quinta-feira, 11 de julho de 2013

Espionagem americana: o que há de tão importante no Brasil

Dando continuidade à análise sobre a espionagem sistemática americana, quero apresentar algumas informações importantes especificamente ao caso brasileiro. Como comentei no último texto, o Brasil é um país muito relevante sob o ponto de vista do valor da informação que circula por aqui. Há razões de sobra para os EUA se interessarem em buscar conversas privadas e ter acesso ao que é discutido internamente. Sem falar no pré-sal, um caso clássico de descoberta brasileira que muda as regras do jogo, as disputas comerciais diretas entre Brasil e EUA tem se acirrado do ano 2000 para cá. 

Há dados muito interessantes. Na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil ocupa o sexto lugar do ranking de disputas. Pode parecer pouco, mas é importante dizer também que o país é responsável por somente 1,5% do comércio mundial. Ou seja, o país tem um comportamento combativo na defesa de seus interesses. Adivinhem qual o principal alvo das reclamações brasileiras: os EUA. Na organização, brasileiros e americanos já entraram em confronto em dez ocasiões. O maior prejuízo imposto aos EUA pelo Brasil diz respeito à produção de algodão. De acordo com o caso apresentado pelo país, Washington estaria prejudicando a prática do livre mercado ao oferecer subsídios aos produtores americanos. A OMC deu ganho de causa ao Brasil, permitindo a imposição de retaliações comerciais no valor máximo de 829 milhões de dólares. Um acordo entre as partes, no entanto, evitou a adoção de medidas mais extremas por parte do Brasil. 

No sentido oposto, o Brasil também tem sido alvo de reclamações americanas. Das 14 queixas formalizadas contra práticas comerciais brasileiras, dez foram feitas por EUA, Canadá, União Europeia e Japão. A disputa vai além de processos técnicos. Há divergências conceituais entre os países. O Brasil chega mesmo a acusar os EUA de serem o principal obstáculo às discussões da chamada Rodada Doha sobre a liberalização do comércio mundial. É claro que esta seria somente uma acusação a mais se não fosse pelo principal articulador das posições brasileiras, o embaixador Roberto Azevêdo. Representante brasileiro na OMC desde 2008, Azevêdo teve papel ativo nas vitórias do país. 

Roberto Azevêdo será o próximo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio. Ele assumirá o cargo a partir de setembro. Agora proponho aos leitores que releiam este post sabendo que tudo isso foi espionado.

terça-feira, 9 de julho de 2013

O Brasil no centro da espionagem americana

A explosiva série de reportagens que vem sendo publicadas sobre a espionagem americana a emails e ligações telefônicas em todo o mundo recria de maneira dramática o período da Guerra Fria. O Brasil parece estar no centro desta história, justamente por ser o principal país latino-americano monitorado. E isso não é mero acaso. Ao longo da última década, o crescimento brasileiro não é apenas econômico, mas político. A construção de uma estratégia internacional independente deu ao país status, poder de barganha e liderança regional. 

Se há 30 anos soava como piada imaginar o país nos principais fóruns de debate, hoje ninguém questiona seu protagonismo. Na ONU, na Organização Mundial de Comércio e à frente da Unasul, o Brasil tem exercido papel relevante no jogo político planetário. Apoiado por seu mercado de consumo interno em expansão, por crescimento incontestável e pela representatividade que vem encontrando eco entre parceiros regionais ou não. Por favor, não considerem como discurso patriótico porque não é. Trata-se somente de uma constatação óbvia que também passou a ser percebida pela concorrência. 

É claro que o Brasil não disputa espaço econômico com os EUA de forma mais ampla. Pontualmente, no entanto, embates econômicos e comerciais têm sido, de certa forma, constantes. Para completar, além de questões técnicas envolvendo o fato de o Brasil estar no centro da transmissão de dados para países notadamente inimigos dos EUA (como Irã e China, por exemplo), o Brasil se firmou como ator político que não encontra similares. O país cresce, possui mercado cada vez maior internamente, grande território, é democrático, respeita as liberdades civis, possui grandes vantagens competitivas, governo estável, índices econômicos importantes e não enfrenta contubações internas relevantes - não há registros de rivalidades étnicas ou religiosas, por exemplo. 

Além disso, na última década, conseguiu se livrar de mecanismos de controle financeiro global, caso do Fundo Monetário Internacional (FMI). Integrado ao sistema financeiro mundial, o país passou de dependente a agente. Por tudo isso, diante dos países que crescem neste cenário de crise internacional evidente, o Brasil é o único onde todos os fatores mencionados acima levam a crer que, com maiores investimentos em pesquisa e infraestrutura para o escoamento de produção, o país tem tudo para se firmar como potência. 

Há atores pelo mundo que poderiam viver momento similar; imaginem os Estados que apresentam crescimento, como Rússia, Índia, China, África do Sul e Turquia, por exemplo. Análises mais cuidadosas sobre cada um deles, no entanto, mostram claramente que nenhum desses países possui o conjunto de vantagens do Brasil. Há limitações democráticas, rivalidades internas, territórios inóspitos em determinados períodos do ano. De forma alguma se pode dizer que o Brasil não é visto como competidor. Não somente pelos EUA, claro, mas como os documentos apresentam evidências do esquema de vigilância americano, comento este caso especificamente. Nos próximos dias, abordarei mais esta questão, a resposta brasileira e as consequências globais de mais este vazamento promovido pelo WikiLeaks.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Tempo de incerteza no Egito

A queda do presidente Mohamed Mursi é mais um capítulo da busca por democracia no Egito. Na verdade, é preciso deixar claro que o presidente egípcio foi eleito democraticamente no ano passado. O problema é que a população comum continuou sem participação política, instituições democráticas e soluções práticas para os muitos problemas no país. Como aconteceu em 2011, esta decepção levou novamente milhões às ruas num processo que culminou com o golpe militar que tirou do líder da Irmandade Muçulmana o cargo de presidente.

