segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Por que Ahmadinejad não vai ceder aos pedidos internacionais

Após condenação internacional na última sexta-feira, o Irã respondeu como ninguém gostaria que respondesse: optou pelo tom desafiador. O regime de Mahmoud Ahmadinejad não aceitou as críticas e se recusa a cooperar. Pior do que isso, Teerã diz que pretende construir mais dez usinas nucleares. Foi da própria emissora de tevê estatal do país a notícia de que o gabinete presidencial já teria votado a decisão de iniciar a operação.
Não tem jeito. Todas as estratégias adotadas até agora não surtiram efeito. Os organismos multilaterais jogam a bola para o lado iraniano; com a mesma intensidade, o regime da república islâmica a devolve. E com isso o tom bélico sobe rumo ao que parece ser um inevitável – e, sem qualquer dúvida, devastador – confronto militar.
"Se o Irã busca energia para fins civis, não haveria necessidade de se comportar de maneira tão furtiva e opaca", diz editorial publicado hoje pelo jornal libanês Daily Star.
E o caminho parece não ter volta. Afinal, seria ainda mais patético se a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recuasse. E isso não vai acontecer.
Segundo cálculo do Wall Street Journal, se de fato o Irã conseguisse construir dez novas usinas, o país teria à disposição 500 mil centrífugas. Por mais que este número não signifique nada num primeiro momento, ele faz sentido quando se sabe que, a partir disso, Teerã poderia produzir 160 bombas de urânio enriquecido. A cada ano.
O regime de Ahmadinejad não admite a possibilidade de ceder diante dos pedidos internacionais. Vale sempre lembrar que o presidente do Irã condicionou qualquer diálogo com os EUA a um pedido de desculpas de Washington pela participação do governo americano na derrubada do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, em 1953.
Ora, ninguém poderia imaginar que, somente a partir de uma votação da AIEA, Ahmadinejad passaria a colaborar. Seria preciso que deixar de lado todos os ressentimentos com o ocidente. E isso não vai acontecer. Até porque parte da política externa iraniana está baseada no confronto retórico com os países desenvolvidos – EUA e Grã-Bretanha, em particular. É este o espaço que o Irã ocupa no cenário internacional. Basta lembrar que Ahmadinejad deve assumir em breve a presidência dos países não-alinhados.
Resta saber, no entanto, qual será o limite dessa estratégia iraniana. Por mais "ressentimento" envolvido, não me parece que o Irã estaria disposto a um confronto de fato com Estados Unidos e Israel. Como Ahmadinejad sabe que até agora Jerusalém não conta com a aprovação de Obama para atacar – e o próprio Obama enfrenta grandes dificuldades no Afeganistão, inclusive com desaprovação interna da opinião pública norte-americana –, ele vai sustentar esta retórica desafiadora até que toda essa conjuntura internacional mude. E isso não deve acontecer em breve.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Programa nuclear iraniano sofre condenação internacional

A parceria entre os governos brasileiro e iraniano começa a render frutos políticos. Para Teerã, claro. Hoje, o Brasil foi um dos seis países a se abster de votar a resolução que condena o programa nuclear do Irã. Os "parceiros" de Ahmadinejad foram, além do Brasil, África do Sul, Egito, Afeganistão, Paquistão e Turquia. Venezuela, Cuba e Malásia se opuseram à decisão. Mesmo assim, no entanto, a resolução foi aprovada pelos demais membros que compõem a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) com placar final de 25 votos a três.

A mensagem que se coloca é a seguinte: a grande maioria dos estados ocidentais decidiu censurar o programa nuclear iraniano. A AIEA condena a construção secreta da usina de Qum e também o potencial militar do projeto atômico do Irã.

Alguns fatores causaram surpresa neste processo que culminou com a censura internacional ao governo iraniano: a enérgica reação do presidente da AIEA, Mohamed ElBaradei, que chegou mesmo a declarar que Teerã tem bloqueado o trabalho dos inspetores da agência; e também disse que seus esforços para revelar a verdade "chegaram a um final morto" - uma tradução ao pé-da-letra da expressão em inglês "dead end", usada por ele.

Outro aspecto interessante é o gesto ter recebido o apoio de Rússia e China, países aliados política e logisticamente do governo do Irã. O veto foi um trabalho conjunto de Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha, China e Rússia.

Acho que a atitude mostra o quanto Ahmadinejad está isolado. E não por acaso acontece na mesma semana em que o presidente iraniano visitou seus colegas em Venezuela, Bolívia e Brasil. A intenção é deixar claro que, ao contrário do que possa parecer, a comunidade internacional em peso – ou pelo menos a parte mais importante dela – condena o programa nuclear iraniano.

A estratégia internacional brasileira sofre um duro golpe na medida em que se afasta das expectativas acerca dessa questão. Mais ainda, coloca o Brasil no campo oposto. E o recado já havia sido dado quando o presidente Obama inusitadamente enviou um longo fax a Lula enumerando as preocupações americanas quanto a visita de Ahmadinejad. A carta foi recebida justamente às vésperas do encontro e pedia, dentre outros assuntos, que o líder brasileiro condenasse o projeto atômico de Teerã.

Como se sabe, isso não foi feito. E aí está o resultado de uma semana absolutamente crucial e polêmica no cenário internacional e para a política externa brasileira, em particular. Vamos aguardar quais serão os próximos passos.

