quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O dilema dos "Estados falidos"

Ao que parece, o Iêmen é a bola da vez na batalha entre o Ocidente - liderado com mais interesse pelos EUA - e o fundamentalismo islâmico - que tem na al-Qaeda, além de sua maior representante, a marca mais forte e que vem conseguindo ser bem sucedida em sua estratégia de "branding", segundo o que os acontecimentos dão a entender.
A pesquisadora iemenita-suíça Elham Manea assina artigo no britânico Guardian onde questiona se seu país de origem será o próximo a se tornar um "Estado falido" ou será qualificado como tal pelo governo americano.
"A fraqueza do governo central, sua inabilidade em penetrar áreas tribais, a topografia montanhosa do país e a posição ambígua de seus líderes diante dos jihadistas locais tudo isso contribui para atrair os membros da al-Qaeda", escreve.
Essas são características que se aplicam não somente ao Iêmen, mas também a Afeganistão, Paquistão, Iraque e Somália, apenas para citar alguns exemplos. Os EUA já estão presentes em dois deles e informalmente têm atuado também no Paquistão. Nada leva a crer que irão abrir uma nova frente no Iêmen, principalmente por conta dos gastos altíssimos que têm sido despendidos desde 2001e cujos resultados são bastante questionáveis.
Não se pode admitir publicamente, mas acredito que este tipo de ataque minimalista como o do voo que seguia rumo a Detroit é impossível de ser inibido por completo. Há indícios de que houve falhas de segurança e não tenho dúvidas de que elas vão voltar a ocorrer. Nenhuma atividade humana consegue ser 100% eficaz. As medidas que visam a antecipar o terrorismo seguem a mesma lógica. Elas podem se tornar mais sofisticadas, mas os terroristas irão inventar novos métodos igualmente complexos e mais difíceis de serem detectados a tempo.
Às autoridades militares e de segurança resta somente estudar mais. Informe divulgado pela consultoria privada Stratfor - de George Friedman, autor do livro que estou sorteando aqui no site - em 4 de novembro já anunciava a possibilidade de um ataque como o que quase ocorreu.
"Al-Wahayshi (Nasir al-Wahayshi, líder da al-Qaeda na Península Arábica), iemenita que serviu como coronel de Osama bin Laden no Afeganistão, notou que os ataques podem ser conduzidos com armas simples, como facas pequenos Aparatos Explosivos Improvisados (IED, sigla em inglês). De acordo com ele, "jihadistas não precisam fazer grande esforço ou gastar muito dinheiro para fabricar dez gramas de material explosivo'".
O texto original contendo todos os "ensinamentos" foi publicado há quase dois meses numa revista eletrônica destinada a radicais islâmicos e reproduzida em diversos sites. Toda empresa procura seu nicho de mercado, não é verdade?
O fato é que impossível imaginar que ações deste tipo não voltem a se repetir. E a solução é continuar o trabalho preventivo de segurança e inteligência. Até porque, como as experiências em Afeganistão e Iraque já mostraram, logisticamente é impossível reconstruir todos os "Estados falidos" do planeta.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ambições sírias

Após o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005, houve uma enfática condenação internacional. Até porque ficou claro que a influência Síria sobre o país havia chegado ao limite. Não cabe a nenhum outro Estado assassinar líderes de seus vizinhos. Em função disso, o governo de Damasco foi isolado, chegando inclusive a fazer parte do que o presidente Bush passou a chamar de "eixo do mal", numa de suas exposições acerca das relações internacionais.
Hoje, pouco mais de quatro anos, a Síria está de volta ao cenário. E, num passo geopolítico que conta com a aprovação de Barack Obama, o país sai aos poucos da cortina de isolamento do passado recente. Não apenas os Estados Unidos planejam enviar um novo embaixador à capital do país, como também há uma aproximação crescente com a vizinha Turquia.
E isso é bastante curioso. Principalmente porque este movimento acontece devido a motivos opostos. Como se sabe, a opinião pública turca praticamente exigiu uma mudança de postura de seu governo em relação a Israel após o conflito em Gaza, no início do ano. E não apenas isso. A Turquia fez uma revisão de suas estratégias internacionais, passando a se voltar ainda mais para o Oriente, em busca de reconhecimento interno e também flertando com países que culturalmente lhe parecem mais aliados a suas origens históricas.
Não por acaso, as críticas a Israel – com quem Ancara mantinha inclusive profícua parceria militar, vale dizer – aprofundaram-se, e o primeiro-ministro Tayyip Erdogan recebeu o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad fazendo questão de enaltecer os laços históricos, culturais e religiosos a unir os dois países. Ambos, aliás, de maiorias islâmicas, mas não árabes, é sempre bom lembrar.
No último dia seis, inclusive, o líder turco esteve em Washington e disse a Obama que não irá enviar mais soldados ao Afeganistão. Apesar de membro da Otan, a aliança militar ocidental, fica cada vez mais nítida a tendência de ruptura de Ancara com seus parceiros europeus e os EUA.
Por outro lado, a Síria pretende sair do ostracismo no qual se encontrou nos últimos quatro anos. A aproximação com a Turquia é vista como uma possibilidade de mudança, de aproximação com um país que até o momento usufrui de ampla legitimidade em importantes palcos internacionais, como a própria Otan, por exemplo. Em setembro deste ano, Turquia e Síria acabaram com as exigências de visto para visitantes de ambos os países.
Talvez a união entre Síria e Turquia consiga formar um eixo de atuação independente. E rico, claro. Segundo o New York Times, o comércio entre Damasco e Ancara alcançou a cifra de 4 bilhões de dólares neste ano, o dobro do negociado em 2008. Mas a união tem ambições muito maiores do que apenas trocas de bens e serviços.
"É muito mais do que uma relação simplesmente econômica. Ela diz respeito à reorganização da região por conta da percepção de que o Ocidente é mais fraco e menos confiável para fazer qualquer coisa por aqui. Acho que a Síria pretende redefinir sua posição geopolítica", diz Samir al-Taqi, diretor do Centro Oriente para Estudos Internacionais em Damasco.

