sábado, 17 de outubro de 2009

Ampliando o foco sobre o relatório Goldstone

O Brasil agora é membro do Conselho de Segurança da ONU ocupando um posto não permanente. E, como tal, pretende entrar pela porta da frente do jogo internacional ao escolher atuar na mais prestigiada arena do planeta: o conflito árabe-israelense. O Brasil está certo. Preocupante mesmo é perceber que, apesar das milhões de vidas em jogo na região, nada disso parece importar aos que palpitam ou decidem sobre os rumos do Oriente Médio. A disputa entre árabes e israelenses – e entre palestinos e israelenses, em particular – se tornou meramente um trampolim para alcançar status e atingir objetivos políticos.

O relatório de Richard Goldstone – sobre o qual já escrevi no dia 17 de setembro, logo após a divulgação do documento. Leia aqui – foi aprovado pelo Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU. E, antes que se faça tal questionamento, acho correto que as partes envolvidas em possíveis crimes de guerra sejam chamadas a investigar e a responder pelos seus atos.

Entretanto, o próprio Richard Goldstone mantém posições ambíguas sobre o texto que produziu. No documento, afirma que as informações são verdadeiras – e, vale lembrar, a partir delas serão condenadas ou inocentadas autoridades e, ao que parece, há um grande lobby internacional para condenar e boicotar o próprio Estado de Israel (!). Em entrevistas que tem concedido, porém, ele diz que o relatório se trata somente de “um caminho a ser seguido pelos investigadores” e “sem qualquer evidência de crimes israelenses”. Ora, qual é o verdadeiro Goldstone: o que assina ao final das mais de 500 páginas de texto ou o que diz o contrário quando fala à imprensa?

O Conselho de Direitos Humanos da ONU é um capítulo à parte. O órgão faz qualquer coisa, menos se preocupar com direitos humanos. Para se ter ideia de como a política é a base sobre a qual seus membros atuam, vale informar que 80% de todas as suas resoluções são dedicadas a condenar Israel. Ou seja, de todos os 192 países-membros das Nações Unidas, Israel seria praticamente o único a violar os direitos humanos do planeta. Acho que isso já diz o bastante, mas para ilustrar ainda mais o picadeiro de absurdos no qual o órgão se transformou, eis alguns de seus membros: Líbia, China, Angola, Egito, Paquistão e Arábia Saudita.

Tudo isso serve para evidenciar que a legítima luta de defesa dos direitos humanos e da busca da verdade e de culpados pela guerra do início deste ano em Gaza foi corrompida. No lugar da preocupação com direitos humanos palestinos e israelenses, os membros do CDH estão conseguindo sucesso em tornar pública e adquirir adeptos para a campanha de pôr em xeque a própria legitimidade da existência de Israel. Com contornos mais sofisticados, ela difere dos slogans proferidos pelo presidente iraniano. Enquanto este não cansa de repetir que gostaria de “varrer Israel do mapa”, os membros do CDH optaram por levar adiante o objetivo de isolar o Estado Judeu, tentando transformá-lo num “pária” entre as nações.
PS: viajo hoje e volto a escrever no dia 2 de novembro

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Terapias orientais

Esta quinta-feira foi marcada pela violência no sudeste asiático. Mais uma vez, um novo atentado talibã no Paquistão busca nada além da desestabilização do país. Se puder contar com o armamento nuclear, melhor ainda. Quanto pior, melhor. Este é o raciocínio do grupo.

Como já enumerei tantas vezes neste espaço, o terrorismo não arquiteta planos para o futuro, mudanças ou mesmo objetiva moldar uma nova sociedade baseada em valores minimamente lícitos. A meta é simplesmente a destruição, o banho de sangue, o terror, finalmente.