Importante deixar claro que, mesmo tendo recebido Ahmadinejad na segunda-feira, acredito que não seria incoerente se o Brasil tivesse apoiado a resolução da AIEA de hoje. Simplesmente porque, em Brasília, Lula disse ser favorável ao direito de o Irã obter tecnologia nuclear, desde que para fins pacíficos. E o veto de hoje ocorreu justamente pelas dificuldades impostas aos inspetores internacionais, a preocupação de que o programa se transforme num processo militar e também por conta da usina secreta de Qum, descoberta através de fotos de satélite há dois meses.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ahmadinejad já está em guerra

Mahmoud Ahmadinejad continuou sua visita pela América do Sul. Em Venezuela e Bolívia, apenas reforçou os laços. Mas foi nos dois países que ele pôde finalmente relaxar e expor sem qualquer constrangimento suas opiniões polêmicas. Mais do que isso, recebeu apoio de Chávez, que aproveitou para ameaçar Israel. A verdade me parece cada vez mais que o Brasil acabou fazendo papel de bobo.
Há duas grandes correntes de pensamento que concordam e discordam da recepção de Ahmadinejad em Brasília; a posição oficial brasileira defende que é preciso conversar com todos os atores. O Itamaraty é pragmático, pretende ser reconhecido como um eventual mediador responsável e legítimo no cenário internacional - e principalmente no que diz respeito aos conflitos no Oriente Médio. Assim, como o Irã é indiscutivelmente uma potência regional, não é possível simplesmente ignorá-lo.
Os que se opõem à visita argumentam que receber o líder iraniano representa, mesmo que indiretamente, legitimar seu discurso e práticas antissemitas, homofóbicas e contrárias aos direitos humanos.
Acho que a discussão sobre a presença do presidente iraniano no Brasil é uma das questões que merecem uma abordagem totalmente despida de interpretações maniqueístas. Considero que tanto o argumento do governo quanto o dos opositores à visita de Ahmadinejad são válidos. Ou melhor, as razões apresentadas por Brasília para justificar a visita fazem sentido.
No entanto, penso que era sim importante que Lula tivesse optado por um discurso mais firme, condenado as práticas de Ahmadinejad e, mais importante ainda, todos os elementos de seu discurso. Mas o Itamaraty optou por silenciar em nome das pretensões brasileiras; e o presidente iraniano presenteou a audiência oficial com a promessa de apoiar a reforma do Conselho de Segurança da ONU com a concessão ao Brasil de um assento permanente.
No mais, olhando agora o giro sul-americano de Ahmadinejad como um todo, fica a péssima impressão de que o Brasil foi usado para ratificar as posições iranianas. Mesmo que essa não tenha sido a intenção do governo brasileiro - e tenho certeza de que não foi mesmo - entramos no bolo de Bolívia e Venezuela como países que legitimam a estreita visão de mundo do presidente iraniano.
Pode não parecer, mas Ahmadinejad está em guerra. A batalha da mídia busca conquistar corações e mentes em todo o mundo. E, como sabia o que a audiência brasileira gostaria de ouvir dele, o líder iraniano fez questão de se mostrar - ao menos enquanto esteve no Brasil - uma pessoa cordial, com objetivos pacíficos e como um mártir da luta contra o imperialismo americano.
Tanto que na segunda coletiva de imprensa que deu em Brasília declarou que a "era de ataques militares terminou". Ao ser perguntado se estaria pronto para responder a eventuais ofensivas militares de Israel e EUA, disse que os dois países citados representavam um "pensamento retrógrado".
A luta de Ahmadinejad é contra a enorme ameaça representada pela liberdade de expressão. Mas deixo este assunto para amanhã, já que é interessante demais e merece um texto próprio.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Tensão e chá-de-cadeira. Ahmadinejad no Brasil

Sou o primeiro jornalista a chegar à Esplanada dos Ministérios, em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília. Um grande espaço cercado por cones foi reservado para os protestos. A previsão era de mais de 300 pessoas que seriam favoráveis ou contrárias à visita do polêmico presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil. Por volta das 9h40, chega o primeiro grupo de manifestantes. São seis ao todo e vieram para prestar apoio à presença do líder do Irã.

Acelino Ribeiro é coordenador do Movimento Democrático Direto (MDD) e, por mais contraditório que pareça, vê na figura de Ahmadinejad um pacifista. Para ele, o presidente do Irã representa a luta contra o imperialismo americano. Ao mesmo tempo em que conversamos, seus quatro correligionários acenam positivamente com a cabeça. Acelino me explica que existe uma grande manipulação da mídia e, ao contrário do que todo mundo pensa, Ahmadinejad faz parte de um grupo de autoridades internacionais cujas palavras são seguidamente distorcidas pela imprensa. Este grupo inclui o ditador norte-coreano Kim Jong-il, o ditador líbio Muamar Kadafi e os presidentes Chávez e Evo Morales, aqui na América do Sul.

Logo em seguida, aproxima-se Faraj Hassan Ali, presidente do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino. Com a camisa negra castigada pelo sol de Brasília, ele admite que a passeata foi organizada às pressas, ao saber da presença de manifestantes contrários à visita do controverso presidente. Pergunto a ele o que pensa sobre as declarações de Ahmadinejad sobre "varrer Israel do mapa" e de que "desconhecia a existência de homossexuais no Irã".

