quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Luz no fim do túnel

“Seria um cessar-fogo diferente do que existiu durante os últimos seis meses”. A declaração do porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Gordon Duguid, pode sinalizar o que se passa na complexa política de bastidores do atual conflito entre Israel e Hamas.

Entretanto, os novos rumos do confronto podem confirmar a tese israelense de que a abrangência da ofensiva poderia ser favorável ao Estado Judeu.

Agora, além dos Estados Unidos, ONU, Rússia e União Européia – o chamado Quarteto, grupo encarregado do processo de paz no Oriente Médio – estão amplamente favoráveis à assinatura de um acordo permanente em que o Hamas na teoria seria vigiado de perto pela comunidade internacional.

Se isso acontecer mesmo, a estratégia israelense explicada no post anterior terá se mostrado eficiente. Resta saber de quem irá partir a iniciativa de propor a trégua. O primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, mostrou-se profundamente irritado ao saber que membros do Ministério da Defesa haviam levantado a hipótese e comentado com a imprensa.

Justamente porque negar qualquer possibilidade de suspensão da ofensiva é parte do discurso oficial de Israel. Quanto mais o Hamas levar a sério a intenção do exército israelense de destruí-lo de vez, mais capital político Israel terá durante as negociações – mesmo que, como sempre, indiretas.

Talvez por este motivo também mais reservistas tenham sido convocados.

De qualquer forma, tendo a concordar com o ex-comandante das Forças de Defesa de Israel em Gaza. Para Shmuel Zakai, o Hamas é uma organização pragmática que, a partir do momento em que perceber que o lançamento de Qassams é contrário a seus interesses, irá interromper a chuva de mísseis no sul de Israel. Para isso, no entanto, ele defende uma abordagem diferente, que combine a atual ofensiva com uma demonstração clara de que a vida em Gaza pode se tornar melhor.

“Nós poderíamos ter aliviado o bloqueio de uma forma que o Hamas entendesse que acabar com o lançamento de mísseis seria útil. Mas a partir do momento em que há um cessar-fogo e a pressão econômica continua, é claro que o Hamas vai tentar melhorar os termos desta trégua; e maneira como consegue isso é voltar a jogar mísseis em Israel”, diz em entrevista ao Haaretz.

O próximo cessar-fogo só será efetivo se vier acompanhado de benefícios concretos para a população de Gaza. Pode ser a facilitação de cruzamento da fronteira, de entrada e saída de bens e mercadorias etc.

Se a população palestina se sentir recompensada por um acordo, seguramente o Hamas será enfraquecido. Até porque ficará claro que se um novo míssil for disparado sobre Israel, os benefícios serão suspensos.

Feliz ano novo

Entro em recesso hoje até o dia 4 de janeiro, quando volto a escrever. Para encerrar o ano, deixo o link com fotos muito interessantes que mostram bem como foi este 2008 pelo mundo. Clique
aqui para vê-las. Feliz ano novo e espero retornar comentando a resolução deste conflito e o apaziguamento da situação.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O (possível) xeque-mate israelense


Israel e o Hamas não lutam apenas fisicamente. Existe um cenário bastante complexo que envolve a batalha da inteligência. Ambas as partes precisam mostrar que escolheram a estratégia de combate mais eficiente. E, num mundo onde as imagens valem mais do que a razão, é preciso mostrar aos atores internacionais quem é capaz de ser mais destruído pelo outro.

Mais do que isso, Israel e Hamas escolheram estratégias de combate parecidas, cuja diferença fica por conta apenas da intensidade dos ataques.

Desde 2001, o grupo extremista palestino ataca à conta-gotas com o lançamento dos mísseis Qassam. O potencial de destruição é o que menos importa. O fato é que quase 30 mil desses mísseis já foram lançados sobre o Estado Judeu, na tentativa de tornar a situação insustentável, resultando em duas alternativas já conhecidas: um ataque – limitado – por parte de Israel; ou a assinatura de um cessar-fogo favorável que, como em outras oportunidades, daria ao Hamas o tempo necessário para receber mais armamento de Irã e Síria.

Neste momento, entretanto, Israel rompeu com a lógica do conflito, e é isso o que Olmert quer dizer ao mencionar o objetivo de mudar as regras do jogo com os ataques em larga escala. Para o jornalista e blogueiro do Jerusalém Post Shmuel Rosner, ao contrário do que muitos sustentam – e eu me incluo dentre eles – a atual ofensiva israelense não pretende se estender por muito tempo.

Para ele, Israel sabe que não existe a possibilidade de acabar definitivamente com o Hamas. Como disse um líder do grupo, na ausência dos terroristas mortos, muitos outros estão dispostos a dar a vida pela destruição do Estado Judeu.

Israel sabe disso tudo, até porque aprendeu com a guerra no Líbano de 2006 que os ataques aéreos não foram capazes de acabar com o Hezbolah. E hoje tampouco podem riscar o Hamas do mapa.

Depois do fracasso da conduta do governo durante o conflito de 2006 – que gerou inclusive o relatório Winograd, da Suprema Corte israelense, condenando a atuação de várias autoridades durante a guerra – a moribunda administração Olmert promete não repetir os erros cometidos há dois anos e meio. Para isso, pretende usar a seu favor uma das vozes mais críticas à atual ação militar: a comunidade internacional.

Como Israel não tem qualquer diálogo com o Hamas, o objetivo do governo de Jerusalém seria causar tanta destruição à infra-estrutura de Gaza, que as maiores potências internacionais e da região se veriam obrigadas a intervir diplomaticamente. Como Israel faz questão de reforçar a cada instante, a ofensiva foi deflagrada para acabar com o lançamento de mísseis sobre as cidades do sul do país.

Países árabes e a própria Liga Árabe deverão – numa seqüência lógica prevista pelo governo israelense –, diante da destruição causada pela ofensiva, articular com o Hamas um cessar-fogo no qual o grupo abdicaria de qualquer futuro lançamento de mísseis em troca do fim dos ataques israelenses.

Nesta futura trégua – de caráter permanente por exigência de Israel – o Hamas se veria encurralado de duas formas: o mundo jamais esqueceria quem seria o culpado por uma eventual escalada de violência caso novos mísseis fossem lançados sobre território israelense; e o Hamas passaria a fazer o serviço de Israel, já que seria também responsável por monitorar atividades terroristas de outros grupos atuantes em Gaza, como a Jihad Islâmica.

E ainda, de acordo com este possível encadeamento de idéias, o cessar-fogo beneficiaria o atual governo de várias maneiras: reabilitaria o primeiro-ministro, Ehud Olmert, que está para deixar o cargo com o peso do fracasso em 2006; impulsionaria as candidaturas de Tzipi Livni e Ehud Barak; e, finalmente, escreveria o nome desses três personagens na história de Israel como os responsáveis por acabar com o lançamento de mísseis que, desde 2001, impede os moradores do sul do país (cerca de meio milhão de pessoas) de viver com tranqüilidade.

A estratégia não deixa de ser ambiciosa. Mas as autoridades israelenses viram nesta crise grandes oportunidades de resolver problemas de fato e acrescentarem um enorme feito político a suas próprias biografias. Só o tempo pode responder se tudo vai correr como eles previram. Para que tudo isso aconteça, o xeque-mate israelense já foi dado.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

De Teerã com muito carinho

A cada final de ano, o canal de televisão inglês Channel 4 escolhe um personagem para desejar, em rede nacional, uma mensagem de Natal para seus telespectadores. Não há muito critério para a escolha, mas figuras conhecidas e outras nem tanto assim já tiveram o privilégio de dar seu recado aos telespectadores britânicos: a atriz francesa Brigitte Bardot, o cozinheiro e apresentador Jamie Oliver e, no ano passado, o sargento das forças armadas do país Andrew Stockton, que perdeu um braço durante combate no Afeganistão.

Mas, neste ano, a escolha não poderia ter causado maior controvérsia. Para o Channel 4, ninguém representou melhor o espírito de confraternização, solidariedade e irmandade entre os povos que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Segundo comunicado divulgado pela emissora tamanha a polêmica provocada, “o objetivo foi oferecer ao público uma visão alternativa do mundo”.

A explicação não resolveu o problema. Até porque, em retrospectiva, vale lembrar que, em 2008, o presidente iraniano continuou a defender posições que causaram revolta mundial. Para ele, o Holocausto nunca existiu, o Estado de Israel deveria ser varrido do mapa e não há um gay sequer no Irã. Impossível não imaginar que opiniões como essas não provocariam indignação.