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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

E se o Irã tiver capacidade nuclear?

Antes de mais nada, devo desculpas aos leitores que não se interessam pela disputa de forças entre Irã e Ocidente. De minha parte, acho essa uma das mais importantes questões internacionais do momento e, por isso, tenho abordado o assunto com bastante frequência. Além disso, acho sempre válido reafirmar as razões pelas quais há um grande esforço para frear as ambições nucleares da república islâmica.

O presidente Ahmadinejad já mencionou diversas vezes e numa variada gama de oportunidades - desde a visita à usina de Isfahan, em seu país, até o discurso na Assembleia Geral da ONU - ser a favor que um outro Estado-membro das Nações Unidas seja "varrido do mapa".

Há um grande concerto internacional para diminuir o arsenal nuclear no planeta. Mesmo potências militares como Estados Unidos e Rússia têm mantido conversações a respeito e se mostram dispostas a reduzir seus próprios arsenais. Como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ao construir usinas secretas e dificultar o trabalho dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Teerã estaria, no mínimo, caminhando para um retrocesso nas relações internacionais.

Na melhor das hipóteses, vejo como inocentes os discursos dos que se colocam favoráveis ao direito de o Irã produzir armamento nuclear. Acho equivocado o argumento muitas vezes usado de "democratizar" o acesso a armas atômicas. Num momento em que são discutidas em conjunto decisões imediatas sobre salvar o meio-ambiente, penso que são contraditórios possíveis esforços para permitir que novos países alcancem potencial nuclear.

Seja como for, se não fossem suficientes os argumentos para impedir que Khamenei-Ahmadinejad tenham sucesso em sua empreitada, acho válido levar em consideração o cenário elaborado por Graham Tillett Allison Jr., cientista político e professor da John F. Kennedy School of Government, de Harvard.

"É possível que, se o Irã obtiver sucesso, na próxima década ele não seja o único Estado com armas nucleares no Oriente Médio. A Arábia Saudita, por exemplo, não irá aceitar um futuro no qual os iranianos – seus rivais xiitas – tenham capacidade nuclear e os sauditas, não. Egito e Turquia podem também seguir os passos atômicos da república islâmica", escreve. Este é apenas um trecho de seu artigo que será publicado na edição de janeiro da revista Foreign Policy.

Ou seja, seria a perda de controle total sobre armamentos nucleares numa das mais explosivas e instáveis regiões do planeta. Acho que ninguém gostaria de ver este cenário se tornar real. Ou gostaria?
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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A guerra da informação

A morte do grande aiatolá Hossein Ali Montazeri complementa o texto da última sexta-feira. Alimenta ainda mais a onda de protestos que vem tomando conta do Irã e é também repleta de significados: como acredita a revista Time, dos EUA, fornece um mártir aos manifestantes em busca de mudanças do regime. Curiosamente, o líder religioso e político veio a morrer justamente em Qom, cidade sagrada onde foi descoberta a construção de uma usina nuclear desconhecida para os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

A situação atual do Irã se resume a especulações de toda a sorte. É fato que há um movimento de oposição atuante, mas não se sabe se ele representa a maioria da população. O que está acontecendo neste momento é uma grande batalha midiática que mobiliza os dois lados da imprensa: a estatal iraniana, representante dos interesses do regime, e a do Ocidente, que tende a se aliar aos opositores. Até mesmo as agências de notícias e grandes redes de jornalismo estão com dificuldades para realizar seu trabalho.

Sabe-se que o governo do Irã tem impedido a imprensa internacional de cobrir os eventos. Mesmo o funeral do aiatolá Montazeri é vetado aos jornalistas estrangeiros. Os veículos têm realizado seu trabalho baseados em raro material primário disponível, como vídeos de celular enviados por manifestantes, circunstância muito semelhante aos eventos que sucederam as eleições de 12 de junho. Portanto, é difícil chegar a qualquer diagnóstico sobre a situação.