"Todas as religiões combatem o homossexualismo. A imprensa usurpa as declarações do presidente do Irã", diz. "Acho que o processo de paz no Oriente Médio morreu. A única solução é mesmo acabar com o regime sionista israelense", completa, mesmo que suas declarações sigam na contramão da posição oficial da Autoridade Palestina.

A essa altura, já há duas ou três faixas pregadas no gramado da Esplanada dos Ministérios. "Brasileiros e palestinos saúdam o presidente Ahmadinejad e Lula e desejam vida longa por lutarem contra o imperialismo (EUA) e o sionismo (Israel)".

Já está claro que o conflito do Oriente Médio vai travar por aqui um de seus capítulos. Mesmo que as armas sejam os slogans de sempre.

O major Franco, coordenador de segurança pública encarregado, informa que o efetivo é maior do que o empregado normalmente. É fácil perceber a tensão nos rostos e ela é quase palpável no ar.

No palco da solenidade, nos salões do Ministério das Relações Exteriores, jornalistas correm para obter suas credenciais. O da Al-Jazira discute para entrar. Mal-sucedido, corre de volta para o gramado e entrevista os manifestantes pró-Irã. Uma questão de público alvo.

Por volta das 11h, começa a chegar o grupo dos opositores a Ahmadinejad. Eles vestem lenços verdes, em alusão a cor símbolo dos protestos aos resultados das últimas eleições presidenciais no Irã. Por aqui, no entanto, o líder do movimento é corretor de imóveis e mora em Goiânia. Faltou ao trabalho para protestar contra o programa nuclear do governo de Teerã e à intolerância contra homossexuais, membros da fé Bahai e dissidentes políticos praticada no país do Oriente Médio. "Aqui Não" é o nome dado ao protesto.

"Não somos contra o povo iraniano. Mas não podemos ser coniventes à censura que se pratica por lá. Acho que estamos tendo sucesso, já que conseguimos marcar presença em manifestações realizadas em 15 estados", diz Natan Cunha.

Um das pontas da faixa onde se lê "os membros da fé Bahai são perseguidos e mortos no Irã" é segurada por um menino de apenas 12 anos de idade. Ele está perdendo aula e diz que está aqui porque seu tio é um dos organizadores do evento. Mas, com tremenda rapidez de raciocínio, mostra ter aprendido direitinho os argumentos para condenar Ahmadinejad.

"Ele quer enriquecer urânio para fazer a bomba atômica. Não podemos deixar", afirma.

No meio da multidão, dois ex-servidores da Aeronáutica são os que atraem mais curiosidade. Reivindicam a reincorporação na força e levantam o público ao clamar por democracia. Depois deste episódio, os dois grupos de manifestantes parecem deixar a inércia e voltam a gritar seus slogans.

No caminho para o Palácio do Itamaraty, um homem moreno filma a passeata. Ao me aproximar, pergunto para qual empresa ele trabalha. Num inglês ruim, diz que só fala farsi - o idioma iraniano - e não está autorizado a conversar.

Na porta de entrada do Ministério das Relações Exteriores, constrangimento. Um manifestante pró-Ahmadinejad é barrado. Revoltado com a situação, questiona a funcionária do MRE: "Por acaso você é judia?".

No salão principal do Itamaraty, jornalistas e fotógrafos se acotovelam. Lula e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, conversam ansiosos à espera de Ahmadinejad. O presidente tenta descontrair e comenta sobre a rodada deste domingo do Campeonato Brasileiro. "Eu queria ter sido ponta-de-lança", brinca.

Os Dragões da Independência tomam posição. Nas ruas, a multidão grita palavras de ordem e as sirenes de carros oficiais apressados são acionadas. Mahmoud Ahmadinejad salta sorridente e sua comitiva caminha a passos lentos em direção a Lula e Amorim. Os presidentes se abraçam, posam para fotos e entram rápidos para reuniões a portas fechadas.

Só reaparecem novamente mais de duas horas depois. O encontro com a imprensa estava previsto para as 12h30, mas só começa às 15h22. Os jornalistas comentam que a distância entre as cadeiras de Lula e de Ahmadinejad é maior do que de costume. O presidente brasileiro bate repetidamente os dedos na mesa enquanto conversa baxinho com Celso Amorim.

Ao ser convocado para o pronunciamento oficial, Lula faz um discurso protocolar, com cada palavra sendo dita de forma a não provocar ainda mais eletricidade. Nada pode dar errado e o governo brasileiro não apresenta qualquer surpresa. Defende a obtenção de energia nuclear para fins pacíficos, celebra a diversidade étnica e religiosa no Brasil e reafirma a posição brasileira de buscar a paz no Oriente Médio. O que talvez constranja o líder iraniano é Lula lembrar a recente visita do presidente Shimon Peres ao Brasil. O presidente brasileiro mais uma vez se diz favorável à criação de um Estado palestino capaz de conviver ao lado de Israel sem ameaçar a existência e a segurança do Estado judeu.

Ahmadinejad discursa sobre as semelhanças entre Irã e Brasil e condena a ordem mundial que, segundo ele, pretende acabar com as características individuais dos países. Diz que o capitalismo é um fracasso e que há um plano para atacar as culturas autóctones. Ahmadinejad cutuca Israel ao afirmar que o sistema nascido após a Segunda Guerra Mundial já não funciona mais. Lula boceja e o ministro da Indústria e Comércio, Miguel Jorge, rodopia o celular sobre a mesa.

