quinta-feira, 28 de agosto de 2014

EUA devem entrar na Síria para combater a ISIS

Os EUA devem apresentar em breve uma estratégia mais ampla de combate à ISIS. É o que informa o site Daily Beast. O presidente Obama requisitou a assessores próximos e secretários do governo um plano de ação o mais rapidamente possível. Os americanos já estão em guerra contra o grupo terrorista, tanto que realizaram até agora mais de cem ataques. No entanto, estavam restritos ao Iraque. A discussão do momento em Washington é quanto à expansão das ações também em território sírio.

Isso significa, na prática, levar o país a se envolver na guerra civil síria, em curso desde 2011 e responsável pela morte de mais de 180 mil civis. Houve ocasiões em que a Casa Branca esteve próxima de realizar ações diretas na Síria, mas esta possibilidade nunca se concretizou. Até agora. 

A ameaça da ISIS e sua crescente expansão no Oriente Médio é vista por Washington como risco a aliados regionais e mesmo ao próprio território americano, uma vez que a retórica fundamentalista do grupo já conseguiu cooptar cidadãos do país e existe o temor de que ações sejam realizadas dentro das fronteiras dos EUA. Obama, no entanto, está cauteloso por uma série de razões:

As guerras no Oriente Médio que marcam a política externa norte-americana desde 2001 e seus prejuízos políticos, militares e econômicos; a aliança com os grupos que combatem Bashar al-Assad na Síria (cujas fidelidades são questionáveis); e, claro, a eficácia dos ataques aéreos como forma de abordagem à ISIS. Seja como for, o fato é que Obama já tem como prioridade a destruição do grupo. Ou, ao menos, sua contenção. Isso porque, na prática, acabar com organizações terroristas tem se provado um objetivo pouco viável. 

Resta saber qual será a decisão final do presidente americano em relação à estratégia a ser adotada. O ponto principal, no entanto, parece já estar decidido: os EUA devem entrar na Síria como forma de impedir que a ISIS continue intocável no território.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

As principais dúvidas sobre o mais recente cessar-fogo entre Hamas e Israel

Por que agora? Por que nessas condições? Essas são duas perguntas básicas que muita gente tem feito sobre o fim do atual conflito entre Hamas e Israel. Na minha visão, há respostas a essas duas questões.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer o que menciona este acordo de cessar-fogo: Israel irá permitir a passagem de ajuda humanitária e material de construção pelos postos de controle. Também vai permitir pesca no limite de até 9,6 km de distância da costa. O ponto de passagem de Rafah, na fronteira entre Gaza e Egito, será reaberto. As próximas negociações devem acontecer daqui a um mês. 

Dito isso, vamos às principais perguntas: 

Israel diz que este cessar-fogo é exatamente o mesmo apresentado pelo Egito – e com o qual os israelenses concordaram – em 15 de julho, uma semana, portanto, após o início do conflito. A diferença principal é que, naquele momento, o Hamas não havia conquistado os objetivos estratégicos atuais (mesmo que às custas de milhares de vidas palestinas, com as quais o grupo não se importa minimamente). Agora, o Hamas reforça seu papel de “resistência” e marginaliza a Autoridade Palestina no processo político interno e regional. Para completar, trouxe, mesmo que não totalmente, o Qatar, seu principal financiador, para o centro das negociações. 

Além disso, sob o ponto de vista do prolongamento da retórica de resistência, fazer a guerra perdurar por 50 dias permitiu ao Hamas dois ganhos: afirmar ser capaz de sobreviver a um conflito de médio prazo com Israel; e causar quase 70 baixas ao Estado judeu, lançando mais de 4,5 mil mísseis a partir de Gaza. Esses fatores aumentaram o prestígio do grupo. Isso sem falar no óbvio: o simples fato de continuar a existir após o conflito já é considerado como vitória. 

Para completar, ao aceitar o cessar-fogo, o Hamas freia um movimento internacional que ganhava força: o de exigir a desmilitarização do grupo, tema sobre o qual escrevi amplamente durante o conflito. A partir do momento em que esta exigência deixou de ser somente uma prerrogativa israelense e se transformou em base da proposta europeia para encerrar a guerra e ajudar no processo de reconstrução de Gaza, a natureza do Hamas passou a estar sob ameaça aberta. 

