quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Sob a sombra do atentado, o presidente Mahmoud Abbas perde uma grande chance

Ainda sobre o atentado de ontem, é importante fazer algumas reflexões. Acho que, pelo menos por ora, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, pode ser o mais prejudicado politicamente. Abbas perdeu algumas chances de demostrar estar disposto a colaborar com o processo de paz. Decisões erradas e comentários no mínimo inoportunos podem prejudicar sua legitimidade como parceiro das iniciativas de paz e suas pretensões de encontrar apoio principalmente de líderes europeus e americanos. 

Após as recentes polêmicas envolvendo o Monte do Templo/Esplanadas das Mesquitas (clique aqui para mais detalhes), o presidente palestino optou por surfar na onda do lugar-comum (para dizer o mínimo). Conclamou os palestinos a “proteger” a área e ameaçou uma “guerra santa” se a região fosse “contaminada” pelos judeus. Esta certamente não é a postura de um líder internacional que se pretende legítimo pelos parceiros para pavimentar os diálogos para a paz. 

Nesta terça-feira, após o ataque à Sinagoga, Abbas condenou os assassinatos. As próprias autoridades de segurança de Israel têm dito que o presidente palestino não tem contribuído com o terrorismo. Mas daí a fazer essas declarações e imaginar que elas não reverberariam entre os palestinos seria ingenuidade. E claro que Mahmoud Abbas não é ingênuo e sabia que ratificar as posições religiosas e nacionalistas em torno do Monte do Templo/Esplanada das Mesquitas seria o equivalente a riscar o fósforo. E foi isso o que aconteceu. 

O processo de paz nunca esteve tão ameaçado. Não em função apenas do que aconteceu na sinagoga em Jerusalém. Mas porque Mahmoud Abbas abandonou a postura moderada. Mesmo que seja apenas publicamente, mesmo que intimamente ele continue comprometido com o pragmatismo, não é suficiente. Os grandes líderes devem ter a coragem de expor publicamente suas posições sobre o que julgam correto. Abbas fez exatamente o contrário. 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Atentado contra sinagoga em Jerusalém reforça posição de radicais

Ao ler sobre o ataque à sinagoga no bairro de Har Nof, em Jerusalém Oriental, nesta terça-feira, foi impossível não ficar com a sensação de premonição em relação ao texto que publiquei no último dia 13 de novembro. Se havia alguma dúvida sobre a nova “tendência” dos atentados em Israel, essa dúvida já não existe mais. As ações levadas adiante por indivíduos sem filiação formal a grupos terroristas passou a ser o padrão.

Isso, claro, em razão das dificuldades impostas pela rede de segurança israelense e aí também – mesmo que controversa – graças à barreira de segurança construída pelo país. Ataques como o desta terça-feira costumam repercutir de maneira dramática na escalada de violência. Basta lembrar a recente guerra entre Israel e o Hamas em Gaza; a espiral de violência começou após o sequestro e posterior assassinato de três adolescentes judeus. Normalmente, esses eventos atrozes de violência mascaram esquemas políticos mais complexos. Quando o fio começa a ser puxado eles costumam vir à tona. 

Ainda não há evidência quanto à motivação política dos indivíduos responsáveis pelo atentado à sinagoga em Jerusalém. O que se sabe, no entanto, é que a situação na cidade, onde havia certa tranquilidade, vai mudar. A segurança será reforçada e o gabinete político de Israel vai anunciar medidas para restringir o movimento na parte oriental da capital do país. Isso certamente levará a manifestações e ondas de violência da população árabe. O diferencial desta vez é a tentativa de ressaltar a separação entre árabes e judeus. Notem que usei esses termos pela primeira vez por aqui. A ideia política sobre a qual escrevi no parágrafo acima pode ter a ver com isso. Na medida em que o ataque premeditado teve como alvo uma sinagoga durante o Shaharit, o serviço matinal de orações judaicas, a ideia era justamente reforçar a posição religiosa também dos responsáveis pelo atentado. Mais ainda, deixar claro que judeus e árabes estão dissociados religiosamente e que este é um fator relevante para o futuro geopolítico do Oriente Médio. 

Este conceito dos responsáveis pelo ataque pode ter implicações aos árabes-israelenses, muitos deles moradores de Jerusalém Oriental. E certamente é uma tentativa de deslegitimar a posição dos pragmáticos que pretendem reduzir impasses e diferenças e pensar em soluções para retomar o processo de paz. Por essas razões todas os membros do Hamas comemoraram o ataque, inclusive distribuindo doces nas ruas de Gaza. A tentativa de transformar o conflito entre israelenses e palestinos em disputa entre judeus e árabes atende aos anseios de grupos como o Hamas. Mesmo que não esteja diretamente envolvido no ataque desta terça-feira, seus membros se sentem representados por esta linha de raciocínio. Aos pragmáticos dos dois lados, resta lamentar o ataque e reforçar as posições mútuas de impedir que a diferença religiosa se transforme na questão central em disputa. 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Novo formato de atentado em Israel é muito mais desafiador às autoridades do país

Na última semana escrevi sobre a nova onda de violência em Israel, especificamente em Jerusalém. Para retornar muito rapidamente a este assunto, acredito que pode estar em curso uma mudança nos padrões de ataques ao país. 

