terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Os motivos que explicam o apoio irrestrito da Rússia à Síria

É ridículo o discurso mantido pelas autoridades da Rússia. Para Moscou, a aprovação de uma resolução da ONU condenando a Síria e exortando Bashar al-Assad a deixar o cargo pode levar o país à guerra civil. Apenas os inocentes podem creditar à amizade entre o Kremlin e família Assad o grande esforço coordenado pelos russos para evitar um posicionamento internacional mais firme. Não se pode levar a sério que a Rússia continue a se expor desta maneira devido somente a um motivo tão, digamos, pessoal. Não se trata disso, é claro.

Antes de qualquer comentário mais aprofundado, nunca é demais lembrar que mesmo uma condenação das Nações Unidas não obriga Bashar al-Assad a sair correndo do país. A ONU não foi constituída para ser uma espécie de governo mundial. Isso protege a soberania de seus membros, mas o lado ruim dessa história é justamente que a organização não pode fazer nada em situações como a que ocorre na Síria. Quer dizer, não pode fazer nada quando se pensa em discurso, claro. Não há lei que obrigue ditadores a deixarem seu cargos em nome de qualquer devoção pessoal ou jurídica a uma instituição multilateral. Até porque este pensamento exige tal sofisticação e desprendimento que se os ditadores levassem isso em consideração possivelmente não seriam ditadores, certo?

Agora, se a questão for aprovada e os membros do Conselho de Segurança toparem bancar uma ofensiva, aí não haverá jeito. Acho que existe sim a possibilidade de isso acontecer. Até porque a pressão está muito grande, uma vez que Assad perdeu a mão e já matou mais de 5 mil pessoas. No entanto, a ideia é protelar ao máximo uma ação do gênero por conta do grande prejuízo financeiro – nunca é demais lembrar que a Europa atravessa a pior crise em muito tempo –, das eleições americanas e, muito importante, das graves consequências regionais que um conflito na Síria poderia ocasionar – o regime sírio certamente iria recorrer a ataques a Israel, como represália, e uma operação militar no Oriente Médio poderia desencadear uma guerra maior, envolvendo não apenas a Síria, mas também Líbano, Iraque, Irã e Israel. E ninguém poderia prever como seria o papel da Rússia no meio de tudo isso, justamente porque ela se coloca como o último pilar de apoio a Damasco.

No entanto, a situação atual não é impossível de ser contornada, muito pelo contrário. O aparentemente estranho posicionamento de Moscou tem raízes não apenas nos laços de amizade históricos com a dinastia de ditadores da Síria, mas se explica também de maneira muito mais prática. A Rússia tem investimentos pesados no país. Mais de 6% das exportações de armamentos da Rússia em 2011 foram destinadas à Síria. Somente na área de extração de gás natural, os russos têm parcerias e instalações em território sírio no valor de 20 bilhões de dólares. Como sempre estiveram ao lado dos Assad, os dirigentes do país temem perder concessões e contratos. Além disso, o foco dos russos também está sobre a estratégica base de Tartus, na costa da Síria.

Tartus é a última base mediterrânea de Moscou. Sem ela, perderá o acesso ao Mar Mediterrâneo, mantendo-se isolada e restrita aos mares gelados de Ártico, Báltico e norte do Pacífico. Certamente, o Kremlin não vai se desapegar com facilidade e abrir mão de algo tão valioso. Os opositores a Assad e a comunidade internacional precisam atuar nos bastidores com firmeza. Ou para articular a derrubada de Assad e o fim de sua ofensiva contra a população civil ou para dar garantias aos russos de que eles não sairão perdendo com as novas configurações do país. Esta última opção é a melhor para evitar uma nova guerra no Oriente Médio.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O cenário atual do Irã e uma nova reflexão

De tempos em tempos, o Irã joga a isca para a comunidade internacional. O objetivo sempre é aliviar as pressões sobre o país, ainda mais neste momento de crise econômica profunda: a inflação sobe e parte do dinheiro some. A perspectiva de perder a plenitude dos recursos angariados com as vendas de petróleo – que respondem por cerca de 80% das exportações do país – certamente vai agravar ainda mais a situação na República Islâmica. Diante deste cenário, o presidente Ahmadinejad declarou publicamente que está disposto a conversar.