Do lado de Israel, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, vai fazer o que puder para convencer o público interno de que foi capaz de vencer o Hamas. Mas não foi. Porque derrotar totalmente o Hamas significa garantir o retorno de calma e segurança às cidades e comunidades do sul do país. Agora, exatamente como no estágio anterior ao conflito atual, esta situação depende exclusivamente do interesse do Hamas de seguir com a trégua. Por mais que o argumento seja de que Israel foi capaz de destruir a maior parte da capacidade militar do grupo, a chuva de mísseis sobre o céu do território israelense pouco antes do cessar-fogo vigorar foi uma demonstração do Hamas de que seu arsenal está longe de ter sido completamente erradicado. Além dos prejuízos com perdas econômicas e isolamento internacional, a liderança de Israel preferiu encerrar o conflito justamente como forma de impedir o crescimento do protagonismo do Qatar no Oriente Médio. E, claro, fortalecer a aliança e o papel geopolítico deste atual governo egípcio. 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A falência de três países do Oriente Médio é exemplo da deterioração regional

Olhando de uma maneira mais ampla, hoje o Oriente Médio apresenta um cenário novíssimo quando comparado com dez anos atrás. Além da novidade chocante da ISIS – que não é exatamente uma surpresa –, temos a falência relativa ou total de três Estados nacionais: Líbia, Síria e Iraque. 

O ciclo de acontecimentos foi rápido demais: os ataques de 11 de Setembro, a invasão a Afeganistão e Iraque (as duas guerras em Iraque e Afeganistão), a Primavera Árabe, a derrocada e consequente troca de lideranças em Tunísia e Egito; a eclosão de revoluções em Líbia e Síria e as guerras civis nesses países;  a resistência violenta de Bashar al-Assad diante da igualmente violenta oposição cujos grupos constituintes incluem toda a sorte de espectros políticos regionais (a al-Qaeda e a própria ISIS, por exemplo). 

Todo o processo está tão acelerado desde a virada do século 20 para o 21, que ainda não houve tempo para racionalizar ou pensar em logo prazo. Desde a primeira tentativa de o Ocidente influenciar, houve estímulos e respostas sucessivas e ininterruptas. Hoje, 13 anos depois, há alguns resultados catastróficos. E aí retorno ao que escrevi inicialmente: sob o ponto de vista de estabilidade política e econômica, a situação no Oriente Médio é hoje pior, muito pior, que aquela existente no início do século 21. 

Mantendo estritamente a linha de raciocínio pragmático, sob o ponto de vista ocidental, o Oriente Médio com Bashar al-Assad na Síria, Muamar Kadafi na Líbia e Saddam Hussein no Iraque era um lugar estranho, distante, perigoso, mas certamente muito menos problemático do que é hoje. As lições têm sido ensinadas a duras penas – e aí termino com o exemplo da ISIS –, mas Estados falidos são piores que Estados ruins (mesmo que aí estejamos falando de países ditatoriais, sem qualquer traço de democracia e certamente sem imprensa ou instituições livres e independentes). 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O temor defensivo diante da ISIS

O Ocidente não sabe enfrentar inimigos não-convencionais. Ao se aventurar pelo Oriente Médio contemporâneo, as chamadas potências ocidentais se deparam batalha após batalha com entidades que não estão dispostas a assumir qualquer compromisso com formas de enfrentamento que pressupõem a concordância ao menos com as leis internacionais. Esta questão está no centro de qualquer estratégia que venha a existir para impedir o avanço do Estado Islâmico (ISIS). 

A ISIS é a radicalização dos radicais. Foi rejeitada pela Al-Qaeda na Síria porque não estava lá para derrubar Bashar al-Assad – um objetivo prático – , mas para lutar pelo sonho do Califado (sobre o qual já escrevi aqui no blog). Esta é a natureza da ISIS. Agora, o grupo já controla um território no Iraque maior que a extensão de Israel e Líbano, por exemplo. Segundo é possível entender por seus membros, a organização não se satisfaz com fronteiras, mas limites. Isso quer dizer que a ISIS está disposta a seguir conquistando território enquanto obtiver sucesso. Isso também quer dizer que é muito pouco provável que haja qualquer forma de negociação com quem quer que seja. Nada além da restituição do Califado irá abrandar seu ímpeto. 

