sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Estudo do governo americano provoca polêmica internacional

A divulgação do relatório anual do Departamento de Estado norte-americano sobre os direitos humanos no mundo causou uma grande crise diplomática. As conclusões do estudo marcam o fim da era de aprovação do governo Obama até mesmo por países resistentes ao diálogo com os EUA. Mas, por mais óbvio que seja o descontentamento dos criticados, Washington decidiu seguir uma linha coerente que justifica a própria mudança proposta pelo novo governo dos Estados Unidos.

É desta maneira que pensa Elisa Massimino, diretora executiva da ONG Human Rights First.

“A administração Obama foi rápida ao identificar um dos principais motivos pelos quais a promoção dos direitos humanos no mundo é tão importante: o dano causado à credibilidade internacional do país nos últimos oito anos. A prioridade é reafirmar ao mundo que os EUA apoiam os princípios básicos dos direitos humanos para criar a expectativa de que outros governos façam o mesmo”, diz.

Mas este raciocínio não serviu para acalmar os ânimos de Rússia, China, Venezuela, Egito, Bolívia, Zimbábue, Egito, Sudão e outros que são citados como exemplos negativos de preservação dos direitos humanos. Por parte desses países, muita reclamação e acusação de que o relatório tem objetivos políticos. Pode ser, aliás, é bem provável que seja isso mesmo. Mas e daí?

Acho interessante mencionar algumas das conclusões do documento em relação a países que adotam cada vez mais posições antiamericanas.

A Rússia foi criticada pelos esforços de seu governo de se consolidar no poder através de uma legislação complacente e eleições injustas. A China, além de ter sido acusada de desrespeitar os direitos humanos, também foi mencionada por aprofundar a perseguição a minorias étnicas e dissidentes.  

Já em relação à América do Sul, a Venezuela foi citada por conta do Judiciário comprometido politicamente e a perseguição a meios de comunicação que discordam de Chávez. A Bolívia entrou no estudo em situação menos grave; foi lembrada apenas por abusos das forças de segurança, condições ruins das penitenciárias, prisões ilegais e ameaças à imprensa e aos direitos legais.

Este é um estudo que vai determinar a política externa norte-americana. A grita generalizada qualifica o relatório de direcionista, odioso e de usar julgamentos ambíguos dependendo das relações entre os EUA e os países examinados.

A China foi mais longe e afirmou que o objetivo é usar o documento para interferir nos assuntos domésticos alheios. No fundo, ninguém gosta de levar chamada de fora, mas o fato é que os Estados Unidos têm o direito de produzirem estudos sobre o que quiserem. E os direitos humanos parecem ser um tema interessante a ser abordado por um governo que gerou tanta esperança de mudança.

Mas governos não são instituições beneficentes. O altruísmo vale apenas para os pobres mortais e, em tempos de crise, para cada vez menos. Naturalmente, é preciso enxergar os objetivos econômicos por trás de uma pesquisa cara e trabalhosa como esta.

“O cálculo é simples: violações de direitos humanos contribuem para instabilidade, insegurança e falta de transparência que exacerbam crises e ameaçam os interesses americanos no exterior. Enquanto a proteção dos direitos – incluindo os trabalhistas, dos sistemas legais e de responsabilidade oficial – ajuda  no avanço econômico e na segurança internacional”, diz Massimino.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O bispo Williamson, o Holocausto e a crise econômica

A questão de bastidores das declarações do bispo Williamson sobre o Holocausto é bem mais profunda do que simplesmente negar a morte de seis milhões de judeus nas câmaras de gás nazistas. O religioso expulso por nossos vizinhos argentinos é contrário mesmo às resoluções do Concílio Vaticano II, cuja aprovação completa 50 anos em 2009.

Além de simplesmente determinar uma série de modificações na prática católica, ele pode ser considerado uma pá de cal oficial em uma visão de mundo retrógrada responsável por inúmeras perseguições em nome da fé.

Menos de três meses após tomar posse como papa, João 23 convocou um concílio internacional de bispos para reformar o catolicismo. O objetivo, segundo sua própria justificativa na época, era resgatar a Igreja da era de trevas e levá-la para o mundo moderno. Chegara o momento de abrir as janelas e permitir a entrada de novos ares.

Mesmo com a morte do papa em 1963, o concílio continuaria e, dois anos depois, seria encerrado sob o comando de Paulo 6. As modificações aprovadas mudaram profundamente a Igreja romana. A partir daquela data, as missas passaram a ser celebradas no idioma de cada país, não mais em latim; o laicismo passou a ter mais liberdade; e os padres começaram a rezar de frente para os fiéis.

Outra grande mudança – e aí o bispo Williamson volta a ser importante – é que o Concílio Vaticano II determinou o fim da tese do deicídio, ou seja, de que o povo judeu carregaria a eterna culpa e seria mesmo responsável pela morte de Jesus. Não apenas isso, mas ficou estabelecido que o antissemitismo deveria ser combatido.

Uma parcela menor dos católicos, entretanto, negou as resoluções do concílio, chamando-as de hereges e classificando-as como um trabalho do demônio. Williamson comunga dessas ideias e por isso expôs algumas delas na entrevista concedida em janeiro à televisão sueca.

Mas isso está longe de ser um fato isolado. Pesquisa recente conduzida pela Liga Antidifamação (ADL), dos Estados Unidos, mostra que 23% dos europeus de hoje ainda culpam os judeus pela crucificação, acusação que alimentou atos antissemitas ao longo dos séculos.

Para a colunista do Philadelphia Inquirer Trudy Rubin as declarações do bispo não podem ser consideradas como um ato pontual. Para ela, a tendência é que a crise financeira mundial impulsione ainda mais manifestações públicas de antissemitismo.

“Como no passado, crises econômicas globais geram tendências xenófobas, como o antissemitismo, que ainda não conseguimos combater. Eles são sinais de reviravoltas políticas futuras”, escreve.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Bibi pode se tornar o próximo primeiro-ministro israelense. Mas nada é tão simples quanto parece

A partir de hoje, o líder do Likud, Benjamin Netanyahu, terá seis semanas para formar a maioria no parlamento israelense e aí sim assumir o cargo de primeiro-ministro do país. Após se encontrar com o presidente Shimon Peres, lançou um apelo por uma coalizão capaz de manter um governo de unidade nacional. Isso pode até acontecer, uma vez que nenhum cenário está descartado de vez.