E o que os líderes racionais, eleitos e legítimos deveriam fazer diante de tal ameaça? Há algumas opções disponíveis e que não necessariamente se excluem: a luta armada contra os talibãs, a tentativa de convencer seus membros a mudar de lado ou o fortalecimento das instituições nacionais de modo a vencer o terrorismo em longo prazo.
Considerando-se que tentar dialogar com membros do Talibã é uma tarefa quase impossível, creio que ela está automaticamente excluída – há nos Estados Unidos teóricos do governo Obama que defendem a possibilidade de diálogos com os menos radicais. Mas, por convenção e por falta de espaço para isso, acho que, infelizmente, devemos neste momento olhar para o todo cuja ideologia fundamentalista não permite tal aproximação.
A luta armada mencionada já está em curso, como se sabe, e EUA e OTAN – o primeiro lançando mão de enormes somas de recursos financeiros e humanos mais que o segundo, é bem verdade – parecem não conseguir dobrar a resistência por ora.
A terceira possibilidade também é empregada. No último mês, o Congresso americano aprovou a triplicação da ajuda financeira ao governo estabelecido paquistanês, de modo que a quantia destinada vai ultrapassar os 7,5 bilhões de dólares nos próximos cinco anos.

Neste momento de grande esforço internacional para conter o avanço Talibã, vale ampliar o foco e tentar enxergar o que os países vizinhos têm feito para se engajar nesta luta. A resposta é simples: muito pouco.
Enquanto o ocidente teme que o armamento nuclear caia no colo dos radicais talibãs, Índia, China e o próprio Paquistão estão preocupados em se provocar mutuamente. Nesta semana, o tom de ameaças subiu, gerando grande mal-estar. Tudo porque os chineses decidiram se envolver na construção de projetos na porção paquistanesa da Caxemira, provocando protestos formais do governo indiano.
Por sua vez, a administração de Beijing argumenta estar “profundamente insatisfeita” devido a uma visita do primeiro-ministro indiano a Arunachal Pradesh, região Himalaia sob controle da Índia, mas reivindicada pela China.
Parece que os três países fazem questão de esquecer que, a qualquer momento, existe a possibilidade real de serem os alvos preferenciais de um arsenal nuclear sob controle Talibã. Eu tenho certeza de que este mecanismo psicológico de negar a existência do problema não serve aos propósitos de ninguém. Talvez fosse o momento de convocar uma reunião de emergência para forçar esses grandes países a focarem suas atenções e esforços ao que é verdadeiramente importante.

PS: este texto é uma pequena homenagem a um amigo, que, em breve e anonimamente por questões de segurança, será o correspondente do blog no Extremo Oriente.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pobres países bilionários

Enquanto ontem comentei sobre como a Rússia decidiu usar seus recursos naturais de forma a alavancar a política externa, acho também que vale mencionar o outro lado da moeda. E, inesperadamente para muita gente, são os países que detêm o petróleo que devem correr atrás de novas formas de manter o alto padrão econômico do qual dispõem hoje.
O cartel que responde pelo nome de Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) está em desespero. E os motivos são óbvios: a necessidade de combater o aquecimento global obriga governos a forçar indústrias a reduzir na marra a emissão de gás carbônico na atmosfera.
Com isso, novos e menos poluentes combustíveis passam a ser objeto de desejo.

