sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Reflexões sobre parceria entre Brasil e Irã

A visita de Lula ao Irã em 15 de maio já começa a causar polêmica. Aliás, mesmo que Lula fosse à República Islâmica a passeio, estar no país que é a bola da vez das sanções internacionais já é notícia por si só. O fato é que a coluna de hoje do jornalista do Globo, do Rio de Janeiro, Merval Pereira traz informações surpreendentes que só jogam ainda mais lenha na fogueira no encontro entre o presidente brasileiro e o controverso parceiro iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

São dois os pontos que me parecem mais importantes: a afirmação de Merval Pereira de que membros do Gabinete de Segurança Nacional brasileiro estudam a possibilidade de um acordo nuclear com o Irã – ele vai além e afirma que o país construiu uma centrífuga em Aramar, São Paulo, capaz de enriquecer urânio.

Outra informação fundamental é de que, no encontro com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) marcado para maio, o Brasil simplesmente não assinaria um novo protocolo do organismo que pede livre acesso de seus inspetores a todas as instalações nucleares existentes no país. Segundo a coluna, Brasília argumentaria já haver garantias suficientes quanto aos propósitos pacíficos do programa nuclear brasileiro.

Achei tudo isso um tanto temerário. Mas meu bom-senso indica que é melhor aguardar as respostas oficiais a tantas e graves denúncias de hoje. Afinal, não haveria justificativas para romper com a AIEA e se aliar ao Irã. Não tem sido essa a postura do governo nos últimos oitos anos e não há porque mudar de forma tão radical agora.

Além do mais, mesmo que fosse esta a intenção de Lula, custo a acreditar que ele daria material tão farto à oposição às vésperas das eleições. Até porque um dos maiores adjetivos que os oposicionistas tentam agregar à candidatura de Dilma é justamente a preferência por parceiros e atitudes radicais.

Comprar a briga do Irã neste momento é dar um tiro no pé em relação aos objetivos internos de Lula e do PT. Tenho certeza de que o presidente brasileiro considera mais importante fazer seu sucessor a arrumar uma saída para Ahmadinejad frente às novas sanções que deve enfrentar muito em breve.

Esta preocupação está no centro da visita da secretária de Estado Hillary Clinton, no próximo dia 3. Muito interessante perceber que, apesar de sempre ter considerado o Brasil um importante ator global, este status conferido por Washington nunca se traduziu na criação de uma relação "especial" entre os dois países. E, quem diria, talvez Barack Obama tenha que correr para estreitar laços com o Brasil antes de Ahmadinejad.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Argentina mostra equilíbrio, mas ainda não há solução para as Falklands-Malvinas

Ainda sobre as ilhas Falklands-Malvinas, acredito que a Argentina tem tido uma postura bastante equilibrada. Enquanto Londres não admite qualquer negociação, autoridades do governo Kirchner reforçam o interesse do país de discutir o status do território com os britânicos. A postura argentina nem poderia ser diferente, afinal somente o Reino Unido tem algo a perder nessa história toda.
Em encontro com o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, o ministro das Relações Exteriores argentino, Jorge Taiana (foto), pediu somente mediação para um eventual encontro com o governo britânico. E citou o argumento principal de Buenos Aires, explicado no texto de ontem.
"Este é um ato unilateral (iniciar a perfuração em busca de petróleo) inserido numa cadeia de atos unilaterais realizado pelo Reino Unido. É contrário ao direito internacional e às resoluções expressas das Nações Unidas, que condenam atos unilaterais que agravem a disputa por soberania", disse em Nova Iorque.
O grande ponto me parece ser o fato de a plataforma de exploração Ocean Guardian já estar em funcionamento. Quanto mais tempo as discussões levarem, mais consumada a questão estará. Os britânicos já iniciaram a exploração de recursos sem consultar os argentinos.

Bem anterior à guerra travada em 1982, a disputa remonta a 1820, quando a Argentina estabeleceu postos avançados na ilha e reclamou sua soberania. Trezes anos depois, a Grã-Bretanha entou no jogo, expulsando os argentinos. Desde então, são eles os mandatários do território.

À parte da disputa petrolífera, acho um tanto desnecessário este imbróglio todo. Primeiro porque, no mundo de hoje, nem britânicos, nem argentinos precisariam manter "colônias" ou postos estratégicos no Atlântico Sul. Acho viável que Buenos Aires e Londres encontrem uma solução econômica que beneficie a ambos. Por exemplo, dividir os royalties do petróleo.

Até porque, simplesmente transferir as Falklands-Malvinas para controle argentino certamente desagradaria à população da ilha. Os quase 3 mil moradores são britânicos ou seus descendentes, falam inglês e usam a libra local como moeda - cujo valor é igual ao da libra esterlina.

