quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

As reivindicações dos curdos e as contradições na Síria

Escrevi no último post sobre a delicada situação das minorias diante da onda de selvageria promovida pelo Estado Islâmico. Os curdos têm combatido o grupo diretamente e estão mesmo na linha de frente desta batalha. Curdos sírios e iraquianos igualmente. Em algum momento, quando a poeira baixar, é provável que todos os envolvidos precisem se sentar para negociar os termos finais. É claro que ninguém se compromete militarmente num conflito de tamanha violência se não houver algo a conquistar. As minorias do Oriente Médio lutam pela sobrevivência, mas também esperam que, a partir da disponibilidade apresentada agora, possam obter ganhos significativos a suas demandas históricas. 

Nada disso é mais evidente do que no caso dos curdos, que reivindicam a criação de um Estado nacional desde o fim do Império Otomano, ao término da Primeira Guerra Mundial, e somam cerca de 25 milhões de pessoas – 90% dos quais vivem no chamado Curdistão, região que se espalha pelos territórios de Turquia, Síria, Azerbaijão, Irã e Iraque. Na esteira do conflito atual com o EI e da guerra civil síria, certamente os curdos esperam que suas demandas sejam atendidas. Como apoiam militarmente a ofensiva que combate o EI, é inevitável que coloquem suas reivindicações sobre a mesa de negociações após este processo de reorganização regional. 

A guerra civil síria é fundamental neste cenário. Como venho escrevendo por aqui, é improvável a manutenção geopolítica do Estado sírio tal como o conhecemos. Há elementos demais em ação no país, grupos terroristas de diversas denominações, além do próprio presidente, Bashar al-Assad (ele mesmo membro da minoria alauita, cerca de 12% da população do país). Uma pesquisa conduzida pelo Centro Sírio de Justiça e Prestação de Contas, no entanto, mostra que a maior parte dos entrevistados – mesmo os que estão de lados opostos na guerra civil – é contrária à divisão do país. O problema é que essa mesma pesquisa também aponta pouca possibilidade de diálogo, uma vez que a maioria dos sírios rejeita soluções baseadas num acordo amplo e espera que os representantes de suas próprias filiações políticas, étnicas ou religiosas prevaleçam militarmente sobre a oposição. 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A luta das minorias diante do Estado Islâmico

O Estado Islâmico pode estar a caminho de cometer mais uma de suas atrocidades. Nesta terça-feira, sequestrou 90 cristãos assírios no nordeste da Síria. É sempre uma incógnita o que o EI planeja fazer. Pode muito bem matar de maneira bárbara os reféns – o grupo se refere aos cristãos como “cruzados” – ou considerar a possibilidade de usá-los como moeda de troca em alguma negociação pela libertação de terroristas. Muito embora a decisão selvagem de queimar numa jaula o piloto jordaniano no mês passado seja a imagem mais recente do tratamento destinado a reféns, o EI já se envolveu em trocas de prisioneiros no passado. 

Sobre o rapto dos cristãos assírios é importante fazer algumas observações; a província de Hassake, no nordeste da Síria, era o lar para a maior parte dos 30 mil cristãos do país até 2011, quando a guerra civil eclodiu, causando a fuga de milhões de pessoas. Os assírios estão presentes também no Iraque, muito embora o número de cristãos no Oriente Médio esteja diminuindo bastante em função do fundamentalismo islâmico. 

A situação dos cristãos é similar a de muitos grupos minoritários na região. Esta guerra na Síria e o conflito ideológico e militar com o EI está também relacionado ao futuro das minorias no Oriente Médio. É o caso dos curdos, por exemplo. Ao contrário dos cristãos, no entanto, os curdos têm capacidade militar para enfrentar o Estado Islâmico e hoje exercem papel fundamental na linha de contenção aos avanços do grupo. No último domingo, a YPG, sigla da principal milícia curda síria, foi responsável por duas grandes ofensivas ao EI no nordeste da Síria. Esta região é o epicentro do confronto militar e graças a curdos da Síria e do Iraque – e, claro, ao apoio dos ataques aéreos das forças americanas – o EI encontra dificuldades para ampliar seus domínios. 

Os combatentes curdos do norte do Iraque também enfrentam o EI. Conhecidos como Peshmerga (cuja tradução é “aqueles que encaram a morte”), têm um efetivo de cerca de 190 mil militantes e, desde a queda do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial, estão organizados como as forças armadas curdas. Curdos, cristãos e yazidis têm muito a perder com a viralização da luta do Estado Islâmico. Na esteira dos acontecimentos no Oriente Médio, o destino das minorias está em jogo. E isso quer dizer, de maneira um tanto dramática, que o resultado desta sangrenta reorganização regional irá determinar a sobrevivência destes grupos minoritários. 