E também, como as reservas de petróleo têm prazo de validade, é preciso diversificar a dependência. Sim, porque acabar com a dependência de fontes energéticas é praticamente impossível.
Assim, a Rússia joga com o gás; o Brasil comemora o pré-sal e também tenta tornar viável o biodiesel; e por aí vai.
Durante mais uma rodada de conversações sobre o clima realizada nesta semana em Bangcoc, na Tailândia, a Arábia Saudita partiu rumo ao estabelecimento de alianças. Mais do que isso, expôs o temor dos países da OPEP de que, a partir do pacto que demanda a redução no uso de combustíveis fósseis, esses governos não tenham alternativas para se manter economicamente.
Antes de avaliar este pedido saudita, vale citar que o país é o mais detentor de reservas de petróleo do mundo. Também é preciso dizer que um relatório divulgado nesta semana pela Agência Energética Internacional (IEA, sigla em inglês) informa que as receitas dos membros da OPEP irão aumentar 23 trilhões de dólares no período entre 2008 e 2030. Isso mesmo; 23 trilhões de dólares.
Realmente entendo a preocupação dos países que controlam o mercado petrolífero internacional.
Mas de nenhuma forma me sensibilizo com ela. E a explicação é muito simples: ora, a OPEP existe desde 1960 e seus países sabiam que um dia a reserva acabaria. Por que então não usaram parte dos milionários lucros gerados por este negócio para investir em infraestrutura, diversificar a economia e, portanto, preparar-se para o dia em que não poderiam mais contar apenas com o petróleo?
A resposta é simples: porque boa parte das oligarquias reais que controla alguns desses países preferiu usar os lucros do petróleo para ostentar riqueza. Esta elite econômica e política – de parte dos países, é preciso deixar claro – não se preocupou em reinvestir o dinheiro em suas economias.
Mas, como mostra o relatório da IEA, há tempo para rever o erro. Afinal, nada mal ter um prazo de ao menos 21 anos para planejar e pôr em prática as mudanças estruturais necessárias. Ou será que alguém teria a cara-de-pau de propor um fundo de assistência para ajudar os países da OPEP?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Gás pela goela abaixo

Por tabela e totalmente ao acaso, parece que a Rússia entendeu como deve funcionar o sistema de alianças internacionais neste novo cenário que se apresenta. Ainda com Europa e Estados Unidos começando a pôr a cabeça do lado de fora da crise financeira, Moscou parte para o estabelecimento de parcerias baseadas em uma de suas maiores fontes energéticas: o gás. Foi isso que a imprensa internacional noticiou hoje.

Em encontro com o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, Vladimir Putin assinou uma carta de intenção que prevê o fornecimento de cerca de 70 bilhões de metros cúbicos de gás russo para a China. O acordo deve ser concretizado entre as estatais Gazprom e a China National Petroleum Corp.

Quem se assusta só de ouvir falar nisso é a Europa, temerosa de que, mais uma vez, Moscou decida usar seus recursos naturais como massa de manobra para as recorrentes chantagens políticas.

E não é pra menos. Até porque o gás não permite à Rússia o estabelecimento de uma aliança somente com a China. Um novo projeto que levará o recurso para a Alemanha já está em estudo e orçado em 10,7 bilhões de dólares. A novidade é que, desta vez, os países do leste europeu não serão beneficiados pela obra – a construção vai ser subaquática e os dutos sairão diretamente de Vyborg, na Rússia, para Greifswald, na Alemanha.

A estratégia é mais uma vez punir os ex-aliados do antigo bloco comunista, enquanto aumenta a dependência dos europeus ocidentais ao abundante recurso russo. Para se ter ideia, hoje a Gazprom é responsável pelo fornecimento de 28% do gás natural consumido na Europa.

O interessante é perceber a contradição do Kremlin. Em matéria publicada na edição de hoje do New York Times, o porta-voz da Gazprom disse que a obra é meramente comercial, não estratégica. Mas Putin, na China, adotou um discurso completamente diferente:

“Nossa visão comum sobre certos assuntos e nossa habilidade de coordenar posições sempre permitem acalmar a situação e exercer um papel de estabilização”, disse.

Por mais estranha que a frase seja – até porque não vejo a Rússia estabilizando qualquer coisa, pelo contrário –, Putin admite que faz política com a venda ou distribuição do gás. Até aí, nada de novo, os países agem assim mesmo. Mas, ora, a premissa valeria para a China mas não para a Europa?

Com este tipo de contradição, Moscou apenas continua a revelar como imagina as relações internacionais no pós-crise: continuará a chantagear principalmente os europeus por meio de seus recursos.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Explicações para um prêmio prematuro

Com Obama premiado com o Nobel da Paz, o Comitê responsável pela escolha mostra algumas grandes tendências políticas. Ou melhor, como qualquer escolha é necessariamente política, fica ainda mais claro que a opção pelo presidente americano é uma aposta num futuro onde as promessas de campanha do atual ocupante da Casa Branca serão concretizadas.