Na pauta de Bibi a prioridade é a segurança. E para alguém que considera o Irã a principal ameaça à existência de Israel, as notícias divulgadas nesta semana pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) são animadoras. Ou desanimadoras, dependendo do ponto de vista.

Segundo comunicado da agência, oficiais da IAEA descobriram que a República Islâmica produziu mais material nuclear do que se acreditava antes. Seria uma tonelada de urânio enriquecido que poderia gerar 20 quilos de material físsil – suficiente para uma bomba.

Em entrevista ao Financial Times, David Albright, diretor do Instituto de Ciências e Segurança Internacional, afirma que a decisão de produzir armamento nuclear está nas mãos dos dirigentes iranianos.

“Se o Irã quiser obter (armamento nuclear), estamos entrando numa era na qual ele pode fazê-lo rapidamente”, diz.

Mas a estratégia de abordagem de Netanyahu ainda é uma simples hipótese. Até porque ele quer contar com o apoio de Livni e das 28 cadeiras do Kadima. Mesmo que ela tenha concordado em se encontrar com o líder do LIkud, é pouco provável que aceite se aliar à direita israelense. 

É interessante, mas Livni tenta agir sem o pragmatismo responsável por sua vitória nas urnas. Os eleitores a elegeram em boa parte para evitar um governo do Likud. Mas ela mesma mantém um discurso ideológico que explica sua aversão a Bibi. É estranho, mas não incoerente.

Em entrevista ao Haaretz, a líder do Kadima disse que não se uniria a um governo que inclui o partido ortodoxo Shas, Habayit Hayehudi e o União Nacional. Mas pode participar de uma coalizão formada apenas por Likud, Kadima e Yisrael Beiteinu.

“Netanyahu nos pediu para aderir a uma coalizão com o Shas – que pede que eu pare de negociar com os palestinos –, além desses partidos e do próprio Bibi, que se recusa a conversar sobre uma solução baseada em dois Estados. Não teria como explicar a meus eleitores qual seria meu papel num governo como este”, diz.

É claro que a ideologia não é a única motivação de Livni. Sem o Kadima, a direita vai manter uma maioria tênue com apenas 65 cadeiras.

Mas nem todo mundo concorda com a oposição da legenda. Para o jornalista Gil Hoffman, do Jerusalem Post, Livni deveria aceitar o convite de Netanyahu e se manter como a mulher forte do governo, possivelmente entrando para a história numa gestão que promete não se abster de lidar com grandes dilemas israelenses. Em artigo publicado nesta sexta-feira, ele compara Shimon Peres e Al Gore como figuras que não venceram eleições, mas tiveram relevância na política internacional recente.

“Peres e Gore podem até ser perdedores, mas ambos são detentores de prêmios Nobel que conseguiram unir seus países mesmo num período tardio da carreira dos dois. Gore mobilizou o mundo para se preparar para os desafios impostos pelo aquecimento global. Israel está diante de uma ameaça por parte do Irã. Livni poderia ajudar Netanyahu a apresentar uma frente unida para combater este perigo”, escreve.

PS: a coluna volta na quarta-feira de cinzas. Bom carnaval a todos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Os Estados Unidos vão à Ásia

Na primeira visita da secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton à Ásia não há nada de muito novo para se ver. A Coreia do Norte continua com ambições nucleares, prepara novos testes de mísseis de longo alcance, e a imprensa internacional especula sobre a saúde de Kim Jong-il. Poucas horas após o desembarque da americana na Coreia do Sul, entretanto, o governo de Pyongyang divulgou um comunicado afirmando que suas tropas estão “completamente prontas para a guerra”. É mais uma reviravolta numa situação que o governo Bush pensava ter controlado. É a derrota retroativa da ex-administração de Washington.

Como negociar parece ser a característica mais exaltada pelo corpo diplomático de Obama, Clinton reforçou esta característica, segundo declaração publicada pela BBC.

“Nosso objetivo é alcançar uma estratégia eficiente para influenciar o comportamento dos norte-coreanos num momento em que a liderança do país parece pouco clara”, diz.

E este é um ponto importante. Em algum momento Kim Jong-il vai morrer. E ninguém sabe precisar quem será seu sucessor e, principalmente, quais serão suas prioridades em relação à política externa. Até porque a Coreia do Norte mantém um arsenal nuclear, e as perspectivas podem se tornar assustadoras caso o uso do armamento fique a cargo de um líder mais jovem e de pretensões desconhecidas.

O oficial do Departamento de Estado Philip Zelikow resume a situação a partir de considerações quanto à resolução de mais este nó internacional.

“Como aconteceu em 2006, existe a possibilidade da escalada de um discurso violentocontra a Coreia do Sul. Os Estados Unidos devem considerar sua própria segurança, do aliado Japão e da também aliada Coreia do Sul. Num cenário ideal, todos devemos chegar a um entendimento comum sobre o que deve ser feito para manter o status de segurança em longo prazo”, diz

O problema é que este acordo já foi alcançado no ano passado após seguidas rodadas de negociações. E os norte-coreanos descumpriram a premissa básica do desarmamento. Para piorar, agora recrudescem o discurso e ameaçam atacar Seul. Mais um tremendo pepino para Obama resolver.
EUA e Japão

A visita da secretária Clinton à Ásia foi bastante comentada pela imprensa local. Mais além de interromper as ambições bélicas de Pyongyang, o governo dos EUA pretende reforçar laços importantes na região, como é o caso do Japão, por exemplo.

É curioso com as relações entre os dois países mudaram ao longo do tempo. Já foram inimigos durante a Segunda Guerra Mundial; concorrentes na década de 1980, quando muitos acreditaram seriamente que a economia japonesa estava para desbancar a norte-american; e hoje aliados, muito porque o regime ditatorial de China e Coreia do Norte tornaram o papel de Tóquio evidente para as pretensões americanas na região.

Mas é curioso notar como o foco do editorial de hoje do Japan Times é diferente do resto da cobertura ocidental. Uma das preocupações apresentadas pelo jornal diz respeito aos relações militares entre os países.