Em sua mensagem de Natal aos britânicos, Ahmadinejad – de uma forma ou de outra – aproveitou o palanque gratuito e inesperado para reafirmar seus valores. É claro que ele não é bobo e, por isso, amenizou o tom.

O presidente iraniano parabenizou os britânicos pela celebração do nascimento de Jesus; Disse que os problemas mundiais eram causados pela rejeição da mensagem dos profetas – dentre eles o próprio Jesus – e terminou criticando a “indiferença de alguns governos e ‘poderes’ aos ensinamentos dos profetas”.

Antes de tudo é preciso esclarecer que os muçulmanos crêem que Jesus foi um dos profetas. Mas, ao contrário dos cristãos, ele não teria sido o Messias.

Dito isso, fica claro que Ahmadinejad soube sintetizar o que pensa de forma a não incomodar sua platéia britânica. Homenageou Jesus e culpou aqueles que não crêem nele pelos problemas do planeta.

Ora, diante de um público ocidental, a mensagem está mais do que clara. Novamente, ele tentou atingir especificamente o Estado de Israel (“indiferença de alguns governos à mensagem dos profetas”, de Jesus pontualmente) isolando-o não apenas do senso de comunidade internacional que a época promove e tentando, a partir do sentido religioso do Natal, colocar-se lado a lado à audiência do Reino Unido.

É curioso perceber como líderes que pregam a destruição abertamente continuam a ser procurados pelo ocidente como se, neste caso, os ingleses quisessem mostrar que Ahmadinejad pode não ser tão ruim como se imagina. Embora, em nenhum momento, ele tenha deixado de defender e divulgar abertamente suas posições. Muito provavelmente, o presidente iraniano deve achar tudo isso muito engraçado.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Longa ofensiva israelense em Gaza: seus bastidores e significados

Depois de convocar reservistas e usar a força aérea para bombardear túneis usados pelo Hamas para o contrabando de armas e mercadorias pela fronteira com o Egito, fica cada vez mais claro que o governo israelense quer destruir o máximo da capacidade de organização, logística e humana do grupo extremista.

Para isso, num tremendo esforço interno, a alta cúpula do governo de Israel conseguiu driblar a imprensa local e impediu o vazamento de informações sobre a operação.

Segundo o diário israelense Haaretz, a ofensiva iniciada neste final de semana já vinha sendo preparada há seis meses. O objetivo era mapear todos os alvos do grupo palestino e das demais organizações responsáveis pelo lançamento de mísseis sobre o sul de Israel.

Num golpe para confundir os membros do Hamas, as autoridades israelenses divulgaram amplamente que qualquer decisão sobre uma eventual ação militar em Gaza só seria tomada na reunião ministerial de domingo. Desta forma, o grupo palestino não deu ordens para retirar seu pessoal do principal quartel-general do Hamas. E este foi justamente um dos objetivos mais importantes do primeiro ataque na manhã de sábado.

No campo político, Israel também informou à imprensa que a ministra das relações exteriores, Tzipi Livni, havia viajado ao Cairo para conversar com o presidente egípcio, Hosni Mubarak, sobre o aumento no lançamento de mísseis e buscar alternativas para a situação. Na verdade, Livni se encontrou com o presidente do Egito para informá-lo sobre a decisão do país de atacar o Hamas. Mubarak não se opôs.

Aliás, este é um fato interessante. Como Mubarak é fortemente pressionado pela Fraternidade Muçulmana – grupo radical que atua no Egito, serviu de base para o Hamas e faz forte oposição ao governo do Cairo – ele não se incomodaria que Israel fizesse o “favor” de acabar com o grupo palestino.

Curiosa também foi a reação do presidente palestino, Mahmoud Abbas. Ele culpou o Hamas por cada gota de sangue derramado e disse que o grupo extremista poderia ter evitado a ofensiva israelense se tivesse optado por encerrar o lançamento de mísseis. A mensagem foi praticamente a mesma do comunicado oficial do presidente norte-americano, George W. Bush.

Abbas é mais um líder mundial que vê com bons olhos a destruição ou retirada do poder do Hamas. Desde junho de 2007, a Autoridade Palestina foi expulsa de Gaza pelo próprio Hamas.

A possibilidade de um novo cessar-fogo é remota. Em entrevista ao canal de notícias norte-americano Fox News, o primeiro-ministro, Ehud Olmert, não deixou dúvidas sobre sua posição quanto a uma trégua neste momento.

“Para nós, um cessar-fogo com o Hamas seria o mesmo que, para vocês (americanos), um cessar-fogo com a al-Qaida. É algo que não podemos aceitar”, disse.

O ministro da defesa, Ehud Barak, já havia informado na coletiva de imprensa após o primeiro ataque que a ofensiva duraria o tempo necessário. Olmert acrescentou a esta declaração que “a intenção é mudar totalmente as regras do jogo” – entenda-se, subjugar o Hamas.

A ação israelense em Gaza seguramente vai levar muito tempo. Alguns motivos que comprovam esta tese: o Hamas possui 20 mil soldados e não se desmobiliza tanta gente em apenas dois dias; os três principais candidatos às eleições de fevereiro são os atuais ministros Ehud Barak (Defesa), Tzipi Livni (Relações Exteriores) e o líder do partido de oposição Likud, Benjamin Netanyahu. Os dois primeiros são parte do governo e articuladores fundamentais na concretização da ofensiva; o outro sempre defendeu um ataque a Gaza que impedisse o lançamento de mísseis sobre Israel.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Começa a resposta israelense em Gaza

No dia seguinte à publicação do post abaixo, Israel decidiu responder aos ataques com mísseis do Hamas. Não chega a ser uma surpresa, até porque as autoridades israelenses vinham alertando aos extremistas do grupo e também da Jihad Islâmica que, caso o lançamento de qassams sobre cidades e comunidades do sul do país não fosse interrompido, a resposta seria dura.

E, como prometido, está sendo mesmo. A estratégia usada é parcialmente similar à da Segunda Guerra do Líbano, em 2006; os ataques com aviões F-16. O objetivo, segundo o porta-voz do exército israelense, é atingir a infra-estrutura do Hamas na região, bem como seus líderes mais importantes.

Além do porto de Gaza, outros complexos militares do Hamas foram atingidos.

Em entrevista às agências de notícias na seqüência da ofensiva, Mushir al-Masri, um alto oficial do grupo palestino, não se mostrou abalado.

“Mesmo se os atuais líderes forem mortos, há centenas de outros capazes de comandar a organização”, disse.

Confirmando a tese de analistas mencionada no post anterior de que uma guerra aberta contra Israel uniria os países árabes em torno do Hamas, o secretário-geral da Fraternidade Muçulmana na Jordânia, Hamam Said, pediu ao governo jordaniano que desfaça o acordo de paz assinado com Israel em 1994.

“É chegada a hora de exterminar o inimigo judeu e purificar a Palestina”, disse à rede de notícias Al-Jazira, do Qatar. Ele aproveitou a situação para conclamar todos os exércitos árabes a entrar em guerra total contra Israel.

Membros do Hamas disseram que todos os complexos de segurança em Gaza foram destruídos. Segundo a rádio do exército israelense, 40 alvos militares foram atingidos.

Ainda não está claro se haverá uma operação militar por terra, mas, em entrevista à agência de notícias Associated Press, o ministro de defesa de Israel, Ehud Barak, limitou-se a dizer que a ofensiva vai durar o tempo que for necessário.

Desde que a trégua com o Hamas expirou, em 19 de dezembro, 200 mísseis foram disparados pelo Hamas e Jihad Islâmica sobre o sul de Israel. Somente em 2008, mesmo durante o cessar-fogo, 3 mil mísseis foram lançados sobre o território israelense. A resposta do Estado Judeu foi bloquear a entrada de suprimentos, comida e combustível em Gaza, o que tornou ainda mais difícil a vida dos 1,5 milhão de palestinos que vivem no território.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Tensão crescente entre Hamas e Israel

Um perigoso jogo de xadrez está sendo travado no Oriente Médio desde o fim da trégua entre o Hamas e Israel no último dia 19. A cada dia sem um novo acordo entre as partes, a escalada de violência aumenta, criando o terrível ambiente para um enfrentamento direto. Este cenário soa tragicamente ainda mais real na medida em que os mísseis qassam continuam a ser disparados sobre o território israelense.