Como escrevi não faz muito tempo, o regime da república islâmica já percebeu que informação é uma das mais valiosas armas dos dias de hoje. Por isso pretende em pouco tempo criar sua própria agência de notícias. Os receptores de informação estão em meio ao fogo cruzado da propaganda midiática. Principalmente nós que estamos distantes dos acontecimentos em todos os sentidos. Mesmo jornalisticamente não temos acesso a qualquer fonte primária. Por isso seria irresponsável bater o martelo sobre o que está acontecendo agora nas ruas do Irã.

Por outro lado, podemos sim debater sobre as consequências. Se de fato a pressão popular for grande, é improvável que Ahmadinejad-Khamenei continuem no poder sem fazer qualquer concessão. Entretanto, se houver um ataque militar ao programa nuclear iraniano, a oposição interna na república islâmica se desmobilizará por completo, uma vez que uma investida estrangeira unirá toda a população em torno da defesa do país.

Amanhã, mais um curioso cenário sobre uma eventual aquisição de armamento nuclear pelo Irã.
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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Nem tudo está perdido

Para terminar a semana, um texto que reflete um pouco mais sobre a situação no Irã. Apesar do tom um tanto catastrófico do post de ontem, gostaria de dizer que ainda acredito numa solução pacífica capaz de evitar um cataclisma nuclear no Oriente Médio. E isso pode estar nas mãos da oposição iraniana. Ela pode impedir um ataque ao país e parece estar absolutamente consciente disso.
Desde o último dia sete, os estudantes de Teerã têm saído às ruas da capital para protestar contra o líder supremo Ali Khamenei e o presidente Ahmadinejad. E agora não apenas se opõem aos polêmicos resultados das eleições de junho deste ano, mas também à violência que se seguiu às manifestações.
Como lembra o líder da Frente Democrática Iraniana, Heshmat Tabarzadi, o movimento conta com a participação de figuras ilustres da sociedade. É o caso, por exemplo, de Faezeh Hashemi Rafsanjani, filha de ninguém menos que Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, a segunda figura da cúpula política atual do Irã.
Será que, mesmo nessas condições, o governo vai reprimir violentamente os protestos? Ou vai aceitar voltar atrás na repressão à liberdade de imprensa e discutir o futuro do país – inclusive do projeto nuclear – com a oposição?
Por mais que essas manifestações sejam alvo da repressão oficial, o governo iraniano sabe que os estudantes compõem a vanguarda da sociedade do país. Simplesmente porque os que hoje comandam a república islâmica fizeram parte de movimentos estudantis num passado nem tão distante assim. É o caso, por exemplo, do próprio presidente Ahmadinejad, que, como líder estudantil, esteve diretamente envolvido na ampla frente popular que derrubou o Xá, em 1979.
Acho que este deve ser um momento de espera pelos acontecimentos internos no Irã. Em entrevista hoje ao site da BBC, Mehdi Karoubi, um dos líderes da oposição e candidato derrotado nas últimas eleições, fez uma declaração importante:
"Desde o primeiro dia em que os resultados das eleições foram divulgados, estou convencido de que Ahmadinejad não vai conseguir terminar seu mandato de quatro anos", disse.
Acho que é preciso dar um desconto ao que ele afirma, até porque é uma das partes diretamente interessadas na substituição do atual presidente. Mas existe de fato um grande movimento descontente com o governo e que exige mudanças. Este é o momento em que o ocidente não deveria se precipitar, mas aguardar os acontecimentos que estão por vir. Até porque fazer qualquer coisa agora é jogar uma pá-de-cal nas pretensões da oposição iraniana.
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Perigosa provocação iraniana

Não por acaso o Irã testou mais mísseis de longo alcance ontem capazes de atingir Israel, parte do sudeste europeu e bases americanas no Golfo. O exercício militar acontece apenas dois dias após o Times, de Londres, publicar documentos comprovando que a República Islâmica estaria próxima de conseguir fabricar sua sonhada bomba nuclear.
A resposta do governo Ahmadinejad-Khamenei mostra como tem sido o comportamento do país quando se sente ameaçado. Afinal, uma das interpretações dadas à matéria é de que a alternativa militar está mais viva do que nunca. Nem Israel, nem os Estados Unidos trabalham com a possibilidade de um cenário internacional onde seja uma realidade lidar com um Irã com capacidade nuclear.
É possível perceber também que, ao mesmo tempo em que Obama faz questão de deixar claro que ainda prefere negociar com o Irã a apoiar logisticamente um ataque israelense, a situação mudou bastante desde as eleições iranianas de junho e a consequente resposta de Teerã à oposição interna.
Washington tem dado sinais claros de que, mesmo se mantendo aberto ao diálogo, há esforços concretos na aplicação de sanções. Foi assim quando no mês passado os EUA articularam politicamente junto a seus aliados a aprovação de uma condenação ao programa nuclear iraniano na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). E foi essa a mesma posição adotada após a divulgação de imagens do teste de ontem.
Na prática, o governo Obama já assume que o caminho para dialogar com Ahmadinejad é cada vez menos possível. A cúpula da República Islâmica respondeu negativamente a todos os convites de diálogo direto com os Estados Unidos. E vai continuar a fazê-lo por conta da estratégia escolhida – e altamente arriscada, diga-se de passagem – de usar a ameaça externa como propulsor de união nacional. A provocação de ontem foi mais um pilar para chegar ao sonhado momento em que iranianos sairão às ruas gritando slogans enaltecendo a coragem de Ahmadinejad em desafiar o "grande satã" (EUA) e o "pequeno satã" (Israel).
Esta é a tática mais velha do mundo e a história mostra que ela consegue funcionar muitas vezes. Acho que não vai ser diferente agora, mas no cenário atual uma guerra aberta no Oriente Médio colocando Israel e Irã frente a frente vai causar muita destruição. Em abril deste ano escrevi que possivelmente haveria um ataque militar ao programa nuclear iraniano. Infelizmente, acho que essa previsão está cada vez mais perto de se tornar realidade.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os assessores de imprensa voluntários de Ahmadinejad