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Egito e Itália em alerta contra o Estado Islâmico

Com o Oriente Médio em alerta, novos personagens tendem a surgir e ganhar importância. O novo Egito pós-primavera árabe tenta se colocar à frente da aliança ocidental para combater a presença do Estado Islâmico no Norte da África. O mais recente episódio de barbárie promovida pelo grupo – quando cortou as cabeças de 21 egípcios cristãos coptas, na Líbia – lançou luz sobre o presidente Abdel Fattah al-Sissi, o general que derrubou o ex-presidente Mohamed Mursi (da Irmandade Muçulmana). Al-Sissi não perdeu tempo e determinou ataques aéreos à Líbia, chamando a atenção para a presença do EI no norte da África. 

O fracasso do Estado líbio desde a queda de Kadafi em 2011 transformou o país num grande retalho de facções e alianças ideológicas das mais diversas; a al-Qaeda participou do processo que culminou com a queda do ex-ditador, uma vez que a falência dos Estados sempre representa oportunidade valiosa de estabelecimento de bases e pilhagem de bens militares e econômicos. O problema (para a al-Qaeda) é que o Estado Islâmico cada vez mais tem o protagonismo do terrorismo internacional. Para os Estados Nacionais, o EI é hoje o inimigo a ser derrotado. No caso específico da Líbia, é possível que o Ocidente de fato se mobilize para fazer algo mais concreto, talvez até mesmo envolvendo a Otan, a aliança militar ocidental. Lembrando que uma das diretrizes fundamentais da Otan é exigir de seus membros resposta militar quando um deles é ameaçado. Nunca esta prerrogativa foi tão verdadeira no que diz respeito ao EI, considerando, principalmente, que Líbia e Itália estão separadas por apenas 800km das águas do Mediterrâneo. 

Diante disso, em entrevista ao jornal italiano Il Messagero, a ministra da Defesa da Itália, Roberta Pinotti, já começou a preparar o terreno ao afirmar que, por razões “geográficas, econômicas e históricas”, seu país está pronto para liderar uma coalizão de países europeus e do norte da África que impeça o avanço dos terroristas. Esta é a mesma posição do presidente egípcio al-Sissi. Itália e Egito têm razões de sobra para temer a proximidade do EI. Mas al-Sissi, além dos motivos óbvios, ainda teme pelo seu governo. Não apenas porque o EI se opõe a qualquer governo, mas também porque al-Sissi derrubou a Irmandade Muçulmana num golpe de Estado. Além disso, parte do território egípcio já está tomado pelos terroristas do grupo; na Península do Sinai, o grupo terrorista Ansar Beit al-Maqdis, ex-aliado da al-Qaeda, declarou a região como província do Estado Islâmico. 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A crise econômica de Rússia e Ucrânia e a tentativa de se estabelecer uma nova ordem regional

Ainda sobre o cessar-fogo, o aspecto econômico pode ser um fator de suavização das posições. Isso porque Rússia e Ucrânia atravessam momento delicado também no controle de suas finanças. Se por um lado guerras tendem a impulsionar economias e a produção interna, elas também causam grandes prejuízos. 

A situação da Rússia é ruim, mas não se compara ao cenário desolador da Ucrânia. A hryvnia, a moeda do país, sofreu desvalorização de 67% frente ao dólar em 2014; as estimativas mostram redução de 6,7% da economia. O ponto mais terrível desta realidade apresenta a redução de suas reservas para 6,4 bilhões de dólares, suficientes para arcar com apenas cinco meses de importações. A ironia disso tudo é que o principal parceiro comercial ucraniano é justamente a Rússia. Ou seja, persistir numa guerra de longo prazo não é uma boa possibilidade. 

Por outro lado, a única solução para este dilema da Ucrânia é trocar a Rússia por um parceiro econômico com a mesma complexidade. E este é o problema principal. A única alternativa seria abandonar a parceria com Moscou pela União Europeia. Mas este é o foco do conflito; por mais que se argumente bastante, o centro desta guerra é o rearranjo geopolítico do leste da Europa. E não há nova organização possível que desconsidere os interesses russos. Esta não é uma questão de opinião, mas de entender historicamente como a região funciona. A União Europeia sabe disso. A situação é até relativamente simples de se compreender: a Rússia não admite este novo concerto de forças regionais. Qualquer ordem alternativa que desconsidere seus interesses prioritários mexe com as estruturas do continente, como se placas tectônicas se movessem sob solo europeu. 