Mas como nada é simples no Oriente Médio, o líder iraniano foi claro o bastante ao dizer que conversar não significa interromper o programa nuclear. Na prática, Ahmadinejad quer ganhar tempo. Como ninguém quer simplesmente dialogar com os iranianos sem que haja qualquer possibilidade de evitar a continuidade do desenvolvimento nuclear de Teerã, é bem possível que o resultado de novas conversas seja exatamente o mesmo das anteriores; a permanência do impasse.

Como já escrevi bastante por aqui, negociar é aceitar intimamente que algo vai ser perdido. No caso específico da tentativa de diálogo entre o Ocidente e o Irã temos um problema sério neste aspecto: nenhum dos negociadores ocidentais quer assumir publicamente que estaria disposto a tolerar que os iranianos tenham capacidade nuclear; e nenhum representante iraniano quer se dobrar frente à demanda ocidental – justamente a interrupção do programa nuclear. Ou seja, ainda estamos longe de uma solução razoável.

Se há algo de positivo nesta situação é o fato de nunca antes uma figura do escalão de Ahmadinejad ter dito publicamente que está disposto a conversar. Por outro lado, certamente não será ele que protagonizará qualquer retrocesso. Simultaneamente a isso, é preciso dizer que o Irã já está sentindo os impactos das sanções (por mais que as europeias comecem somente a partir de 1 de julho). Segundo relatório do Institute for Science and International Security publicado nesta quarta-feira, é pouco provável que o país consiga obter armamento nuclear porque sua capacidade de enriquecimento de urânio permanece limitada. Este quadro não deve mudar ao longo do ano. Ainda de acordo com o relatório, o governo iraniano tem acusado o golpe provocado pelas sanções e realmente teme a possibilidade de um ataque israelense.

Talvez o Ocidente tenha alcançado seus objetivos em relação ao programa nuclear iraniano. No entanto, termino este texto com a brilhante reflexão lançada por Mark A. Heller, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv:

“Talvez valha a pena lembrar que o Império do Japão não atacou os EUA por ter sido fisicamente atacado pelos americanos, mas porque estava sendo esmagado economicamente (da mesma forma como acontece com o Irã agora) até o ponto em que concluiu que a guerra era preferível ao estrangulamento em câmera lenta”, escreve.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Nos EUA, partido Republicano segue a cartilha da derrota nas eleições presidenciais

Apesar da vitória do ex-presidente da Câmara dos Representantes Newt Gingrich nas primárias da Carolina do Sul, o jogo republicano que vai escolher o oponente de Obama ainda está completamente aberto. Restam 53 processos de seleção nos estados americanos e é bem provável que haja mudanças no meio do caminho. A primária da Flórida, que acontecerá no próximo dia 31, é fundamental, mas não decisiva sob aspectos políticos. Escrevi na semana passada sobre a vitória de Mitt Romney em New Hampshire. Acho que a disputa vai ficar mesmo entre ele e Gingrich, mas mesmo isso pode mudar.

Ambos os pré-candidatos à frente das pesquisas e com resultados favoráveis nas primárias estão envoltos em grandes escândalos. Romney está na parede por conta de sua carreira como empresário destruidor de empresas e, por consequência, de empregos. Gingrich tem em seu currículo algo que os americanos adoram julgar: uma trama sexual envolvendo a ex-mulher – a quem teria proposto um casamento aberto. Este é o tipo de assunto patético, mas que faz sucesso entre os eleitores republicanos e pode influenciar nas escolhas. Mais importante do que isso, no entanto, é a “consultoria” que ele prestou à Freddie Mac, empresa semiestatal de hipotecas que teve papel muito relevante durante a crise imobiliária dos EUA que deixou boa parte da população sem ter onde morar.

Seja como for, é importante dizer que há muita confusão nos conceitos. Por exemplo, a relação entre o movimento Tea Party e o partido Republicano é algo que não está claro nem mesmo internamente. E essas divisões internas entre os opositores de Obama serão certamente usadas favoravelmente pelos Democratas. “O Tea Party se popularizou espontaneamente entre americanos insatisfeitos com déficits, dívidas e desemprego, mas encontrou seu caminho entre o partido Republicano, cujos membros estavam furiosos pelas falhas cometidas na eleição presidencial anterior e céticos em relação a seus líderes”, escreve o comentarista Gerald F. Seib, no Wall Street Journal. O colunista praticamente inventa um mito de criação grandiloquente do Tea Party e de sua interseção com os republicanos. A verdade é que não foi bem assim. Aliás, esta espontaneidade jamais existiu e a tomada do partido Republicano pelo Tea Party está longe de ser unanimidade mesmo entre os membros da legenda.