O clima de tensão parece ter ficado do lado de fora. Até porque existe uma simbiose entre as partes. Lula defende o direito iraniano de prosseguir com o programa nuclear; Ahmadinejad diz que o Conselho de Segurança das Nações Unidas deve mudar e incluir um assento permanente para o Brasil.

O clima ameno só é quebrado quando um jornalista questiona o governo brasileiro por mediar um tema tão polêmico. Lula se irrita um pouco e diz que a pergunta já foi respondida. Ahmadinejad pede a palavra e em dez longos minutos explica o programa nuclear de seu país, ao mesmo tempo em que mais uma vez culpa a imprensa por distorcer suas declarações, afirmando ter sido dele a iniciativa de trocar urânio enriquecido no Irã por combustível - a proposta não seria de Estados Unidos, Europa, Rússia ou ONU, como se acreditava anteriormente.

A repórter iraniana - da agência de notícias oficial do país - desperdiça a oportunidade e pede a Lula para que ele apresente sua visão acerca da ordem mundial. Lula ri e resume tudo o que seu discurso já explicara na abertura da coletiva. O próprio presidente encerra o evento: "Eu não sei quanto a vocês da imprensa, mas eu ainda não almocei", diz. Entre risos e aplausos, a entrevista termina sem grandes novidades, a não ser o anúncio da visita do presidente brasileiro a Teerã, entre abril e maio do ano que vem.

sábado, 21 de novembro de 2009

Atualização do post anterior

Lady Ashton, como é conhecida na Grã-Bretanha, pode ficar tranquila. Pelo menos por ora. Rússia e Ucrânia conseguiram resolver o impasse quanto ao preço para transportar o gás russo para o restante da Europa. Ou seja, a primeira representante europeia para assuntos internacionais após a ratificação do Tratado de Lisboa não precisou deixar sua posição de conforto para intervir. Pode permanecer em low profile. Ainda não foi desta vez que a UE foi incomodada pelos problemas do mundo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A Europa em fuga

Se o ex-primeiro-ministro Tony Blair era barbada para ser o primeiro presidente europeu, a UE respondeu a todos os lobbies, expectativas e apostas com a surpreendente escolha do atual primeiro-ministro da Bélgica, Herman Van Rompuy, e da comissária europeia de comércio, Cathy Ashton, para os cargos de presidente e ministro das relações exteriores, respectivamente. Para ser mais claro, dois digníssimos desconhecidos e figuras sem qualquer importância no cenário internacional.

Na primeira vez em que a União Europeia aponta seus representantes supranacionais com poderes de fato para falar pelos 27 países que compõem o bloco, a entidade opta por uma escolha conservadora. Este é o termo mais educado, digamos assim, para diagnosticar um sintoma desta nova dinâmica das relações internacionais. A Europa está em fuga.

A decisão tomada ontem à noite mostra que o subterfúgio será a nova norma da política externa europeia. É como se o recado enviado ao mundo fosse algo do tipo "não nos procure com seus problemas, deixe-nos em paz". E isso é evidente. Basta ler a primeira declaração de Cathy Ashton após ser eleita para o cargo:

"Vou buscar realizar uma estratégia de diplomacia tranquila", disse. Acho que a expressão em inglês que usou explica melhor seus objetivos. "Quiet diplomacy" foram as suas palavras. Ou seja, ela vai trilhar um caminho daqueles que preferem não ser notados, o chamado "low profile".

Ao que parece, o destino do mundo vai ficar mesmo para ser decidido por Estados Unidos, China, os Brics, os grupos terroristas e quem mais se habilitar. A Europa abre mão de sua posição.

A questão é que fingir que os problemas não existem não é suficiente para solucioná-los. Mesmo que a Europa adote essa estratégia, as ameaças estão aí. Aquecimento global, corrida nuclear, terrorismo, dentre outros, são questões das quais não se pode fugir. Cedo ou tarde, será preciso se deparar com elas. E agora, ironicamente, a Rússia mostra que está disposta a acordar seus vizinhos ocidentais. Hoje, os ucranianos decidiram aumentar o preço cobrado de Moscou para transportar o gás para a Europa ocidental.

Ou seja, se a UE não entrar de cabeça neste assunto, é bem capaz que os europeus sofram com a possibilidade de racionamento ou ausência total de gás durante o inverno. Não resta dúvida de que será uma grande oportunidade de Cathy Ashton pôr em prática seu conceito de "diplomacia tranquila".

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Visita de Obama à China foi positiva