Seja qual for a solução imaginada para o encerramento do conflito, é bom sempre deixar claro que a Rússia jamais irá aceitar que a Ucrânia seja absorvida pela União Europeia. 

Aviso aos leitores: o blog retorna após a quarta-feira de cinzas

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Implementação de cessar-fogo na Ucrânia depende da boa vontade dos rebeldes

Após 17 horas de negociação, os líderes de Rússia, Ucrânia, Alemanha e França chegaram a um acordo de cessar-fogo para o conflito que já dura dez meses. É um acordo frágil e que mostra a grande dificuldade não apenas de encontrar soluções definitivas, mas também de ser colocado em prática. Há alguns pontos contraditórios que deixam dúvida se ele realmente conseguirá sobreviver aos acontecimentos no campo de batalha e às demandas contraditórias dos envolvidos. A Rússia, que sequer admitia envolvimento na guerra, acabou envolvida até o pescoço, deixando evidente a balela de que o país não participava dos eventos. O cessar-fogo entra em vigor no domingo.

Há dois itens do acordo que são muito delicados: o compromisso de descentralização das regiões rebeldes até o final do ano de 2015 e o controle ucraniano da fronteira com a Rússia também ao final de 2015. O primeiro é parte das expectativas possíveis da Ucrânia, que admitia mais autonomia às regiões pró-russas do leste, mas não a autonomia completa que os rebeldes – e a Rússia – demandavam. Aparentemente, Moscou flexibilizou esta posição, mas não se sabe como os rebeldes irão reagir no campo de batalha. O controle ucraniano da fronteira com a Rússia – atrás, portanto, das regiões separatistas – soa improvável. Nesta quarta-feira mesmo, Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores, repetia que isso soava “irreal”, pelo menos enquanto os conflitos militares prosseguissem. Ou seja, a aplicação dos acordos, mesmo agora, depende quase que exclusivamente da boa vontade dos separatistas. Mais além, depende também da disponibilidade e da capacidade russa de convencer essas regiões separatistas a repensar suas reivindicações.

O problema é que no último ano o Kremlin não apenas armou esses rebeldes, mas também endossou publicamente suas demandas por autonomia quase completa (os motivos pelos quais a Rússia incentiva esta posição estão expostos nos textos anteriores). Imagino que deverá ser complicado convencer os rebeldes do contrário após um ano de insuflação de propaganda política, nacionalismo e teorias conspiratórias cujos protagonistas seriam justamente ucranianos e ocidentais (o acordo foi forjado também por França e Alemanha, nunca é demais lembrar).  

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Vazamento de dados bancários aponta caminho para o combate ao crime internacional

O caso envolvendo a grande fraude da filial suíça do banco HSBC é fundamental para que todos possam compreender o processo de financiamento da criminalidade internacional. Afinal, mesmo os grupos terroristas mais avessos ao ocidente precisam de dinheiro para comprar armas e realizar suas operações. Se as potências ocidentais não impedirem este tipo de transação financeira, atacar grupos como o Estado Islâmico é como combater o sintoma sem tentar erradicar a doença. 

Desde setembro de 2014, o chamado Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês) analisou a informação vazada sete anos antes por Hervé Falciani, ex-funcionário da área de Tecnologia da Informação do HSBC. O grupo, formado por 140 jornalistas de 40 meios de comunicação de todo o mundo, checou dados de 30 mil contas bancárias cujos ativos somavam cerca de 120 bilhões de dólares. O caso é considerado o maior vazamento do setor bancário mundial e aponta toda a sorte de fraudes. Falciani se define como alguém que tenta ajudar os governos a encontrar sonegadores. 

A situação do banco ficou muito ruim, uma vez que a filial suíça teria inclusive ensinado a seus clientes formas de não declarar informações às autoridades de modo a burlar o pagamento de impostos, principalmente entre 2005 e 2007. Além da fraude ao sistema tributário, há também questões de segurança, na medida em que o banco abriu contas a todo tipo de cliente, fechando os olhos voluntariamente ao terrorismo, tráfico de drogas e ditadores. Até 2006, o HSBC suíço gerenciou milhões de dólares de um empresário saudita suspeito de ser um dos principais doadores de dinheiro a Osama Bin Laden. E este é apenas um dos casos apurados. 