Na quarta-feira, 80 mísseis atingiram o sul de Israel. Ontem, foram 50. O tom das declarações começa a subir. A operação militar em Gaza já está em fase final de planejamento. Por outro lado, o ministro de defesa, Ehud Barak, ordenou a suspensão temporária do bloqueio ao território palestino. Na manhã desta sexta-feira, 90 caminhões com alimentos, remédios e outros suprimentos puderam cruzar a passagem no sul de Israel e entrar em Gaza.

Ao mesmo tempo em que concordaram com a suspensão do bloqueio que mantém 1,5 milhão de palestinos em situação dramática, as autoridades do Estado Judeu convocam os próprios moradores de Gaza a impedir que Hamas e Jihad Islâmica continuem o lançamento de mísseis. Isso não irá ocorrer, mesmo sabendo que a suspensão dos ataques seria a única alternativa capaz de evitar a iminente ofensiva israelense.

A estratégia do Hamas é causar o maior dano possível de forma a maximizar os ganhos durante a negociação da nova trégua. Mais ainda, a escalada de violência é compreendida pelo grupo como uma poderosa arma de propaganda, não somente em relação aos palestinos da Cisjordânia – governados pela Autoridade Palestina e pelo Fatah do presidente opositor, Mahmoud Abbas –, bem como sobre os demais países árabes. 

O Hamas aposta numa ofensiva israelense limitada, já que ainda mantém recluso o soldado Gilad Shalit – seqüestrado em junho de 2006 – e usa como estratégia a enorme densidade populacional do território. Um ataque de grandes proporções por parte do Estado Judeu causaria muitas mortes de civis, inevitavelmente. 

Segundo os estrategistas do grupo extremista, a situação é amplamente desfavorável a Israel de qualquer maneira: se invadir Gaza, o Hamas receberá enorme apoio popular devido a seus mártires; se não atacar, o grupo tentará capitalizar os frutos como uma vitória sobre as forças israelenses. 

Entretanto, diante dos ataques com mísseis palestinos, os partidos políticos e figuras importantes de Israel estão próximos de um consenso quanto à necessidade de retaliação. A novidade fica por conta de, neste momento, até mesmo a legenda de esquerda Meretz e o escritor e pacifista Amós Oz serem favoráveis ao uso da força para defender a população do sul do país.

No domingo, o gabinete de segurança do primeiro-ministro Ehud Olmert vai se reunir para analisar a situação em Gaza. É bem provável que o Estado Judeu lance um ataque de menor escala, usando a força área e incursões por terra cujo objetivo seria atacar alvos específicos do Hamas. 

Também irão participar do encontro a ministra das relações exteriores, Tzipi Livni, e o ministro da defesa, Ehud Barak. Como candidatos do Kadima e do Partido Trabalhista, respectivamente, ambos não querem demonstrar fraqueza para a população israelense a menos de dois meses das eleições. 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O fim do maniqueísmo

Os dois anos que compreendem o período entre 1989 e 1991 foram talvez alguns dos mais intensos da História. Desde a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, ao fim da União Soviética, em agosto de 1991, o mundo teve de rever uma série de conceitos. O primeiro e mais importante deles, provavelmente, foi aceitar que nada é tão simples quanto parece. E nesta semana mais um episódio comprova que entender o que se passa nas mentes de líderes mundiais e na dinâmica das relações internacionais pode ser algo complexo. Muito complexo.

Em artigo publicado no The Washington Times, o ditador líbio Muammar Kadafi critica a abordagem ocidental em relação à Rússia. Ele afirma que a tensão dos dias de hoje é fruto do erro estratégico da OTAN (a aliança militar entre os países europeus e os Estados Unidos) logo após o fim da União Soviética. Segundo ele, foi a organização a responsável por “plantar as sementes da ‘mania de independência’ nas ex-repúblicas comunistas”.

Realmente, não é de se estranhar que Kadafi seja avesso a processos de independência. Até porque controla a Líbia com mão de ferro desde 1969. Isso mesmo, não é um erro de digitação. O auto-intitulado líder da República Popular, Árabe e Socialista da Líbia, que há quase 40 anos se recusa a largar o osso, assina um artigo num dos principais jornais norte-americanos conclamando o ocidente – e especificamente os EUA – a deixar o primeiro-ministro Vladimir Putin (outro que se “afeiçoou” ao poder) em paz e, é claro, esquecer a idéia de implantar o escudo anti-mísseis nas fronteiras vizinhas ao território russo.

O artigo ainda contém uma mensagem que, de tão ingênua, chega a ser engraçada. Kadafi diz que devido à posição geográfica dos Estados Unidos o país é mesmo o lugar ideal para a sede da ONU estar localizada. Em relação a isso, ele não tem nada contra. O raciocínio termina sugerindo que, justamente por abrigar o prédio central das Nações Unidas, os EUA deveriam ser um Estado neutro; que não tomasse partido em disputas internacionais.

A versão “paz e amor” de Kadafi em nada lembra o papel central que ocupou nas manchetes de jornais de todo o mundo há 20 anos, quando patrocinou um terrível atentado terrorista: 270 pessoas morreram na explosão de um boeing 747 sobre a cidade de Lockerbie, na Escócia, após uma bomba ser detonada em pleno vôo.

Mas, 2,7 milhões de dólares em indenizações aos parentes dos mortos, 20 anos de intervalo, o fim de seu programa nuclear e a visita da secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice permitiram que a Líbia se reabilitasse com o Ocidente; deram a Kadafi a oportunidade de escrever editorais em jornais americanos e a garantia de que ninguém mais vai importuná-lo enquanto reina tranqüilo sobre sua pacífica república popular e socialista. Talvez por mais uns 40 anos. Definitivamente, o maniqueísmo está morto.
Para ler o artigo de Muammar Kadafi no The Washington Times, clique aqui.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Delírios de poder no Zimbábue

O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, recusa-se a deixar o poder. Respondeu às críticas de Estados Unidos e Inglaterra à maneira como vem desgovernando o país chamando-os de burros e tolos. Num primeiro momento, as potências ocidentais sugeriram ao ditador que aceitasse dividir o poder com o não menos pior do que ele, o opositor Morgan Tsvangirai.

Mas o processo empacou na disputa pelos ministérios mais importantes e não foi adiante. Como Mugabe gosta de retórica, disse que a epidemia de cólera simplesmente não existe. Porém, até o momento, mais de mil pessoas morreram. As agências de assistência que operavam no país estimam que a doença ainda deva atingir outras 60 mil pessoas.

Da parte de Mugabe, no entanto, sobram palavras vazias. Sobre a pressão internacional para que deixe o governo, respondeu com o que costumo chamar de “patriotada” – algo muito apreciado nessas nossas paragens.

“Obviamente, não vamos dar atenção a uma administração que está se despedindo (em menção ao governo Bush). O destino do Zimbábue está nas mãos do povo do Zimbábue”, disse.

Para o governo americano, o presidente Mugabe simplesmente perdeu o contato com a realidade. Recentemente, depois de finalmente admitir a epidemia de cólera, declarou que a doença havia sido disseminada pelo ocidente com o propósito de derrubá-lo.

Nesta segunda-feira, numa decisão controversa internamente, os Estados Unidos deixaram de dar qualquer suporte ao Zimbábue. Washington se mostrara disponível a ajudar o país a obter junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial o perdão de seus 1,2 bilhões de dólares em dívidas.

Mas as autoridades americanas voltaram atrás quando Mugabe desistiu de dividir o poder. Agora, a diretriz é normalizar as relações com o Zimbábue somente se ele deixar o cargo.

O grande problema é que, enquanto esta legítima pressão é exercida, a população do país sofre conseqüências gravíssimas. Um relatório da ONU mostra que de cada dez pessoas, sete não comeram nada ou fizeram somente uma refeição no dia anterior.

Graças aos programas de ajuda humanitária dos EUA e das Nações Unidas, a população do Zimbábue foi minimamente alimentada no último mês. O país é absolutamente dependente de ajuda internacional, mas, mesmo assim, de junho a agosto, Mugabe expulsou os organismos humanitários alegando também que eles apoiavam Morgan Tsvangirai.

