terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Não Gosto do Leblon

Por Henry Galsky

Nascido e criado no Rio de Janeiro, eu corro sério risco de ser classificado como persona non-grata na cidade. Não por cometer crime de qualquer natureza, mas simplesmente por proferir uma frase que deve soar como heresia não apenas aos cariocas: não gosto do Leblon.

Segundo dados do município, o Leblon possui apenas 46.670 moradores. As estatísticas mostram que quase a totalidade é alfabetizada. Ao contrário do resto do país, simplesmente não há registro de mortalidade em nenhum dos critérios analisados (infantil, neonatal precoce, neonatal tardio e pós-neonatal). Mas isso é motivo de comemoração. Aliás, gostaria muito que esses números se repetissem nas demais regiões brasileiras. Entretanto, sei que as taxas altamente positivas não se devem de maneira nenhuma à ação do Estado. Ao contrário, são assim por sua completa ausência.

Os menos de 50 mil moradores do Leblon pouco se utilizam do aparato público. Às exceções dos acidentes de trânsito – não tem jeito, a primeira remoção obrigatoriamente é para um hospital do governo – queixas na delegacia ou passeatas contra aumento do IPTU, não há motivos para lembrar do falido ente estatal. Os dados mostram também que, em 2004, dos partos ocorridos no bairro, 105 foram vaginais e 249, cesarianas. Mas nada disso me fez implicar com o Leblon.

São os nativos que me incomodam em minhas caminhadas pela praia ou na disputa por um suco de limão num de seus diversos bares. Ninguém caminha impunemente pelas calçadas. Falta espontaneidade. Os despojados fingem, os metidos atuam e até os cachorros passeiam com ar blasé. Dizem que a coisa piorou depois que o bairro virou cenário constante das novelas de Manoel Carlos. O resultado disso é um ambiente tão opressor, que o ar só começa a ficar menos pesado ali pelas imediações da Lagoa (já a caminho de Botafogo ou do túnel Rebouças).

Nada é por acaso no Leblon. Se os filhos da classe alta começam a andar de skate, pronto. Já é moda. Se andam de esqui na neve, é atitude. E pensar que todas aquelas cesarianas e partos vaginais de 2004 em breve estarão protagonizando e ditando o destino do bairro cujo metro quadrado é o mais caro do país: R$ 12 mil. Para se ter idéia, a mesma metragem na área nobre de São Paulo – a cidade mais rica do Brasil – custa 33% menos.

Mas minhas lembranças não são de todo ruins. Numa época em que a água lembrava menos canjica com canela, era ali – já quase no Mirante – que meu avô me levava para nadar. Ele parecia um boto, tamanha sua desenvoltura (onde quer que você esteja, vô, isso foi um elogio, viu?). Apesar de não gostar de sair tarde da praia (hábito herdado geneticamente), encontrava ânimo de ir à padaria comprar um pão que nunca chegava inteiro em casa.

Também foi ali, especificamente na Cupertino Durão, que experimentei as primeiras ansiedades da pré-adolescência. Nas festas com hora marcada para começar e terminar (sempre de 17h às 21h), dei meus primeiros e derradeiros passos de dança. Parece que foi ontem, mas eu achava o máximo imitar as coreografias de Michael Jackson (eu e ele já apresentávamos sinais de decadência) naquelas tardes de sábado nas pistas da Mikonos ou da Vogue. Todo mundo vibrava com Billy Idol e Information Society. Aos 11 anos de idade, a grande expectativa daquelas crianças era pelos acordes iniciais de Paula Abdul e Bruce Springsteen. A música lenta marcava a oportunidade de dançar nem tão coladinho assim com aquela garota da fileira da frente ou, na pior das hipóteses, com a vassoura (símbolo máximo da humilhação vespertina).

E no final da tarde desta sexta-feira pensei nisso tudo ao mesmo tempo. Caminhando pelo calçadão da praia pouco movimentado num dia chuvoso, percebi que o glamour ficou um pouco distante. O meu avô já não está mais aqui pra me levar à praia ou às festinhas. Os tempos de escola já se acabaram há quase dez anos. Os problemas são bem mais sérios e complicados do que a vergonha por ser interrompido numa coreografia oitentista pela surpreendente aparição da minha mãe vindo me apanhar. Mas acho que devia este texto ao Leblon, um bairro que nunca foi meu mas que mesmo assim faz parte do que eu sou hoje.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A verdade sobre a nostalgia

Por Henry Galsky

Acabou. Infelizmente, é esta a mais pura e absoluta verdade. Após sete anos e meio e mais de 125 textos o meu blog VivaVoz teve sua falência decretada. Confesso que deveria usar uma palavra mais apropriada para isso. Sei exatamente qual é, mas tenho um medo extremamente infantil dela e por isso optei pela praticidade do termo “falência”. Estou oficialmente impedido de publicar novos textos. O culpado tem nome, endereço, razão social, advogados e milhões de reais em lucros.

