e partidários de Zelaya. Hoje já se sabe que nem tudo está tão definido assim por lá e a comemoração foi um tanto precipitada. Posso errar no meu palpite, mas Congresso e Supremo hondurenhos dão a entender que farão de tudo para manter a situação como ela está até as eleições de 29 de novembro. Zelaya pode não voltar a ser presidente nem por um dia sequer.
Nos próximos textos, vou me dedicar mais especificamente a esses assuntos. No comentário de amanhã, um post sobre o Afeganistão e a constrangedora situação da política externa americana.