A imprensa americana tem adotado um tom bastante crítico aos resultados da visita do presidente Obama à China. Acho que esta é uma visão equivocada e injusta. O que se poderia esperar do primeiro encontro entre os líderes das duas potências? Que Obama conseguisse mudar toda a visão do regime chinês sobre direitos individuais, liberdade de imprensa ou direitos humanos?
Talvez o próprio Obama esteja colhendo os frutos ainda da imagem que sua equipe de marketing construiu ao longo de sua campanha presidencial. Ele pode, mas não pode tudo. É o líder da maior potência do planeta, mas não um Messias político que em menos de um ano de mandato vai colocar o mundo inteiro nos eixos dos valores prezados pela sociedade ocidental.
Acho que a visita de Obama foi importante. Não apenas por ter conseguido um compromisso com Beijing de que o governo popular e comunista do país vai se aproximar do ocidente para resolver questões fundamentais, como a capacidade nuclear de Irã e Coreia do Norte e o aquecimento global. É melhor ter a China por perto do que isolada e ausente da comunidade internacional. É verdade que o presidente americano foi atraído para uma cilada e acabou por acaso ratificando o poder do país asiático de resistir às pressões externas.
“Num golpe de mestre, eles (os chineses) mudaram o paradigma de discussões, ao colocar em pauta o protecionismo americano e excluir das conversas os riscos globais representados por sua política cambial”, analisa em entrevista ao New York Times o pesquisador Eswar S. Prasad, especialista em assuntos chineses da Universidade Cornell, nos EUA.
Mas qual era alternativa? Ignorar a existência da China e de seu poder econômico? Projeções recentes apontam que em 2027 o regime comunista vai ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do planeta. E este é um dado que não poder esquecido e vai pautar as relações internacionais daqui pra frente. Não se pode prever como será um mundo com a China dando as cartas. Mas é imprescindível se aproximar do país, até para evitar uma aliança de Beijing com os demais Estados da região que igualmente não prezam direitos humanos, liberdade de imprensa e expressão, democracia etc.
Sobre a visita de Obama, penso que vale citar um trecho do artigo do colunista Hamish McRae, publicado no britânico Independent. O parágrafo abaixo resume bem a evolução das relações sino-americanas e, principalmente, o crescimento chinês.
“Em 1972, quando o presidente Nixon esteve na China, ele era o líder da maior economia do mundo iniciando relações diplomáticas com os líderes do país mais populoso do mundo. Agora, Obama é o líder da maior economia do mundo se encontrando com os líderes da segunda maior economia. Se, nos próximos 37 anos o presidente americano estiver na China, ele será o líder da segunda maior economia do mundo visitando a maior economia do planeta”.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Presidente palestino corre para salvar seu nome

Ainda dando continuidade ao assunto abordado ontem, é importante colocar no centro dos acontecimentos o presidente palestino, Mahmoud Abbas – que, aliás, estará no Brasil a partir de amanhã. Líder do Fatah e figura máxima da Autoridade Palestina, ele tem buscado reverter o mal momento político que vivia desde que aceitou empurrar pra frente as discussões acerca do Relatório Goldstone, documento que acusava Israel e Hamas de terem cometido crimes de guerra durante o conflito em Gaza, em janeiro deste ano.

O gesto pragmático que tomou em nome da contiuidade das negociações de paz não encontrou qualquer respaldo entre os principais grupos políticos palestinos. Pelo contrário, foi capitalizado pelo rival Hamas, que passou a acusar Abbas de ceder a Israel e Estados Unidos. O pragmatismo, muito elogiado no ocidente, foi execrado no Oriente Médio.

Talvez Abbas não imaginasse que sairia tão prejudicado da situação. E talvez por isso esteja jogando todas as suas fichas em limpar seu nome junto a seus compatriotas.

Assim, tem conseguido reverter o início de um processo que culminaria por inclui-lo no nada nobre panteão dos traidores da causa palestina. Por meio de declarações e gestos unilaterais, está conseguindo salvar a própria pele e ser novamente identificado como um símbolo de não-capitulação na Cisjordânia, mesma fama que seu rival Hamas usufrui em Gaza.

É claro que Abbas sabia que seria muito difícil obter apoio para seu projeto de declaração de independência unilateral. Nem mesmo a União Europeia – que politicamente está aliada aos palestinos – quis se comprometer. E esta promete ser uma tremenda saia-justa para o encontro agendado com o presidente Lula, na sexta-feira, em Salvador. Se o presidente brasileiro corroborar a iniciativa do colega palestino, irá se contrapor diretamente a EUA e UE, para os quais as negociações de paz não podem ser substituídas por medidas unilaterais.

Já o também membro do governo de Abbas, o negociador chefe Saeb Erekat, adotou discurso contrário. Disse que se Israel continuar a construir colônias na Cisjordânia, os palestinos devem buscar a alternativa de um Estado binacional, ou seja, um único país para israelenses e palestinos.
Erekat não é bobo e sabe que este é o maior temor de Israel, uma vez que, se a medida fosse adotada, na prática significaria o fim de Israel como Estado Judeu, por conta das taxas demográficas e de natalidade apresentadas pela população palestina. O fato é que as palavras de Erekat assustam bastante os israelenses e foram ditas muito mais para pressionar o governo de Jerusalém do que por convicção própria.

Em relação a este assunto, vale mencionar os resultados divulgados nesta semana por pesquisa realizada em Israel e nos territórios palestinos: 74% dos palestinos e 78% dos israelenses acreditam na solução de dois Estados para dois povos como forma de resolver o conflito.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A caminho da terceira intifada

É bem possível que algo de muito grave venha a ocorrer em breve no Oriente Médio. E mais especificamente entre israelenses e palestinos. Como muita calma costuma antecipar grandes tensões na região, esta lógica perversa deve voltar a funcionar. Mas há alguns motivos bastante claros para a erupção de uma terceira intifada palestina.

Estava tudo muito calmo por ali. Principalmente para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A economia cresce e se recupera da crise financeira, o turismo volta a apresentar índices bastante positivos, e, mais importante, os atentados terroristas estão sendo contidos. Nas fronteiras norte – Líbano – e sul – Gaza – bem ou mal os ataques de Hezbolah e Hamas, respectivamente, diminuíram bastante. Nunca nenhum governo israelense vai admitir, mas é claro que existe internamente um número a ser tolerado. Já se sabe que será bem improvável que este número chegue a zero.