“Os Estados Unidos priorizam as relações nipo-americanas por conta de uma estratégia maior na região da Ásia e do Pacífico. Os americanos podem requisitar maior presença japonesa no processo de estabilização de Paquistão e Afeganistão. O Japão deve estudar uma abordagem própria baseada em seus princípios e só então apresentá-la com clareza aos EUA antes que Washington determine o que devemos fazer”, diz o artigo de um dos principais diários do país.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Bola da vez à Obama

Não por acaso, na mesma semana em que o governo do Paquistão praticamente cedeu parte de seu território ao Talibã, o presidente Obama decidiu enviar mais 17 mil soldados para o Afeganistão. Vencer a guerra contra o terrorismo no país não é apenas um fator estratégico regional, mas seria uma vitória pessoal e importante do atual governo americano. Muito embora é preciso deixar claro que os objetivos de Washington hoje são bem mais modestos que os de George W. Bush.

Segundo o jornal USA Today, para o secretário de defesa, Robert Gates, e demais oficiais da área, é preciso diminuir as expectativas no Afeganistão. Isso significa que os EUA se darão por satisfeitos em sua missão no país quando as tropas ocidentais forem capazes de ao menos dar segurança para a população local. A meta é muito mais modesta do que o messianismo de Bush. O ex-presidente americano não escondia de ninguém que segurança não era suficiente. Para ele, o ideal seria manter um Afeganistão seguro, mas também – e principalmente – democrático.

Agora, com a situação se deteriorando também no aliado Paquistão, foi preciso adaptar o discurso ao momento político. E foi esse o recado do comunicado oficial divulgado pela Casa Branca nesta terça-feira.

“O Talibã ressurgiu no Afeganistão, e a al-Qaeda dá apoio aos insurgentes ameaçando os EUA a partir da sua zona de conforto ao longo da região de fronteira com o Paquistão. O aumento de tropas é necessário para a estabilização deste cenário”, diz o informe.

O envio de mais 17 mil soldados é apenas o primeiro passo no plano de aumentar consideravelmente o efetivo no país. Atualmente contando com 36 mil militares, as forças de combate americanas devem ser fortalecidas por mais 30 mil soldados neste ano. Se somados aos já 143 mil militares no Iraque, mais de 200 mil americanos estarão em ação no Oriente Médio.

Longe de ter o único objetivo altruísta de pacificar o Afeganistão, Obama enxerga o conflito como uma oportunidade de vencer uma guerra “sua” no amplo combate ao terror, já que os americanos associam a guerra do Iraque ao ex-presidente Bush.

“É bastante claro que o Partido Democrata tornou o Afeganistão um símbolo de sua luta contra o terrorismo”, diz o cientista político Richard Eichenberg.

Vale tudo

É triste decepcionar tanta expectativa, mas a administração Obama revelou – meio às escondidas, é verdade – que não pretende descartar de vez todos os métodos de combate ao fundamentalismo empreendidos por Bush.

Figuras importantes do governo endossaram a abordagem da CIA de transferir prisioneiros para outros países sem necessidade de terem seus direitos legais exercidos. Além disso, a agência poderá manter reclusos suspeitos de participação em atos terroristas sem que eles tenham sido julgados.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Paquistão joga a toalha

A notícia não teve grande destaque nos jornais brasileiros. Mas, a partir de hoje, o mundo vai ter o privilégio de assistir com segurança e distância qual será o destino do Paquistão. O país foi o primeiro a oficialmente ceder parte de seu território para o extremismo. Tudo em nome da “integridade e da população”, muito embora, contraditoriamente, deixar o Talibã governar parte importante do território noroeste paquistanês seja, em última instância, abrir mão da soberania nacional.

O governo de Islamabad decidiu propor uma singela troca aos talibãs. O exército vai interromper as tentativas – todas infrutíferas – de acabar com as atividades do grupo. Em compensação, haverá uma trégua que permitirá às autoridades paquistanesas realmente se esquecerem de vez da região do Vale do Swat.

A intenção é acabar não apenas com os bombardeios dos Estados Unidos aos membros do Talibã que já dominam cerca de 70% do noroeste do país. O objetivo é concentrar os esforços militares na rivalidade histórica com os indianos na Cachemira, já que, após mais de um ano e meio de luta, incrivelmente os 3 mil talibãs não foram derrotados pelos 12 mil soldados que compõem as tropas oficiais.

Quem perde com a decisão é, no final das contas, os 1,3 milhão de habitantes do Swat, que são absolutamente contrários à presença do Talibã. Nunca é demais lembrar que são esses talibãs os responsáveis por queimar escolas para mulheres e jogar ácido no rosto de meninas que insistem em cometer o abuso de frequentar as aulas.

Por tudo isso, nas eleições legislativas do ano passado, a maioria esmagadora dos moradores de Swat votou no Partido Nacional Awami, legenda que defende ideais laicos. Mesmo assim, o Estado não hesitou em fazer um acordo com os talibãs.

Entrevistado pelo The New York Times, o ministro de informações insistiu em reafirmar a preocupação governamental com a população.

“A vontade popular do povo de Swat está no centro de todos os nossos esforços”, disse.

Se a criação de um Talibastão é mais um enorme desafio para o governo Obama, esse cenário desastroso servirá ao menos para colocar em prática o desejo de muitos daqueles que defendem a teoria de que o terrorismo não é o fim, mas um meio.

Muito embora o terrorismo prove a cada dia não ser motivado ideologicamente por nada além da simples reprodução da violência, ainda há românticos ocidentais que acreditam mesmo que, se o objetivo desses grupos for realizado, o mundo será um lugar tranquilo onde todos conviverão em paz e harmonia. Os objetivos são variados: a libertação da Cachemira, da Chechênia, a deposição da monarquia saudita, a criação de um Estado palestino etc.

Particularmente, sou bastante contrário a esta teoria. Acho que o terrorismo é um fim em si mesmo. Se seus objetivos forem alcançados, outros novos serão inventados para substituí-los.

Afeganistão

A capitulação oficial do Paquistão é anunciada simultaneamente à divulgação de um dado que piora ainda mais a guerra contra o terrorismo. Segundo relatório da ONU, o número de civis mortos no Afeganistão aumentou 39% no ano passado. É a proporção mais expressiva desde a invasão ao país, em 2001.

Os talibãs foram responsáveis por 55% do total de 2.118 mortos; enquanto as forças dos EUA, OTAN e Afeganistão, por 39%.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Chávez pra quem fica

Num mundo cada vez mais conectado, a revolução bolivariana de Chávez ganhou uma batalha importante. O presidente venezuelano poderá concorrer a reeleições indefinidas. O problema é que os mercados não gostaram nem um pouco desta notícia. E prometem dificultar ainda mais as ambições socialistas, sob a perspectiva econômica.