Na raiz de tudo isso está o profundo ódio de parte dos republicanos a Barack Obama. Obcecados em vencer as próximas eleições a qualquer custo, os pré-candidatos do partido têm deixado de lado o principal: a apresentação de propostas, planos e sugestões para melhorar a vida dos cidadãos. Assuntos importantes têm sido deixados de lado, como o caso da reforma da lei de imigração, por exemplo. No final das contas, acabo por retornar à relação entre o Tea Party e o partido Republicano para explicar esta falta de ideias; parte dos americanos foi seduzida pela “vasta” lista de sugestões do movimento: redução da participação do governo, redução de impostos, redução de planos sociais (até em áreas como saúde e educação). Como o Tea Party só determina o que deve deixar de existir, simplesmente se isenta de elaborar projetos. As prévias do partido Republicano mostram que hoje os pré-candidatos lutam para demonstrar unicamente que são capazes de derrotar Obama, não de governar os EUA.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

As distintas visões de Israel e do presidente Obama sobre o programa nuclear iraniano

Assisti a um programa num canal brasileiro de jornalismo sobre o atual confronto verbal entre EUA e Irã. Foi bastante interessante, mas um dos entrevistados – um professor universitário francês – proferiu uma das maiores bobagens sobre o assunto (com todo o respeito): ele disse que o dilema deste momento se encaixa na prática ocidental de “fabricação do inimigo”. Como assim? Desde que mantenho este espaço há mais de três anos, procuro me ater mais às análises e menos às minhas opiniões. Naturalmente, uma análise sempre é uma manifestação opinativa, claro. Mas não criei este blog para ser um reflexo narcisista de minhas visões sobre as questões. Seja como for, é preciso ser claro em minha resposta hipotética ao professor francês.

O Irã como ameaça ao Ocidente – e particularmente a Israel – não é uma “fabricação”, mas uma reação óbvia às próprias manifestações institucionais iranianas. A mais emblemática delas, e que não pode ser esquecida como se ela nunca tivesse existido, é o discurso do presidente Mahmud Ahmadinejad na ONU. Em tal ocasião, o líder político da República Islâmica disse que iria “varrer” um outro Estado membro das Nações Unidas (no caso, Israel) para fora do mapa. Esta afirmação foi repetida inúmeras vezes. E não foi “fabricada” por ninguém além do próprio regime iraniano.

Sobre um suposto ataque militar às instalações nucleares iranianas há mais um clima de expectativa do que sinais evidentes, é preciso dizer, e todos os principais interessados nisso negam qualquer planejamento. O ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, disse que a possibilidade de um ataque está muito distante. O presidente Obama diz o mesmo. Aliás, se tivesse de apostar, diria que os EUA só atacarão o Irã caso Israel decida agir unilateralmente. E, ao contrário do que se imagina, a viagem do chefe das forças armadas americanas, General Martin Dempsey (foto), a Israel deve ser mais para frear eventuais ímpetos israelenses do que para planejar o ataque conjunto, como muita gente vem especulando.

E é importante ter muito claro que os dois países têm visões absolutamente distintas sobre a ameaça iraniana. Ou melhor, Israel e o presidente Obama discordam sobre o assunto na origem mesmo. E a diferença é muito básica e com ela encerro este texto: para a administração atual da Casa Branca, não vale o investimento militar, econômico e político num ataque ao Irã porque os estrategistas do governo americano garantem que a República Islâmica não está produzindo armamento nuclear neste momento e sequer teria chegado a uma decisão clara quanto a isso. Para Israel, o momento iraniano faz diferença, mas ele não é o ponto fundamental da questão. Para os israelenses, a simples capacidade do regime de Teerã de poder produzir armamento nuclear já altera fundamentalmente – e perigosamente, sob o ponto de vista do Estado judeu – o equilíbrio geopolítico do Oriente Médio. Isso, por si só, já é uma questão de sobrevivência para Israel e, obviamente, justificaria o ataque.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O ponto alto da nova crise no Oriente Médio