Recebi ontem de um amigo um texto escrito por Jeremy R. Hammond no blog do site do Foreign Policy Journal. O objetivo do autor é descredibilizar o diário Times, de Londres, responsável por uma das grandes reviravoltas internacionais da semana ao afirmar ter tido acesso a documentos secretos iranianos que provariam que a República Islâmica estaria a ponto de conseguir produzir sua bomba nuclear. Inicialmente, não vou entrar no mérito da matéria publicada pelo jornal inglês, nem muito menos me empenhar em tirar a credibilidade de Hammond. Meu ponto de interesse é outro; o fato é que o Irã, mesmo sem fazer qualquer esforço nos EUA ou na Europa, consegue eventualmente que voluntários partam na defesa de algo que por si só deveria ser condenado: o seu programa nuclear.
Não creio que ao escrever este artigo Hammond busque uma espécie de justiça internacional. Até porque não me parece que este seja um objetivo capaz de levar pesquisadores, estudiosos ou jornalistas a se debruçar sobre um tema e emitir opiniões sobre ele. O que considero interessante é a defesa venal feita pelo autor dos argumentos iranianos; para ele, Teerã quer construir usinas nucleares apenas para fins pacíficos e a polêmica frase de que "Israel deveria ser varrido do mapa" - repetida algumas vezes pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad - é fruto de um "erro de tradução".
"Em primeiro lugar, a citação acabou sendo traduzida de maneira ambígua. Na verdade, quando esta declaração foi feita, Ahmadinejad falava da necessidade de regimes opressores caírem - além de Israel, ele citou o Iraque de Saddam Hussein e o Irã do Xá (Reza Pahlevi) como outros exemplos", escreve.
Ora, este me parece um argumento absolutamente ingênuo. Afinal, se o mundo inteiro entendeu errado que a intenção do presidente iraniano era de "varrer Israel do mapa", por que Ahmadinejad não fez um outro pronunciamento ou divulgou comunicado oficial explicando esta situação e afirmando não ter a intenção de "varrer Israel do mapa"? Ou por que não contestou esta declaração nas inúmeras vezes em que esteve no ocidente? Ou mesmo quando discursou na ONU? Seria simples mudar esta "percepção" equivocada. Aliás, não seria apenas simples, como poderia ser um movimento interessante e apaziguador, um gesto de boa vontade de aproximação pacífica com Estados Unidos e União Europeia, por exemplo.
Mas, como se sabe, nada disso foi feito. Muito pelo contrário. Quando o Irã foi alvo de condenação na Agência Internacional de Energia Atômica, respondeu dizendo que não somente não iria interromper seu programa nuclear, como estava pronto para ordenar a construção de mais dez usinas atômicas. Definitivamente, este não é um movimento em direção à conversação ou à busca de um entendimento.
Além disso, algumas outras articulações internacionais iranianas não foram lembradas por Jeremy R. Hammond. Por exemplo, nada foi dito sobre o apoio dado por Teerã ao Hamas, em Gaza, e ao Hezbolah, no Líbano. Não me parece que armar os dois grupos possa ser interpretado como um gesto pacífico em nome da estabilização do Oriente Médio.
Em relação à matéria do Times, acho que existe sim muita especulação sobre o programa nuclear iraniano. Pode ser que as fontes ouvidas pelo jornal não sejam confiáveis. Mas não acredito que um veículo de imprensa com tanta tradição na Europa colocaria toda sua credibilidade à prova em nome de "propaganda para a política externa americana", como dá a entender Hammond.
Acho que sempre é missão do leitor ou do analista buscar fontes primárias. Mas no caso do Irã, por exemplo, isso é absolutamente impossível. Como as respostas da República Islâmica a acusações deste tipo têm normalmente adotado o padrão de subir o tom e ameaçar seus críticos, não resta outra alternativa a não ser desconfiar dos propósitos do programa nuclear iraniano. O resto soa como ingenuidade e um tanto de assessoria de imprensa voluntária.