E isso seria muito surpreendente, mesmo para as autoridades israelenses – que convivem há muito tempo com o terrorismo organizado. O modo de operação dos ataques recentes apresenta uma nova realidade: pequenos assassinatos nas ruas das cidades (Jerusalém inicialmente, mas nesta semana também em Tel Aviv). 

Há alguns elementos novos e curiosos nesta prática: ela aparentemente mobiliza cidadãos árabes-israelenses; esses cidadãos árabes-israelenses não estão vinculados a grupos terroristas tradicionais. Esses dois fatores podem parecer simples, mas mudam completamente a realidade e as respostas possíveis de Israel (anteriores e posteriores aos atentados). 

As duas questões estão interligadas. Por isso, a principal análise diante delas é a seguinte: se alguns cidadãos árabes de Israel (cerca de 20% da população do país) se mobilizam a ponto de um dia jogar o carro num grupo de pedestres, como prevenir esses ataques? 

Historicamente, Israel usa fontes de informação para prevenir tentativas de atentado, mantém uma rede de informantes mesmo dentro dos territórios palestinos e os serviços de segurança estão sempre atentos aos movimentos de grupos armados, como o Hamas, por exemplo. Mas como impedir que pessoas que jamais estiveram vinculadas a esses grupos – e com cidadania israelense – um dia se levantem da cama e decidam, por elas mesmas, atacar outros cidadãos? Parece um raciocínio simplório, mas ainda não há resposta a isso. Até porque, na prática, é possível que nunca haja uma fórmula para impedir este tipo de ataque, principalmente porque os agentes das ações não estão “mapeados” como possíveis ameaças. 

Se esta nova realidade se mostrar uma tendência, não acredito que irá demorar muito tempo para que os grupos terroristas encontrem neste tipo de empreitada individual um caminho a ser seguido. E aí Israel terá de enfrentar uma ameaça nova, possivelmente sistemática e com possibilidade de prevenção muito mais complicada. 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Jerusalém está de volta ao centro das tensões entre israelenses e palestinos. E isso era o que de pior poderia acontecer

A construção da barreira de segurança por Israel é controversa e, desde seu início, em 2002, há protestos veementes por parte dos palestinos e de sua vasta rede internacional de aliados – incluindo aí número importante de Estados nacionais do Ocidente. O fato, no entanto, mostra que a barreira – composta por trechos de cerca e muro, mais de cerca que muro – tem sido efetiva no que se propõe: reduziu em 90% o número de atentados terroristas em Israel, principalmente os de suicidas que se explodiam em boates e ônibus lotados, padrão na vida israelense dos anos 1990. 

Escrevi tudo isso porque nas últimas três semanas há um movimento em curso, especialmente em Jerusalém. Nesta quarta-feira, um homem numa van atropelou um grupo de pedestres, ferindo 13 pessoas e causando a morte de um policial. Na semana passada, Yehuda Glick, ativista judeu religioso, foi atingido por um tiro de um palestino numa moto quando deixava o Centro Cultural Menachem Begin. Nas últimas duas semanas, três atentados aconteceram em Jerusalém, elevando a tensão na cidade que, naturalmente, já é palco de disputas político-religiosas. Capital de Israel reunificada durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Jerusalém já é dividida na prática: na parte oriental, fica a chamada Cidade Velha, onde vive a maior parte dos árabes da cidade (que têm cidadania israelense) e onde ficam também seus importantes lugares sagrados. Aos judeus, o Muro Ocidental (que é mais conhecido por aqui como Muro das Lamentações), aos árabes, o Domo da Rocha e a Mesquita de al-Aqsa. A imagem acima da BBC mostra bem esta divisão. Não comentei sobre os lugares sagrados aos cristãos porque eles não se relacionam às disputas entre israelenses e palestinos. Pelo menos, não num primeiro momento. 

O ponto de maior tensão nos últimos dias é a Esplanada das Mesquitas, que os judeus chamam de Monte do Templo porque era justamente nesta área onde ficava o grande Templo judaico da cidade, o principal marco da história judaica no mundo. Dele restou o Muro Ocidental somente. E nesta área os muçulmanos construíram as duas mesquitas mostradas na imagem – a mesquita de al-Aqsa é o terceiro lugar mais sagrado do islamismo (perde em importância para Meca e Medina). 

Com a tensão religiosa retornando a Jerusalém, a tendência é que as soluções políticas e pragmáticas acabem se distanciando da pauta das discussões. Cabe a Israel e à Autoridade Palestina silenciar e punir os seus radicais religiosos, não comprar as suas brigas. Este jogo interessa apenas ao Hamas, grupo terrorista que já fez questão de assumir a autoria do ataque a civis israelenses nesta quarta-feira (o caso do atropelamento em Jerusalém). Por ora, os acontecimentos na capital israelense podem indicar uma mudança de padrão. Abordarei este tema especificamente em textos futuros. Mas fiz questão de escrever esta grande explicação porque ela será necessária para analisar as possíveis mudanças que podem estar a caminho.