Curiosamente, num cenário onde a Argentina dominasse as ilhas, encontraria uma população totalmente hostil a seu domínio e identificada nacionalmente à Grã-Bretanha. Ou seja, o governo de Buenos Aires seria uma espécide de "potência" ocupante, comportamento internacional muito criticado pelos países latino-americanos. É algo a se pensar.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Nada é tão óbvio quanto parece nas Falklands-Malvinas

A retomada da polêmica sobre as ilhas Falklands-Malvinas é curiosa. Mais oportunista do que curiosa. Em primeiro lugar, é preciso dizer que há muitos equívocos nas declarações e alguns pontos muito interessantes de reflexão. Não acho que este seja o assunto mais importante a ser discutido pelos países latino-americanos, como ocorreu na reunião do Grupo do Rio no México, mas o fato é que tudo acabou girando em torno desta questão. Afinal, nada como ressucitar a oposição entre primeiro e terceiro mundos - como se este não fosse um dilema mais velho do que o século vinte.

Seja como for, além dos líderes latino-americanos, essa briga acabou caindo nas graças da imprensa britânica. À parte da BBC, os outros veículos têm exagerado na defesa venal da soberania do Reino Unido. Dizer que a ilha só foi lembrada por conta do interesse de perfurar petróleo é lugar-comum, mas faz um pouco de sentido neste caso.
O que, no entanto, não faz o menor sentido é o "esquecimento" de que para explorar os recursos das Falklands-Malvinas a Grã-Bretanha precisa de consentimento por parte da Argentina. E isso não é bravata, mas consta dos acordos mediados pela ONU entre os dois países quando eles restabeleceram os laços diplomáticos, em 1990. Pouca gente tem lembrado de algo tão importante neste momento de escalada das declarações. Aliás, principalmente a imprensa britânica, que decidiu comprar o discurso oficial.
Acho que há um tanto de oportunismo envolvendo esta situação. O presidente venezuelano atropelou a própria colega argentina ao anunciar estar disposto a enviar tropas no caso de uma guerra. Não haverá conflito, como tem repetido a presidente Cristina Kirchner. A questão será colocada em pauta pelo ministro das Relações Exteriores, Jorge Taiana, durante conversa com o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon. E aí sim as discussões vão começar.
Os países latino-americanos fecharam com Kirchner, algo previsível. Mas alguns argumentos muito fracos foram usados para defender esta posição. Mesmo Lula derrapou ao afirmar não entender como "um país a mais de 14 mil quilômetros tinha diretos sobre uma ilha ao lado da Argentina".
Este não é o ponto. Estados não são entidades naturais, mas políticas. E, como tal, são construções absolutamente artificiais. Da mesma forma que as fronteiras brasileiras foram criadas por acordos políticos e comerciais, não é natural que um país tenha soberania sobre um território simplesmente porque fica mais perto dele. Se fosse assim, a Groenlândia não seria território dinamarquês, o Havaí, americano ou a Ilha de Páscoa, chilena.
Lula manteve esta posição e aproveitou para questionar a legitimidade do Conselho de Segurança da ONU. Sempre escrevo - e não é segredo pra ninguém - que o objetivo internacional brasileiro é conseguir vaga permanente no órgão. Por isso, Brasília não perde a oportunidade de reafirmar que o Conselho precisa ser modificado para realmente se tornar representantivo. Lula disse isso textualmente ontem.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Momento crucial da guerra no Afeganistão

Enquanto Paquistão, Egito e Arábia Saudita apresentam mudanças que podem ser interpretadas positivamente, a situação no Afeganistão não inspira tanta confiança. O epicentro da guerra ao terror americana se equilibra sobre pilares bastante tênues nos últimos dias. Aliás, na última semana, cada novo dia apresentou novidades tão importantes quanto alarmantes.

A ofensiva lançada há dez dias no distrito de Marjah, na província de Helmand, tem alcançado resultados positivos, mas um erro das forças da Otan causou a morte de 27 pessoas, levando inclusive o general americano Stanley McChrystal - comandante da aliança militar ocidental no Afeganistão - a se desculpar na TV.
Antes disso, porém, a coalizão comandada pelos EUA já sofrera a considerável baixa representada pela confirmação de que a Holanda irá retirar até agosto deste ano seus 1,6 mil soldados combatentes no país asiático. Por mais que ainda haja outros 60 mil militares - que serão acrescidos de outros 30 mil a serem enviados por Barack Obama -, o movimento pode dar início a uma tendência política que, sem a menor dúvida, esvaziará os esforços de Washington num momento crucial.
A ofensiva de Marjah mostra a disposição de reverter o impasse na luta contra o Talibã, mas há problemas políticos e econômicos profundos. Mesmo o governo de Cabul sofre uma tremenda crise de credibilidade internacional e local. Para pôr mais lenha na fogueira das contestações da eleição do ano passado, o presidente afegão, Hamid Karzai, anuncia hoje outra medida polêmica. Ele passa a usufruir do poder de apontar os cinco membros da Comissão Eleitoral Afegã, a mesma responsável por denunciar as fraudes do próprio Karzai no pleito de 2009.
A guerra no Afeganistão não será ganha somente com esforços militares, mas principalmente com medidas políticas e sociais capazes de promover a simpatia dos afegãos comuns com as forças que combatem o Talibã.
O grupo fundamentalista não apresenta tropas tão numerosas, mas conta com o suporte financeiro ainda intocado pelas forças ocidentais: os 3 bilhões de dólares de lucros anuais representados pela indústria do ópio que os talibãs controlam. A título de comparação e usando os dados do texto de ontem, a quantia representa o dobro do volume de ajuda financeira fornecido pelos EUA ao Paquistão, maior parceiro americano na região. Além do mais, frear os delírios de poder de Hamid Karzai é um desafio tão grande e importante quanto dobrar a resistência Talibã.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Novidades de aliados islâmicos dos EUA