A guerra generalizada no Oriente Médio que todos temem nunca esteve tão próxima de acontecer. Há uma série de fatores que apontam este caminho, infelizmente. É muito pouco provável, no entanto, que os EUA topem levar adiante um ataque terrestre ao Irã. A disputa presidencial americana e os muitos riscos – políticos e financeiros – que envolvem tal operação podem impedir que tal esforço militar seja concretizado. Mas, que fique claro, é muito provável que manobras alternativas sejam efetuadas porque os projetos geopolíticos de americanos e iranianos nunca estiveram em rota de choque como agora.

Vamos a eles, antes de mais nada: os EUA sempre defenderam seus aliados na região, mantendo a hegemonia de Israel, mas também protegendo os regimes sunitas. Este equilíbrio favorável aos americanos está prestes a se perder, uma vez que há chances reais de o Irã alcançar a virada com a qual seus líderes sonham. A saída americana do Iraque deixou um vácuo que pode ser preenchido pelas alianças entre os xiitas locais e a cúpula política e religiosa do vizinho islâmico (o próprio Irã, a maior potência xiita do planeta). Além do Iraque, os iranianos podem contar desde já com Hamas, em Gaza, Hezbollah, no Líbano, e a Síria – todos localizados nas fronteiras de Israel.

Ao contrário do que todo mundo imaginava – eu, inclusive – Bashar al Assad ainda não caiu. Este é um pilar de grande importância ao Irã. Se o presidente sírio se mantiver no cargo e continuar a sustentar seu poder, o Irã estará fortalecido mais do que nunca. Se os planos correrem como Ahmadinejad e Khamenei imaginam, os iranianos terão o seguinte quadro de influência, alianças políticas e suporte econômico: Síria, Iraque, Hamas e Hezbollah. Isso sem falar que, apesar das pressões americanas, Japão, Índia e China não parecem dispostos a deixar de comprar o petróleo da República Islâmica.

Ao mesmo tempo, nesta semana, o general Amir Eshel, chefe do planejamento estratégico das forças armadas israelenses, admitiu publicamente – até como forma de jogar a bola para o lado dos EUA – que Israel não terá como se movimentar militarmente com a desenvoltura atual, caso os iranianos de fato consigam produzir armamento nuclear. Isso faz sentido, uma vez que Hamas e Hezbollah (localizados nas fronteiras sul e norte de Israel, respectivamente) se sentirão seguros para provocar com maior tranquilidade, na medida em que poderão se garantir por uma eventual bomba atômica iraniana. Eshel assume que a estratégia levada adiante por Ahmadinejad é de certa maneira vencedora.

A única questão que não pode ser esquecida neste caso é o fio-condutor da geopolítica israelense desde a criação do Estado judeu e que supera divergências partidárias: em nome da sobrevivência do país, nenhum outro ator regional pode chegar a ter o poder de superar – ou mesmo igualar – a capacidade militar de Israel a ponto de ameaçá-lo. Este é um fator importantíssimo e que não pode ser desconsiderado. Na prática, ele significa que qualquer gabinete israelense deve impedir que tal configuração se torne realidade. Por conta disso tudo, acho que teremos mais movimentações regionais num futuro muito breve.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Mitt Romney e a esquizofrenia americana

O empresário e candidato a candidato Mitt Romney já entrou para a história ao se sagrar o primeiro republicano a vencer o caucus de Iowa e a primária de New Hampshire. O caminho está sendo trilhado e Romney tem tudo para ser escolhido como o desafiante a Barack Obama nas eleições gerais de novembro. Ele também lidera nas sondagens com eleitores que participarão das próximas primárias (Carolina do Sul no dia 21 e Flórida, dez dias depois). Romney é um exemplo de como os EUA estão divididos quanto aos culpados pela crise econômica e também quanto às soluções possíveis para acabar com ela.

O que talvez explique os motivos deste racha é justamente algo que a sociedade americana não gosta muito: ideologia. Por mais que democratas e republicanos não levantem bandeiras ideológicas muito complexas, nos últimos quatro anos o país busca entender os motivos da crise ao mesmo tempo em que procura alternativas. Todo este grande movimento político também desencadeou expressões populares ou pretensamente populares.