E isso fica óbvio na medida em que, somente nove meses após tomar posse, é simplesmente impossível que Obama tenha conseguido mudar os Estados Unidos ou, como líder da única superpotência global, o mundo. Hoje, Obama recebeu um cheque em branco. É isso o que representa o prêmio; um voto de confiança em tudo o que ele prometeu em sua campanha.

Após o surpreendente anúncio da manhã desta sexta-feira, uma série de especulações sobre o real motivo da vitória do presidente americano começou a pipocar pela imprensa. É verdade também que os jornalistas americanos reagiram mais com ceticismo e má-vontade. Talvez pelo grande embate interno nos EUA sobre o plano de Obama para a saúde; ou por sua baixa de popularidade momentânea.

O Comitê do Nobel elegeu Obama numa resposta a Bush. Em oito anos de governo, o ex-presidente jamais foi cogitado para qualquer premiação internacional. E menos ainda para o Nobel da Paz – aliás, nem é preciso justificar, não é? Quando em menos de um ano de mandato opta por Obama, na prática simplesmente ratifica e corrobora os ideais pelos quais ele foi eleito no ano passado.

Vale lembrar alguns movimentos estratégicos de Obama que agradaram ao Comitê: a insistência num mundo com menos armamento nuclear – aliás, como descrito na carta em que se anunciava o vencedor do Nobel –; a aproximação com os muçulmanos exposta nos discursos realizados no Cairo e em Ancara; é claro, a frustrada, mas sempre válida tentativa de restabelecimento dos diálogos entre israelenses e palestinos; e sua promessa de campanha de fechar a prisão americana em Guantánamo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Primeiro mundo em crise

Se uma manchete tivesse de descrever o atual momento das potências, optaria pelo título que nomeia este texto. Em outros tempos, ficava claro que havia substituições na posição de liderança mundial. Mas este é o reflexo de um mundo ultrapassado e de uma época que não volta mais. Hoje, com política e economia globais, a crise não é apenas americana, mas de uma forma de qualificar e fazer articulações. Os posts desta semana têm buscado mostrar isso.

Quando a guerra do Afeganistão completa oito anos ainda sem qualquer perspectiva de sucesso, os Estados Unidos – única potência planetária quando se analisam as relações internacionais com os indicadores de sempre – começam a mostrar fragilidade. Não por terem se arrependido da invasão, mas porque os custos estão cada vez mais altos.

O desgaste americano da semana fica por conta de uma cobrança justa aos parceiros da OTAN, que, igualmente imersos numa crise que pegou muito por lá e menos por aqui, tentam pular fora deste barco furado. E olha a solução apresentada pelo presidente da organização, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen: treinar o pessoal local para combater o Talibã.

“Vamos transferir a responsabilidade de segurança para os próprios afegãos”, disse. Tudo isso parece até muito bonito e altruísta. Mas a verdade é que a guerra está cada vez mais cara e os europeus estão cada vez menos dispostos a pagar a conta. Pra completar, é difícil convencer a opinião pública dos países sobre a necessidade de se gastar muito para combater o Talibã. Afinal, bem ou mal a Europa não atravessa um período de aparente ameaça terrorista.

Os números ilustram muito bem o tamanho do desafio. Os gastos no Afeganistão até o final de 2009 devem chegar a 7 bilhões de dólares. Para o ano que vem, possivelmente estarão na casa dos 17 bilhões.

E esta bomba-relógio financeira está nas mãos de Obama. O mesmo presidente que deixou claro que derrotar os talibãs no Afeganistão era fundamental; uma “guerra de necessidade”, como chamou. Mas o que fazer agora, com o dinheiro saindo aos borbotões num momento de grave crise?