Há algumas boas notícias internacionais para o presidente Barack Obama. Três de seus principais aliados no mundo islâmico têm mostrado sinais de cooperação, possibilidade de reforma política e uma pequena grande mudança em relação aos direitos das mulheres. Respectivamente, os sinais positivos vêm de Paquistão, Egito e Arábia Saudita, atores muito importantes no cenário político com o qual a Casa Branca lida.

A recente operação conjunta entre forças americanas e paquistanesas conseguiu promover a captura do mais importante comandante militar talibã, o mulá Abdul Ghani Baradar. É a primeira contribuição significativa entre as forças de segurança do Paquistão, conhecida como ISI, e os Estados Unidos. Sempre é válido lembrar que poderosos membros das ISI são bastante simpáticos ao Talibã e muitos são acusados de contribuir monetária e logisticamente com o grupo fundamentalista.
Tudo isso só torna a captura de Baradar ainda mais significativa. Afinal de contas, as ISI atuam como um Estado dentro do Estado, boicotando o poder governamental de Islamabad quando bem entendem e tornando a luta contra os talibãs no Afeganistão e no Paquistão ainda mais complicada. Um outro dado muito importante diz respeito à ajuda financeira repassada por Washington ao governo paquistanês: 1,5 bilhão de dólares anuais, sendo que boa parte deste dinheiro acaba nas mãos dos próprios talibãs - através das ISI. Um tiro no próprio pé dos EUA.
Outro ponto importante é a possibilidade de mudança política no Egito. Com eleições marcadas para 2011, o país é governado há três décadas pelo presidente Hosni Mubarak, que vinha tentado fazer seu sucessor; ninguém menos que o próprio filho, Gamal. Mas tudo indica que a disputa vai ser acirrada. E desta vez com um nome de respeito internacional: o prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, que, após 12 anos à frente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), deixou o cargo e pretende concorrer nas eleições egípcias. Os americanos contribuem com 1,2 bilhão de dólares anualmente para o governo do Cairo. Se El Baradei for eleito, ninguém sabe se jogará conforme as regras dos EUA.
O caso mais curioso, mas não menos importante, é o da Arábia Saudita. O mais fiel aliado americano dentre os países islâmicos estuda a possibilidade de uma significativa abertura às mulheres. O governo cogita perrmitir que advogadas possam trabalhar nas cortes do país pela primeira vez. Até o momento, as mulheres podem ser empregadas apenas em escritórios. Elas tampouco podem dirigir e as que têm menos de 45 anos de idade precisam de permissão de algum homem da família para viajar. A Arábia Saudita possui cerca de 20% das reservas de petróleo conhecidas.
Talvez seja apenas coincidência, mas acho que as mudanças de Paquistão e Arábia Saudita têm a ver com as duas guerras americanas na região: contra o Talibã e o possível conflito com o Irã.
Com o sudeste asiático a caminho de um confronto com Teerã, as posições tendem a se polarizar ainda mais. Muito embora a permissão de trabalho às mulheres sauditas seja necessariamente parte da política local do regime saudita, a decisão sem a menor dúvida agrada aos EUA. O caso do Egito é a maior incógnita. Afinal de contas, ElBaradei recebeu o Nobel da Paz em 2005 por suas posições contrárias à invasão americana ao Iraque. E deve agir da mesma forma no caso de uma ofensiva contra o Irã, desestabilizando o time dos Estados árabes sunitas que, por fim, estarão ao lados de Washington numa eventual invasão americana ao Irã.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ação israelense gera crise com europeus

Como consequência prática da operação do Mossad em Dubai, aparentemente há indícios de uma crise política entre Grã-Bretanha e Israel. Pegou muito mal o uso de seis passaportes britânicos para forjar as identidades dos membros da equipe que matou o contrabandista de armas do Hamas. Mas por enquanto as informações são confusas quanto à autenticidade dos documentos. Mesmo Londres não consegue chegar a uma conclusão: não está claro se os passaportes foram falsificados ou se foram feitas cópias dos originais.

