quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ucrânia simboliza dilema internacional contemporâneo: integração ou dissolução?

Em meados dos anos 1990, havia a impressão de que o mundo se reorganizaria em grandes blocos políticos e, principalmente, econômicos. Em 2002, a União Europeia pôs em prática seu projeto mais ambicioso: a circulação do Euro, sua moeda comum. A ideia de que esta forma de reorientação seria tendência abriu caminho para o resto do mundo. Por aqui também, quando o Mercosul pretendia unir as economias de Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai e, desta forma, distribuir prosperidade. Não deu certo. 

De qualquer maneira, o fato é que o plano de unir países se tornou mais forte do que o oposto. E parecia se consolidar como um dos principais pilares geopolíticos a nortear o século 21. Em pouco tempo, no entanto, este processo retrocede. E disse isso tudo porque um dos casos mais curiosos é o da Ucrânia. O país foi de um ponto a outro muito rapidamente. O presidente Viktor Yanukovitch decidiu abandonar as negociações para adesão à UE, causando revolta generalizada (uma das razões de o futuro ucraniano estar em aberto hoje é justamente a força do mito de prosperidade construído em torno do bloco europeu). 

O problema agora é que, assim como no Egito, há projetos dissonantes. Paira sobre a Ucrânia, neste momento, a incerteza sobre a viabilidade de existência nacional unificada. Em termos muito simplórios, a parte ocidental é favorável à UE e não está disposta a abrir mão da oportunidade de se unir ao bloco. A porção oriental se vê unida linguística, social, política e religiosamente à União Soviética, digo, Rússia. A cidade de Donetsk, onde estão expatriados 12 jogadores brasileiros, é símbolo desta proximidade. Na medida em que os protestos avançam e o governo central em Kiev aplica punições cada vez mais rigorosas aos manifestantes, o abismo aumenta. E aumenta na mesma proporção da dificuldade de promover reconciliação. 

Há ainda um ponto dificultador nisso tudo: o ex-campeão de boxe e líder da oposição, Vitali Klitschko, chegou a ser convidado para integrar o governo do presidente Yanukovitch. Não aceitou. Além dos motivos ideológicos, decidiu não participar deste governo por saber que, em caso de eleições, ele pode derrotar Yanukovtich nas urnas sem precisar fazer concessões. E aí resta saber como a União Soviética, digo, Rússia irá reagir. O modo como o presidente Vladimir Putin encara o papel da União Soviética, digo, Rússia no sistema internacional é determinante para o futuro ucraniano. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A violência no Egito e o papel das forças armadas

Três anos após pôr em prática sua “Primavera Árabe”, o Egito ainda não conseguiu parar de patinar. Novamente, o país é palco de mais conflitos políticos e violência. Ao contrário da Síria, não se trata de divisão sectária, mas de luta aberta em nome do direito de colocar projetos em prática. 

No centro de tudo, as forças armadas. Interessante perceber que mesmo antes da queda de Hosni Mubarak, em 2011, o exército exercia papel central. A saída do ditador-presidente apenas tirou o véu internacional de sua preponderância. Como escrevi muitas vezes, os militares controlam não apenas o poder coercitivo, mas pilares importantes da economia nacional que vão da indústria de equipamentos bélicos a fábrica de liquidificadores. 

Este é o ponto principal do jogo político atual. Por mais que a ideia dos milhões de egípcios que fizeram história nas ruas há três anos era mudar o modelo, a questão é muito mais complexa. Não se pode imaginar que existirá um país realmente novo se o exército é um ator nacional com tanto poder. Quando o membro da Irmandade Muçulmana Mohamed Mursi foi vitorioso na primeira eleição real em mais de 30 anos, ninguém minimamente sóbrio imaginava que a população queria um governo religioso ou radical, mas fazia a escolha – sua primeira escolha em três décadas – com base tão somente no protesto. Tanto que elegeu o grupo que durante os anos de governo Mubarak estava oficialmente banido da vida nacional. 