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sebastián Piñera pode ser novidade política no Chile

Não há qualquer dúvida de que Chile e Brasil são países muito diferentes. Mas os resultados das eleições por lá podem servir como um exercício interessante para prever cenários por aqui. Ou melhor, para toda a América do Sul. Afinal, no continente as grandes mudanças políticas costumam acontecer de forma simultânea. Foi assim quando os militares tomaram o poder, quando a democracia foi restaurada, quando líderes de esquerda foram eleitos nos principais países. E agora, qual será o próximo passo?

A vitória do empresário Sebastián Piñera no primeiro turno das eleições chilenas pode até ser revertida pelo candidato de esquerda e ex-presidente Eduardo Frei. O segundo turno acontece no próximo dia 17 de janeiro, mas a simples ascensão de Piñera a favorito no pleito já é por si só um fato importante da política sul-americana. Até porque acontece pouquíssimo tempo após a reeleição de Evo Morales, na Bolívia, e da eleição de José Mujica, no Uruguai, dois nomes importantes no quadro de renovação da esquerda do continente.
Todo este contexto faz com que o êxito de Piñera possa ser considero ainda mais estranho aos rumos dos demais países. Mesmo internamente, sua vitória é avaliada como uma quebra de paradigma. Afinal, a atual presidente, Michele Bachelet, do Partido Socialista, tem seu governo aprovado por 78% dos chilenos.
Ou seja, a previsão é que ela fosse capaz de transferir esse respaldo popular para o candidato apoiado por ela. Mas Eduardo Frei ficou 14 pontos atrás de Piñera, mostrando que o eleitorado não faz escolhas automáticas. Além de tudo isso, caso Piñera realmente saia vitorioso em janeiro, será a primeira vez, desde o fim da ditadura militar de Pinochet, em 1990, que um candidato de direita assumirá a presidência do país.
Piñera tem um perfil curioso para os padrões do Chile e mesmo da América do Sul. É um bilionário que ocupa a posição de número 701 no ranking das pessoas mais ricas do mundo da revista Forbes; é o maior acionista da Lan Chile - a companhia áerea mais importante do país -, dono do canal de televisão Chilevisión e do Colo Colo, clube mais popular (uma espécie de Flamengo local, muito embora não exista nada tão grande quanto o Hexacampeão brasileiro, mas essa é outra discussão).
Duvido muito que Piñera provoque uma revolução política no resto do continente. Talvez ele seja apenas a exceção que confirma a regra. Mas é curioso trabalhar com a possibilidade de que um dos mais desenvolvidos países da América do Sul - para se ter noção, as políticas públicas realizadas pelos governos de esquerda conseguiram reduzir a pobreza de 45%, em 1990 para 13% hoje e aumentar a renda per capita para 14 mil dólares ao ano (no Brasil, ela é de 10 mil dólares) - seja governado em breve por uma espécie de Silvio Berlusconi menos afoito sexualmente (pelo menos até que se prove o contrário).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Governo do Paquistão corre risco de cair

Os ataques terroristas que deixaram mais de 50 mortos e outros 150 feridos no Paquistão nesta semana mostram como a situação no país vai de mal a pior. A verdade é que a estrutura de terror instalada há anos por lá acabou por vir à tona graças à invasão do Afeganistão, em 2001. Agora, este problema que cabe aos EUA resolver talvez se mostre tão ou mais complicado do que derrotar o Talibã.

Isso porque Washington vai se deparar com um dilema crucial para a política externa americana: confiar que o presidente Asif Ali Zardari conseguirá ter forças para controlar os radicais que formam parte da cúpula de segurança paquistanesa ou então invadir o Paquistão e, além de abrir mais uma frente de batalha no sudeste asiático, jogar para o alto a frágil aliança que mantém com Islamabad.

Acho que, para evitar esse problema, Obama simplesmente vai tentar levar a situação do jeito como está enquanto pode. A questão é que, ao seguir por este caminho, dá um tiro no próprio pé na medida em que praticamente inviabiliza qualquer chance de vitória no Afeganistão. Afinal, os teóricos de guerra americanos consideram impossível derrotar o Talibã enquanto a região de fronteira com o Paquistão permanecer como zona livre para os terroristas afegãos.

Os Estados Unidos talvez venham a enfrentar os resultados da medida que colocaram em prática ao aprovar no ano passado uma lei impedindo que os recursos financeiros sejam repassados diretamente para a estrutura militar paquistanesa – controlada por radicais que não escondem a simpatia nutrida pelo Talibã e por sua ideologia.

Não por acaso cada vez mais o Paquistão tem sido alvo de ataques terroristas. Não há dúvida de que se tratam de atos cometidos pelo Talibã, mas com a complacência dos oficiais da ISI, as forças de segurança paquistanesa. A situação do governo de Zardari é tão grave que existe a real possibilidade de um golpe militar. É o que sustenta Tarek Fatah, ex-ativista paquistanês e fundador do Congresso Muçulmano Canadense.