O que se sabe por ora é que nomes de cidadãos do Reino Unido que emigraram para Israel foram usados na ação. Mas, a agência britânica responsável por monitorar o crime organizado já confirmou que as fotografias e as assinaturas não batem com as dos passaportes verdadeiros emitidos pelas autoridades do país. Ou seja, os documentos seriam falsos.

Há uma briga retórica e política envolvendo os dois países. O secretário de assuntos internacionais, David Miliband, disse estar ofendido com o uso dos passaportes. A imprensa britânica segue a mesma linha e se mostra profundamente revoltada, exigindo uma resposta do governo, talvez até um boicote a Israel.

"O roubo das identidades põe em perigo não apenas os seis britânicos que tiveram seus passaportes usados, mas qualquer um que circule com documentos do Reino Unido no mundo árabe", diz editorial do Guardian.

Acho as alegações um tanto exageradas, mas consigo compreendê-las inseridas numa disputa política. O uso dos passaportes britânicos infringe a soberania daquele país. Por mais que Inglaterra, Irlanda, França e Alemanha - países que tiveram documentos usados na ação - exijam respostas dos representantes israelenses locais, acho que esta crise será temporária.

Primeiro porque oficialmente Israel nega a autoria do assassinato. Ou seja, os embaixadores não sabem ou não estão autorizados a confirmar qualquer informação. Segundo porque há um tanto de hipocrisia nesta situação. Ora, os mesmos países que agora se mostram contrariados com o crime em Dubai condenam ações militares massivas de Israel, que colocam em risco a vida de civis palestinos. Os europeus cobram de Jerusalém o uso de alternativas de inteligência e espionagem simultaneamente a negociações de paz.

Mas não há como escapar desta sinuca mesmo. Até porque nenhum governo pode vir a público e concordar com o uso de seus documentos para este tipo de ação. Por outro lado, ninguém imagina que espiões irão usar seus próprios passaportes quando estão em serviço. Muito menos passaportes israelenses. Todos esses fatores só me levam a crer que depois de terminado o jogo de cena e a exigência de explicações, nada de mais sério vai acontecer.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Significados da operação do Mossad em Dubai

Sem a menor dúvida, a história mais interessante do período pós-carnavalesco é o misterioso assassinato do comandante militar do Hamas, Mahmoud al-Mabhouh. A polícia de Dubai, onde ele foi morto, apresentou à imprensa os detalhes que conseguiu levantar um mês após o crime. A situação adquiriu status quase espetacular por envolver uma trama com todos os ingredientes de um filme de ação. Até o momento, a conta recai unicamente sobre o Mossad, o serviço secreto israelense. Acho que vale a pena tentar entender os motivos por trás da operação.

Em primeiro lugar, acredito mesmo que os 11 membros da equipe que sufocou al-Mabhouh sejam do Mossad. Não haveria motivos para outros grupos de engajarem numa ação tão meticulosa quanto arriscada. Além disso, os passaportes falsos confecccionados usavam dados pessoais de judeus europeus que emigraram para Israel - informações a que somente instituições israelenses poderiam ter acesso.
Sobre este ponto, inclusive, acho válido relatar a análise de Ron Ben-Yishai, analista de segurança do site israelense Ynet. Para ele, não há motivos para os cidadãos que tiveram seus passaportes "clonados" temerem represálias no exterior, como vem sendo divulgado equivocadamente por alguns veículos de imprensa. Os nomes verdadeiros foram acrescidos de nomes falsos, dados como datas de nascimento e número de registro, alterados, e, mais importante, os governos europeus declararam oficialmente que os passaportes são falsos.

Dito isso, cabe entender por que assassinar Mahmoud al-Mabhouh era tão importante para Israel e, tão fundamental quanto esta avaliação, por que agora. O comandante militar do Hamas esteve envolvido diretamente no sequestro e assassinato de dois soldados israelenses em 1989. Numa operação tão rica em detalhes quanto a que o matou, al-Mabhouh levou a cabo os assassinatos disfarçando-se de judeu ortodoxo. Mas sem dúvida este não foi o único motivo que levou à formação de uma equipe de 11 pessoas para uma operação secreta e logisticamente complicada para assassiná-lo num país árabe.

Mahmoud al-Mabhouh era o responsável pelo contrabando de mísseis de longo alcance iranianos para a Faixa de Gaza. Eliminá-lo numa operação espetacular com detalhes repercutidos pela imprensa internacional atende a dois grandes objetivos geopolíticos de Israel: o primeiro deles é óbvio; interromper o fluxo de armamento para o Hamas. Importante dizer que são esses os mísseis que ameaçam a região sul de Israel onde vivem cerca de três milhões de pessoas - pouco menos da metade da população do país.

O segundo motivo é fácil de ser adivinhando, mas menos óbvio. E explica por que o Mossad realizou a operação agora.