O problema é que a situação é bem diferente nos territórios controlados pela Autoridade Palestina. Ou melhor, Gaza é quase um Estado soberano do Hamas e isso em parte explica a tensão crescente entre os palestinos – e também é um motivo que pode levar à coordenação de uma terceira intifada.

Mesmo após o congresso do Fatah, em agosto passado, não houve acerto entre o próprio Fatah e o Hamas. Pra completar, a incongruência dos dois ficou evidente após o fracasso da iniciativa egípcia de formalizar um acordo entre as partes. Some-se a isso a recusa do Hamas em participar das eleições gerais convocadas pelo presidente da AP, Mahmoud Abbas, que estavam marcadas para 24 de janeiro do ano que vem.

Ninguém sabe mais o que vai acontecer. O futuro da AP está a perigo e Abbas declarou que vai deixar o cargo. A escalada política que deve desaguar numa nova revolta palestina caminha a passos largos e segue também a mesma lógica que, off-record, justificaram as duas intifadas anteriores: somente a revolta popular seria capaz de pressionar por reformas políticas na estrutura de poder palestina.

A indiferença de Bibi à situação é ainda pior. Como continua se recusando a congelar a construção de assentamentos na Cisjordânia, oferece de bandeja um argumento que a comunidade internacional considera legítimo para a AP deixar a mesa de negociações e, pior, Abbas abandonar a política.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

América do Sul pode reeditar um mundo de 20 anos atrás

Talvez os venezuelanos saíssem em vantagem numa eventual guerra com a Colômbia, uma vez que já estão acostumados aos cortes de água e energia elétrica – situações comuns durante conflitos armados. Chávez pediu à população que se preparasse para “100 anos de guerra”. Um tanto exagerado, a meu ver. Mas, assim como o estranhíssimo episódio de espionagem envolvendo Chile e Peru, mostra que algo anda errado com os países vizinhos.

O melhor que o Brasil tem a fazer neste momento é aproveitar a ocasião. O governo Lula deve surfar na onda e confirmar a posição de unanimidade internacional de que o Brasil é, no momento, o mais prudente e moderado dos Estados da região.

As trocas de acusação entre Colômbia e Venezuela e Chile e Peru são retrógradas. Deixam a sensação de que esses governos ainda não perceberam que no mundo de hoje cooperação vale mais do que discursos nacionalistas; conhecimento científico e desenvolvimento econômico mais do que território. São essas as verdadeiras guerras que estão em jogo na América do Sul: a luta de alguns pelo retorno a um mundo que ruiu há exatos 20 anos.

É preciso ser ousado e convocar uma cúpula entre Colômbia e Venezuela. E talvez o Brasil fosse o melhor intermediário na disputa. Lula teria a dura missão de ser direto e impedir a guerra fria indireta e decadente que está prestes a acontecer bem do nosso lado.

Acho que o ocorrido entre Chile e Peru é um ponto fora da curva. Muito provavelmente fruto da antiga rivalidade entre os países e que, ainda hoje, ainda não está resolvida em boa parte por conta das demandas territoriais peruanas.

No caso entre Venezuela e Colômbia, no entanto, a disputa é pra valer. E os dois países saem perdendo logo de cara. Os colombianos porque deixar de fazer negócios com a Venezuela significa abrir mão de 7,6 bilhões de dólares ao ano; os venezuelanos porque ao não comprar de seu segundo maior parceiro comercial (os EUA são os primeiros, podem acreditar) deixam de receber componentes eletrônicos, bens agrícolas e químicos, comida e carros.

E adivinhem de quem Chávez promete comprar para substituir as importações da Colômbia: de Brasil e Argentina. Talvez isso explique o interesse da Venezuela em aderir ao Mercosul. E aí se configura um certo dilema para o governo brasileiro; o que valeria mais: mediar o fim das hostilidade ou buscar ser o substituto à Colômbia nas importações de Chávez?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

As coincidências voltaram

As grandes coincidências do Oriente Médio voltaram a dar as caras nas últimas duas semanas. E, como mencionei no texto de quarta-feira, o Brasil pode estar envolvido no polêmico episódio da apreensão de centenas de armamentos pela Marinha israelense no último dia 4, já que foram encontrados contêineres escritos em português ou espanhol – isso ainda não está claro e, portanto, é mais sensato optar pelo benefício da dúvida.

O que se pode fazer por ora é imaginar cenários capazes de explicar o ocorrido. Os fatos são os seguintes: o navio Francop, de bandeira de Antígua e Barbuda, carregava mais de 60 toneladas de mísseis, foguetes e armas antitanque. A embarcação operava sob disfarce de um navio de ajuda humanitária. Os contêineres exibiam as siglas IRISL (Islamic Republic of Iran Shipping Lines).

O último destino do navio era a Síria. Muito possivelmente, o armamento seria destinado ao Hezbolah. Cinco dias após a interceptação israelense, coincidentemente, o primeiro-ministro libanês, Saad al-Hariri, confirmou o retorno do grupo radical xiita ao governo do país, apesar de sua derrota nas urnas nas eleições de julho deste ano.

O Hezbolah simplesmente se utilizou de sua força política para impedir a governabilidade. E conseguiu; barrou a lei que institucionalizaria o desarmamento do grupo. A tentativa de tirar seu poder de fogo criou um impasse tão grande que o Líbano mergulhou no limbo político. E agora, quando o Hezbolah retorna ao governo, o país vai sair da inércia, mas com a grande perda de manter parte de seu território sob domínio militar do grupo xiita.