Na quarta-feira, fontes militares norte-americanas ouvidas pela agência de notícias Associated Press disseram que o país já trabalha com a possibilidade do envio de uma pequena tropa de forças especiais para combater a ISIS no Iraque. Os EUA têm especial preocupação com o destino do Iraque porque foram os principais responsáveis pela mudança de regime, fruto da invasão ao país em 2003. Assim, a ISIS também ameaça diretamente a política externa americana, uma vez que sua eventual vitória e tomada do território poderia significar a interpretação de que o Iraque foi derrotado por Washington e entregue, finalmente, ao pior grupo radical do Oriente Médio. Ou, ao menos, aquele para o qual nenhum ator internacional encontrou uma forma de controle até agora. 

O sucesso da ISIS ameaça também a região de forma mais ampla. Como está muito claro, o grupo não aceita impedimentos pacíficos ou fronteiras internacionais. As monarquias regionais e os demais regimes do Oriente Médio temem seu avanço. Se derrotar o Estado Islâmico é apenas uma questão militar – pelo menos esta é a única alternativa até o momento –, os países da região não se mostraram dispostos até agora a enviar tropas para combater em sua origem. O que existe é somente a manutenção de posições defensivas, com cada país mobilizando militares e serviços de inteligência para impedir que a ISIS influencie nacionalmente. 

O que é possível fazer, no entanto, é esvaziar eventuais alianças do grupo. Fica para um próximo texto. 

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Guerra silenciosa no Oriente Médio pode ajudar a entender o fim da trégua entre Hamas e Israel

O colapso da trégua e das conversações indiretas entre Israel e membros do Hamas pode ter a ver com o quadro de rivalidades e disputas mais amplo do Oriente Médio. De acordo com o Al Hayat, jornal árabe publicado a partir de Londres, o Qatar estaria por trás do fracasso das negociações. 

Segundo informação publicada na edição de quarta, o Qatar teria forçado o Hamas a retomar o lançamento de mísseis sobre Israel, chegando inclusive a ameaçar de expulsão de seu território o líder político do grupo, Khaled Meshal (que vive no Qatar desde 2010). Se isso soa estranho, vale fazer algumas considerações que ajudam a entender este processo menos óbvio – e certamente pouco abordado. 

Já expliquei por aqui algumas vezes que a região é dividida hoje entre dois principais eixos: de um lado, os sunitas Egito, Autoridade Palestina, Jordânia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, além de Israel e EUA. Esta é uma aliança de interesses mútuos e, evidentemente, velada. Do outro lado, Turquia, Qatar, Síria, Irã, Hamas e Hezbollah. O Hamas não é um grupo xiita, mas era parte desta união de forças e fidelidades por questões pragmáticas. Esta última aliança foi desfeita, principalmente em função do apoio do Hamas aos grupos que combatem Bashar al-Assad na Síria. No entanto, o eixo está mais fechado entre três membros: Turquia, Qatar e Hamas. Curiosamente, nesses esses três membros a maioria da população é sunita. 

A divisão entre esses eixos é pragmática. O foco da política externa do Qatar é estar à frente do processo de tomada de decisão política e econômica do Oriente Médio. Para isso, claro, alguém tem que perder. O problema com seus vizinhos do Golfo Pérsico é que eles também têm seus próprios objetivos. E aí é que começa o conflito, até agora silencioso, entre todos esses atores – e que influencia nos rumos da guerra entre Israel e Hamas. 

Para o Qatar, a forma de enfraquecer seus inimigos geopolíticos é apoiar os adversários internos desses países, colocando em risco a estabilidade interna de cada um deles. A questão é que democracia passa longe de Egito, Arábia Saudita, Jordânia e Palestina. No entanto, a região tem assistido ao fortalecimento dos grupos islâmicos que se pretendem também protagonistas políticos. Isso aconteceu no Egito e na Tunísia pós-Primavera Árabe, por exemplo. Este também é um movimento forte – e presente no círculo de poder – na Turquia do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. 

Qatar, Hamas e Turquia se concentram no fortalecimento dos movimentos islâmicos. Por sua vez, esses movimentos representam uma ameaça às monarquias regionais, como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Jordânia. Entre os palestinos, o Hamas é sua expressão e põe em risco o protagonismo da Autoridade Palestina. No Egito, a Irmandade Muçulmana chegou ao poder, mas foi derrubada pelo atual governo militar, causando baixa no eixo que estava se consolidando. 