Com um início de ano conturbado nas relações entre o Ocidente e o programa nuclear iraniano, a ação manda um recado direto a Mahmoud Ahmadinejad. O serviço secreto israelense não medirá esforços em eliminar - mesmo em território hostil - os inimigos do país. E esta explicação teórica se divide em duas outras: assassinatos seletivos no exterior em parte se apresentam como possibilidades alternativas ou paralelas a um ataque total ao Irã - projeto que por ora não conta com apoio americano - e deixam claro, neste caso, que Israel não aceitará interferências de Teerã no conflito com os palestinos - nada mais representativo do que assassinar o interlocutor logístico entre o Hamas e o Irã.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Para entender a crise europeia

A desvalorização do euro e a crise europeia que se aprofunda a cada dia são problemas difíceis de serem solucionados porque demandam tempo, paciência e consenso entre os membros da UE que adotaram a moeda única, há pouco mais de dez anos. Naquela época, uma das grandes questões era como ajustar dois dilemas ainda fundamentais: equalizar as economias dos países sem interferir na soberania nacional.

Como o momento atual vem mostrando, é muito difícil - quando não impossível - resolver este impasse. Simplesmente porque a crise na zona do euro ocorre basicamente por conta da enorme distância que separa grandes economias - como de Alemanha e Holanda, por exemplo - de pares menos privilegiados - caso do grupo que vem sendo chamado de PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).
A Grécia é o caso a ser estudado nesta situação. É o maior ícone dos países que, apesar da adoção do euro, não conseguiram ter força econômica capaz de competir no mercado. Ou seja, a bolha estourou. Uma década vivendo graças a baixas taxas de empréstimo e crédito abundante na zona do euro criou a sensação de falsa estabilidade e bem-estar social. Tudo isso está prestes a ruir simplesmente porque os débitos são altíssimos. Como importaram muito e exportaram pouco, a lógica é simples.
Hoje, por exemplo, as taxas de débito dos PIIGS são altíssimas. Vale lembrar que os dados refletem a dívida em relação ao PIB desses países. A Grécia deve 12,7%; Irlanda, 12,5%; Espanha, 11,2%. As metas econômicas estabeleciam que as dívidas não deveriam ultrapassar os 3%.
A situação é tão grave que especuladores não excluem a possibilidade de falência completa de alguns países, uma vez que eles deixariam de conseguir obter qualquer empréstimo por conta dos déficits. Hoje acredito que a situação na Europa seja a mais grave desde a Segunda Guerra Mundial.
Como se sabe, graves problemas econômicos geram também graves consequências políticas. As decisões tomadas para interromper a decadência dos PIIGS não são nada palatáveis. Até porque afetam as populações e causam grande revolta. E isso já está acontecendo na Grécia, onde o primeiro-ministro George Papandreou anunciou um pacote de medidas que incluem a modificação da idade de aposentadoria de 61 para 63 anos, o congelamento dos salários do setor público e o aumento do preço do combustível. Nada popular, sem dúvida.
A situação ainda é agravada com a perda de importância da Europa nos fóruns de discussões globais. Mas este é um problema que os governos do continente criaram para si. O que se sabe agora é que tão cedo os europeus não vão conseguir sair deste atoleiro econômico.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Por que nenhum pacote de sanções irá funcionar

Não há como fugir do assunto. Pelo menos não hoje, quando o Irã comemora o 31º aniversário da Revolução Islâmica de 1979. Para celebrar a ocasião, o presidente Mahmoud Ahmadinejad reuniu milhares de seguidores na Praça Azadi – também conhecida como Praça da Liberdade – e defendeu as pretensões atômicas do país. Diante da plateia, orgulhosamente declarou: "Somos agora um Estado nuclear".

Eu não ficaria orgulhoso se o Brasil fosse um Estado nuclear. Mas essa é uma questão pessoal e fica a cargo dos cidadãos iranianos comprarem esse slogan. Sempre há um tanto de apelo emocional nessas ocasiões de grandes comemorações nacionais e no Irã não é diferente. O programa nuclear do país é hoje a representação de uma batalha messiânica contra o Ocidente e é assim repercutida pelas autoridades governamentais e pela imprensa oficial.
Ontem escrevi sobre as relações sino-iranianas. A China não vai aprovar as sanções do Conselho de Segurança da ONU por um motivo muito importante: os chineses importam hoje 15% do petróleo consumido internamente do Irã. Por mais que não seja um número impressionante, diante do tamanho da economia chinesa, é bastante significativo. Além dos motivos expostos ontem, de caráter mais ideológico, este é um item econômico que não pode ser esquecido.
O que muita gente tem esquecido nesta batalha retórica é que há muita chance de nenhum pacote de sanções impressionar o Irã. E o motivo é bem simples: a República Islâmica já é afetada por medidas desta natureza há muito tempo, mais precisamente desde 1995.
Naquele ano, os EUA impuseram um embargo econômico completo ao país. Em 2006, ou seja, há pouquíssimo tempo, o mesmo Conselho de Segurança da ONU aplicou sanções pela primeira vez por conta do projeto nuclear iraniano. Há quatro anos os membros da ONU - não apenas do Conselho, é importante deixar claro, mas todos os 192 países que compõem a organização - estão proibidos de vender ou desenvolver suprimentos que pudessem ser usados no programa nuclear do país.
E por acaso alguma dessas medidas foi capaz de impedir que Ahmadinejad chegasse ao status atual?