Desde 2002, a ajuda em alimentação já alcançou a cifra de 1,25 bilhões de dólares. A situação é crítica e, como sempre, é a população pobre que irá pagar com a própria vida. 

“Dominada pelas quase três décadas de governo Mugabe, a população do Zimbábue hoje enfrenta o sétimo ano seguido de fome. Esta crise humanitária – agravada por secas e chuvas ocasionais – se tornou ainda pior por conta de políticas agrícolas catastróficas, colapso econômico crescente e um partido dominante que usa terra e comida como armas em sua – até o momento bem-sucedida – luta por permanecer no poder”, escreve no The New York Times a jornalista Célia W. Dugger. 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

É a economia, estúpido. A China 30 anos depois das reformas

Quando Deng Xiaoping saiu vitorioso do décimo-primeiro Comitê do Partido Comunista Chinês, em dezembro de 1978, o mundo não imaginava que as reformas econômicas implantadas a partir de então seriam tão significativas exatamente 30 anos mais tarde. Ao abandonar a economia planificada de Mao Tse-Tung e aplicar um modelo que previa mais abertura, a China deu um salto rumo a socialismo adaptado dos dias de hoje.

 

Enquanto boa parte das potências mundiais se vê diante de dilemas como a luta contra o terrorismo, o regime da República Popular da China adotou parâmetros de política – interna e externa – baseados quase que exclusivamente no pragmatismo. Protestos no Tibet são sufocados, não há liberdade de imprensa e o acesso à internet é controlado através de filtros capazes de bloquear os sites considerados "perigosos" para o regime. Mas e daí?

 

Em tempos de crise financeira, a preocupação da China é uma só: ganhar dinheiro – muito dinheiro. E não se pode dizer que os chineses vêm executando mal este projeto. O regime lamenta somente a queda na taxa de crescimento do penúltimo trimestre deste ano; "apenas" 9,9% - menos que os 10,6% e 10,4% dos trimestres anteriores.

 

Mas, olhando sob um prisma mais amplo, nesses 30 anos, o crescimento do país foi astronômico. Em 1978, ocupava a 32ª colocação no ranking das maiores economias do planeta. Hoje, 28 posições acima, inevitavelmente irá ultrapassar a Alemanha, tomando da potência européia o terceiro lugar. A proximidade com o líder Estados Unidos e o vice-líder Japão é ameaçadora para ambos.

 

Os números de fato são impressionantes. Segundo o jornal canadense The Globe and Mail, a China tem hoje 40 milhões de novos usuários de internet a cada ano, 600 milhões de telefones celulares, 2 trilhões de dólares em ações, além de ter se tornado o maior mercado consumidor de cimento – este último, prova da força de sua indústria de construção.

 

A grande dificuldade de entender o país vem da aparente dicotomia entre posições políticas e dados concretos. Ao mesmo tempo em que é um feroz crítico do sistema capitalista, a iniciativa privada já responde hoje por pouco mais de 60% do produto interno bruto (PIB).

 

O regime demonstra ter compreendido por completo como o capitalismo deve funcionar. E levou ao extremo da disciplina a aplicação desses conceitos. Hoje, já ciente do poder que detêm, os empresários chineses sabem que, diante da profunda crise financeira, chegou o momento de "cobrar" a fatia que lhes cabe em participação política e econômica. Os Estados Unidos parecem mesmo o maior alvo de um possível ressentimento.

 

Gao Xiqing, presidente da China Investment Corporation e administrador de cerca de 200 bilhões de dólares em investimentos chineses no exterior – boa parte deles nos Estados Unidos – censura a postura da política externa americana.

 

"A verdade pura e simples é que a economia dos EUA é dependente de muitos países. Então por que os americanos não se aproximam e 'são legais' com aqueles que lhes emprestam dinheiro? Conversem com os chineses e com os países do Oriente Médio. Desmobilizem as tropas no exterior e aí economizem 2 bilhões de dólares em gastos militares diários", diz em entrevista à revista The Atlantic, de Nova Iorque.

 

Para o jornalista canadense Tom Grimmer, as profundas mudanças postas em prática há 30 anos tornaram o país inclassificável da maneira formal. Os resultados obtidos, entretanto, levam-no a sugerir um rótulo novo para o projeto da China de hoje.

 

"Olhe por este ângulo: Beijing está há mais tempo sob o regime forjado por Deng (Xiaoping) do que por Mao (Tse-Tung). É comunismo? Sim, mas vamos chamar de 'Comunismo 2.0'", diz.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Hamas declara o fim do cessar-fogo com Israel e incertezas tomam conta da região

O Hamas anunciou oficialmente nesta sexta-feira que não vai renovar a trégua de seis meses assinada em junho com Israel. A decisão encerra de maneira melancólica um ano sem qualquer avanço significativo no processo de paz. A partir de agora, ninguém sabe o que pode acontecer à região - naturalmente já repleta de incertezas. 

O fim do acordo serve para mostrar que as negociações indiretas entre as partes prejudicam bastante qualquer tentativa de estabelecer metas claras para um tratado mais amplo. A trégua - mediada pelo Egito - não conseguiu corresponder às diferentes - e muitas vezes opostas - expectativas de israelenses e palestinos. 

Para o Hamas, os principais objetivos do cessar-fogo eram restabelecer o suprimento de bens de consumo para Gaza - suspenso por Israel e Egito desde que o grupo tomou de forma violenta o controle do território, em junho de 2007 -, além de evitar que os militares israelenses continuassem em busca de seus membros na Cisjordânia envolvidos com o planejamento de ataques terroristas. 

Do lado israelense, as expectativas eram completamente distintas: acabar com o lançamento de mísseis de Gaza para as cidades e comunidades do sul de Israel, desmantelar a estrutura de túneis responsável pelo contrabando de armas para as diversas facções palestinas, além de retomar as negociações pela libertação do soldado Gilad Shalit, seqüestrado pelo próprio Hamas em junho de 2006. 

Como ambas as partes negam a legitimidade de cada um desses pontos, o cessar-fogo foi simplesmente frustrante. Some-se a isso tudo as acusações mútuas de descumprimento do acordo. A situação hoje já é bastante tensa. 

Informações divulgadas pela imprensa local dão conta de que na noite desta quinta-feira nove mísseis foram atirados sobre o sul de Israel. Hoje já foram três. Diante da perspectiva nada animadora, as Forças de Defesa de Israel cancelaram as folgas de sábado das tropas estacionadas ao longo da fronteira com Gaza. Embora a política atual seja a de esperar antes de tomar qualquer decisão, já se comenta que uma ofensiva no território é inevitável. 

Mas qualquer passo pode levar a um conflito aberto com o Hamas, o que, de acordo com o jornal Haaretz, não é o desejo das autoridades israelenses no momento. 

"Oficiais graduados explicaram que não existem muitas alternativas às operações pontuais que vem sendo conduzidas. Qualquer movimento pode gerar uma 'chuva' de mísseis do Hamas, algo que inevitavelmente levaria a uma guerra total". 

Analistas acreditam que Israel deverá evitar ao máximo qualquer revide aos mísseis, uma vez que todos os objetivos do Estado Judeu poderiam ser postos em xeque. 

"O risco seria muito alto: a vida de Shalit, a possibilidade de novos mísseis em Ashquelon (uma grande cidade do sul do país) e uma significativa quantidade de baixas entre os soldados", diz o professor Gerald Steinberg, do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Bar-Ilan. 

Em entrevista à agência de notícias chinesas Xinhua, dois analistas palestinos disseram acreditar que um novo período de violência deve ocorrer em breve. 

"Será como uma tempestade antes da bonança. Para conseguir mais um cessar-fogo, será necessária uma outra escalada (de violência). O Hamas não se sente recompensado como acreditava que merecia", diz o jornalista Khaled Abu Toameh.

"Provavelmente, vamos assistir a novas rodadas de violência limitada antes do estabelecimento de uma trégua. Isso deve acontecer num período que pode variar entre alguns dias e algumas semanas", acredita Ghassan Khatib, vice-presidente da Universidade Birzeit.