Em nome da mínima governabilidade, as forças pró-ocidentais que alcançaram uma vitória histórica este ano tiveram de recuar. É a mostra de que será preciso muita articulação política, paciência e, acima de tudo, tempo para diminuir o poder paralelo que na prática governa boa parte do território libanês.

E por causa desta bem sucedida virada de jogo no Líbano, Irã e Síria retomaram o envio de armas ao Hezbolah, que atua como satélite direto dos dois Estados na fronteira norte de Israel.

Esta é a possibilidade que considero a mais provável.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Lula ganha mais prestígio com visita de Shimon Peres

Não há dúvidas de que a visita do presidente israelense, Shimon Peres, ao Brasil pretende frear o estreitamento de laços do Irã com os demais países do continente. Este não é o único significado da estadia de um dos mais importantes e respeitados estadistas do mundo. Mostra também como o Brasil passou a ser um ator importante das relações internacionais neste início de século.

Aproximar-se do Brasil é também se associar ao Estado com o maior peso internacional da região. Além disso, o governo Lula representa hoje a administração mais racional na América do Sul e capaz de escolher parceiros menos por ideologia e mais por pragmatismo. Vale lembrar que o país é capaz de realizar transações comerciais e contatos diplomáticos com os demais Estados das Américas e também com atores importantes como China, Rússia, Irã, Estados Unidos e União Europeia. Todos ao mesmo tempo.

Peres discursou em Brasília diante de deputados e senadores. Revelou as intenções israelenses de abrir negociações de paz diretas com a Síria e retomar os diálogos com os palestinos e deu o recado sobre a posição oficial em relação ao Irã – embora, por questões diplomáticas, não tenha se fixado tanto no assunto. Após reunião com o presidente Lula, hoje, pelo menos um importante resultado prático: o Brasil fechou um acordo no valor de 350 milhões de dólares com as Indústrias Aeroespaciais Israelenses. A negociação deve permitir ao Brasil o acesso a aviões não-tripulados para patrulhar as fronteiras e o equipamento deve ser usado também durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas no Rio.

A visita de Peres marca o que se pode chamar de simbiose internacional. É boa para o Brasil, já que o país pretende exercer um papel de maior destaque nas tentativas de diálogo no Oriente Médio e busca a sonhada vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU – e em breve Lula irá receber, além do polêmico presidente iraniano, o presidente palestino, Mahmoud Abbas. O encontro entre Lula e Peres também é importante para o israelense, que conseguiu suceder magistralmente o insosso e acusado de crimes sexuais Moshe Katsav, transformando a presidência de Israel num cargo de verdadeira relevância política.

O que ficou pendente até agora é uma questão delicada e completamente ignorada pela imprensa daqui. A carga de armamentos apreendida pela marinha israelense no último dia 4 a bordo de um navio iraniano continha contêineres com inscrições provavelmente em português. Digo provavelmente porque podem ser em espanhol também; as palavras “lote” “disparo” e “espoleta” são comuns aos dois idiomas. Mas o que importa mesmo é o conteúdo da carga: rifles M40. Ninguém vai questionar o ocorrido? O governo brasileiro não irá se pronunciar sobre o assunto? Amanhã um texto mais detalhado sobre o assunto onde pretendo articular alguns fatos aparentemente isolados acerca desta apreensão.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Um mundo bem diferente de 1989

O fim de todas as ideologias e a supremacia do capitalismo provocaram grande euforia. Afinal, sem o mundo dividido em zonas de influência entre as potências, não havia mais motivos para que novas guerras acontecessem. Era apenas uma questão de tempo para unir o planeta em torno do livre mercado, aumentar a produtividade, alavancar os países subdesenvolvidos, criar novos mercados e pronto: a história chegaria a um final feliz. Logística e paciência dariam contornos positivos mesmo ao mais precário dos Estados nacionais – todas as populações consumiriam e esta era a chave que parecia ser capaz de abrir as portas do paraíso.

Mas ninguém se deu conta – ou em meio a tanta festa não se podia ver – que o fundamentalismo islâmico era uma realidade pronta para confrontar o ocidente. E foi exatamente isso o que aconteceu, como todos sabem. E este parece mesmo ser um dos maiores desafios do mundo pós-guerra fria, pelo menos no campo das relações internacionais – é preciso lembrar também dos desafios do clima, do fim da recessão econômica mundial, da inclusão econômica e social que ainda não veio.

A queda do muro é um desses eventos marcantes, mas muito diferente de boa parte das lembranças políticas recentes. Ao contrário de situações-chave do mundo, marca a conciliação, não a catástrofe. Alem do mais, dá visibilidade a uma forma de pensamento única não-totalitária. Afinal, quem é louco de defender a existência do muro de Berlim hoje em dia ou ao menos lamentar sua ausência?

Ė interessante notar também que, muito distante da Europa, a China vivenciou sua própria revolução em 1989. Mas a potencia asiática conseguiu graças à sua economia e população encontrar uma brecha no mundo atual. Num regime muito particular e controlado pelo Estado, impõe-se numa mistura bem-sucedida – por mais controversa que seja, os números frios apresentam-na como a próxima maior economia do planeta – de totalitarismo e lógica de mercado.