"O exército (do Paquistão) vê com suspeita e alarme os esforços do governo de apaziguar a situação no Afeganistão. Além disso, o estabelecimento de uma paz duradoura com a Índia poderia acabar com os motivos que justificariam a própria existência de um forte aparato militar paquistanês", escreve em artigo publicado no canadense Globe and Mail.

Ou seja, Zardari está aos poucos secando não apenas as fontes financeiras que abastecem as ISI, como também minando a relação nefasta entre as forças de segurança e Talibã e al-Qaeda. Seguramente, tudo isso não vai ficar impune. A missão principal de Obama na região é evitar que um golpe militar deponha o presidente paquistanês e coloque todo o vasto arsenal bélico do país – que inclui armamento nuclear – nas mãos de grupos aliados de dois dos principais grupos terroristas da atualidade.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Evo está com sorte

Ainda sobre as eleições bolivianas, acho que é possível fazer um paralelo entre a carreira de Evo Morales e alguns, digamos, recursos naturais que acompanharam sua trajetória política: a água que marcou um de seus mais representativos - e desesperados - protestos (abordarei este assunto com a atenção que ele merece num próximo texto); o gás e o petróleo responsáveis por controversas decisões internas e externas (inclusive afetando a Petrobrás, é bom lembrar); e o lítio, elemento que sem a menor dúvida vai marcar não apenas seu novo mandato, como também todas as manchetes da imprensa nos próximos anos.

Pouco se fala nisso - não duvidem, este assunto vai se tornar cada vez mais comum daqui pra frente -, mas a Bolívia é o país que abriga hoje a maior reserva inexplorada de lítio no planeta. Esta é uma daquelas ocasiões em que os leitores costumam dizer "e daí?". O fato é que o elemento pode salvar não apenas a indústria automobilistica como, por consequência, mudar a balança de poder internacional.

O lítio será usado na confecção de baterias para os veículos elétricos que serão produzidos para gradualmente substituir os automóveis movidos a gasolina. Talvez isso explique o interesse do Irã na Bolívia. Por ora, sem a menor dúvida, fica claro que os olhos do mundo estão se voltando aos poucos para o segundo país mais pobre da América do Sul. Até porque, vale lembrar que o governo de Barack Obama decidiu emprestar 11 bilhões de dólares para empresas que pesquisem formas de reduzir a dependência americana ao petróleo.

Localizada no solo do salar de Uyuni, uma das mais belas regiões da Bolívia, estima-se que a gigantesca reserva de lítio tem capacidade de produzir baterias para mais de 4,8 bilhões de carros. A extração do recurso ainda não começou, mas há grandes expectativas de como a descoberta de uma commodity que será tão valorizada nos próximos anos poderá mudar para melhor o destino dos dez milhões de bolivianos.

Hoje as discussões são retóricas. Principalmente porque o país não tem dinheiro para construir as minas. E isso será uma grande questão para Evo, uma vez que essa dificuldade prática pode obrigá-lo a dividir esta riqueza com transnacionais. Para se ter ideia de como a Bolívia pode mudar a lógica do mercado, hoje 70% da produção de bens a partir do lítio é controlada por duas empresas: a norte-americana Rockwood, de Nova Jersey, e a chilena Sociedad Química y Minera de Chile.

No mundo globalizado, algumas empresas já se ofereceram a Morales para projetar, sem qualquer custo por ora, a mina de Uyuni: o bilionário francês Vincent Bollore - dono de uma fábrica de baterias e que planeja construir carros elétricos - e ninguém menos que a sul-coreana LG e as japonesas Mitsubishi e Sumitomo. Neste aspecto, o socialismo do século 21 de Morales aparentemente vai ter de se associar ao capital externo para garantir os lucros a partir do lítio.

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Evo Morales é reeleito com amplo apoio da população

Evo Morales recebeu a ratificação popular a seu projeto de construir uma nova Bolívia. Com mais de 60% dos votos, o presidente boliviano terá mais cinco anos de mandato pela frente. Muito mais do que ocupar o cargo de presidente por pretensões políticas pontuais, Morales pretende mudar os pilares da sociedade de seu país.

E ele tem obtido sucesso, como mostra o resultado das eleições. Por mais que sejam criticáveis suas alianças internacionais, hoje a Bolívia representa uma forma de gestão inédita no mundo, aliando reestrutuação política e social com eficácia econômica que agrada até mesmo ao FMI - por mais estranho que isso possa parecer.

As estimativas de crescimento econômico no país estão na casa dos 4% - taxa superior à média dos países sul-americanos. Além disso, as reservas monetárias chegam a 7 bilhões de dólares. Sem dúvida, um dos grandes responsáveis pelo sucesso do governo Morales é o objetivo pelo qual ele foi eleito pela primeira vez: mudar a balança de poder injusta da Bolívia.

Ou seja, melhorar a condição de vida dos mais de 60% de indígenas que compõem a população. E isso dá muito trabalho. Assim, uma série de medidas vem sendo tomada, como investimentos em programas de bem-estar social, educação e acesso à saúde. E, é claro, tudo isso gera emprego, renda e movimenta a economia.