A democracia também é um processo que demanda tempo, amadurecimento. Basta ter a própria democracia brasileira como parâmetro. Ou alguém questiona, independente de preferências partidárias, que nossa realidade política é hoje muito melhor e cristalina do que há 30 anos? 

No Egito, por ora, simplesmente os militares têm impedido que o país dê seus primeiros passos. A ponto de terem inclusive aprovado uma constituição com 98,1% dos votos favoráveis. Que tipo de eleição apresenta índices tão inquestionáveis assim? Ah, claro, as mesmas eleições que reelegiam seguidamente Mubarak ao cargo de presidente. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A balcanização da Síria

Parte dos interessados na situação síria está reunida em Genebra para debater o caos no país e, principalmente, tentar chegar a um consenso. Digo logo de início que é muito pouco provável que isso aconteça, na medida em que bom senso não é exatamente o ponto forte dos envolvidos. A guerra civil já matou 130 mil pessoas, deixou 2,4 milhões de refugiados e deslocou cerca de 6,5 milhões de sírios. Por definição, esta é uma tragédia humanitária cujas proporções serão sentidas ao longo de gerações. 

A verdade nisso tudo é que todo mundo errou nas avaliações – eu, inclusive. Todos caímos na tentação fácil de imaginar que bastava colocar os acontecimentos na Síria no mesmo pacote da “Primavera Árabe” e pronto, Assad cairia e, em breve, os atores políticos estariam discutindo caminhos novos, a constituição e o surgimento de jovens lideranças democráticas seria apenas uma questão de tempo. Se admito o erro de avaliação inicial posso me orgulhar de ter mudado de posição muito rapidamente. Já escrevo sobre o fim da Síria tal como a conhecemos hoje há bastante tempo. 

Retorno a este assunto porque acho relevante apresentar novamente o mapa da divisão sectária (acima). Já tem muita gente chamado o processo de “balcanização”, como forma de traçar um paralelo entre o que acontece agora e o que ocorreu nos anos 1990 nos Balcãs. Faz sentido sim. Particularmente, concordo com visões mais pessimistas sobre a situação. Isso porque há gente demais lutando no território. E é impossível fazer divisões claras sobre quem está do lado certo; se Bashar al-Assad tem usado todos os meios para se manter no poder (e é o principal responsável pelo genocídio da população de seu país), a oposição não é muito melhor. Um dos grupos mais fortes, o Jabhat al-Nusra, é um braço da al-Qaeda. Esta é a principal razão pela qual as potências ocidentais decidiram evitar participação mais ativa no conflito. Ninguém, claro, quer se associar à al-Qaeda – mesmo que seja para derrubar Assad. 

Dito isso, acho que vale partilhar a correta análise do professor Andrew Terrill, especialista em Oriente Médio do Instituto de Estudos Estratégicos dos EUA. Sua visão mais ampla sobre o que se passa na Síria é semelhante ao que tenho dito. O problema no país irá persistir, mesmo se Assad cair:

“(as minorias árabes não-sunitas) também temem o surgimento de um governo democrático num país onde os árabes sunitas superariam eleitores alauítas numa relação de seis para um. Outras minorias que têm cooperado com o regime ao longo dos anos temem a vingança da maioria. Grupos islâmicos não-sunitas (xiitas e drusos) e especialmente os sírios cristãos estão aterrorizados com a possibilidade de combatentes islâmicos radicais assumirem o poder após Assad (...). Estes grupos estão tentando desesperadamente fazer oposição aos rebeldes, mas também procuram evitar a identificação com o regime (de Assad) para que não tenham o mesmo destino dos alauítas quando Assad cair”. 

Considerando que a ONU não consegue impor limites práticos a ninguém, a verdade é que pouco provável que algum país estrangeiro consiga evitar mais limpeza étnica quando (e se) a guerra terminar. 

sábado, 11 de janeiro de 2014

Ariel Sharon: militar que se transformou em político pragmático

Em 2006, visitei o hospital em Tel Hashomer onde o ex-primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon estava internado. Ele havia entrado em coma em janeiro daquele ano e, como eu morava numa cidade próxima e trabalhava para um veículo de comunicação brasileiro, decidi aparecer no hospital para saber de seu estado de saúde. Logo descobri que a ideia não era nada boa. Fui censurado por três funcionários que consideraram a minha atitude absurda: simplesmente aparecer acreditando que, daquela maneira, conseguiria obter informações. 