O “Occupy Wall Street” é um exemplo de tentativa popular de responsabilizar a cobiça de executivos de empresas privadas pela situação. Ele é mais complexo, na medida em que apresenta argumentos que me parecem mais plausíveis e honestos quando se trata de apontar os verdadeiros culpados pela crise econômica: cortes de investimentos em programas sociais e redução dos impostos dos mais ricos, entre outros. Já o outro lado desta moeda é o “Tea Party”, iniciativa que não nasceu a partir das demandas das pessoas comuns, mas de empresários e políticos que perceberam a oportunidade de angariar apoio popular a partir do mais óbvio: um corte profundo de impostos (para todos. Inclusive, é claro, beneficiando a parcela mais rica dos cidadãos americanos).

Romney acaba por se encaixar nesta grande confusão que é atualmente a disputa política americana e, mais especificamente, o próprio partido Republicano. Nem mesmo os outros pré-candidatos da legenda o consideram como alguém que ostenta uma biografia capaz de representar valores republicanos para além do simples corte de impostos.

Romney tem em sua trajetória um episódio muito mal explicado, principalmente quando se leva em consideração que um dos principais projetos dos republicanos seja a criação de empregos: segundo fontes ouvidas pela imprensa, durante o tempo em que trabalhou na Bain Capital (empresa de investimentos da qual foi um dos fundadores), uma de suas práticas era a demissão maciça de funcionários das companhias que adquiria. É estranho que um pré-candidato que se apresenta como alguém que sabe como criar muitos empregos tenha este tipo de prática em sua biografia. No entanto, mais estranho ainda é que eleitores que abertamente tenham na criação de empregos sua principal demanda deem a Romney seguidas vitórias nas primárias do partido Republicano.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A tensão entre EUA e Irã

Os elementos de atrito entre EUA e Irã não param de aumentar. Ainda não está claro o quanto se trata de bravata de ambas as partes, mas a situação lembra um pouco a Guerra Fria: ameaças, disputa por influência, articulações e busca por alianças. Até antigos slogans foram resgatados. Aliás, de uns tempos para cá, a política internacional voltou a adquirir esta roupagem vintage. O termo “Guerra Fria” já vem sendo usado no Oriente Médio para nomear a batalha cada vez menos silenciosa entre sunitas e xiitas (e entre sauditas e iranianos, mais especificamente).

No caso particular da “Guerra Fria” entre americanos e iranianos, o presidente Mahmoud Ahmadinejad tenta a todo custo escapar dos efeitos das sanções internacionais – cuja aplicação tem sido abertamente coordenada pelos EUA. É preciso perceber a estratégia de Washington como um jogo de gato e rato para frear as ambições nucleares da República Islâmica. É claro que o cerco ao programa nuclear do Irã tem efeito limitado, uma vez que há alternativas comerciais além das transações com o Ocidente (a União Europeia deve aderir também): Índia, China e outros grandes compradores asiáticos devem prosseguir com a importação de petróleo, dando um respiro à economia iraniana.

Os passos estratégicos em curso neste momento mostram como o governo Ahmadinejad decidiu agir. Escrevi na semana passada que a América Latina representava uma alternativa de escape. E por isso o presidente do Irã optou por visitar parceiros no continente (Venezuela, Nicarágua, Cuba e Equador). É uma tentativa de viabilizar a manutenção econômica do país diante das restrições que estão por vir. Mas não se trata somente de aprofundar acordos já existentes. A ideia iraniana é aplicar o mesmo padrão ideológico de sua política externa para fugir das sanções.

Ou seja, estabelecer relação com líderes latino-americanos que têm em comum uma péssima relação com Washington representa uma busca por um verniz ideológico às ações iranianas. Assim, Ahmadinejad procura dar legitimidade a seu programa nuclear numa escala global, transformando-o numa arma internacional contra o “imperialismo americano”. O presidente iraniano percebeu que este discurso ainda tem seu público – principalmente na América Latina. E se os EUA têm no continente um espaço de atuação histórico, este tipo de atitude acaba por se transformar numa espécie de enfrentamento direto ao poderio político norte-americano. Diante deste quadro, a dúvida é saber como irá terminar esta escalada de ações, discursos e empreendedorismo nuclear.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

As novas diretrizes americanas

A nova estratégia militar americana divulgada pessoalmente pelo presidente Barack Obama certamente será mais um tema-chave da campanha presidencial. Os cortes são bastante expressivos. A ideia é que representem 8% da verba de defesa atual e que totalizem 487 bilhões de dólares ao longo dos próximos dez anos. É claro que os republicanos são contrários. Seus pré-candidatos levantam bandeiras que estão absolutamente na contramão das intenções de Obama. Algumas das propostas dos últimas dias dão conta de um aumento dos gastos de defesa de maneira permanente, acréscimo de 100 mil soldados no efetivo e até invasões terrestres em Síria e Irã.