Ao ameaçar o Hamas e forçá-lo a não aceitar a extensão da trégua com Israel, o Qatar manda uma mensagem deste grupo político do Oriente Médio: não aceitará que o Egito pós-Irmandade Muçulmana assuma o protagonismo. E, mais importante, não dá legitimidade a este novo governo egípcio responsável pela deposição da Irmandade Muçulmana e por esta batalha perdida pelo movimento islâmico em sua guerra maior de aspirações regionais. 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Fim da trégua no Oriente Médio pode ser momento-chave para os passos seguintes

E quem achava que o conflito entre Israel e o Hamas havia terminado foi surpreendido por uma nova rodada da batalha. A trégua foi por água abaixo após o grupo palestino lançar oito mísseis sobre o território israelense nesta terça-feira. Como tenho escrito por aqui, há incongruências importantes nas expectativas dos dois lados.

Em primeiro lugar, cada um ainda está tentando garantir a vitória. Muito embora as perdas em Gaza sejam maiores, o Hamas espera dar continuidade a seu discurso de resistência, mas, para isso, precisa obter ganhos – mesmo que mínimos – capazes de convencer seu público interno de que a estratégia de lançamento de mísseis e o conflito com Israel valeu a pena. 

O problema é que Israel precisa exatamente dos resultados opostos. O país precisa convencer o público palestino que a estratégia de conflito do Hamas não dá resultados. Então, o que acontece neste exato momento é a continuidade do jogo de soma zero sobre o qual tratei bastante nas análises anteriores. Por mais que ambos os lados estejam exauridos pela guerra, é possível que ela volte a acontecer. 

Do ponto de vista de negociação, o Hamas está em pior situação. Como Israel exige a desmilitarização de Gaza, o grupo é o que tem mais a perder. A “resistência” armada é a gênese de sua existência. Portanto, com a popularização internacional de que a segurança regional e a evolução de novos acordos passa pela deposição das armas, o Hamas só tem dois caminhos possíveis a seguir: continuar com o lançamento de mísseis, colocando mais palestinos em risco e Gaza ainda mais destruída ou se desarmar totalmente (ou ao menos ludibriar a comunidade internacional), mantendo apenas a ala política em funcionamento. 

Talvez o que esteja acontecendo agora seja reflexo deste impasse interno. Pode ser que o Hamas queira ganhar tempo para pensar numa terceira alternativa.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

As difíceis escolhas diante do Hamas

Complementando o texto desta segunda-feira, se o Hamas se transformar num grupo político que aceite abandonar as armas para negociar com Israel, uma parte importante do conflito israelense-palestino estará resolvida. Resta saber se o Hamas concordará com isso em troca de alcançar legitimidade política. 

Ronen Bergman coloca a questão da legitimidade como se esta já fosse por si só uma importante vitória ao grupo. 

“Apesar de Israel estar em busca da marginalização do Hamas e do fortalecimento de Abbas (Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina), o Hamas está, pela primeira vez em sua história, prestes a ser reconhecido internacionalmente como uma parte igual da disputa entre israelenses e palestinos”. 

Novamente, tendo a não concordar que esta situação representaria uma derrota absoluta a Israel. Se o governo de Benjamin Netanyahu tiver alguma participação no processo de desarmamento do Hamas, o atual primeiro-ministro passará à história do país como o responsável pelo fim do lançamento de mísseis do Hamas e dos outros grupos armados que operam em Gaza. E quem haveria de considerar este passo como uma derrota para Israel? 

O problema para Netanyahu começa no momento seguinte. Se o Hamas se transformar numa entidade política pacífica que aceite negociar, a bola passa para o lado de Israel. E este é o ponto que aparentemente o grupo palestino ainda não interpretou corretamente. Se depuser as armas e topar negociar com Jerusalém, que eventuais argumentos Bibi terá para não suspender o bloqueio a Gaza, por exemplo?

Para o Hamas, o problema é menos a questão com Israel e mais as disputas internas palestinas. Por ora, todas as decisões envolvendo o prolongamento do cessar-fogo, a reconstrução de Gaza ou novas formas de supervisão das fronteiras do território passam pelo retorno da Autoridade Palestina. E aí, olhando a figura de maneira mais ampla, a guerra que o Hamas iniciou contra a Israel terá existido para resultar na maior perda imaginável ao grupo: abrir mão do território que controlava desde 2007 e entregá-lo de bandeja ao seus principais rivais internos. 