Na prática, a situação é bem simples. A Venezuela é a maior exportadora de petróleo do continente americano. O óleo cru responde por 93% das vendas internacionais do país. O problema é que o próprio Chávez criou uma sinuca em suas estratégias políticas.

Seus discursos inflamados e o alinhamento com parceiros como Irã e Síria acabaram por deixar os investidores internacionais – não tem jeito, todo o mundo depende deles – receosos de colocar dinheiro ou fazer negócios com o país. Soma-se a isso a desvalorização de 74% do valor do óleo cru desde julho do ano passado. Hoje, a Venezuela tem a maior taxa de inflação – cerca de 30% ao ano – dos países latino-americanos.

O quadro econômico mostra grande dificuldade de Caracas saldar seus 46 bilhões de dólares em dívidas. Segundo a agência Bloomberg, os gastos do governo aumentaram de 23%, em 1998, para 36%, em 2007.

Mas, como reduzir as análises ao campo econômico é ingenuidade, é preciso apresentar outros números. A vitória apertada de Chávez (54,4% a 45,6%) mostra uma sociedade polarizada ideologicamente em termos que, curiosamente, lembram o maniqueísmo da era Bush. Entretanto, a aprovação do “sim” ratifica os ganhos sociais dos últimos dez anos.

Os partidários do governo lembram a democratização ao acesso à saúde e educação empreendida por Chávez. Segundo dados do Ministério da Informação, houve uma redução substancial na taxa que mede a pobreza extrema: ela era de 42%, em 1998, e passou a somente 9,5%, no ano passado.

A Venezuela de Chávez investe cerca de 4,2% do PIB em saúde (no Brasil, a média não passa de 3,5% por ano) e o governo se comprometeu a aumentar esta taxa ainda mais. Fora isso, há a bem-sucedida campanha de erradicar o analfabetismo.

A BBC ouviu os dois lados da moeda. Os chavistas lembraram todos os benefícios do governo já citados. A oposição declarou que, segundo dados da ONG Transparência Internacional, a Venezuela é hoje o país mais corrupto da América Latina – atrás somente do Haiti.

Direcionismo

O jornalista Venezuelano Francisco Toro critica a própria campanha que mobilizou o país. Segundo escreveu em coluna publicada no jornal inglês The Guardian, Chávez transformou o Estado venezuelano num apêndice da campanha do “sim”.

“A propaganda do ‘sim’ decora os espaços públicos, inclusive escolas, hospitais, agências governamentais, pontos de coleta de impostos, O Instituto Nacional de Treinamento para o Trabalho e até mesmo os assentos do Congresso Nacional. Quase todos os sites do governo exibem o banner do ‘sim’”, diz.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Mais problemas a caminho

O jornal árabe publicado em inglês Al-Hayat informa em sua edição de hoje que o Hamas estaria pronto para assinar um acordo com Israel já na próxima semana. O grupo se comprometeria a devolver o soldado Gilad Shalit, sequestrado em 2006, em troca da libertação de mil palestinos presos em Israel. Mas, quanto mais informações vêm à tona, menor é o ânimo em relação à possibilidade de um período de tranquilidade na região.

O negociador egípcio Omar Suleiman diz que ainda há quatro obstáculos para a obtenção de uma trégua de longa duração entre as partes: o lançamento de mísseis qassam que perdura apesar do cessar-fogo; a construção de uma barreira entre Gaza e Israel; o compromisso do Hamas de respeitar a trégua; e a interrupção do contrabando de armas para Gaza.

Parece piada, mas infelizmente não é. Fica difícil acreditar que um acordo será assinado quando o principal articulador afirma que simplesmente as premissas básicas não foram aceitas. Como a trégua de “longa duração” – 18 meses é tempo demais para a paz – está para sair quando uma das partes afirma não estar sequer disposta a respeitá-la?

Mesmo que apesar das circunstâncias um acordo seja obtido, Israel viveria a situação conhecida como “cobertor curto”. É esta a denúncia de Tony Karon, da revista Time, dos Estados Unidos.

Segundo suas fontes, existe hoje uma grande insatisfação por parte dos militantes do Fatah, de Mahmoud Abbas. Eles acreditam que é chegada a hora do grupo romper as negociações com Israel. Por dois motivos: o presidente da Autoridade Palestina acabou enfraquecido e marginalizado a partir do momento em que a realidade forçou Israel a negociar trocas de prisioneiros e acordos de cessar-fogo com o Hamas. Justamente porque foram os extremistas do grupo que conseguiram criar problemas graves para Israel resolver.

O outro ponto é que, com Olmert no poder, o Fatah não conseguiu alcançar seus objetivos. As eleições israelenses evidenciam que o próximo governo deve ser ainda mais cauteloso ou mesmo resistente às negociações.

“Sob a perspectiva palestina, os oito últimos anos à espera de conversações com Israel deixaram Abbas de mãos vazias, enquanto o recente conflito em Gaza colocou o Hamas numa posição mais privilegiada do que nunca diante da opinião pública interna”, diz.

Com alguns dos membros do Fatah apresentando como alternativa o início de uma terceira intifada, o jornal Haaretz informa que Abbas vem conduzindo uma campanha internacional nas últimas semanas de forma a isolar internacionalmente um possível governo do Likud. 

De acordo com uma fonte de Jerusalém, os líderes de França, Grã-Bretanha e Itália prometeram ao presidente palestino que não permitirão ao próximo governo israelense “congelar” as negociações de paz.

“Vocês se recusaram a cooperar com o Hamas porque ele não se enquadra nas condições do Quarteto (grupo mediador do processo de paz formado por UE, Estados Unidos, Rússia e ONU) de combate ao terrorismo e reconhecimento de Israel. Vocês terão de adotar a mesma postura em relação a um governo israelense que se oponha à criação de um Estado Palestino e a negociações sobre questões fundamentais”, teria dito. 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O mal em estado puro

Há pouco recebi um email de uma colega jornalista convocando para uma manifestação em frente ao consulado da Suíça no Rio de Janeiro. A ideia é demonstrar o quanto nós, brasileiros, deploramos o ataque neonazista sofrido pela advogada Paula Oliveira.