O recuo estratégico de Obama vai além das obviedades das restrições econômicas que os EUA enfrentam. Representa também uma tentativa de retorno a seu passado recente, quando apareceu de maneira fenomenal no cenário político americano e internacional como uma possibilidade de mudança real. Nos últimos quatro anos, o presidente atuou de forma mais convencional do que se esperava. Por isso, deixou para o final da festa a sua versão reloaded: o fim da Guerra do Iraque – por mais que a guerra continue, os soldados americanos deixaram o país – e, finalmente, essas novas diretrizes.

Nada disso foi planejado desde o começo, é bom dizer. As circunstâncias contribuíram para este posicionamento. Por exemplo, a intenção inicial dos EUA era deixar mais tropas no Iraque, mas o parlamento iraquiano barrou essas expectativas. No caso do novo orçamento de defesa, a crise econômica juntou as partes soltas. Para completar, a ascensão chinesa e a possibilidade real de os EUA ficarem cada vez mais distantes dos negócios e do acesso ao Mar do Sul da China estão no centro desta nova estratégia. Obama não é bobo e, diante do quadro cada vez mais favorável à China, optou por realocar soldados e equipamentos militares. Para que manter 80 mil homens na Europa se o centro do comércio mundial está cada vez mais estabelecido na Ásia?

Eu não escrevi errado. A estratégia militar não está de nenhuma maneira desvinculada das ambições econômicas. Justamente porque o eixo se deslocou para a Ásia e os americanos enfrentam a lenta recuperação da crise, os EUA não querem deixar a região nas mãos dos chineses pura e simplesmente. O problema é que Beijing naturalmente percebe as pretensões americanas e se sente ameaçada. Tanto que, após a divulgação do orçamento de defesa, a Xinhua, agência de notícias oficiais da China, divulgou nota que deixa claro a posição do país: “o militarismo american pode colocar a paz em risco”. A mensagem está bem clara, certo?

Em breve analisarei esta nova postura de Obama com maior profundidade. Até porque se trata de uma tentativa de fortalecimento da imagem idealizada do presidente americano às vésperas das eleições.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A ingrata situação do Irã

Na segunda-feira, escrevi sobre o conturbado início de ano para o Irã. A situação está cada vez pior para o governo de Mahmoud Ahmadinejad, uma vez que a pressão internacional sobre seu programa nuclear só tem aumentado. Além das sanções impostas em 2011, o presidente Barack Obama ordenou restrições ao Banco Central iraniano, o que afunda ainda mais o regime de Teerã, restringindo suas movimentações comerciais e econômicas.

O rial, a moeda do Irã, já atinge 35% de desvalorização e, apesar das declarações oficiais de Mahmoud Bahmani, diretor do BC local, de que o país tem reservas para mais de seis meses, a vida das pessoas comuns está ruim, muito ruim. Enquanto nas ruas os cidadãos fazem o que podem para obter moeda estrangeira, a marinha continua a realizar exercícios estratégicos no Estreito de Ormuz. Como escrevi, o assunto é tratado como grande trunfo contra as sanções, mas vale dizer que a parte sul da passagem é reconhecida como “águas internacionais” e, portanto, o trânsito de embarcações civis é garantido.

Se fechar todo o Estreito de Ormuz, o Irã perderá a legitimidade de seu discurso. E, nunca é demais lembrar, os iranianos tratam legitimidade como questão estratégica: questionam a movimentação de navios americanos no Golfo, a ocupação israelense de territórios palestinos e buscam a sua própria para justificar a corrida pela hegemonia regional. Ou seja, a República Islâmica está envolvida numa daqueles situações ingratas: se não fizer nada, sua economia afunda; se lançar mão de seu único trunfo, perderá a legitimidade internacional, o que isolará ainda mais o país; e, para piorar, a única alternativa aceita pelo Ocidente é o recuo em seu programa nuclear, o que representaria a maior derrota política do governo Ahmadinejad.