A verdade é que, 20 anos depois, o mundo é completamente diferente daquele imaginado a partir de 9 de novembro de 1989. E ele tem mudado bastante principalmente desde o início deste século. Justamente porque o multilateralismo já é uma realidade política e econômica. Se, por um lado, a Europa está cada vez mais unida, a Rússia se afunda mais nas paranoias de seus lideres que ainda sonham com o retorno de um mundo anterior a 1989. O interessante mesmo é perceber que, quando se comemora a queda do muro, a Europa já não é, nem de perto, o mais importante dos palcos dos grandes desafios planetários de nossa era.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Impasse afegão

Não apenas por conta das denúncias e comprovações sobre a fraude nas eleições afegãs a posição americana é altamente constrangedora e delicada. A situação questionável é fruto de uma derrubada de peças de dominó que vem ocorrendo em sequência desde os atentados de 11 de Setembro de 2001. Às vezes tudo isso pode parecer um tanto distante e desassociado com o status quo caótico, mas os ataques terroristas cometidos pela al-Qaeda nos Estados Unidos foram os responsáveis pela decisão da Casa Branca de invadir o Afeganistão.

E não somente isso. A opção pela guerra do Afeganistão aconteceu justificadamente e contou inclusive com o apoio da comunidade internacional – na época ainda sem saber exatamente a dimensão das mudanças que estavam por vir. Os Estados Unidos expuseram motivos válidos para enviar sua máquina militar ao país asiático: era preciso prender e julgar os terroristas da al-Qaeda. E eles estavam escondidos em montanhas e cavernas de pontos remotos do Afeganistão.

Hoje, após bilhões de dólares dos contribuintes americanos gastos na empreitada, Osama bin Laden não foi encontrado. O objetivo acabou por mudar completamente, e EUA e OTAN lutam sem sucesso para derrotar de vez o Talibã, grupo terrorista que ainda domina boa parte do território.

Generais são destituídos e outros assumem sem qualquer previsão de vitória das forças ocidentais. Aliás, não fica claro o que seria vencer, principalmente quando se levam em conta os objetivos iniciais da invasão americana de 2001. Nem a al-Qaeda se esconde no Afeganistão, muito menos bin Laden.

Ao mesmo tempo, ao assumir essa guerra como sua, o presidente Obama se depara com grande possibilidade de fracasso. Até porque está cada vez mais claro que os impostos dos cidadãos americanos estão sendo usados para construir um outro país. E justamente num momento de recuperação pós-crise econômica que apresenta taxas de desemprego crescentes nos EUA.

Para complicar ainda mais, a Casa Branca e a OTAN acabam de patrocinar eleições fraudulentas. O presidente Hamid Karzai não conta com o apoio sequer da maioria dos afegãos, algo que torna ainda mais ilegítima a tentativa de “inventar” uma nação. O problema é que abandonar este projeto agora seria jogar bilhões de dólares no lixo e assumir terríveis consequências internacionais.

Por conta de todos esses complicadores, as alternativas são muito poucas. Resta à administração americana continuar a combater o Talibã de um lado e criar a infraestrutura de Estado, de outro. Ou seja, o projeto vai permanecer caro e seus resultados não serão percebidos em curto prazo. Mas esta opção ainda é melhor do que deixar o barco à deriva e permitir que os talibãs comemorem vitória sobre a OTAN e os EUA. Aí sim os resultados seriam ainda mais catastróficos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Mais do mesmo

Depois de merecido descanso - não vou adotar qualquer discurso de autopiedade, fiquem tranquilos quanto a isso -, retorno à rotina do blog. Após me interar dos acontecimentos internacionais, é impossível não chegar à conclusão de que muita coisa ocorreu nessas duas semanas de ausência. Mas também é inegável - e um tanto deprimente, pra falar a verdade - perceber que o noticiário se resume simplesmente a mais do mesmo.
Em Honduras, Afeganistão, Iraque, Paquistão, Irã, Europa, Estados Unidos e no conflito árabe-israelense nada mudou. Existe uma grande diferença entre muito ter acontecido e algo de significativo ter acontecido. Mais atentados no Paquistão, discussões e acusações mútuas entre lideranças do Oriente Médio, o Irã tentando - e conseguindo - ganhar mais tempo para desenvolver seu programa nuclear, o impasse na surreal situação política hondurenha e a corrupção descarada do reeleito Hamid Karzai no Afeganistão não representam qualquer fato novo ou desconhecido no cenário internacional.
Prefiro não entrar no mérito do debate sobre as mudanças no sistema de saúde americano. Acho que o assunto se enquadra muito claramente no espectro político interno dos Estados Unidos e penso que não cabe discuti-lo por ora, apesar de considerar o plano de Obama absolutamente justo e incriticável sob qualquer prisma.
Em relação a Honduras, acho que o assunto merece um comentário rápido: a falta de veículos brasileiros dedicados a analisar o cenário internacional explica em parte o fracasso de nossa imprensa ao cobrir a situação. Houve um clima de oba-oba após o anúncio de um acordo entre golpistas e partidários de Zelaya. Hoje já se sabe que nem tudo está tão definido assim por lá e a comemoração foi um tanto precipitada. Posso errar no meu palpite, mas Congresso e Supremo hondurenhos dão a entender que farão de tudo para manter a situação como ela está até as eleições de 29 de novembro. Zelaya pode não voltar a ser presidente nem por um dia sequer.
Nos próximos textos, vou me dedicar mais especificamente a esses assuntos. No comentário de amanhã, um post sobre o Afeganistão e a constrangedora situação da política externa americana.