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

China, o programa nuclear iraniano e o Brasil

No intricado tabuleiro de xadrez envolvendo as decisões sobre o programa nuclear iraniano, a China talvez seja a peça mais importante. Por dois motivos: primeiro, como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU - órgão que vai colocar em votação as exigências americanas e europeias de aplicar sanções ao Irã -, a República Popular tem direito a veto. Segundo, porque as recentes divergências com Washington devem levar o país a exercer este direito. Aliás, as autoridades de Beijing não escondem de ninguém sua intenção de fazê-lo.

O desentendimento conceitual entre Google e China sobre o ataque às contas de Gmail de dissidentes políticos chineses no mês passado iniciou a discussão. Depois veio a público a informação de que os hackers tinham como objetivo espionagem militar e industrial às empresas e forças armadas americanas.

Com a situação ainda por ser resolvida, Obama não apenas decidiu comprar a briga, mas também pôs o dedo em importantes feridas chinesas: vendeu armas para Taiwan - cujo território Beijing considera como seu -, retomou a questão da censura pontuada pelo caso Google, e, para terminar, manteve a decisão de receber o Dalai Lama em Washington.

Agora, diante deste cenário, a China vai revidar no Conselho de Segurança. Ou vai cobrar favores políticos altíssimos para aprovar o pacote de sanções, que, a princípio, é apoiado por quatro dos cinco membros: Rússia, França, Estados Unidos e Grã-Bretanha. Mas, como as decisões devem ser unânimes por definição, sem o consentimento da China, nada feito.

Como curiosidade, o Brasil vai votar também. Ou melhor, será contrário às sanções, como tem anunciado publicamente o ministro Celso Amorim. Isto porque o país faz parte do grupo que ocupa os assentos não permanentes do órgão. Turquia, Nigéria e Líbano - também membros do Conselho rotativo - devem seguir o mesmo caminho.

Aliás, a situação do Brasil é interessante. O país não pode votar pelo pacote de sanções porque precisa manter a coerência do discurso.
Desde o início das discussões, o Itamaraty argumenta ser favorável à produção de energia nuclear pelos iranianos, desde que os objetivos sejam pacíficos, como afirma Teerã. A justificativa de Brasília acaba, de certa forma, impedindo uma mudança de posição. Afinal, o Irã jamais virá a público negar os supostos princípios pacíficos de sua empreitada atômica. Ou seja, a não ser que Ahmadinejad consiga produzir uma bomba nuclear ou inicie um ataque regional, o Brasil vai manter sua estratégia de condenar as sanções até o fim.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A irresistível sedução persa

Já escrevi muitas vezes sobre o confronto entre o Ocidente e o programa nuclear iraniano. Aliás, fazendo um mea-culpa, acho que abordei o assunto mais do que deveria. Mas agora, com o anúncio oficial de Ahmadinejad de que de fato não pretende abrir mão das pretensões atômicas, novamente o Irã volta às manchetes. Desta vez, no entanto, a ficha parece ter caído: não há oferta capaz de convencer Teerã a voltar atrás. E alguém realmente acreditava que isso não aconteceria?

Confesso que tenho lido as notícias sem qualquer surpresa. Não por ter bola de cristal ou me julgar genial. Longe disso. Mas estava tudo muito claro desde que as conversações começaram há sete anos. Ninguém vai ceder. E quando falo isso não me refiro apenas ao Irã, a parte pressionada a abrir mão da busca por energia atômica. Tampouco me parece provável que EUA e Europa – mais os primeiros que o segundo, pra falar a verdade – abdiquem de suas posições sobre a importância de evitar que Teerã obtenha acesso a material nuclear que lhe permita a produção de armas atômicas.

Não há ingênuos no comando das grandes decisões políticas internacionais. Obama, Sarkozy, Tony Blair, Hillary Clinton e muitos outros sempre souberam das dificuldades de dobrar os iranianos. E este é o ponto principal. Acima de qualquer análise fria sobre o assunto, há uma enorme vontade de se fazer história. Ou melhor, de entrar para a história. O Irã é, neste século, uma linda mulher cheia de personalidade a ser conquistada. Ou um poderoso oponente a ser batido. Escolham a metáfora mais agradável, mas o fato é que todos esses líderes sonharam com a possibilidade de passar para a eternidade como aquele a conseguir levar o governo da República Islâmica à mesa de negociações.