Resta saber se, a partir desta grande investigação, os países finalmente irão conseguir interromper as grandes manobras financeiras internacionais que alimentam terrorismo e as mais variadas formas de criminalidade. Todo mundo sabe que esta é a forma mais eficaz de inviabilizar suas operações. Mas há pouca gente disposta a comprar esta briga. 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A única solução prática para o conflito na Ucrânia

A grave situação que se desenrola no leste da Ucrânia apresenta alguns elementos específicos que tornam difícil a resolução do conflito. Esses elementos têm sido ignorados pela imprensa. Para completar, a Rússia continua numa situação confortável e não vê razões para ser flexível em suas posições. 

O primeiro ponto é simples; a Ucrânia não tem condições militares de enfrentar a Rússia. Ao mesmo tempo, é impossível que o país seja equipado e treinado a ponto de ser ameaça aos russos – que, inclusive, detém armamento nuclear. Mesmo que EUA e União Europeia decidam neste exato instante armar a Ucrânia, ainda seria necessário muito tempo para que as forças ucranianas pudessem enfrentar as russas de igual para igual. Por isso, a possibilidade de transferência de armamento ocidental aos ucranianos soa apenas como falácia neste momento. Ao mesmo tempo, a solução diplomática também é complicada, uma vez que Moscou tem pouco a ganhar com a posição ocidental, considerando que Putin sequer assume qualquer participação no conflito. 

A Ucrânia quer, naturalmente, recuperar a integralidade de seu território. Moscou não irá permitir, na medida em que considera vital a existência de “zonas de proteção” que separem a Rússia de eventuais ameaças do ocidente. Esta é uma característica permanente da política externa russa. Putin não tem razões práticas para flexibilizar diante dos apelos de ucranianos, europeus e americanos. Ou todas as partes concordam em estabelecer a chamada “zona tampão” no leste da Ucrânia ou o conflito irá se arrastar por mais tempo. O Kremlin irá aceitar discutir as características desta “zona tampão” (tamanho, desenho etc), mas nada que exclua este modelo de um eventual acordo permanente. 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A Jordânia pode ser a bola da vez do Estado Islâmico

Escrevi há uma semana sobre o sequestro do piloto jordaniano e também sobre as muitas questões envolvendo o caso, principalmente a inédita possibilidade de um Estado nacional entregar uma terrorista condenada em troca da libertação de um dos seus cidadãos. Como já se sabe, nada disso aconteceu. O rei Abdullah (foto) foi feito de bobo e os assassinos do Estado Islâmico realizaram mais um exercício de glorificação pornográfica da morte – é disso que eles mais gostam de fazer, aos que ainda não se deram conta. Diante de mais esta demonstração de selvageria e brutalidade, existe um mal-estar generalizado a partir da confirmação do que já estava óbvio a quem quisesse ver: não há negociação com o Estado Islâmico. O grupo não faz qualquer reivindicação razoável e não deixa nenhuma margem para além do combate.

Grupos terroristas muitas vezes se disfarçam por meio de argumentação; a al-Qaeda ainda faz isso; até o Talibã afegão condenou o atentado suicida a uma escola no Paquistão pela filial do grupo no país, escrevi sobre isso também. A ideia é encontrar alguém que flexibilize posições, principalmente os ingênuos. E há muitos por aí. O Estado Islâmico não faz nem este mínimo esforço. A barbárie é sua bandeira e a forma como procura angariar seguidores. E, como temos visto, esta estratégia tem funcionado bem. 

Diante do choque internacional com mais este “feito” do EI, acho interessante dividir parte da análise de Charles Krauthammer, do Washington Post. Para ele, o objetivo do EI é desestabilizar a Jordânia, país que, em meio ao cenário turbulento do Oriente Médio, tem conseguido se manter relativamente estável. Para ele, se a Jordânia de fato se envolver numa guerra aberta com o EI, o conflito poderá colocar em risco, inclusive, o regime da família Hachemita, dinastia que comanda o país desde a fundação da Jordânia moderna, em maio de 1946. 

Creio que desenvolver uma análise a partir da eventual ruína do país é precipitado. A novidade do raciocínio de Charles Krauthammer é que ele encaixa uma peça que ficou solta e tem causado grande revolta. O assassinato brutal do piloto jordaniano é injustificável. A ideia de que o EI queira arrastar a Jordânia para destruir o regime é plenamente possível, na medida em que o governo de Amã continua a ser um entrave às ambições do grupo terrorista de rasgar as fronteiras nacionais em seu projeto de constituição de um califado. Para complementar esta análise, nunca é demais lembrar que a Jordânia mantém relações diplomáticas com Israel desde 1994.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

As complexidades do conflito na Ucrânia

A crise entre Ucrânia e Rússia tem um aspecto curioso: como escrevi no texto de segunda, a Rússia continua a negar seu envolvimento no conflito, muito embora tenha anexado a Crimeia em março do ano passado. Quando Putin nega participação ele se refere a dois pontos específicos: a intenção de se confrontar diretamente com a Ucrânia e o envio de armamento e recursos financeiros aos grupos rebeldes que lhe são favoráveis no leste do território ucraniano. 