Segundo um amigo que trabalha por lá, a culpa foi minha. Compreendo sua explicação. Afinal, o último texto foi postado em 25 de maio passado. Segundo ele, a política oficial da empresa é acabar com o livre acesso de quem deixa seu blog “entregue às moscas virtuais” por tanto tempo. Para voltar a ter acesso a tudo o que você mesmo criou, só sendo assinante (!). Como todos os criadores de blogs, compradores de eletrodomésticos e moradores de condomínios do planeta não fiz o básico: ler os termos dispostos ou, nos casos listados, o manual de usuário e a convenção do prédio, respectivamente. Nada mais chato do que isso.

E, assim, eu, que ao longo deste tempo com o já saudoso VivaVoz (pelo menos pra mim) tentei transmitir minhas idéias livremente, fui punido pela indisciplina de não ler a política oficial do novo dono do Blogger (cujo nome não revelarei pois não faço publicidade gratuita).

Mas como costuma repetir quem gosta de consolar os amigos que perdem empregos, namoradas, têm os carros roubados e blogs confiscados, toda e qualquer mudança é positiva (tenho sérias dúvidas sobre este ditado, mas por hoje não darei maiores explicações). E aqui estou eu insistindo em escrever. Com a lição aprendida, prometo nunca mais prometer ficar tanto tempo sem publicar meus textos.

E por falar neles, retorno ao assunto de meu saudoso VivaVoz. Graças ao amigo cujo emprego pretendo manter e por isso sua identidade permanecerá incógnita, consegui ao menos entrar em meus antigos arquivos virtuais. Salvei em meu computador cada um dos textos. E sou obrigado a abrir o jogo. Poucas vezes passei por experiências tão emocionantes. Reli cada um deles e também os respectivos e sinceros comentários de meus fiéis amigos-leitores (é bem verdade que mais amigos que leitores).

Passei por um processo de recuperação de memórias e lembranças num turbilhão só. Involuntariamente, o exercício de copiar, colar e salvar tudo o que escrevi ao longo destes últimos sete anos e meio me permitiu pensar sobre mim mesmo em cada um dos momentos em que – nem sempre diante do computador – encarei a folha em branco. Há muita coisa sofrível, principalmente daquele já longínquo outubro de 2001. Mas, mesmo meu primeiro texto foi importante. Lembro-me de tê-lo escrito na redação do GNT numa noite em que o trabalho já havia terminado e decidi arriscar a criação do blog.

Pude relembrar cada momento de alegria e tristeza desta década tão importante em minha vida. O fim do estágio, a busca pelo primeiro emprego, a dor da perda de dois avós muito significativos, a solidão após um término inesperado. Mas coisas boas também. O encontro com os amigos e a volta por cima em todas as dificuldades pelas quais passei.

Em 2006, consegui me lembrar de todos os textos escritos em Israel. Como não tinha computador pessoal disponível a qualquer instante, revivi a redação silenciosa na biblioteca da universidade ou na casa de meus tios, e a dificuldade de escrever num caderno durante a dura, fria e longa estadia no centro de absorção.

É claro que não poderia deixar de mencionar a vontade que ainda tenho de terminar o romance envolvendo meu personagem, Renato Viana. Além da intenção de transformar tudo isso e mais os textos deste novo blog em livro. Afinal, como Raul Seixas já cantou em “A Verdade sobre a Nostalgia”, “Na curva do futuro muito carro capotou / Talvez por causa disso que a estrada ali parou / Porém, atrás da curva / Perigosa eu sei que existe / Alguma coisa nova / mais vibrante e menos triste”.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Celebração da vida comum

Por Henry Galsky

Assistir ao documentário Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, não é simplesmente se emocionar com a intimidade e a beleza dos relatos presentes no filme. É, mais do que isso, desenvolver a capacidade de se enxergar na realidade das personagens. O longa-metragem coroa a produtiva série do diretor desde a realização, em 1999, de Santo Forte. De lá pra cá, Coutinho foi responsável por Babilônia 2000 (2000), Edifício Master (2002), Peões (2004) e O Fim e o Princípio (2005).

Mas Jogo de Cena é diferente. A simplicidade e originalidade da idéia surpreendem. A produção publicou um anúncio no jornal convocando mulheres a partir dos 18 anos de idade para contar suas histórias de vida. Foram selecionadas 23 das 83 que se apresentaram. Todas sabiam que seus depoimentos seriam filmados e, num futuro próximo, usados na produção de um longa-metragem.