A visita acabou sendo muito produtiva porque no final das contas fui muito bem tratado ao me identificar como jornalista brasileiro. Logo recebi as informações que queria e ainda saí de lá inscrito no mailing oficial de todos os correspondentes em Israel. Desde então, passei a receber os boletins médicos do ex-primeiro-ministro. 

Este foi o meu contato mais próximo com Sharon, um dos líderes mais importantes e controversos do Estado judeu. Protagonista da cena política e militar do país nos últimos 60 anos (e este período é quase o mesmo do renascimento israelense como Estado), Arik, como era chamado, participou direta ou indiretamente de suas principais decisões e empreitadas. 

Como militar, foi dele a infeliz ideia de invadir o Líbano, em 1982, para expulsar as forças da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) do território  da onde atacavam as cidades e comunidades do norte de Israel. Digo infeliz porque o episódio rendeu os piores resultados humanitários a Israel e uma das mais graves acusações ao próprio Sharon (acabou acusado de negligência no episódio que ficou conhecido como o Massacre de Sabra e Chatila, quando centenas de palestinos foram assassinados pela Falange Cristã Libanesa). Um inquérito israelense considerou Sharon indiretamente culpado do ocorrido, mas seu nome seria associado ao caso pelos seus detratores. 

O líder de Israel também acumulou vitórias, como nas batalhas que comandou em 1967 e 1973 (na Guerra do Seis Dias e  de Yom Kippur, respectivamente). Em 1981, foi dele também a ideia de bombardear Osirak, o reator nuclear iraquiano. Desta maneira, Israel conseguiu impedir de vez o avanço do programa atômico de Saddam Hussein numa operação tida como sucesso absoluto. 

Como político, Sharon foi pragmático, virtude que alcançou graças a suas vitórias militares. Se após a conquista de 1967 foi um dos principais aliados do projeto de colonização judaica no deserto do Sinai, pouco mais de uma década depois lá estava ele de volta ao território para retirar cidadãos israelenses e devolver o deserto ao Egito, de forma a fazer valer o primeiro e histórico acordo do país com um Estado árabe. Também em 2006 fiz um documentário com cidadãos israelenses que foram retirados por Sharon de Gaza, no ano anterior. Este grupo era particularmente antagônico ao ex-primeiro-ministro, justamente porque eles haviam sido retirados do Sinai, posteriormente estabelecidos em Gaza e, naquele momento, retirados de Gaza. Eram membros do assentamento de Elei Sinai, israelenses que haviam sido expulsos de territórios árabes graças a decisões políticas de Israel. Eram judeus retirados de pedaços de terra reivindicados por Egito e palestinos duas vezes. Duas vezes expulsos por Ariel Sharon. 

É impossível rever sua biografia sem pontuar esses aspectos. Durante 60 anos, ele se expôs, mudou de ideia e pôs em prática o que pensava. Por ironia ou azar de seus inimigos, seu último ato foi justamente o de acabar com todos os assentamentos judeus em Gaza, retirando cada um dos nove mil judeus do território e entregando-o aos palestinos. 

Segundo a revista Time, há indícios que mostram que sua ideia era fazer o mesmo na Cisjordânia; definir uma fronteira definitiva, esvaziar os assentamentos judeus e resolver o conflito dos palestinos desta forma, riscando uma linha no mapa e pronto. Sharon não acreditava que houvesse liderança palestina forte o bastante para se comprometer com a paz. E aí, ele, pouco a pouco, colocava em prática algo com o que passou a concordar: não era possível a Israel se manter como um Estado judeu e democrático ocupando população árabe. Este é um conceito básico da esquerda israelense e com o qual concordo plenamente. 