Apontar erros durante a trégua, além de inútil, é pretensioso. Mas este novo período de tensão deixa evidente a necessidade de um mediador capaz de entender as expectativas das partes. Em meio ao fim do governo de Bush, de Olmert e das óbvias dificuldades do presidente palestino, Mahmoud Abbas, de restabelecer o controle sobre Gaza, todos esperam com ansiedade a posse de Obama. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Países latino-americanos jogam EUA para escanteio

Terminou nesta quarta-feira, na Costa do Sauípe, a Primeira Cúpula da América Latina e do Caribe. No encontro entre os 33 países, nada de muito importante foi decidido. A reunião, no entanto, deixa claro algo que talvez seja muito mais relevante politicamente do que qualquer acordo de cooperação: o isolamento dos Estados Unidos na região que já foi chamada de "quintal" por sucessivos governos de Washington. 

Os simbolismos não páram por aí. Além de o presidente Bush sequer ter sido convidado para estar na Bahia, Raúl Castro, substituto de Fidel na presidência cubana, foi homenageado em Sauípe. Vale dizer que Cuba não irá participar da Cúpula das Américas que será realizada em abril do ano que vem, em Trinidad e Tobago, e que, aí sim, contará com as presenças de EUA e Canadá. 

Na prática, além desses sinais subliminares - mas nem tão subliminares assim, é bem verdade -, a política externa de Bush para a América Latina foi praticamente nula durante esses oito anos de mandato. Por conta de todas as mudanças de prioridade interna americanas, pela mudança do foco em direção às plataformas de segurança e também pelas sucessivas guinadas à esquerda da América do Sul. 

Basta fazer um exercício de memória. A implantação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) - que gerou muita polêmica por aqui -, prevista para entrar em vigor em 1 de janeiro de 2005, simplesmente foi abandonada. Em seu lugar, os novos líderes políticos sul-americanos optaram pela criação de uma série de novos organismos multilaterais. No caso específico do Brasil, o presidente Lula não esconde seu desejo de fortalecer o Mercosul. 

Aliás, Lula é visto internacionalmente como um dos principais personagens dessa mudança de postura em relação aos Estados Unidos. Principalmente por causa dos indiscutíveis avanços econômicos de seu governo. 

Desde sua eleição, em 2002, o Brasil conseguiu acumular mais de 200 bilhões de dólares em reservas externas. Para ter idéia do significado desta cifra, o valor corresponde a quase o total das reservas de todos os demais países latino-americanos juntos. A partir desses pré-requisitos, o Brasil passou a exigir um papel mais significativo nas relações internacionais. 

Entretanto, ao mesmo tempo em que a liderança brasileira na América Latina torna o continente cada vez mais independente dos EUA, a Casa Branca não necessariamente vê com maus olhos o papel central ocupado pelo presidente Lula. 

"Sem chamar muita atenção, ele acabou com algumas ambições do presidente venezuelano na América do Sul e se tornou um importante contrapeso aos olhos dos encarregados da política externa norte-americana. Lula minou o sonho de Chávez de construir um gasoduto de dez mil quilômetros entre Brasil e Venezuela e, além disso, não se empenhou na criação do Banco do Sul, que se seria uma alternativa ao Banco Mundial", escreveu no Seattle Times o jornalista Tyler Bridges. 

O futuro presidente norte-americano, Barack Obama, vai precisar de muito trabalho se de fato pretender mudar esta situação. Porém, a maturidade dos países latino-americanos em sua relação com o "irmão do norte" parece ser um processo irreversível. 

"Os Estados Unidos já não são o maior interlocutor dos países da região. E nunca vão voltar a ser", diz Riordan Roett, diretor do Programa de Estudos Latino-americanos da Universidade John Hopkins. 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Novo clima de tensão entre Paquistão e Índia

A semana começou com a preocupante expectativa de as forças militares indianas realizarem um ataque ao vizinho Paquistão, acusado de abrigar o grupo terrorista Lashkar-e-Toiba - principal suspeito de realizar os atentados de Mumbai, em 26 de novembro. 

A rede de televisão CNN divulgou na última segunda-feira que fontes do Departamento de Defesa dos Estados Unidos tinham informações de que a Força Aérea da Índia estava em alerta máximo e já iniciara os preparativos para desmantelar à revelia a infra-estrutura do LeT. 

Hoje, porém, o ministro de defesa indiano, A.K. Antony, desmentiu os boatos. Ao mesmo tempo, condicionou a normalização das relações com Islamabad a uma firme resposta do governo paquistanês aos terroristas que circulam livremente pelo território - muitos grupos contam com a simpatia e, inclusive, efetiva participação de oficiais do serviço de inteligência do país. 

Simultanemente a isso, o presidente do Paquistão, Asif Ali Zardari, adota um discurso ambígüo. Se por um lado ele promete aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha e à própria Índia reforçar o combate aos grupos extremistas, em entrevista à rede britânica BBC, questionou se os autores dos ataques eram mesmo de seu país e revelou que só vai tomar providências quando houver provas conclusivas sobre o envolvimento de paquistaneses nos atentados. 

"Se chegarmos a esse estágio, garanto que nosso parlamento e nossa democracia vão agir de maneira apropriada e baseada nos preceitos de nossas leis e constituição", disse. 

O discurso visa a agradar ao ocidente, até porque lança mão de conceitos considerados fundamentais  para a administração Bush - citar democracia e respeito às leis numa região onde isso é raridade pode funcionar por ora. 

O problema é que não é segredo o quanto o governo central de Islamabad é incapaz de controlar todo o vasto território do país, em muitas áreas dominados pelos próprios grupos terroristas e facções jihadistas apoiadas pelas fundamentalistas escolas corânicas. 

Ao que parece, o governo indiano está a ponto de tomar uma atitude independente de qualquer autorização ocidental. De fato, qual seria o argumento para impedir esse primeiro e possível passo do governo de Nova Déli? Afinal, os próprios Estados Unidos e Grã-Bretanha admitem que o Lashkar-e-Toiba foi o autor dos atentados. 

Dessa maneira, a Índia estaria respaldada duas vezes para acionar suas forças militares: por conta do discurso adotado pela secretária de Estado Condolezza Rice e pelo primeiro-ministro Gordon Brown quando visitaram recentemente o sudeste asiático; e pela própria invasão ao Afeganistão empreendida por EUA e Inglaterra, em 2001. Afinal, há sete anos, o objetivo dos dois países era o mesmo sustentado pelo governo indiano de hoje: desmantelar a infra-estrutura terrorista por trás de um injustificável atentado. 

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O caos na Grécia pode ser só o começo

Os anarquistas estão recebendo boa parte do crédito pelos protestos que acontecem na Grécia desde que um jovem de 15 anos foi morto pela polícia, em 6 de dezembro. A revolta popular no país é repleta de novidade, tanto por seus autores, quanto pelos inúmeros motivos que eles argumentam ter para espalhar o caos que já começa a afetar outros países da Europa. 

Num mundo contemporâneo repleto de religião, ideologia e organizações terroristas cheias de disciplina, na virada para 2009 a Grécia nos apresenta a classe média em fúria e disposta a brigar - dentre outras coisas - pelo conceito de "vida boa". Que fique claro, no entanto, o termo é o melhor encontrado para destacar que a juventude grega luta hoje para ter acesso ao que considera justo: melhores salários e oportunidades de emprego. 

O epicentro das manifestações é a Universidade Politécnica de Atenas, uma das principais instituições de ensino do país que forma engenheiros e arquitetos desde 1836. Uma lei assinada após o término de um protesto estudantil em 1973 impede que a polícia entre na universidade, a não ser que tenha sido convocada pelos próprios estudantes. 

Por isso, o local se transformou no abrigo perfeito para o planejamento das ações. E, apesar de intenso e recente, já existe uma explicação teórica para toda esta confusão. 

Apesar de ser um dos Estados fundadores da União Européia e de apresentar taxa de desemprego dentro dos padrões do bloco (7,5%), a juventude grega está profundamente à margem dos benefícios econômicos. 

Cerca de um quarto da população com até 29 anos de idade está desempregada.  Os economistas passaram a chamar essa parcela de Geração 700 Euros, em alusão ao salário médio que recebem. A quantia é mesmo baixa, ainda mais quando se leva em consideração que 21% dos gregos têm diploma universitário. E esse é um dos problemas. 

Apesar da alta qualificação, o acesso ao mercado de trabalho tem sido difícil para os egressos das faculdades. Num ciclo vicioso bastante conhecido por aqui no Brasil, eles acabam tendo de se sujeitar a empregos fora de suas preferências profissionais; funções que pagam pouco, mas exigem muito. E agora, diante deste senso de injustiça, os jovens tomaram as ruas dispostos a chamar a atenção das autoridades do país para a situação que está longe de poder ser solucionada com simplicidade.