No Teatro Glauce Rocha, no Rio, cada uma dela se mostra de peito aberto diante das câmeras, do diretor e da equipe de produção. Desde o momento em que a primeira pisa o palco, suas trajetórias repletas de dor, fracasso, esperança e recuperação desfilam ao longo dos nada cansativos 103 minutos de duração da obra.

Coutinho pouco intervém nos depoimentos. Unindo os relatos, apenas a coragem de se expor a um estranho como um paciente em sua primeira sessão de terapia. E isso emociona, comove e conquista o espectador. Assistir à Jogo de Cena é estar diante de um espelho que nada esconde. Os dramas são reais e destoam do padrão cada vez mais fora do comum de mulher bem-sucedida emocionalmente. No documentário, casar, ter filhos e ser feliz em família ao lado do marido é definitivamente apenas uma sombra de um passado apagado pela dor.

Ao invés deste padrão, histórias de “gente de verdade”: a jovem de classe média cujos sonhos foram interrompidos pela gravidez originada na primeira relação sexual; a mãe solteira que se apega à religião para atenuar a dor da morte do filho recém-nascido; a mulher cujo maior objetivo é reconciliar-se com a filha que vive nos Estados Unidos, etc.

Entrecortando os depoimentos, Marília Pêra, Andréa Beltrão, Fernanda Torres, além de atrizes menos conhecidas, interpretam alguns dos relatos reais. Assim, em pontos-chave do documentário, o espectador é levado a questionar a veracidade de parte das entrevistadas. Para tornar ainda mais sofisticado este exercício de questionamento do público, as próprias atrizes contam episódios marcantes de suas vidas.

Coutinho ainda acrescenta à complexidade do filme depoimentos das atrizes conhecidas sobre a dificuldade de interpretar um texto de uma personagem real. Num desses momentos, Marília Pêra faz uma leve crítica aos atores de televisão. “Quando o choro é verdadeiro, o ímpeto natural é esconder as lágrimas. Mas hoje na tevê todo mundo gosta que elas saiam aos borbotões”.

Sem recorrer a nenhum recurso técnico-dramático – como trilha sonora, por exemplo – a produção termina em silêncio com uma longa tomada fixa das cadeiras vazias no palco – as mesmas que ora foram usadas por entrevistador e entrevistado. Não há mais nada além delas. O espectador então é levado a refletir sobre como a simplicidade do cotidiano pode ser tão criativa como este Jogo de Cena. Uma celebração à vida comum.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A breve paz que invadiu meu coração

Por Henry Galsky

Foram apenas quatro dias. No entanto, este pequeno intervalo de tempo incapaz de ser classficado nas mínimas divisões temporais (nem chega a uma semana) serviu para me esclarecer bastante. Cercado pela natureza, longe dos telefones celulares e dos computadores, mas muito perto do que há mais de significativo: amizade e a confortável sensação de estar envolto num mundo seguro. Um mundo sem violência, conflitos, competição, inveja e tudo o mais que deveria ser banido da vida humana.

Assim foi o meu pequeno recesso de reveillón. Como de costume, passei ao lado de meu tradicional grupo de amigos. Nem todos estavam lá, é claro. Mas parte importante de meu ciclo de amizades que, felizmente, costuma organizar as viagens conjuntas de fim de ano. O local escolhido para este encontro foi um sítio em Albuquerque, bairro afastado de Teresópolis.

Longe de tudo, pude mais uma vez comprovar a teoria de que a riqueza da vida está na simplicidade e nas relações desinteressadas (no que esta palavra compreende de melhor) com as pessoas.

Ao lado da piscina, durante as refeições coletivas, ao sentir o primeiro respiro da noite, a sensação era de... pena. Pena por quatro dias como aqueles serem simplesmente a exceção, a curva fora da reta burocrática em que nossas vidas se enquadram desgraçadamente ao longo de quase todo o ano.

Observar um céu estrelado deveria ser regra, não motivo de comemoração embasbacada. Da mesma forma, temos sim o direito de torcer para que o dia se arraste saudável e preguiçosamente. Mas, ao contrário, contamos os segundos para que ele voe diante de nossos olhos preocupados com ansiedades que, daqui a alguns bons anos, perceberemos inúteis e insalubres.

O corpo pede um pouco mais de calma. E é por isso que meu coração é invadido pela enorme tristeza de constatar que estamos à deriva, na dependência de um punhado de dias de folga e da força de vontade de amigos que compartilham deste sentimento.

Se houver um paraíso, ele deve estar diluído por esta tranqüilidade, por esta paz de espírito, pelo enorme e infinito amor que emana de meus amigos. E eu sou um privilegiado de estar cercado por essas pessoas.