Talvez por isso mesmo a Bolívia tenha conseguido taxas de crescimento positivas mesmo durante a crise; por definição, seu governo não credita todas as responsabilidades à mão livre - e, como se sabe hoje, incompetente - do mercado.

Ao contrário de teóricos que sustentam que o governo de Evo Morales é assistencialista, acredito que seja possível fazer uma leitura diferente deste momento: desde 2005, a Bolívia tem pela primeira vez um governo preocupado com questões fundamentais e urgentes para a esmagadora - e historicamente esquecida - parcela da população.

Talvez seja difícil compreender a situação da Bolívia porque por lá há mesmo uma relação clara ente o sucesso de brancos e a miséria da população indígena. Por aqui existe sim racismo, mas, para não morrer afundada em culpa, nossa sociedade prefere fingir que os negros não sofrem hoje as consequências de políticas racistas de outrora - só não vê quem não quer.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Os passos a serem seguidos para se tornar uma potência

Como mencionei ontem, acredito que o governo iraniano tenha duas grandes preocupações: conseguir legitimidade interna sufocando os que questionaram o processo eleitoral do meio deste ano; e se estabelecer como potência regional no Oriente Médio. Sinceramente, não sei se existe uma diferença de importância entre os dois projetos na visão de Teerã. Ambos são fundamentais para as aspirações geopolíticas do país e acabam se retroalimentando.
Mas uma lição ficou bastante clara para o governo da república islâmica após a controversa reeleição de Ahmadinejad: a simples repressão física não seria mais suficiente para conter as vozes dissonantes. Era preciso travar uma guerra interna para varrer do Irã a possibilidade de articulação de manifestações como as que ocorreram.
E aí entra em cena um programa que a cúpula de dirigentes do país vem chamando de "soft war" e confirma tudo o que Ahmadinejad disse quando esteve por aqui ("a era de confrontos militares acabou").
O Irã entra de vez no circuito de propaganda que os governos de todo o mundo – principalmente de países que enfrentam protestos internacionais – costumam chamar de "diplomacia pública". A diferença, neste caso, é que o objetivo vai além de explicar as razões de determinadas atitudes ou discursos iranianos no exterior. A meta é fechar o cerco internamente, uma vez que Teerã colocou a culpa pela revolta popular nas antenas parabólicas da BBC, muito comuns nas casas da classe média do país.
Uma companhia associada à temida Guarda Revolucionária adquiriu a maior parte das ações da empresa que controla as telecomunicações no Irã – provedores de internet e companhias de telefonia celular.
O líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, pretende “reislamizar” o sistema educacional, diminuir as influências seculares e "purificar" a mídia.
O ponto alto deste projeto está na criação de uma agência de notícias cujo nome deverá ser Atlas e usará como modelo os serviços da temida BBC e da Associated Press, com a diferença de difundir os ideais da revolução islâmica.
Aí sim, com o país unido em torno do pensamento de Khamenei e Ahmadinejad, o programa nuclear poderá ser a ameaça lançada contra as forças do exterior que ousarem questionar o Irã pela tentativa de obtenção de armas atômicas.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

20 porcento no urânio; 80 porcento de chances de ataque

E a semana se encaminha para terminar mais ou menos como começou: na tentativa de entender os princípios suicidas da política externa iraniana. E hoje isso está mais claro ainda principalmente após a declaração de Mahmoud Ahmadinejad, em Isfahan, no Irã, de que vai produzir combustível enriquecido a 20 porcento – o índice corresponde ao senso comum na comunidade internacional do necessário para abastecer um reator nuclear.
A reação que mais explica a situação é a de um diplomata da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que pediu para não ser identificado – por motivos óbvios, diga-se de passagem.
"Eles estão quase pedindo para serem atacados. Por definição, 20 por cento significa uso bélico", disse.
Desde que a discussão em torno de seu programa nuclear começou, o Irã opta por um jogo duplo. No exterior, garante que seus objetivos são pacíficos. Em casa, não hesita em subir o tom.
Está muito claro há algum tempo que o Irã pretende ser reconhecido como potência regional. Enriquecer urânio e quem sabe obter armas nucleares elevaria o país ao status de alguns de seus vizinhos que já possuem bombas atômicas ou são suspeitos de manter arsenais nucleares – casos de Índia, Paquistão e Israel.
Por isso, o governo de Ahmadinejad tenta ganhar tempo, enviando sinais ambíguos que confundem principalmente os países que pretendiam levar o Irã à mesa de negociações. Mas agora parece que a estratégia mudou. Após retornar de sua viagem em busca de aliados, o presidente iraniano mostra que talvez a cúpula de seu governo tenha decidido romper com esta estratégia e abrir uma escalada de provocações, justamente após a AIEA ter aprovado na semana passada o veto ao programa nuclear do país.
Ninguém sabe ao certo quais serão as consequências desta mudança de rumo. Em 17 de abril escrevi aqui mesmo que Israel atacaria o Irã até o final deste ano. Ainda acho que isso possa ocorrer, mas as probabilidades são menores por conta da compulsória desaprovação americana. Israel só atacará as usinas nucleares iranianas se Jerusalém considerar que o regime da república islâmica tem condições de representar uma ameaça na prática. Enquanto esta for uma hipótese retórica – um projeto, como é o caso – Israel não irá se expor à condenação internacional e de seu maior aliado.
O Irã no momento pretende unir sua população em torno do programa nuclear, uma vez que as feridas por conta das eleições presidenciais ainda estão abertas. O problema é que este jogo pode tocar fogo no planeta. Amanhã, abordarei mais a fundo essa questão.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sem grandes mudanças à vista