Segundo o Escritório de Orçamento do Congresso Americano, com a possível extinção da lei de estímulo fiscal – parte daquele milionário pacote de 787 bilhões de dólares aprovado em fevereiro para aquecer a economia dos EUA, lembram? –, graças à recuperação natural do país (isso é que é contradição), existe a real possibilidade Washington se deparar com o maior débito e queda no PIB em 50 anos.

E agora, com uma situação tão grave quanto os números apresentam, qual será a decisão de Obama? Diminuir a presença militar americana no exterior, mesmo diante de ameaças que provocam arrepios, como perder Afeganistão e o Paquistão nuclear para os talibãs? Ou manter as tropas no exterior e dividir a conta com os cidadãos que o elegeram?

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Imbróglio britânico atrapalha União Europeia

A confusão política instalada na Grã-Bretanha reflete o modo como seus dois maiores partidos enxergam o futuro do Reino Unido num mundo dividido por novas potências. Mencionei o assunto ontem e decidi dar continuidade a ele na medida em o debate britânico sobre o Tratado de Lisboa é ponto fundamental para moldar esta nova configuração das relações internacionais.

“Eurocêntricos” e “Eurocéticos”, como têm sido chamados, são os grupos que são favoráveis ou contrários à ratificação britânica do documento. O assunto tem sido discutido de maneira tão apaixonada justamente porque os rumos a serem seguidos têm um pouco de déjà vu para os ingleses. Afinal, há a real possibilidade de Tony Blair, primeiro-ministro entre 1997 e 2007, vir a se tornar o presidente europeu.

E, é claro, por si só a indicação de Blair já causa um grande desconforto ao Partido Conservador – os Tories, como são chamados.

O problema é que os Tories são apontados pelas pesquisas atuais como favoritos nas eleições de maio do ano que vem – lideram com 12 pontos.

David Cameron, líder do Partido Conservador e virtual primeiro-ministro no caso de uma vitória da legenda, não apenas é contrário à ratificação britânica, como ameaça convocar um referendo sobre o tratado quando assumir o cargo. O impasse europeu pode vir à tona uma vez que é bem possível que o Tratado de Lisboa entre em vigor até o final do ano – com as adesões de Polônia e República Tcheca. Mas como convocar o pleito com o tratado já em vigor? Ao que tudo indica, esta vai ser uma longa e complexa briga jurídica.

Este promete ser o próximo grande fator complicador a tomar conta da política europeia. Acho que vale explicar o assunto, já que evidencia a tendência de discussões internas do bloco.

Talvez ainda nostálgicos por um mundo em que o poder decisório estava restrito a alguns poucos países, a discussão britânica reflete um pouco desta balança cada vez mais pendente para os Estados emergentes. No caso específico da Grã-Bretanha, é curioso notar que artigo de Roger Boyes, do Times de Londres, defende a posição exposta aqui no texto de ontem: ou a UE se torna uma entidade supranacional também em questões relativas à política externa ou sua voz vai se tornar menos importante no cenário internacional.

A discussão envolvendo a disputa torna-se ainda mais marcante no Reino Unido, justamente por extrapolar para o cenário europeu a eterna briga entre conservadores e trabalhistas.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Um sinal de desespero na União Europeia

A verdade é que em meio a tantas questões internacionais tão palpitantes, não houve espaço para repercutir a decisão irlandesa confirmada no sábado de ratificar o Tratado de Lisboa, assunto já amplamente discutido anteriormente por aqui por conta das votações prévias na Europa. Como acho que a função do blog também é lançar luz sobre o que não foi abordado pela imprensa convencional, é importante contextualizar este fato.

Até porque penso que a ascensão brasileira e a mudança na configuração das relações internacionais explicam em parte a adesão irlandesa.

Em primeiro lugar, não custa lembrar que o Tratado de Lisboa tem com objetivo substituir a Constituição Europeia e criar novos aparatos de defesa e – olha aí! – relações exteriores, além de instituir um mandato mais longo para um presidente do Conselho Europeu.