Não houve qualquer resposta à convocação da colega. Cada um tem sua vida, trabalho e preocupações. Mas não me lembro de nenhum episódio recente que merecesse uma resposta proporcional à barbaridade cometida contra a brasileira. Até nosso pacato povo precisa se mobilizar de vez em quando. Que não seja contra a corrupção – porque essa já passa despercebida mesmo, ao que parece – que nós todos nos levantemos contra um ato sórdido como este.

Paula não foi apenas vítima de uma desumanidade atroz, como também teve seus dois filhos assassinados antes mesmo de nascerem.

Tragicamente, a violência sofrida por ela ocorre num momento em que o Papa reabilita membros da Igreja que negam o Holocausto. Não faz muito tempo, o presidente iraniano promoveu um concurso de caricaturas para caçoar do Holocausto. 

O fato é que ataques neonazistas continuam a acontecer. No caso da Suíça, especificamente, a participação política do SVP – o partido nacionalista cujas iniciais foram marcadas à estilete no corpo de Paula – vem crescendo nos últimos anos. Dentre os objetivos da legenda, estão a oposição à presença de imigrantes e refugiados e também a proposta de isolar o país. O SVP defende, por exemplo, a exclusão da Suíça da ONU e da União Europeia.

Entretanto, o extremismo na Europa não é exclusividade Suíça. Pelo contrário. Nos últimos anos, atos neonazistas têm aumentado no continente. Mais do que simplesmente ser palco de ataques a imigrantes, a crise financeira fortalece opiniões que andavam em voga nos anos 1930 e foram fundamentais para a concretização do Holocausto.

Pesquisa realizada pela Liga Antidifamação, dos Estados Unidos, mostra que parte importante da população europeia partilha de uma mentira que se tornou verdade no período anterior à ascensão do nazismo. O estudo – realizado em sete países do continente entre 1 de dezembro de 2008 e 13 de janeiro de 2009 – mostra que 31% dos entrevistados acreditam que os judeus são culpados pela crise financeira global.

Diante das incertezas econômicas, os preconceitos se reinventam para continuar a existir. E a culpa é socializada entre todas as minorias que não compõem a imaginária e inexistente pureza europeia.

Histórico suíço

A relação entre a Suíça e o nazismo é mais estreita do que muitos podem pensar. Um estudo sobre o papel do país durante o nazismo composto por 26 volumes de documentos mostra que as relações das autoridades suíças com a Alemanha ajudaram a prolongar a guerra.

Mais ainda, a pesquisa conclui que cerca de 110 mil refugiados judeus que tentaram entrar no país tiveram acesso negado, mesmo com o conhecimento por parte do governo suiço de que seriam enviados para campos de concentração.

No campo financeiro, os bancos suíços confiscaram o dinheiro de 500 mil judeus que, antes da guerra, tinham conta nas instituições. Posteriormente, os bancos se recusaram a devolver a quantia aos parentes dos mortos sob a alegação de que eles não possuíam as certidões de óbito dos campos nazistas.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Primeiras conclusões em meio ao caos político israelense

As eleições israelenses terminaram. Ou melhor, parecem apenas ter começado. Ou melhor, ninguém sabe ao certo coisa alguma. O resultado altamente indefinido mostra o quanto é difícil governar um país cujo sistema eleitoral foi criado para representar todos os pontos de vista sobre todos os assuntos. Em Israel há desde os conhecidos Kadima, Likud e Trabalhista até o curioso partido comunista misto entre árabes e judeus e também o da Folha Verde, que defende, bem, a legalização da maconha.

O fato é que com uma cadeira de diferença no parlamento, o Kadima venceu o Likud, numa virada interessante. Mesmo com o Partido Trabalhista obtendo sua derrota mais expressiva, os eleitores que rejeitavam um governo de Netanyahu optaram pelo voto útil no Kadima. Funcionou. Até certo ponto.

Justamente porque Livni pode não ser a vitoriosa de fato. Tudo por culpa do sistema eleitoral que, mesmo tendo o mérito de representar as distintas correntes de pensamento e opinião, impede o exercício da liderança no país.

Para entender, é simples: são 120 cadeiras no Knesset, o parlamento israelense. O bloco de centro-esquerda, onde se encontra o Kadima, precisa cortejar os demais partidos de forma a ter maioria.

E este é outro ponto interessante. O Israel Beitenu – de Avigdor Lieberman, e suas 15 cadeiras conquistadas nas eleições – é o partido mais assediado por Livni e Netanyahu. É óbvio, mas não custa repetir: quem conquistar o apoio de Lieberman será o próximo primeiro-ministro de Israel.

O verdadeiro vitorioso

Com um discurso que mistura críticas ao sistema eleitoral, educativo, civil e religioso, Lieberman sai fortalecido das eleições. Ele será o fiel da balança daqui por diante. O jornalista do Jerusalém Post Shmuel Rosner apresenta uma visão diferente para explicar o sucesso do candidato.

“Israel pode não ter votado necessariamente por uma mudança do mapa. Mas sim pela mudança do sistema político. O que quer que alguém pense sobre as consequências desta eleição, está claro para a maioria dos observadores que esta situação não pode continuar: partidos políticos não podem governar com menos de um quarto dos mandatos. Um primeiro-ministro não pode fazer política seriamente quando é obrigado a se comprometer com tantos partidos e sobre tantas questões apenas com o objetivo de manter a coalizão”, escreve.

Hoje mesmo, diante deste quadro, Lieberman foi procurado pelos negociadores de Likud e Kadima. Livni disse a ele que os resultados eleitorais deram a chance de se formar um governo de unidade nacional.

“Esta é a oportunidade para avançarmos em questões que também são importantes para você”, disse ao líder do Israel Beitenu.

Mesmo em terceiro lugar, Lieberman alcançou parte de seus objetivos: tornar-se uma figura política importante em qualquer que seja o governo e levar sua agenda de prioridades para o centro das discussões. Só para lembrar, ele é o único que tem um plano – absolutamente controverso – para solucionar o maior dilema de Israel nos próximos anos: permanecer como um Estado Judeu. 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Eleitores israelenses privilegiam pragmatismo

A campanha eleitoral israelense começou fria, mas, como a própria região, esquentou de maneira rápida e dramática. A grande novidade é a ascensão do nacionalista Avigdor Lieberman e de seu partido, o Israel Beitenu (Israel A Nossa Casa). Seja lá quem for o eleito – muito provavelmente Benjamin Netanyahu, do Likud – terá de formar um governo de coalizão. Como de costume, a sociedade israelense está dividida. Mas, dessa vez, há algumas importantes mensagens que podem ajudar a entender os dilemas pelos quais o país está passando.