Hoje, com a crise financeira mundial transformada em realidade e seus prejuízos socializados principalmente entre aqueles que nada tem a ver com suas causas, existe o real temor de que mais violência esteja a caminho.

A prestigiada revista Time publica nesta terça-feira uma reportagem que considera a possibilidade de as revoltas se espalharem para a França.  Um dos entrevistados é o ex-primeiro-ministro francês Laurent Fabius. 

"Quando existe depressão econômica e desespero social, basta uma faísca", disse. 

Ao mesmo tempo, reformas no setor de educação causam grande controvérsia no país. Neste ano, pouco mais de 11 mil empregos na área foram cortados e outros 13 mil postos de trabalho estão sob ameaça para o ano de 2009. 

O líder estudantil Alix Nicolet resume o que pode ser a próxima "faísca": 

"Como o governo pode argumentar não ter dinheiro para manter a educação pública ao mesmo tempo em que doa bilhões para salvar bancos e grupos financeiros?". 

Vale lembrar 

Não faz muito tempo que um país europeu é tomado pela violência após o assassinato de jovens em protestos. Numa situação muito parecida, o italiano Carlo Giuliani, de 23 anos, morreu depois de ser atingido por policiais numa passeata anti-globalização, em julho de 2001, durante a Cúpula do G8 realizada em Gênova, na Itália. 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Trégua entre israelenses e palestinos termina na próxima sexta

Enquanto o noticiário internacional se ocupa em discutir os rumos do par de sapatos atirado em Bush, a situação no Oriente Médio permanece no vácuo de indefinição à espera de Obama. Pela manhã, a libertação por parte de Israel de 227 presos palestinos busca reforçar o governo do presidente Mahmoud Abbas à frente da Autoridade Palestina. Em meio à confusão instalada em Gaza, a região aguarda se o Hamas irá aceitar a prorrogação do cessar-fogo assinado há seis meses previsto para terminar na próxima sexta-feira. 

Fica claro, entretanto, que a trégua é aparente. Fontes deste blog no sul de Israel confirmam que os mísseis Qassam continuam a cair sobre as cidades e comunidades israelenses. A resposta por parte das autoridades do país é a manutenção do isolamento de Gaza. As forças militares não foram autorizadas a tomar qualquer atitude. Pelo menos por enquanto. 

No lado palestino, ninguém sabe ao certo quem detém a palavra final sobre se o acordo será renovado. Khaled Meshal, líder político do Hamas na Síria, já declarou que não tem intenção de se comprometer com um novo período de "calma". Se por um lado este pode ser um sinal de que haverá uma escalada de violência aberta, vale a lembrança de que não existe unanimidade entre o grupo palestino. 

Segundo o jornal israelense Haaretz, o correspondente de Meshal em Gaza, Ayman Taha, deu a entender que o Hamas não tem qualquer obrigação de seguir as declarações de Damasco. Ainda de acordo com a publicação, ao longo dos anos o grupo já tomou decisões contrárias às opiniões do líder exilado. 

Em entrevista ao The New York Times, um oficial israelense que preferiu não se identificar disse que Israel trabalha com duas possíveis interpretações para entender a ambigüidade do grupo: 1) a inexistência de uma liderança única no Hamas de hoje; 2) a busca por termos mais vantajosos durantes as negociações. 

Seja como for, as lideranças políticas de Israel e Autoridade Palestina vivem neste momento situações semelhantes. O primeiro-ministro, Ehud Olmert, apenas conta os dias para deixar o cargo sem ter conseguido qualquer avanço significativo no processo de paz; o presidente Mahmoud Abbas perdeu por completo o apoio da população de Gaza e considera a possibilidade de convocar novas eleições. 

Para tentar reconquistar a popularidade e o efetivo poder em Gaza, Abbas usa a retórica - muitas vezes, vazia. Foi o que aconteceu hoje ao comemorar a libertação dos prisioneiros palestinos. 

"Nossa felicidade não será completa até que todos os 11 mil presos (palestinos em cadeias israelenses) estejam livres. Prometemos trabalhar para libertar prisioneiros de todas as facções", disse. 

Israel costuma libertar palestinos que não tiveram envolvimento direto com a realização de atentatos terroristas - sem "sangue nas mãos", como passaram a ser chamados. 

Além de reforçar a posição do presidente palestino, o outro objetivo de Israel é libertar o soldado Gilad Shalit, seqüestrado pelo Hamas no sul do Estado Judeu em junho de 2006, quando tinha 19 anos de idade. Desde então, Israel promoveu a libertação de 900 presos palestinos, mas ninguém sabe assegurar se Shalit permanece vivo. 

Neste domingo, em comemoração aos 21 de fundação do Hamas, uma grande parada militar aconteceu em Gaza. Cerca de 200 mil pessoas compareceram ao evento, que contou com a presença de Ismail Haniyeh, primeiro-ministro de fato do território. Um dos pontos altos da festa ocorreu quando um rapaz vestido com o uniforme do exército de Israel desfilou como se fosse o próprio Shalit à procura de seus pais. 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Fracassa o processo de desarmamento da Coréia do Norte

Na reta final da despedida do governo Bush, um golpe no mínimo curioso foi aplicado no que aparentava ser um dos principais ganhos da atual política externa americana: a retirada da Coréia do Norte da lista dos países acusados de patrocinar o terrorismo.

E a reviravolta aconteceu quando tudo parecia finalmente acertado. No ano passado, o líder Kim Jong-il havia concordado em desmantelar seu arsenal nuclear em troca de um pacote envolvendo ajuda externa. Estados Unidos, China, Rússia, Coréia do Sul e Japão forneceriam combustível, enquanto a Coréia do Norte se desarmaria progressivamente.

O processo ficou conhecido como a Negociação dos Seis Lados e vinha se arrastando lentamente desde 2003. Em 2006, mesmo após Pyongyang realizar testes nucleares em segredo, as conversações continuaram. Os Estados Unidos, inclusive, deslocaram um negociador especial para cuidar do assunto - Christopher Hill - que nesse período viajou dezenas de vezes para Seul, Pyongyang, Tóquio e Beijing.

Mas, nesta semana, todos os esforços parecem ter ido por água abaixo. Os norte-coreanos informaram que não concordam com os procedimentos de verificação de seu programa nuclear. O argumento é que o combinado era permitir a inspeção dos principais complexos atômicos de Yongbyon, mas não o recolhimento de amostras de terra e ar nos arredores das instalações para serem examinadas no exterior.

A grande confusão jurídica por parte dos Estados Unidos é que, como a decisão de retirar a Coréia do Norte da lista do terror foi tomada há dois meses, Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado, explica que não existe qualquer previsão de quando ou se, de fato, o país seria novamente incluído entre aqueles que patrocinam o terrorismo.

Até porque seria um tremendo atestado de incompetência - mesmo que nada disso tenha ocorrido por um erro de abordagem - voltar atrás no anúncio de que a Coréia do Norte havia sido convencida de se aliar ao eixo do mal, como ficaram conhecidos os Estados acusados - e muitas vezes assumidos mesmo - de figurar, admirar, fornecer armamento ou manter programas para o desenvolvimento de armas de destruição em massa, além de dar abrigo a terroristas.

No caso da Coréia do Norte, a complicação é ainda maior. Além do país asiático, Cuba, Irã, Síria e Sudão aparecem dentre aqueles Estados considerados pelo EUA como "foras-da-lei". O problema específico do regime de Pyongyang é seu isolamento do resto do planeta. Raros cidadãos podem deixar e retornar para suas fronteiras, não há imprensa além da estatal e, menos ainda, liberdade de expressão ou acesso à internet. Os norte-coreanos são governados por mão-de-ferro pelo tresloucado Kim Jong-il, ridicularizado pelo ocidente, mas profundamente hábil do ponto de vista político.

Tanto que o nó tático dado por ele nos Estados Unidos hoje já havia sido antecipado pelo escritor Michael Breen, autor do livro Kim Jong-il: Ditador Norte-coreano. Em entrevista à AFP, em julho de 2006, ele deu a seguinte opinião sobre o processo de desarmamento do país.

"Eu não acho que ele (Kim Jong-il) esteja disposto a abandonar seu arsenal atômico. Isto o obrigaria a confiar nos Estados Unidos e na Coréia do Sul", disse.