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Plano apresentado por países europeus pode acabar com o Hamas

Ronen Bergman, analista politico e militar, escreve no New York Times que o Hamas está vencendo o conflito em Gaza. Eu concordo em parte com ele. Já escrevi por aqui que o grupo vencia o confronto, principalmente em função do inédito isolamento internacional que a guerra tem causado a Israel. Mas, na última sexta-feira, comecei a mudar de opinião, principalmente pela reação desesperada do Hamas ao quebrar o último cessar-fogo (não o que passou a vigorar a partir desta segunda-feira, mas o anterior).

A questão sobre quem venceu esta guerra – que ainda não terminou – é complicada mesmo. Mas, aparentemente, os eventos reais no terreno de batalha colocam o Hamas em situação delicada. Notem que me refiro estritamente aos acontecimentos estratégicos que impactam nas consequências no terreno. 

A ideia de desmilitarização do grupo está difundida e ganha força. Com a grande perda de vidas inocentes, houve também uma superexposição das táticas de lançamento de mísseis em locais de grande concentração populacional, do uso de escudos humanos e das sucessivas negativas a propostas de cessar-fogo. Se por um lado o objetivo de chamar Israel para dentro de Gaza foi “bem sucedido” como parte do projeto de isolamento internacional sobre o qual escrevi algumas vezes por aqui, por outro há poucas entidades internacionais que dão credibilidade a qualquer argumento usado pelo grupo para justificar o lançamento de mísseis. Quero dizer claramente que não há muito espaço à tentativa de transformar este conflito numa narrativa monolítica onde Israel seria unicamente culpado pelas mortes de civis. 

Em função disso tudo, três países europeus já apresentaram proposta que poderia resultar no fim do Hamas tal como o conhecemos hoje. França, Grã-Bretanha e Alemanha sugerem que Gaza seja reconstruída e, em troca, o território seria supervisionado de forma a evitar o rearmamento do Hamas e de outro grupos terroristas que lá operam. Para completar, propõem que todo o material a entrar em Gaza passe por inspeção internacional para evitar que cimento e ferro, por exemplo, sejam usados na construção de túneis subterrâneos. Por fim, os países europeus exigem que a Autoridade Palestina volte a governar o território – da onde seus membros foram expulsos (ou mortos) pelo Hamas em 2007. 

Se este plano europeu for aceito pela Autoridade Palestina, pela comunidade internacional e por Israel, o Hamas estará com os dias contados. Como escrevi, pelo menos a face conhecida de existência e o modo de operação do grupo hoje. 

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

E o Hamas começou a perder

Como o Hamas ainda não tem habilidade no campo diplomático, precisa manter o foco onde é especialista: o militar. Por isso optou por retomar os ataques a Israel duas horas antes do fim do cessar-fogo de três dias. Enquanto havia guerra, o Hamas subiu de nível. Mas a paz é um jogo mais difícil para o grupo. Se o confronto acabar, se houver um cessar-fogo mais duradouro, se a sua liderança precisar conceder mais campo de atuação em Gaza à Autoridade Palestina, de Mahmoud Abbas, então o Hamas terá perdido. Ou, ao menos, precisará se reinventar como organização. Como outros grupos terroristas que acabaram por decidir baixar as armas, vai precisar ser tão efetivo no jogo político quanto tem sido desde 1987 em sua escalada militar por poder entre os palestinos.

O problema disso é que, novamente, o grupo aposta com a vida dos palestinos, aposta ao elevar o nível de destruição de Gaza. Para o Hamas é muito difícil aceitar derrotas. E jogar no campo político significa, naturalmente, a aceitação de muitas derrotas que ainda estão por vir. 

Quando Yasser Arafat decidiu seguir adiante com o então primeiro-ministro de Israel Itzhak Rabin, sabia que, na prática, estava dizendo claramente aos palestinos que a ideia de que os judeus seriam “jogados ao mar” e o Estado de Israel destruído deveria ser abandonada – ele até podia afirmar o contrário em discursos mais entusiasmados em mesquitas na Cisjordânia. Mas o fato é que Arafat abriu mão de sua ideologia de quase meio século em nome do pragmatismo. Ele entendeu que Israel era uma potência militar, entendeu que, por mais que quisesse muito, os seis milhões de judeus israelenses não iriam embora, entendeu que todos os exércitos árabes não tinham a capacidade e a motivação necessárias para destruir Israel (como já haviam tentado três vezes). Por essas razões, Arafat abriu mão da luta armada declarada e entendeu que tinha mais a ganhar no campo político. 