Ainda sob o impacto prático-midiático da incursão em Gaza, boa parte dos israelenses optou pelo o que a imprensa internacional vem chamando de “o linha-dura”, Bibi. Olhando de fora do país, boa parte da opinião pública mundial tem interpretado a possível vitória do candidato do Likud como um voto de confiança a alguém que simplesmente não pretende negociar com o Hamas, não quer dividir Jerusalém e tem sérias restrições à criação de um Estado palestino. Pode ser, mas não é só isso.

De certa maneira, o voto no Likud pode ter origem comum ao crescimento de Lieberman, que pode ultrapassar o Partido Trabalhista de Ehud Barak e relegar a histórica legenda de centro-esquerda a uma vexatória quarta posição. Pode ser também a confirmação à doutrina fundadora do Kadima, em novembro de 2005. Mais além, pode ser um voto nostálgico em Ariel Sharon, em coma desde janeiro de 2006.

No final das contas, os israelenses estão dispostos a eleger candidatos que proponham mudanças práticas. Não somente em relação às negociações com os palestinos, mas também quanto a reformas econômicas e sociais.

Sobre o conflito árabe-israelense – e o palestino especificamente – Bibi e Lieberman têm um ponto em comum e que se destaca nesta campanha. Cada um a sua maneira defende soluções radicais, definitivas. No caso do Likud, a proposta já é conhecida há bastante tempo. Um Estado palestino só será viável quando ele não representar qualquer ameaça a Israel.

Para Lieberman, a solução envolve um plano polêmico e bastante trabalhoso. Ele propõe abertamente a revisão das fronteiras de Israel e do território em boa parte controlado pela Autoridade Palestina; da Cisjordânia, mais especificamente. Seu ponto de vista é que cidades do norte de Israel majoritariamente habitadas por população árabe deverão ser englobadas pelo futuro Estado palestino. Em troca, assentamentos judeus construídos dentro do atual território palestino passariam a fazer parte de Israel.

A mensagem das urnas é que os israelenses estão cansados de discursos ideológicos que muitas vezes não levam a lugar nenhum. Boa parte da opinião pública também acredita que medidas práticas devem ser tomadas o quanto antes, principalmente após a posse de Barack Obama. Foi assim que Sharon agiu em 2005 ao se retirar de Gaza. Unilateralmente e justamente sob o argumento da impossibilidade de manter 1,5 milhão de árabes sob controle israelense.

E este é um ponto importante, já que Israel vive o dilema da manutenção de seu caráter judaico. Em longo prazo, os atuais 1,5 milhão de árabes-israelenses poderão mudar a situação na prática – a taxa de natalidade entre os árabes é superior a dos judeus.

Por mais polêmico que seja o plano de Lieberman, ele é o único que até o momento apresenta uma proposta clara – e altamente criticável – de abordar esse impasse que é intrínseco à formação de Israel.

E por isso ele já é o maior vencedor dessas eleições. Mesmo não sendo eleito primeiro-ministro. Parece complicado. E é mesmo. 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Saldo positivo nas eleições iraquianas. Mas sem euforia

Mais de 14 mil candidatos participaram das eleições provinciais iraquianas realizadas no último sábado. Os resultados oficiais apontam a vitória do partido Dawa, do primeiro-ministro Nuri al-Maliki. A legenda recebeu a maioria dos votos, mas não houve unanimidade. Para governar o país será preciso formar coalizões. Por si só, isso já é uma tremenda evolução, levando-se em conta que Saddam Hussein costumava ser eleito com mais de 90% de aprovação popular...

Por outro lado, há denúncias de fraude. A ONG Tamouz, contratada pelos Estados Unidos para monitorar as eleições, relatou problemas envolvendo o conteúdo de cédulas em Falluja.

De qualquer maneira, segundo a opinião de analistas do The New York Times, o povo iraquiano enviou uma mensagem ambígua a suas lideranças políticas: a maior parte da população é favorável a um governo central forte em detrimento à pulverização do poder entre as regiões do Iraque. Ao mesmo tempo, porém, os eleitores demonstram que não querem que o poder fique concentrado nas mãos de um único partido.

Quase seis anos após a queda de Saddam, os iraquianos parecem ter amadurecido bastante precocemente para o regime democrático. Tanto que, como mostra o resultado eleitoral, deixam um recado avesso a maniqueísmos. Muito pelo contrário, estão em busca de um país baseado em complexas articulações.

Segundo o jornal norte-americano, a população do Iraque respondeu com entusiasmo aos candidatos que tinham como plataforma política a formação de um país unido, muçulmano, mas não sectário.

“Maliki concentrou seus discursos na reconstrução e nas melhorias das questões envolvendo a segurança do Iraque em detrimento de mensagens religiosas”, diz Jaber Habeeb, professor de ciências políticas na Universidade de Bagdá.

Muito trabalho a fazer

Mas a situação ainda está longe da ideal. Dividido entre sunitas, xiitas, curdos, turcomenos e cristãos, o Iraque permanece como um país fracionado. A província de Kirkuk é um exemplo disso. Seus habitantes foram os únicos a não tomaram parte das eleições, justamente porque a discordância étnica foi tamanha que não houve acordo sobre quem seria candidato a um dos 57 assentos do parlamento.

Apesar desta confusão toda, o saldo após o esforço eleitoral é positivo. As forças de segurança formadas pelos próprios iraquianos conseguiram razoavelmente evitar que o caos tomasse conta do país no dia da votação. Além disso, não se pode negar a importância simbólica do momento.

O jornalista iraquiano Abu Aardvark trabalha na revista de relações internacionais Foreign Policy. Sua opinião parece resumir a diversidade de expectativas após a divulgação dos resultados.