Hoje mesmo foram liberadas fotografias de Kim Jong-il em bom estado de saúde, embora ninguém saiba afirmar a data precisa de quando elas foram tiradas. É mais uma tentativa de desmentir as especulações sobre a substituição do líder máximo da Coréia do Norte. Entretanto, é possível que o regime se torne ainda mais fechado neste caso.

"Provavelmente uma junta militar linha dura assumiria o poder. E, para piorar, contando com um arsenal atômico. Será que eles levariam adiante as táticas de chantagem do atual comandante? Ou decidiriam pôr fogo no planeta?", questiona o site de política Real Clear World.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Mais um momento decisivo para os países da União Européia

Assinado em Lisboa, em dezembro de 2007, o tratado que tinha como objetivo substituir a derrotada tentativa de estabelecer uma constituição européia corre mais uma vez o risco de ser rejeitado. Dos 27 países-membros, três se mostram contrários à carta ou pouco empenhados em aprovar o novo documento: Irlanda, República Tcheca e Polônia. E a armadilha está no próprio princípio que rege a União Européia desde 1992. Para ser aprovada, a decisão precisa se aceita de forma unânime.

Referendos realizados em França e Holanda, em 2005, já haviam colocado por água abaixo o projeto de constituição única do bloco. O Tratado de Lisboa surgiu, dois anos depois, como forma de reorganizar algumas importantes instituições políticas, além de alterar pontos fundamentais, como a atual rotatividade de seis meses da presidência da União Européia. 

Firmado na capital portuguesa em 13 de dezembro de 2007, o documento previa a ratificação ao longo deste ano. O objetivo é que entrasse em vigor a partir de 1 de janeiro de 2009. Mas nada disso aconteceu. 

A Irlanda se mostra a maior resistência à aprovação. Os motivos são variados, mas mostram bem a dificuldade de reunir países tão culturalmente diferentes numa única entidade política. No plebiscito realizado no ano passado, o "não" recebeu 53,4% dos votos. 

Alguns questionamentos ficam por conta do conservadorismo que teme possíveis atitudes inconcebíveis para a maior parte dos irlandeses. É o caso, por exemplo, da legislação relativa ao aborto. Tema polêmico em qualquer lugar, a direita do país acredita que, caso o tratado fosse aprovado, cedo ou tarde haveria a necessidade de se discutir o assunto. E, na existência de um documento único, a Irlanda teria de acatar a decisão conjunta, mesmo que ela fosse contrária aos princípios católicos que regem o país. 

No campo específico das relações internacionais, a oposição interna da Irlanda não gostaria de ver os militares integrando uma força oficial do bloco no caso de uma intervenção externa. Eles argumentam que, se isso ocorresse, a neutralidade irlandesa estaria comprometida. Um outro fator importante é que o crescimento econômico do país - absolutamente estrondoso nos últimos anos tendo chegado à casa dos 9% ao ano - poderia ser afetado, uma vez que as taxas baixas são o grande atrativo aos investimentos estrangeiros. 

O dilema do bloco reflete os desafios impostos pelo sistema internacional dos dias de hoje. Ao mesmo tempo em que é preciso se expandir para ter poder de barganha no cenário global, os países se mostram resistentes a abrir mão de suas diretrizes, características culturais e econômicas em nome do fortalecimento externo da União Européia. 

Cada novo Estado incorporado à UE torna mais difícil a tomada de decisões conjuntas que realmente reflitam uma improvável unanimidade. Entretanto, para ser ainda mais forte, o bloco não pode - e mostra não pretender - se opôr a novas adesões capazes de incrementar seu poder político e econômico. 

O jornalista britânico Adrian Hamilton defende que uma resposta conjunta aos desafios contemporâneos é a única alternativa para os países do continente. E não apenas em relação à crise financeira, mas também às mudanças climáticas. 

"Dê dois passos para trás e veja como todos os caminhos e necessidades de nosso tempo são favoráveis a uma resposta regional européia, e não a uma abordagem nacionalista. Há cinco anos - ou mesmo há um ano -, este não era o cenário. Os governos de França e Alemanha estavam enfraquecidos, e a Inglaterra de (Tony) Blair estava preocupada com Washington. A Europa estava estigmatizada pelos conceitos de "velha" e "nova", de acordo com as demandas dos Estados Unidos pela criação de uma nova ordem mundial em sua Guerra contra o Terror", escreveu em artigo publicado no jornal The Independent. 

Para ler o texto na íntegra, clique aqui.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O discurso do novo Prêmio Nobel da Paz; a frugal polêmica no Cairo

Na manhã desta quarta-feira, o ex-presidente finlandês Martti Ahtisaari recebeu, em Oslo, na Noruega, o Prêmio Nobel da Paz pelos 30 anos dedicados às mediações de conflitos internacionais na Namíbia, Kosovo e na turbulenta região de Aceh, na Indonésia. Curiosamente, no discurso proferido após a entrega da premiação, ele quase não mencionou o trabalho ao qual dedicou boa parte de sua vida. Preferiu falar sobre o processo de paz no Oriente Médio. 

Ahtisaari pediu empenho ao presidente-eleito americano, Barack Obama, na resolução dos conflitos entre israelenses e palestinos. E, de preferência, logo em seu primeiro ano de mandato. 

Em entrevista concedida à Associated Press, ninguém foi poupado de críticas. 

"A comunidade internacional e aqueles que detêm o poder estão sentandos enquanto ambos os lados se dedicam à destruição mútua. As vidas (de israelenses e palestinos) se tornarão ainda mais complicadas no futuro", disse. 

É bastante interessante notar como todo mundo tem uma opinião definitiva sobre o processo de paz no Oriente Médio. Embora o ex-presidente finlandês jamais tenha tido qualquer participação no conflito árabe-israelense em geral, e no israelense-palestino em particular, no momento que marca a coroação do trabalho de toda a sua vida, ele decide se lembrar do assunto.  

A cada dia me parece que o conflito entre israelenses e palestinos se tornou uma válvula de escape capaz de legitimar qualquer discurso sobre a paz. Talvez por ele ser o mais midiático, mas sem dúvida não o mais mortífero. 

Justamente por isso, por que não aproveitar a oportunidade em que todos estão atentos ao discurso para pedir a intervenção no Sudão, no Congo, na Somália ou no Zimbábue, onde se mata muito mais e a condição de vida das pessoas é bem inferior à de palestinos e israelenses? 

Esses apelos também subestimam a inteligência de autoridades de ambos os lados, como se eles mesmos não tivessem a capacidade de resolver por si só e como se já não houvesse muita gente empenhada em solucionar a questão. No caso, além de Israel e da Autoridade Palestina, os Estados Unidos, a ONU, a Rússia, o Japão e a União Européia estão debruçados sobre a redação de propostas para a paz.

Com todo o respeito às opiniões do Prêmio Nobel da Paz de 2008, o discurso dele teria sido bem mais útil se fosse direcionado a outros conflitos que matam mais gente e para os quais ninguém dá a menor importância. Até porque, creio mesmo que israelenses e palestinos não estão muito preocupados com o que pensa o ex-presidente finlandês. 

Aliás, por falar em Oriente Médio, uma grande polêmica toma conta da imprensa egípcia. Tudo por conta de um simples cumprimento entre o xeque Mohammad Sayyid Tantawi e o presidente israelense, Shimon Peres. 

O encontro ocorreu durante uma conferência sobre tolerância religiosa em Nova Iorque, no último mês de novembro. Desde então, o maior jornal independente do Egito comanda uma campanha para que o xeque se demita do cargo de reitor da Universidade al-Azhar, a mais respeitada autoridade  sunita do país - não é incomum essa hibridez entre instituições de ensino e religiosas - e uma das mais antigas universidades do mundo. 

Como se sabe, Egito e Jordânia são os únicos Estados da região a manterem acordos de paz e relações normais - nem tão normais assim, como essa situação demonstra - com Israel. Segundo a interpretação de alguns analistas, o aperto de mão entre as autoridades pode ser visto como a normalização - por parte do xeque e da instituição sunita - das relações com Israel. Mais ainda, uma associação ao regime do presidente Hosni Mubarak, liderança bastante impopular em alguns setores da sociedade egípcia. 