É pouco provável que haja alguma verdade nesta grande negação. Mas, por outro lado, ao manter sua posição, o Kremlin dificulta a busca por soluções. Se a Rússia não assume posições claras, há pouca margem de negociação. Os rebeldes querem independência da Ucrânia. É pouco provável que os ucranianos aceitem isso de bom grado. Aliás, a guerra de mais de cinco mil mortos mostra que esta posição rebelde não encontra eco entre a liderança política ucraniana. Se os rebeldes querem chegar a 100 mil soldados, o governo ucraniano já fez o mesmo, aumentando a mobilização militar. Com os rebeldes sendo armados e financiados por Moscou, a Ucrânia está muito próxima de um destino similar ao do Oriente Médio: transformar-se no palco de uma guerra por procuração, caso o governo americano de fato autorize o envio de armamento às forças regulares ucranianas. 

Existe um caminho a partir do qual a Rússia aceitaria estabelecer um compromisso final; um modelo de federalização da Ucrânia onde as províncias pró-russas tivessem mais autonomia, além de garantias de que a Ucrânia não se uniria à Otan (a aliança militar ocidental). Esta posição (que é informal, na medida em que ninguém do governo a assume oficialmente) é histórica e tem motivado os principais movimentos geopolíticos russos. O país considera necessária a manutenção de sua esfera defensiva no leste da Europa. No caso da Ucrânia, a posição russa é ainda mais determinada, muito em função da grande aproximação ocidental a Estados que os russos consideravam como parte de sua linha de proteção – Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, República Tcheca, Letônia, Lituânia, Eslováquia e Eslovênia já são membros da União Europeia. 

O problema é que a Ucrânia rejeita a ideia de federalização, muito embora admita alguma forma de descentralização de poder. É a partir deste ponto que a negociação pode evoluir, mas desde que procuradores e patrões passem a debater abertamente. Esta é a principal dificuldade do momento. 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Guerra na Ucrânia: Depois de mais de cinco mil mortos, nacionalismo e paranoia estão no centro da disputa

A tensão entre separatistas pró-Rússia e o exército regular da Ucrânia permanece. A tendência, inclusive, é que o número de até agora 5,1 mil mortos aumente. Obcecado pelos acontecimentos no Oriente Médio, o Ocidente deixou esta guerra de lado. Ao contrário do que se poderia imaginar, no entanto, a disputa está longe de convencional. O “sonho” de se deparar com uma guerra clássica vai ter de ficar para a próxima. Isso porque a própria Rússia nega envolvimento no conflito e insiste na posição de que tudo não passa de uma grande conspiração internacional contra Moscou. 

É quase surreal imaginar que o governo russo não esteja por trás dos separatistas de Donetsk e Luhansk. Alexander Zakharchenko, líder da chamada República Popular de Donetsk, vai na contramão das tentativas de acalmar os ânimos e promete uma mobilização geral capaz de aumentar para 100 mil o número de soldados separatistas. Do lado ocidental, há uma divisão sobre o posicionamento a ser tomado. A chanceler alemã, Angela Merkel, diz que as possibilidades de encontrar uma solução pacífica ainda existem. Os EUA e a Otan (a aliança militar ocidental) parecem discordar da Alemanha. O New York Times cita um relatório independente de oito ex-oficiais americanos pedindo a Washington o envio de três bilhões de dólares em equipamentos de defesa para as tropas ucranianas. Este é o debate do momento; o quanto os EUA devem se envolver no conflito e quais os prejuízos para a política externa americana a partir disso. 

O presidente russo, Vladimir Putin, espera ansiosamente por uma posição mais assertiva dos EUA. Em seus devaneios soviéticos, nada mais significativo do que a possibilidade de confirmar as teorias conspiratórias cuja propaganda governamental russa se esforça em multiplicar. O conflito na Ucrânia tem sido a base de Putin para especulações do gênero. Esse discurso não resolve a guerra, mas este não é exatamente o maior objetivo de Moscou. Quanto mais a Rússia ganhar tempo, melhor. E se durante este tempo o governo ainda conseguir mobilizar o nacionalismo russo, melhor ainda. Principalmente em função da crise econômica que se estabelece com força no país. 

Este é o cenário mais amplo. No próximo texto, vou expor as questões estratégicas dos atores envolvidos