“Nunca esperei que as eleições provinciais pudessem solucionar todos os problemas do país. Foram criados novos problemas, que precisam ser reconhecidos e com os quais devemos aprender a lidar – principalmente a frustração sunita em Bagdá, os conflitos entre as próprias etnias em Anbar, a percepção de fraude eleitoral e as consequências das eleições para os curdos. Mas nada disso significa que necessariamente o desastre vai estar à espreita em cada esquina. Com sorte, poderemos aprender a contornar essas dificuldades de maneira construtiva”, diz.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Contradição perversa

A libertação do navio ucraniano MV Faina foi comemorada como uma vitória nesta quinta-feira. Os piratas somalis aceitaram o pagamento de cerca de 3 milhões de dólares como resgate pela embarcação. Como no continente africano, entretanto, tragédia pouca é bobagem, uma denúncia da BBC revela que a valiosíssima carga de armamento tinha como destino o país onde se realiza o maior genocídio em curso no planeta, mas para o qual o mundo não dá a menor importância: o Sudão.

Segundo o governo do Quênia, onde o MV Faina aportou em novembro de 2007 antes do sequestro, o navio ucraniano transportava 33 tanques T-72 de fabricação soviética, 15 lança-granadas, seis veículos de transporte de baterias antiaéreas e grande quantidade de munição.

A equipe de reportagem da BBC teve acesso a documentos que sugerem que o destino final do carregamento era o governo autônomo do Sudão do Sul. A região parece estar se antecipando ao referendo a ser realizado em 2011 que irá decidir se o Sudão será mesmo dividido em duas partes.

A promessa é de mais uma guerra sangrenta no país, caso as disputas políticas entre as regiões não sejam resolvidas pacificamente. Até o momento, segundo a ONU, o conflito em Darfur já matou 300 mil pessoas, além de ter provocado o deslocamento de outras 2,7 milhões.

A situação dos piratas somalis que sequestraram o navio MV Faina e dezenas de outras embarcações também não é muito melhor. Para se ter ideia do caos na Somália, catorze diferentes governos já tentaram sem sucesso administrar o país. Isso num período que compreende os anos entre 1991 e 2009.

A verdadeira preocupação ocidental

Enquanto morte e desgoverno não sensibilizam os países ocidentais, a situação na costa africana ilustra com bastante propriedade a abordagem estritamente econômica por parte do mundo desenvolvido.

Uma grande força tarefa internacional patrulha as águas internacionais e a rota do tráfego marítimo de mercadorias. A união entre as diversas marinhas de guerra poderia comover os mais incautos. Estão envolvidas na operação as forças armadas de China, Índia, Rússia, França, Estados Unidos, Dinamarca, Arábia Saudita, Malásia, Grécia, Turquia e Grã-bretanha.

O curioso é que, para acabar com as mortes em Darfur, uma lentíssima articulação política promete até junho deste ano aumentar para 26 mil o número de soldados da missão conjunta de paz. Mesmo que um relatório da ONU realizado no ano passado tenha concluído que as forças militares alocadas na região não eram capazes de impedir o tráfego de armas, defenderem-se ou mesmo proteger os civis.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sobrou para a Islândia

É muito raro que a Islândia seja assunto da imprensa internacional. Não apenas por conta de sua reduzidíssima população – cerca de 320 mil habitantes apenas. O país não se incomoda de ser esquecido, muito pelo contrário. Historicamente, o isolamento da Islândia das questões internacionais é quase uma tradição. A situação mudou, entretanto, a partir do momento em que, desde o final do ano passado, o país entrou em colapso por conta da crise internacional. 

Os olhos do mundo se voltaram para a pequena ilha ao norte da Europa. Como num microcosmo, o caso islandês se tornou um laboratório para o que pode ocorrer num futuro não muito distante em diversos outros Estados onde a crise financeira internacional irá se instalar. 

No último domingo, um novo governo de coalizão entre o partido social democrata e o verde assumiu o poder. A nova primeira-ministra, (e repleta de consoantes) Johanna Sigurdardottir, terá a dura tarefa de conduzir o país até que novas eleições sejam realizadas, em 25 de abril. 

A situação é gravíssima. Conhecida por sua qualidade de vida, a Islândia perdeu em pouco tempo boa parte de seus índices de primeiro mundo. Em questão de semanas, com a derrocada do mercado de crédito global, a moeda nacional, a coroa islandesa, sofreu uma desvalorização de 23% frente ao euro e a taxa de desemprego subiu para 10%. 

Como num efeito dominó, os bancos do país ficaram impossibilitados de saldar suas dívidas, muitas contraídas em moeda estrangeira. 

Quando os correntistas correram para sacar dinheiro, o sistema bancário tinha poucas reservas para cobrir as retiradas. Por conta disso, todos os três bancos faliram e acabaram nacionalizados. 

Como escreveu o colunista Thomas Friedman em sua coluna no The New York Times, este é “o principal problema da globalização: estamos todos conectados, mas não há ninguém no comando”. 

Novela mexicana

No caso específico da Islândia há uma articulação dramática, digna de um roteiro de filme “b” envolvendo segredos não revelados e até doenças misteriosas capazes de abalar a cúpula do governo anterior. 

Além da economia em estado de caos completo, os líderes da coalizão anterior, o ex-primeiro ministro e o ministro das relações exteriores se retiraram da política. Tudo porque ambos descobriram que têm câncer. 

Oficialmente, descobriu-se também que mais de 120 governos municipais e instituições do Reino Unido tinham altas quantias de dinheiro depositadas em contas bloqueadas dos bancos islandeses. Somente a universidade de Cambridge tinha cerca de 20 milhões de dólares. Quinze forças policiais britânicas estavam com quase 170 milhões de dólares congelados no país. 

Ao mesmo tempo, outra informação bastante contraditória foi revelada por Hannes H. Gissurarson, membro do conselho do Banco Central da Islândia e professor de política da Universidade da Islândia. Em artigo publicado no The Wall Street Journal, ele faz uma grave denúncia contra o governo inglês. 

Segundo ele, outra razão que explica o impacto da crise econômica no país é o fato de o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, ter usado uma lei antiterrorista para fechar os bancos islandeses no Reino Unido. 

“O governo (britânico) colocou o Landesbanki (da Islândia), o Ministério das Finanças islandês e o Banco Central islandês na lista de organizações terroristas, junto com a Al-Qaeda e o Talibã. Este ato destruiu toda a confiança internacional nos bancos do país, que não tiveram chance de sobreviver (à crise)”, diz. 