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Mudança de estratégia no Afeganistão

Ponto fundamental da política externa do futuro presidente Barack Obama, o Afeganistão se mostra cada vez mais difícil de apaziguar. É por isso que a Casa Branca atendeu aos pedidos do general David D. McKiernan, o alto comandante americano no país: no próximo ano, mais 20 mil soldados serão enviados para combater o Talibã. 

Apesar das negativas do governo dos Estados Unidos, a situação na porta de entrada da Guerra contra o Terror é crítica. Ao contrário dos dados positivos do Iraque, os talibãs estão longe de serem derrotados, como mostram os últimos acontecimentos. Nesta segunda-feira, mais de 100 veículos da OTAN foram destruídos numa complexa operação de sabotagem às provisões destinadas às tropas ocidentais. 

Uma vez mais, o Paquistão foi o palco das ações por um motivo muito mais logístico do que ideológico. É através de um terminal que serve de depósito de contêineres nos arredores de Peshawar que os soldados da aliança comandada pelos EUA recebem armas e alimentos. 

Em oposição ao que vem acontecedendo em Bagdá, a situação nos arredores da capital afegã está longe de ser controlada. Por isso, o alto comando americano - em conjunto com a OTAN - optou por uma mudança de estratégia nas atividades militares: o deslocamento de mais tropas para Cabul e seu entorno. Segundo o The New York Times, é a primeira vez que a inteligência militar aprova a decisão de enviar mais combatentes para as regiões que cercam a cidade. 

Nas províncias próximas a Cabul os ataques do Talibã aumentaram consideravelmente. Em Wardak, o crescimento foi de 58 porcento no último ano; em Logar, de 41 porcento. 

Esta mudança envolve a avaliação de uma série de fatores. Afinal, o contingente militar - mesmo de alguns dos exércitos mais poderosos do mundo - é limitado. E, a cada dia que passa, a opinião pública cobra resultados efetivos. Talvez esta seja a grande lição das últimas eleições americanas, ainda mais num momento de crise financeira. Os contribuintes dos Estados Unidos - que em última instância sustentam o esforço militar - sabem dos altos custos envolvendo as operações no Oriente Médio e exigem uma satisfação com dados e números claros. 

O grande dilema fica por conta justamente da diferença nos resultados dos dois principais cenários da guerra no Oriente Médio. Se por um lado - como já escrevi antes - já se considera uma estabilização no número de baixas americanas no Iraque, Obama deixa claro que está definitivamente interessado em acabar com a infra-estrutura terrorista no Afeganistão. O problema, entretanto, é que a resistência Talibã ainda é considerável, e os EUA vivem um momento de reflexão antes do início do próximo governo. 

"A administração Obama vai precisar pesar qual será o pior risco: diminuir com rapidez o contingente de soldados no Iraque e potencialmente sacrificar os ganhos obtidos por lá; ou não aumentar o número de tropas no Afeganistão, onde os esforços de guerra ainda estão em xeque, uma vez que a segurança se deteriora", escreve o jornalista Kirk Semple.

Dados ilustram os novos planos

Alguns números importantes sobre a ofensiva no Afeganistão: cerca de 62 mil militares estrangeiros lutam atualmente no país. Desse total, 32 mil são americanos. 

Os 20 mil novos soldados devem chegar aos poucos, num período que pode variar entre 12 e 18 meses.  O exército afegão hoje é composto por 70 mil soldados. Estados Unidos e OTAN planejam aumentar este contingente para 134 mil nos próximos quatro ou cinco anos. 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Água Negra do Governo Bush

Notícia publicada hoje no The New York Times informa que cinco soldados da Blackwater aceitaram se render às autoridades americanas. Eles são acusados pela morte de 17 civis iraquianos, num tiroteio em Bagdá, em 2007. Tudo isso pode parecer muito estranho. E é mesmo.

Nem todo mundo sabe o que é a Blackwater. Portanto, vale uma breve descrição. Trata-se de uma empresa privada - propriedade de Erik Prince, ex-fuzileiro naval dos Estados Unidos - contratada para prestar serviços de segurança no Iraque e no Afeganistão. Pode também parecer estranho - e novamente, é mesmo -, mas é um exército privado. E, mais curioso ainda, ela não é a única força militar particular a atuar especificamente no Iraque: DynCorp International e Triple Canopy, americanas, e Aegis, britânica, também não são parte do corpo estatal dos dois países. Além delas, outras 25 firmas de segurança particulares estão presentes no Iraque.

A Blackwater, entretanto, é a maior delas. É difícil precisar quantos soldados-funcionários a empresa mantém, mas, segundo relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso Americano (CSA, em inglês), é possível que o total de empregados trabalhando sob contratos firmados com o governo dos EUA chegue a 180 mil pessoas.

As acusações que pesam sobre a empresa são graves, até porque, durante o episódio que causou a morte dos 17 iraquianos, os soldados teriam atirado uma granada num colégio para meninas.

O caso, entretanto, é ainda mais controverso porque envolve um grande debate sobre o controle governamental de tropas particulares. Por exemplo, até outubro do ano passado, os funcionários da Blackwater eram privilegiados com imunidade no Iraque. Em casos de crimes como o que está sendo julgado agora, simplesmente retornavam para os Estados Unidos com a certeza da impunidade.

Somente em agosto deste ano, o ex-combatente José Luis Nazario Jr. foi o primeiro membro da empresa a ser julgado pelo assassinato de prisioneiros na cidade de Fallujah, em 2004. Diante de um tribunal civil de Riverside, na Califórnia - ele não podia ser julgado como um militar americano, afinal de contas não era parte das forças oficiais dos Estados Unidos -, foi absolvido de todas as acusações.

Além disso, a atuação dessas empresas na Guerra contra o Terror levanta novo debate acerca dos contratos firmados entre o governo Bush e parceiros da iniciativa privada. No caso específico da Blackwater, que atua no Oriente Médio desde o início da empreitada americana em 2001, a parceria foi renovada por mais um ano no último mês de abril.

A questão é tão polêmica que nem para o corpo governamental americano está claro se o Estado deve ou não confiar nas empresas de segurança privadas. O FBI é o responsável pela investigação dos assassinatos cometidos pelos soldados-funcionários. O próprio Congresso americano criou um comitê específico para investigar os contratos firmados pelo presidente Bush para atuação de empresas americanas no exterior, e, especificamente, sua relação com a Blackwater.

As conclusões são reveladoras. Alguns números importantes: a empresa esteve envolvida em pelo menos 195 episódios violentos no Iraque desde 2005; um soldado da Blackwater custa ao Estado 1.222 dólares por dia, e o valor anual chega a 445 mil dólares - mais de seis vezes o custo de um soldado regular do exército americano; de 2001 a 2006, a Blackwater recebeu mais de 1 bilhão de dólares em contratos federais, inclusive mais de 832 milhões de dólares em dois contratos com o Departamento de Estado.

A relação entre a administração Bush e a empresa é bastante próxima, como mostra o estudo: a primeira parceria entre o governo e Erik Prince rendeu aos cofres da Blackwater, em 2001, pouco mais de 736 mil dólares. Num crescimento absurdo, o contrato assinado entre as partes, em 2006, chegou à casa de 1 bilhão de dólares. Em um período de somente cinco anos, a empresa teve um aumento no valor dos contratos firmado com a Casa Branca superior a 80 mil porcento.

A amizade entre a família Bush e os Prince talvez explique de certa maneira os benefícios concedidos à Blackwater. O estudo do Congresso chega a essa conclusão:

"No final dos anos 1980, Erik Prince foi estagiário da Casa Branca durante a gestão de George H.W. Bush (
o pai do atual presidente). O pai de Prince era um proeminente homem de negócios de Michigan e um doador (de dinheiro) para causas conservadoras. A irmã de Prince, Betsy DeVos, foi negociadora do Partido Republicano de Michigan e ganhou o título de "pioneira" da campanha da chapa Bush-Cheney por angariar 100 mil dólares em fundos para a campanha presidencial de George W. Bush em 2004. Seu marido, Richard DeVos, é um ex-CEO da Amway e, em 2006, foi o candidato do Partido Republicano ao governo de Michigan. O próprio Erik Prince é doador financeiro do partido - foram 225 mil dólares em doações de dinheiro, sendo mais de 160 mil dólares para o Comitê Nacional Republicano e para o Comitê Nacional do Congresso Republicano".

Para ler o relatório completo, clique
aqui