Em seus últimos anos, Sharon se consolidou como figura forte o bastante para transformar o que pensava em ações reais. Tão forte que, para azar do Oriente Médio, depois de sua morte, não há no horizonte da cena política israelense alguém capaz de tomar grandes decisões como a de seu grande último ato em vida.  É assim que Sharon será lembrado: como um líder israelense do peso dos grandes líderes do país. Líderes que fazem cada vez mais falta

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Ataques terroristas na Rússia desafiam autoridade de Putin

Os atentados em Volgogrado, na Rússia, mostram o potencial explosivo dos interesses de diferentes atores internacionais que se encontram neste período de instabilidade internacional: o Comitê Olímpico Internacional (COI), a Rússia e o autodenominado Emirado do Cáucaso. Os ataques que deixaram 34 mortos levaram as autoridades a reforçar o estado de alerta a apenas seis meses do início das Olimpíadas de Sochi, cidade localizada justamente na proximidade do norte do Cáucaso. 

Os atos de terror estão vinculados direta ou indiretamente a Doku Umarov, terrorista que luta pela separação da Chechênia e a constituição de um estado islâmico independente. Umarov tem no currículo diversos ataques do gênero, como o atentado ao metrô de Moscou que deixou 40 mortos, em 2010, e o ataque à estação de trem da capital russa, no ano anterior, que fez 26 vítimas fatais. 

Seu principal opositor é justamente o presidente russo, Vladimir Putin. Desde que se tornou figura onipresente nas decisões políticas do país, em 1999, Putin se dedica a estabilizar a região norte do Cáucaso. Ainda não conseguiu, mas vê nas Olimpíadas de Inverno a possibilidade de divulgar ao restante das regiões russas que foi capaz de conter os avanços dos terroristas. Tanto que a escolha da cidade está longe de ter sido técnica, sob o ponto de vista dos jogos de inverno. Sochi não é exatamente uma das cidades mais frias do território. A temperatura média no inverno é de 6º C. Mas Putin quer a Rússia grande. E, para isso, reforçou sua atividade internacional, envolveu-se diretamente nas questões geopolíticas, como já escrevi por aqui. Sediar as Olimpíadas de Inverno em 2014 e a Copa do Mundo de 2018 é parte do plano. Sochi é a prova de que precisa para mostrar que é capaz de sediar um evento de grande magnitude às portas de uma região hostil. 

Mas esta é uma aposta arriscada, como os atentados mostram. Doku Umarov e seu pretenso Emirado do Cáucaso continuam a desafiar Moscou. Externamente, Putin quer que a Rússia seja levada em consideração para mediar conflitos internacionais, inclusive desafiando União Europeia (no caso ucraniano) e EUA (como aconteceu ao lidar com o ataque de armas químicas pelo governo de Bashar al-Assad, na Síria). Para a opinião pública interna, o presidente russo quer reforçar o discurso da estabilidade. Os ataques terroristas deixam em suspenso a efetividade de suas ambições.

O efeito esportivo

Já as decisões controversas do Comitê Olímpico Internacional (COI) e da FIFA mostram como o esporte tem sido contaminado pelos projetos financeiros dessas duas instituições gigantescas. A Copa do Mundo no Brasil já custou aos cofres públicos cerca de 30 bilhões de reais  (a Copa mais cara até hoje havia sido a da África do Sul, que empenhou quase 18 bilhões de reais). A Copa na Rússia deve sair por 35 bilhões de reais. Em países como Rússia e Brasil, os gastos não são transparentes. Mas a tendência agora é que cada vez mais esta seja uma vantagem levada em consideração por COI e FIFA em suas escolhas. Daí esta sequência de sedes com grande potencial de gastos (Brasil em 2014, Rússia em 2018 e Qatar em 2022). No caso das Olimpíadas em Sochi, os russos estão gastando mais de 100 bilhões de reais. Isso mesmo. Para efeito de comparação, as Olimpíadas de inverno de 2010, realizadas em Vancouver, no Canadá, custaram pouco mais de 14 bilhões de reais.