Não haveria glória política maior neste início de século. Talvez encontrar Osama bin Laden fosse vitória semelhante. Mas obter um acordo pacífico com o Irã seria uma conquista política inigualável. E nenhum dos nomes citados conseguiu. Nem haveria possibilidade, sejamos pragmáticos. A explicação dos motivos já foi dada em tantos textos anteriores, mas, para resumir, fico com as palavras de Meir Javedanfar, em artigo publicado no britânico Guardian.

"A maior motivação do líder-supremo, o Aiatolá Ali Khamenei, para seguir com a política nuclear é manter o Irã isolado. Os ultraconservadores do país acreditam que, ao aumentar a ira do Ocidente e estabelecer o isolamento em relação à comunidade internacional, será mais simples acabar com a oposição interna. Além disso, Khamenei acredita que, uma vez alcançada a meta de se tornar potência nuclear, nenhum governo externo ousaria se aventurar a derrubar o regime iraniano", escreve.

Acho válido pontuar alguns sinais óbvios – muitos dos quais se tornaram públicos de uma semana pra cá – das intenções da República Islâmica: 1 - anúncio do lançamento de uma sonda espacial; 2 - manutenção oficial do programa de enriquecimento de urânio; 3 - Ministério da Defesa do Irã informa que em breve o país passará a produzir aeronaves não tripuladas capazes de realizar ataques de alta precisão em Estados vizinhos. Precisa dizer mais alguma coisa?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Trama internacional

As notícias finais da semana são no mínimo muito interessantes, quando não surreais. Assustado pela pressão de sanções que invariavelmente serão impostas pelas potências ocidentais, o Irã jogou o Brasil na frente do batalhão de fuzilamento, conforme informaram hoje diversas publicações sul-americanas, como o jornal O Globo e o diário argentino Página 12. Aparentemente, trata-se apenas de mais um balão de ensaio de Teerã o anúncio de que Brasília estaria disposta a enriquecer seu urânio. Mas que a estratégia de Ahmadinejad é inteligente, isso é sim.

Primeiro porque desvia o foco da disputa entre a República Islâmica e americanos e europeus. Segundo, porque a antipatia internacional ao Brasil é quase inexistente. E, finalmente, em terceiro lugar, porque mexe com o ego do Itamaraty.
Apesar de já estar claro que o país não tem qualquer condição técnica de realizar a operação, ser lembrado como alternativa num dos principais focos de disputa internacional de certa forma pode vir a seduzir as autoridades daqui a intervir favoravelmente ao Irã. Lembrando sempre que o maior objetivo nacional é conseguir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, estar no meio da resolução do problema em torno do programa nuclear iraniano é uma oportunidade um tanto rara de participar do circuito Helena Rubinstein político.

Do ponto de vista iraniano, não se enganem, é apenas mais uma tentativa de ganhar tempo e impedir a aplicação das sanções. As conversas em torno dos objetivos nucleares do país já duram sete anos e poucos ganhos foram alcançados neste período. Resta saber se o corpo diplomático brasileiro vai morder esta isca. Até agora, isso não aconteceu, mas não me espantaria se a situação mudasse de uma hora pra outra.

E como quase nenhum acontecimento fica isolado nos dias de hoje, outras peças do jogo de xadrez entre Irã e EUA se movimentam neste fim da semana (não fim de semana, que fique claro).

A China pode comprar a briga de Ahmadinejad e já sinalizou ser contrária à aplicação de sanções. Além de ter sido a posição de Beijing durante boa parte deste tempo, os chineses devem se tornar ainda mais inflexíveis por conta das recentes trocas de acusações entre o país e a Casa Branca. E a situação deve se agravar ainda mais com a confirmada visita do Dalai Lama a Washington no final do mês.

Mas nem tudo está perdido aos americanos. A Romênia surpreendeu e se voluntariou para receber o sistema de mísseis defensivos, projeto há tempos planejado pelos EUA para interceptar eventuais ataques iranianos ao continente e a seus aliados no Oriente Médio. O objetivo do presidente romeno, Traian Basescu, é surfar na onda dos ex-países da zona soviética em busca de afirmação internacional e aproximação com o Ocidente. A próxima semana promete mais capítulos interessantíssimos nesta trama envolvendo europeus, americanos, brasileiros e iranianos.

Trama internacional

As notícias finais da semana são no mínimo muito interessantes, quando não surreais. Assustado pela pressão de sanções que invariavelmente serão impostas pelas potências ocidentais, o Irã jogou o Brasil na frente do batalhão de fuzilamento, conforme informaram hoje diversas publicações sul-americanas, como o jornal O Globo e o diário argentino Página 12. Aparentemente, trata-se apenas de mais um balão de ensaio de Teerã o anúncio de que Brasília estaria disposta a enriquecer seu urânio. Mas que a estratégia de Ahmadinejad é inteligente, isso é sim.