O Hamas ainda não fez esta opção clara. E, para azar do grupo, o discurso sobre seu desarmamento encontra cada vez mais eco internacional. Abandonado por aliados e pressionado pelos governos ocidentais, o grupo está desesperado por entender que suas fontes de financiamento e envio de armas podem estar com os dias contados. E por tudo isso está apostando no que sabe fazer de melhor: confrontar Israel no campo de batalha. O problema disso é que o Hamas aos poucos se afasta dos anseios do povo pelo qual diz lutar. Os civis palestinos de Gaza querem a reconstrução do território, querem tentar refazer suas vidas. Se a violência recomeçar e Israel responder à retomada de lançamento de mísseis sobre seu território como já disse que irá fazer sempre que for atacado, o Hamas corre o risco de, além de amargar uma derrota no campo militar e político, se distanciar ainda mais dos anseios dos palestinos. 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A disputa por uma vitória mínima no Oriente Médio

Comentei no post de terça-feira sobre a visão pragmática de estratégia de longo prazo de Hamas e Israel. Gosto da ideia de Uri Halperin sobre os interesses reais dos atores por trás do conflito real. A obra fundamental do general prussiano Carl von Clausewitz sobre a definição do conceito de guerra ainda é uma das mais estudadas e pode ajudar a entender este capítulo de oposição violenta no Oriente Médio sob uma perspectiva diferente.  

Em seu livro “Sobre a Guerra”, Clausewitz  define claramente a razão primária de qualquer conflito: “a guerra é um ato de violência destinado a compelir nosso inimigo a fazer a nossa vontade”. Pode parece óbvio, mas é genial. E esta definição clássica e conhecida entre teóricos das Relações Internacionais encontra oposição na própria natureza deste confronto entre Israel e Hamas. Nenhum dos dois tem a capacidade militar de impor à outra parte sua vontade primordial: o Hamas não destruirá Israel; Israel não acabará com o Hamas. 

E aí retorno à posição de Halperin. Diante dessas impossibilidades mútuas, as partes tendem a reduzir expectativas para o futuro breve – o que, infelizmente, deve garantir novas etapas de enfrentamento (talvez em dois anos, como vem ocorrendo periodicamente). E diante da redução dessas possibilidades de ganhos, cada lado vai tentar encontrar sua vitória, mesmo que mínima. Israel vai se apegar aos ganhos técnicos. Benny Gantz, chefe do exército, já sinalizou que “Israel neutralizou a habilidade estratégica do Hamas de desenvolver mísseis e usar túneis subterrâneos”. 

Para o Hamas, a situação agora está mais complicada. Com menos apoio de seus aliados, com a estratégia de lançamento de mísseis a partir de áreas com grande concentração de civis relativamente difundida, o grupo ainda se apoia sobre a cobrança internacional a Israel em função do número de palestinos mortos durante a guerra. No entanto, nesta quinta-feira, manifestações em Gaza pediam o prolongamento do cessar-fogo (ainda em negociação no Cairo). 

O Hamas  está demorando a aceitar a proposta mediada pelo Egito, uma vez que se opõe à atual administração egípcia (a que derrubou seus aliados da Irmandade Muçulmana) e deve apresentar algum ganho prático aos palestinos em Gaza. Após um confronto de um mês bastante prejudicial à população, o Hamas vai precisar de mais do que um discurso de “resistência” para convencer seu público interno de que vale a pena manter a estratégia de confrontos com Israel (estratégia que é a própria gênese do grupo).  

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O jogo de soma zero

Em sua conta oficial no twitter, as Forças de Defesa de Israel anunciam que a “missão está cumprida”. Por outro lado, o porta-voz do Hamas fez questão de declarar que a “resistência venceu”. A partir de agora, com os confrontos militares temporariamente interrompidos, a batalha se expande para duas frentes: a da imprensa e das redes sociais, e a diplomática – com tentativas de se alcançar um cessar-fogo mais amplo e duradouro. 

Como prometi, vou abordar a questão da “resistência” do Hamas em posts posteriores. Por ora, quero refletir um pouco sobre a ideia de vencedores, vencidos e estratégias de longo prazo. Para isso, apresento duas visões sobre o conflito atual que considero resumir bem a ideia de soma zero – ou seja, a ideia de que esta última guerra ainda não conseguiu alterar drasticamente o posicionamento dos dois atores principais envolvidos (Hamas e Israel). Tampouco, as partes foram capazes de impor suas posições mutuamente. 