A estratégia de Obama para o Afeganistão é tão complexa, cara e demorada que é quase impossível acreditar no prazo que estabelece para iniciar o retorno dos soldados americanos aos EUA: 18 meses. Basta listar os desafios que a coalizão comandada pelos Estados Unidos enfrenta há oito anos. Se, depois de todo este tempo, o Talibã permanece ativo e domina grandes porções de território, o que seria tão diferente agora que levaria a crer que a estratégia poderia ser bem sucedida?

Para piorar, há oito anos Washington contava com grande apoio interno e externo para caçar bin-Laden – o esquecido objetivo inicial da campanha. Hoje, a situação é bem diferente. Boa parte da opinião pública americana considera que o governo deveria se empenhar em diminuir o desemprego – com taxa média superior à casa dos 10% -, por exemplo.

Definitivamente, o momento não é nada bom para Obama, cujo índice de aprovação caiu para 49% - 20 pontos a menos do que os 70% de sua posse. Mas o presidente americano não tem alternativas.

Não concordo com a opinião de que os EUA deveriam simplesmente deixar o Afeganistão. Penso que seria admitir perigosamente uma derrota para o fundamentalismo islâmico que teria consequências catastróficas em todo o mundo. A resistência Talibã seria um modelo a ser exportado para outras zonas de conflito envolvendo terroristas fundamentalistas. Mas tampouco acredito que seja função de Washington arcar com custos e riscos de criar um projeto de nação afegã, patrocinando inclusive o corrupto governo do presidente Hamid Karzai.

Talvez o dinheiro devesse ser investido no pagamento de salários mais atraentes para os que desejassem deixar as fileiras do fundamentalismo e se unir às embrionárias forças de segurança. Este me parece ser um caminho a ser seguido. Basta lembrar que os salários pagos pelos EUA atualmente estão na casa dos 100 dólares mensais, enquanto o Talibã oferece 300 dólares. Medidas pragmáticas como essa me parecem capazes de mudar a realidade em longo prazo.

Por ora, sabe-se apenas que os 30 mil soldados que Obama mandará para o Afeganistão irão contribuir para formar um respeitável contingente de quase 150 mil combatentes. Entretanto, esse número não vai ser eficaz sozinho, caso o "aliado" Paquistão continue a não reprimir os talibãs que circulam livremente na fronteira do país.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Intolerância à suíça

A decisão da população suíça de proibir a construção de minaretes muçulmanos no país é lamentável. Ela é simplesmente a demonstração pública de que o choque de civilizações propagado por radicais surte efeito.
A Europa mostra que não apenas quer se abster das questões internacionais, mas também regredir a um passado idílico onde a multiplicidade étnica, histórica e religiosa deve ser sempre interpretada como ameaça aos "verdadeiros" cidadãos europeus. Todo mundo sabe o que esse discurso significa, não é?
Quase 60% dos suíços foram favoráveis à proibição. Ela se torna ainda mais incompreensível quando se leva em conta que os muçulmanos representam apenas 4% da população, muitos dos quais imigrantes bósnios, kosovares ou turcos. Pior: todo este tumulto aconteceu por causa de apenas quatro minaretes.
A Suíça mostra o pensamento europeu de hoje. O estrangeiro, o que não apresenta características dos considerados europeus "legítimos" e o imigrante representam a ameaça. Mesmo que, conforme as estatísticas deixam claro no caso específico da Suíça, a presença islâmica no país seja bastante reduzida.
A campanha que terminou por aprovar o polêmico banimento se sagrou vitoriosa porque seus patrocinadores políticos conseguiram transformá-la numa espécie de referendo sobre o próprio futuro da Suíça. Assim, não estaria em jogo apenas a construção dos minaretes, mas o temor de que um dia a influência islâmica fosse capaz de implementar a sharia - o código de conduta muçulmano - ou as mulheres passassem a usar burca, por exemplo.
Parece piada, mas foram esses "argumentos" risíveis que terminaram por convencer 22 dos 26 cantões a votar pelo "sim". A estratégia da extrema-direita foi a mesma de sempre. O outro deve ser sempre demonizado; ele é sempre uma ameaça ao chamado "mito original".
O resultado deste referendo talvez resuma bastante o pensamento europeu contemporâneo – que, aliás, está expresso também na política externa da União Europeia. A resposta a este posicionamento virá aos poucos: gradativamente, as opiniões europeias sobre o cenário internacional terão menos importância. Outros atores tomarão seu lugar.