Se essa história cabe bem para fechar um ciclo de protestos internacionais que reivindicam novos modelos de representação política, é preciso dizer que os acontecimentos no Brasil e no Egito possuem características para lá de distintas. O Egito foi governado por um presidente ditador durante 30 anos. O movimento popular no Egito conta com o apoio das forças armadas porque, na ausência de um projeto político sólido e instituições genuinamente democráticas, resta aos cidadãos confiar na instituição que, ao menos, é a detentora do monopólio do poder coercitivo.

De qualquer maneira, é bom dizer que o exército aplicou um golpe militar. Longe de mim defender a Irmandade Muçulmana, mas há um ano ela chegou ao poder por meio de um processo eleitoral que não foi contestado. A retomada do governo pelos militares está longe de garantir a estabilidade do país, seja política ou econômica. Afundado em crise desde a Primavera Árabe, o Egito precisa de aliados internacionais para conseguir financiamento e empréstimos. Se por um lado isso é ruim, ao menos se sabe que, em função desta dependência, o governo interino militar vai precisar arrumar uma maneira de providenciar uma nova constituição e, principalmente, organizar uma nova eleição.

Durante este ano de liderança da Irmandade Muçulmana, o país era ajudado financeiramente pelo Qatar, entusiasta do projeto político do grupo. Sem Mursi à frente do governo, é provável que o patrocínio seja interrompido. Ao mesmo tempo, no entanto, a nova junta militar vai precisar ser muito criativa para encontrar dinheiro. Isso porque o exército recebe 1,3 bilhão de dólares em ajuda americana. Este repasse só deve acontecer se os militares egípcios garantirem que a nova interferência política é temporária. Esta relação entre ajuda financeira e democracia é uma exigência do congresso americano.

A situação, portanto, está longe de resolvida. O Egito agora mergulha na incerteza e na possibilidade de uma luta mais ampla internamente. Os membros da Irmandade Muçulmana não irão aceitar a deposição de Mursi. Afinal de contas, o grupo ainda conta com o apoio de cerca de 25% da população egípcia.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Ao fim da Copa das Manifestações

Depois de duas semanas de intensa turbulência, o Brasil não desistiu das manifestações, mas parece que, ao menos por ora, a situação está mais calma. Os protestos continuam, mas cada vez mais segmentados. E isso não é ruim, pelo contrário; a sociedade está mais organizada e atenta para reivindicar. Ao fim da Copa das Confederações - que ficou marcada pelas passeatas e pelo repúdio aos estádios superfaturados -, a sensação é de que os cidadãos saem fortalecidos por criar um novo capítulo na história brasileira: o amor ao futebol não serve mais aos propósitos de quem quer silenciar a voz das pessoas comuns. E, ao lado da atuação magistral da seleção brasileira contra a Espanha, esta é a maior conquista dessas duas últimas semanas.

Existe agora um novo Brasil. E não falo isso de maneira demagógica. Existe mesmo uma vontade enorme de resgatar a representatividade política popular. Como já imaginava e como sempre acontece, naturalmente há os que queiram se apropriar das manifestações. Percebo isso de maneira muita clara da parte da oposição. Por graves erros do governo e do PT, a bandeira do combate à corrupção caiu no colo de PSDB e DEM. Sim, do DEM, o mesmo partido de César Maia, o ex-prefeito do Rio responsável pela construção da Cidade da Música, da Vila do Pan, do Engenhão - obras superfaturadas ou de qualidade duvidosa.

De qualquer maneira, o fenômeno que o Brasil viveu nas últimas duas semanas muda a corrida eleitoral para as eleições que decidirão os governadores e o próximo presidente. A corrida está aberta e as ruas deixam claro que não há favoritos. O combate à corrupção é sim um clamor popular, mas não o único. Na verdade, um dos principais aspectos de tudo o que está se passando mostra algo muito evidente: o divórcio litigioso entre a representação política tradicional e a sociedade. Alguns acontecimentos desses dias turbulentos mostram que a classe política não apenas entendeu o recado como também está correndo contra o tempo para recuperar sua representatividade: a derrubada da PEC 37, a aprovação pelo Senado do projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo, a sugestão da presidente Dilma de realizar um plebiscito para discutir a reforma política e, finalmente, a condenação e prisão do deputado Natan Donadon pelo desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia.

Todos esses acontecimentos políticos mostram a tentativa das instituições de recuperar seu vínculo com a sociedade.E aí retorno à questão eleitoral; somente os partidos que conseguirem restabelecer um pacto sincero com os eleitores serão bem sucedidos. Eis aí uma outra grande vitória das manifestações: os membros de partidos deverão se preocupar com algo que é primordial à política, a busca por soluções e alternativas reais aos cidadãos. Os partidos que continuarem a praticar a velha política - e uso o termo para me referir ao que existia há até duas semanas - devem fracassar. Partidos políticos empenhados em chantagens de bastidores, disputas por vantagens e acordos escusos serão preteridos. A pergunta que se deve fazer agora é qual será o partido capaz de se renovar e retomar suas origens? Que partido deixará de lado seus interesses clubísticos para voltar a exercer o propósito original de representar a sociedade? Nesses tempos para lá de interessantes, esperamos assistir a mudanças profundas também no comportamento dessas instituições que existem como expressão da vontade popular.