Uma grande disputa política está esquentando o continente. Os empregos de presidente e ministro das relações exteriores envolvem uma briga de cachorro grande – é possível que Tony Blair seja escolhido para o cargo de presidente, mas não sem antes enfrentar o desgaste de uma grande discussão britânica sobre o assunto.

O que impede que a reforma aconteça imediatamente é uma cláusula simples, mas que prevê a aceitação do Tratado de forma unânime pelos 27 países da União Europeia. Até agora, foram 24 a aprovar o novo texto.

A discussão é grande. Editorial do Irish Times, da Irlanda, logo após o fim do referendo que terminou por apoiar o “sim” mostra bem a importância que recai sobre a decisão.

“Ela reafirma o quanto o povo irlandês está entre os mais entusiasmados defensores do projeto europeu. Os irlandeses entendem que nosso destino se encontra na UE, ainda mais em meio à mãe de todas as crises”.

Este é um ponto importante. Exatamente como mencionou o secretário de relações exteriores britânico, David Miliband:

“Não deve haver um G2 entre Estados Unidos e China, mas um G3 contando com a UE”.

Ou seja, num mundo em mutação, aprovar o Tratado de Lisboa é urgente ao projeto europeu de permanecer como um ator único, importante e com poder de barganha suficiente para encarar novas potências, como os BRICs, por exemplo. Isso ficou ainda mais claro após o último encontro do G20. Não haverá mais um cenário onde questões relevantes sejam decididas apenas entre os países europeus e os EUA ou mesmo entre estados do hemisfério norte.

Até porque, o foco está sobre recursos, população, clima, potencial econômico. E não há como discutir esses assuntos sem convidar os países em desenvolvimento para a mesa. A rapidez para aprovar o Tratado de Lisboa a toque de caixa mostra bem como, fragmentados, os países europeus podem e serão cada vez menos importantes neste novo mundo. E os dirigentes da UE estão desesperados quanto a esta possibilidade.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Impressões sobre as Olimpíadas no Rio

Fiquei um pouco reticente de escrever sobre a escolha do Rio, cidade onde vivo e nasci, como sede das Olimpíadas 2016. Primeiro porque, desde o anúncio do Comitê Olímpico Internacional (COI), na última sexta-feira, praticamente tudo o que poderia ser dito sobre o assunto já ocupou colunistas e reportagens; segundo porque, num primeiro momento, a decisão não tem relação direta com o que costuma ser tratado por aqui. Ou será que tem?

O COI é uma entidade privada que seguramente tem mais poder de pressão e barganha do que boa parte dos Estados nacionais. Esta é a premissa importante que, a meu ver, mostra uma mudança que já ocorre há muito tempo na dinâmica das relações internacionais. A FIFA é outro exemplo de organismo que desfruta de livre acesso a líderes e territórios no globo sem o ônus de organizações políticas multilaterais como as Nações Unidas, por exemplo.

Afinal, decisões tomadas na ONU costumam ferir interesses vitais de países – muitas vezes envolvendo questões estratégicas, como determinações acerca de disputas políticas, trocas de prisioneiros, intervenção externa etc. A entidade máxima do futebol, ao contrário, é cortejada sem jamais ter sido ameaçada ou criticada sistematicamente por seus membros.

Para entender melhor como a FIFA age nos bastidores da política internacional, recomendo a leitura de “Como Eles Roubaram o Jogo”, do inglês David Yallop.

De qualquer maneira, a escolha do COI mostra uma mudança nos parâmetros de valorização dos Estados. Receber os Jogos sempre foi uma exclusividade do chamado eixo Helena Rubinstein. A opção pelo Rio representa uma virada significativa e premia itens que vão aos poucos se consagrando relevantes no novo jogo de poder: uma economia em expansão com grande contingente populacional, parte integrante dos BRICs, com crescente e importante presença no cenário internacional e – é válido lembrar – que sofreu poucas consequências da crise que tomou conta do planeta.