Pelo visto, ainda há muito para ser esclarecido neste caso. Afinal, a Grã-bretanha precisa explicar porque decidiu tomar medidas tão drásticas contra instituições islandesas. 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Hamas volta a buscar participação no cenário regional

A luta por legitimidade do Hamas ainda não acabou. O cessar-fogo é apenas uma parte da estratégia adotada pelo grupo para ser oficialmente “consultado” sobre o futuro da região. Além disso, ao quebrar a recente trégua, o movimento extremista busca influenciar também a política interna de seu maior inimigo. A uma semana das eleições gerais em Israel, as atitudes do Hamas mostram que seu candidato preferido ao cargo de primeiro-ministro israelense é o líder do Likud, Benjamin Netanyahu.
O objetivo é não facilitar a vida de Olmert, Livni e Barak. Acatar o cessar-fogo unilateral de Israel seria dar de bandeja o maior argumento à cúpula do governo de que a guerra conseguiu, finalmente, promover a tranquilidade no sul do país.
E por isso os dois candidatos da situação – Barak e Livni – responderam de maneira semelhante num programa de TV sobre como pretendem reagir aos novos mísseis que voltaram a ser lançados de Gaza.
“O Hamas foi atingido como nunca. Se voltar a nos atacar, será bombardeado novamente”, disse Barak.
Livni complementou a resposta. Além de defender novos ataques ao grupo, preferiu a postura política de isolá-lo.
“Não pretendo alcançar qualquer acordo com o Hamas. Eu faço acordos com aqueles que aceitam minha existência”, disse, lembrando a postura ideológica do grupo de negar a existência de Israel.
Netanyahu, que segundo as pesquisas é o favorito na corrida eleitoral, voltou a dizer que o Irã é a maior ameaça a Israel. Ele não citou abertamente um ataque à república islâmica, mas esta foi sua declaração ao ser questionado sobre como frearia as ambições nucleares do país:
“As medidas vão incluir tudo o que for necessário para tornar isso uma realidade (impedir que o Irã obtenha armas atômicas)”, disse. Também completou afirmando que esta será sua primeira missão, se eleito.
Existe uma concordância velada entre as partes. Bibi necessita dos mísseis do Hamas – que mostram a inoperância de seus concorrentes – para se eleger. O Hamas precisa da postura ameaçadora de Bibi para receber mais doações e armamentos do Irã.
O diálogo com o Hamas
Aliás, negociar ou não com o Hamas é outro ponto de discordância que envolenvolvendo os valores diplomáticos de Estados Unidos e Israel.
Obama não pode no momento admitir abertamente esta possibilidade. Embora haja aqueles que defendem uma postura conciliatória com o Hamas.
É o caso do ex-chefe do Mossad – o serviço secreto de Israel –, Ephraim Halevy. Para ele, por mais que os membros do grupo neguem, boa parte deles estaria disposta a aceitar as fronteiras do Estado Judeu pré-1967.
Ora, se esta premissa é válida, por que o problema não é resolvido de uma vez? Fawaz A. Gerges, professor de Estudos do Oriente Médio e Assuntos Internacionais da Sarah Lawrence College, nos EUA, especula sobre a resposta em artigo publicado no Los Angeles Times.
“Aparentemente, os líderes do Hamas acreditam que a aceitação formal da existência de Israel é o último cartucho a ser queimado. Por que usá-lo antes de as conversações começarem?”, argumenta.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Davos em colapso

É curioso como o Fórum Econômico em Davos está desvirtuado. Por si só, o encontro dos líderes mundiais mais importantes e dos donos das empresas que fazem a roda do capitalismo girar estar sendo um fracasso não é o que causa maior espanto. Mas a surpresa é isso acontecer justamente na primeira cúpula após a grave crise financeira que passou a atingir o mundo todo.

Afinal, a reunião poderia servir para pensar em soluções criativas capazes de reverter o quadro de terror generalizado de países, bancos e trabalhadores que perdem o sono com medo de uma possível demissão. Mas, ao contrário, boa parte dos participantes de edições anteriores preferiu ficar em casa. É como se ir a Davos representasse admitir que o sistema está falido. Parece mesmo que o capitalismo botou o galho dentro com medo das críticas.

Pesquisa realizada no próprio fórum mostra um retrato do momento. Somente 21% de presidentes de corporações acreditam que seus negócios deverão apresentar um crescimento significativo nos próximos três anos. Em 2008, esta taxa era de 50%. Mais ainda, os que responderam ao questionário esperam no máximo uma recuperação lenta de suas empresas no mesmo período.

A situação em Davos é tão ruim que até as tradicionais festanças sofreram o impacto da crise. Segundo a BBC, os gastos em recepções caíram 30%. Como ninguém quer se associar ao momento de decadência, a maioria das celebridades presentes em anos anteriores decidiu não dar as caras na Suíça. Angelina Jolie, Brad Pitt, Sharon Stone, Richard Gere, Michael Douglas e Emma Thompson – atores de Hollywood que já estiveram em Davos – não apareceram,

Parece Belém, mas não é. As discussões no fórum chegaram a uma conclusão que, até um ano atrás, era inimaginável. Os participantes admitem abertamente a incompetência do mercado em resolver todos os problemas. A mão invisível pode ter desaparecido de vez. Por isso, muitas vezes, os debates parecem sem rumo. Ora, se o livre mercado não pode ser considerado o único regulador da economia capitalista, será que vale admitir publicamente o que ninguém gosta de repetir? O Estado deve passar a intervir com mais frequência.

Consequências práticas da crise

Aliás, enquanto em Davos os grandes empresários foram obrigados a lidar com dilemas tão profundos, o governo dos Estados Unidos anunciou a queda de 3,8% do PIB do país no último trimestre de 2008 – maior queda desde 1982. Na Europa, mais de 1 milhão de franceses tomou as ruas do país para protestar contra as políticas econômicas do presidente Sarkozy.

Existe a real possibilidade de uma retração de 2% da economia francesa neste ano que se inicia. Por isso, em dezembro de 2008, o governo decidiu lançar um plano de estímulo no valor de 26 bilhões de euros. O repasse de verbas para bancos e empresas automotivas já foi aprovado pelo senado.

O que levou a população às ruas foi o fato de o plano prever também a redução permanente nos empregos do setor público, especialmente nas escolas, segundo informa o The New York Times.

O protesto na França pode ter profunda relação com o caos que tomou conta da Grécia em dezembro do ano passado. Relembre como foi clicando aqui.