“Para o Hamas, o ponto (principal) é demonstrar que (o grupo) pode lançar mísseis sobre Israel. O importante é que esses mísseis foram contrabandeados para Gaza, fato que sugere que armamento mais perigoso pode no futuro chegar ao território palestino. Ao mesmo tempo, o Hamas mostra que pode causar baixas enquanto continua a lutar”. Esta é a posição de George Fridman, fundador do Stratfor, o maior grupo privado de pesquisas em política internacional dos EUA. 

Acho uma posição interessante, mas complementar a esta (que considero fundamental): 

“Israel está interessado em completar seu processo de retirada do território (Gaza) iniciado em 2005 sob (a liderança de ) Ariel Sharon, incluindo a desmilitarização de Gaza e a redução – senão o completo encerramento – da dependência econômica do território. O Hamas quer transformar este conflito num acordo que termine o bloqueio e traga benefícios financeiros, sabendo que se falhar em conquistar ao menos esta vitória, sua posição diante da população em Gaza estará seriamente comprometida”, escreve Uri Halperin, ex-agente de inteligência do comando da região sul de Israel, adido do país na Otan e assessor de inteligência no gabinete do primeiro-ministro. 

A ideia do Halperin me parece mais adequada porque enxerga o confronto de maneira mais ampla diante da história recente do Oriente Médio. No próximo texto, apresentarei sob perspectiva principalmente desta última análise as principais possibilidades de derrota e vitória de cada um dos lados. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Complemento ao post de sexta-feira

No domingo, o exército de Israel revelou que o soldado presumidamente sequestrado estava morto. Isso não invalida as reflexões do texto, uma vez que a trégua foi descumprida pelo Hamas. De qualquer maneira, achei importante fazer a correção. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Hamas erra ao sequestrar soldado de Israel

A ideia de capturar um soldado israelense e quebrar o cessar-fogo de três dias logo em sua primeira hora é um tiro no pé do Hamas. Com estrutura ramificada, é possível que a ala política do grupo palestino também tenha sido surpreendida pelo ataque da ala militar. O fato é que o sequestro do soldado de Israel certamente é prejudicial à estratégia mais ampla e, principalmente, aos civis de Gaza, considerando que o cessar-fogo de 72 horas tinha como objetivo básico o reabastecimento de suprimentos (remédios e comida) no território. 

Tudo isso foi jogado para o alto com a decisão do sequestro. Se o ato, isoladamente, poderia atender às demandas militares do grupo, por outro, enfraquece sua posição como entidade não-estatal. Sob o ponto de vista estritamente militar, parece ter sido uma tentativa de repetir o modelo adotado em 2006, quando o soldado Gilad Shalit foi capturado dentro das fronteiras de Israel. Para tê-lo de volta, as autoridades do Estado judeu aceitaram libertar 1.027 prisioneiros palestinos. 

O problema disso é que a ala militar do Hamas não tem capacidade de enxergar os problemas geopolíticos do Oriente Médio (isso se levarmos em consideração que o sequestro foi um ato isolado e desconhecido mesmo pela ala política). Como escrevi algumas vezes, as alianças na região estão mais polarizadas entre os dois eixos (sunita e xiita), mas a situação não anda lá muito boa para o Hamas. Leia mais sobre a divisão regional aqui

O conflito com Israel e a decisão de se aliar aos opositores de Bashar al-Assad na Síria contribuíram para seu enfraquecimento. Possivelmente, o grupo conta hoje somente com as alianças de Qatar e Turquia. Mesmo assim, os dois países precisam ser discretos em seu relacionamento com o Hamas, uma vez que, eles próprios, são Estados nacionais constituídos e têm seus próprios compromissos. Não podem enviar armamento ou grandes somas de dinheiro sem colocar em risco suas posições e interesses diante da comunidade internacional.  

Ao tomar a decisão de sequestrar o soldado israelense, o Hamas violou um cessar-fogo arduamente articulado por EUA e ONU, mas também por seus dois principais aliados – que neste momento certamente estão sendo cobrados pelo ato. Qatar e Turquia não estão satisfeitos. Para complicar ainda mais, o sequestro fortalece o discurso do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, quanto à necessidade de aumentar a ofensiva até que todos os túneis clandestinos sejam destruídos. 

No final das contas, o Hamas conseguiu obter um soldado para tentar trocá-lo por prisioneiros. Mas diante de tantos prejuízos que estão por vir, o grupo tem mais a perder do que ganhar.