Coluna publicada na prestigiada Foreign Policy pontua a relação entre esporte e política evidente desde a última sexta. Lula mais uma vez mostrou ser o cara e sua presença foi fundamental para a decisão do COI.

“O presidente brasileiro será recompensado por sinalizar a crescente influência internacional do país. Ou seja, os Jogos Olímpicos reafirmam a reputação do atual governo como líder entre as nações emergentes”, diz a revista.

A meu ver, no entanto, uma contradição ficou estampada nos comentários sobre a vitória: o fim do tal estigma de “colonizado”, lugar-comum repetido para valorizar ainda mais a escolha do Rio, soa estranho. Afinal, as obras serão realizadas por aqui e a cidade vai mudar graças à pressão e vigilância exercidas pelo próprio COI, instituição sediada em Lausanne, na Suíça, e presidida pelo belga Jacques Rogge.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Por que os argumentos de Ahmadinejad não são válidos

Aparentemente, houve progresso durante o primeiro encontro entre representantes das potências ocidentais e iranianos em Genebra, na Suíça. Num primeiro momento, há ao menos a intenção de um acordo quanto à permissão da visita de inspetores internacionais à nova usina descoberta por agentes secretos americanos. Aliás, é bom ter em mente que Ahmadinejad foi surpreendido pela declaração conjunta de Obama, Sarkozy e Brown, na última terça-feira, quando foram divulgadas as primeiras fotos de satélite da instalação secreta. E só graças a este fato novo Teerã optou por afrouxar um pouco sua posição quanto ao progresso do programa nuclear do país.

O gesto estratégico e de última hora comandado por Obama foi decisivo hoje. Afinal, os países ocidentais que tentam negociar com o projeto atômico iraniano puderam contar com o fator surpresa. E isso se mostrou eficaz. O ideal é mesmo que Teerã permita as inspeções e que se possa manter o funcionamento das usinas sempre às claras. Afinal, se como Ahmadinejad argumenta suas pretensões são totalmente pacíficas, não haveria qualquer necessidade de restringir o acesso dos funcionários da IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica, sigla em inglês). Esta é a premissa na qual acredito.

O problema é que há muito tempo o Irã aposta na confusão para ganhar tempo. Por exemplo, quando cerca de três semanas atrás divulgou um comunicado listando exigências para aceitar negociar, inseriu demandas que nada tem a ver com suas usinas nucleares. Apenas para citar dois dos tópicos surreais, a lista mencionava que a República Islâmica estava disposta a debater a exploração do espaço – sim, é isso mesmo! – e a pirataria internacional. De fato, é legítimo que o Irã e os demais países sejam chamados a opinar sobre ambos os assuntos. Mas nos fóruns internacionais destinados a eles, não no primeiro diálogo com os ocidentais depois de 30 anos. Soou como ironia.

Seja como for, um leitor argumentou que Ahmadinejad teria direito a manter sob sigilo a nova usina durante um ano. Isso está equivocado duplamente. Primeiro porque o argumento usado pelo próprio presidente iraniano não foi esse, mas sim que poderia avisar à IAEA até 180 dias antes de a instalação receber material nuclear pela primeira vez – e, de fato, as autoridades iranianas fizeram isso mesmo.

O problema é que esta é a diretriz antiga do Código 3.1 das normas da IAEA. As regras da agência foram revisadas e, desde 2003, o código foi atualizado. O item 3.1 – a versão corrente da cláusula citada por Ahmadinejad – exige que os Estados notifiquem a IAEA assim que seja tomada a decisão de se construir uma nova instalação. E, sabe-se, isso não foi feito.

Em março de 2007, o Irã comunicou que não estaria mais vinculado a esta nova cláusula. O acordo, entretanto, foi assinado entre a República Islâmica e a Agência – que jamais aceitou a ruptura iraniana. Ponto final.

PS: amanhã não terei condições de escrever. O próximo texto será publicado na segunda-feira.