Por conta disso tudo, os iranianos há algum tempo articulam alianças externas distintas. Os acordos de comércio assinados com os países latino-americanos são parte desta estratégia de escape. Tanto que a TV oficial iraniana já declara que a “cooperação com a região é prioridade para o regime”. Se este tipo de atuação poderia em tese representar um respiro diante das pressões, o momento em que o Irã vai precisar dela é problemático. Justamente o ano eleitoral nos EUA. Por mais que os americanos tenham praticamente abandonado a América Latina nos últimos quatro anos, qualquer atividade mais profunda dos iranianos no continente será notada. Principalmente pelos republicanos. E, para azar das autoridades da República Islâmica, os oficiais americanos ainda não engoliram o suposto contato entre membros da força Quds e gangues de narcotraficantes mexicanos no plano frustrado de assassinato do embaixador saudita em Washington, em outubro passado.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

2012: o novo embate entre EUA e Irã

O ano de 2012 começa com um assunto para lá de velho: as ambições nucleares iranianas e a incapacidade ocidental de encontrar meios para lidar com esta questão. Se o tema é batido, também é sistemática a maneira como Teerã conduz o jogo. Se com uma mão o governo de Ahmadinejad acena com a possibilidade de cooperar, com a outra procura enviar mensagens beligerantes a EUA e Israel. Nesta semana, assim como já ocorreu tantas vezes, a República Islâmica realiza exercícios militares no Estreito de Ormuz, passagem estratégica por onde em 2011 passaram 17 milhões de barris de petróleo por dia – quantidade equivalente a um terço da produção mundial.

Além de exibir seus mísseis de médio e longo alcances, o Irã ameaça fechar o Estreito de Ormuz em resposta às novas sanções contra seu programa nuclear. Num momento de crise profunda na Europa e de lenta recuperação da economia americana, este seria um golpe bastante significativo e que agravaria a situação no Ocidente. Se levarmos em conta a mínima racionalidade dos atores envolvidos, particularmente não acredito que os iranianos lancem mão deste recurso. Não porque nutram grandes sentimentos pelos países ocidentais, muito pelo contrário, mas porque esta estratégia serve mais como trunfo político do que como medida prática. Ela não resolve os problemas domésticos e ainda isolaria ainda mais o país, dando, inclusive, novos elementos aos EUA.

No entanto, este ano de 2012 promete acrescentar novos capítulos a este lenga-lenga. Uma das principais fontes de embates e discussões certamente será externa ao Irã. A campanha presidencial americana vai ser duríssima. E desde já o Irã é um dos focos dos debates na área de política externa. Se Obama pode se vangloriar da saída dos militares do Iraque e do assassinato de Bin Laden, os republicanos vão atacar o presidente com o prosseguimento do programa nuclear iraniano. O tema é especialmente doloroso a Barack Obama porque nos últimos quatro anos ele de fato não conseguiu encontrar meios de resolver este assunto. Não usou a temerária opção do ataque militar, nem tampouco encontrou argumentos capazes de solucionar este impasse através de negociação.

Para azar do presidente americano, seu “colega” israelense Benjamin Netanyahu conta com suas próprias armas retóricas: tem interesse em maximizar as discussões sobre o Irã para ganhar tempo nos assuntos regionais e adiar o máximo que puder uma solução definitiva com os palestinos; tem amplo acesso aos círculos políticos nos EUA e é admirado por boa parte dos congressistas em Washington; e, para completar, mantém péssima relação com Obama – ou seja, não hesitará em atuar nos bastidores para prejudicá-lo. Para Netanyahu (não para Israel, é bom deixar claro), o melhor que pode acontecer é a eleição de um presidente republicano. A sorte de Obama é que nenhum dos pré-candidatos do Partido Republicano possui minimamente a sua capacidade retórica. No entanto, é bom que fique atento às atitudes do governo de Ahmadinejad. Até porque o presidente iraniano sabe de seu poder neste período eleitoral e fará de tudo para chamar a atenção de forma a obter ganhos políticos e materiais.