Primeiro porque desvia o foco da disputa entre a República Islâmica e americanos e europeus. Segundo, porque a antipatia internacional ao Brasil é quase inexistente. E, finalmente, em terceiro lugar, porque mexe com o ego do Itamaraty.
Apesar de já estar claro que o país não tem qualquer condição técnica de realizar a operação, ser lembrado como alternativa num dos principais focos de disputa internacional de certa forma pode vir a seduzir as autoridades daqui a intervir favoravelmente ao Irã. Lembrando sempre que o maior objetivo nacional é conseguir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, estar no meio da resolução do problema em torno do programa nuclear iraniano é uma oportunidade um tanto rara de participar do circuito Helena Rubinstein político.
Do ponto de vista iraniano, não se enganem, é apenas mais uma tentativa de ganhar tempo e impedir a aplicação das sanções. As conversas em torno dos objetivos nucleares do país já duram sete anos e muitos poucos ganhos foram alcançados neste período. Resta saber se o corpo diplomático brasileiro vai morder esta isca. Até agora, isso não aconteceu, mas não me espantaria se a situação mudasse de uma hora pra outra.
E como quase nenhum acontecimento fica isolado nos dias de hoje, outras peças do jogo de xadrez entre Irã e EUA se movimentam neste fim da semana (não fim de semana, que fique claro).
A China pode comprar a briga de Ahmadinejad e já sinalizou ser contrária à aplicação de sanções. Além de ter sido a posição de Beijing durante boa parte deste tempo, os chineses devem se tornar ainda mais inflexíveis por conta das recentes trocas de acusações entre o país e a Casa Branca. E a situação deve se agravar ainda mais com a confirmada visita do Dalai Lama a Washington no final do mês.
Mas nem tudo está perdido aos americanos. A Romênia surpreendeu e se voluntariou para receber o sistema de mísseis defensivos, projeto há tempos planejado pelos EUA para interceptar eventuais ataques iranianos ao continente e a seus aliados no Oriente Médio. O objetivo do presidente romeno, Traian Basescu, é surfar na onda dos ex-países da zona soviética em busca de afirmação internacional e aproximação com o Ocidente. A próxima semana promete mais capítulos interessantíssimos nesta trama envolvendo europeus, americanos, brasileiros e iranianos.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O fim da Revolução Laranja e a importância da Ucrânia para a Rússia

No próximo domingo, dia 7 de fevereiro, os ucranianos vão às urnas escolher o novo presidente. O resultado do pleito é importante por alguns motivos: além de fazer fronteira com a Rússia - fato suficiente para tornar quaisquer decisões potencialmente dramáticas -, a Ucrânia foi o palco de um dos capítulos mais intensos da história recente europeia: a chamada Revolução Laranja, no final de 2004.

O episódio que levou à presidência o desfigurado Viktor Yushchenko - fato que ainda gera suspeitas sobre o primeiro-ministro russo Vladimir Putin - marcaria profundamente o país. Primeiro, porque era a esperança real de independência decisória de seu poderoso vizinho oriental; e, segundo, transformou-se hoje numa crise de identidade cercada de desilusões.
A Revolução Laranja morreu. Yushchenko desapontou e fez um governo baseado nos mesmos parâmetros de favorecimento de seus amigos que o levaram ao cargo. Afundada em corrupção, a Ucrânia ocupa a décima sétima posição - de baixo para cima - no ranking da liberdade econômica global; as cortes ainda são profundamente corruptas e o parlamento é uma bancada de negócios onde os deputados se mostram disponíveis a negociar a aprovação de leis em troca de favores financeiros.
Reportagem da The Economist mostra que, em 2005, 53% dos ucranianos acreditavam que o país estava no caminho certo. Hoje, 81% dizem o oposto.
O segundo turno vai ser disputado por Viktor Yanukovich, opositor de Yushchenko em 2004, e a primeira-ministra Yulia Tymoshenko, a irmã gêmea da princesa Lea, de Guerra nas Estrelas. Ao contrário da revolução de seis anos atrás, hoje ambos os candidatos têm algum tipo de acordo com os russos.
E qual a importância da Ucrânia para a Rússia? Além de ser o lar da maior concentração de russos fora de seu país natal, a Ucrânia é o berço da etnia russa. Mas muito além do terreno da superficialidade, as questões estratégicas dominam o interesse de Moscou por manter Kiev sob sua influência. É o que acredita o analista Peter Zeihan, do Stratfor.
"A Rússia teme que, sem a Ucrânia, será pressionada pelos europeus ao longo de toda a sua periferia ocidental (minha nota: ao longo dos ex-membros da URSS), pelo mundo islâmico na periferia sul, pelos chineses no sudeste e pelos americanos onde quer que exista esta possibilidade".
Concordo com ele e sua análise segue uma linha coerente a do fundador do grupo Stratfor, George Friedman: a Rússia necessita de zonas de amortecimento capazes de manter sua segurança. Do contrário, pensam os russos, sempre haveria a possibilidade de uma invasão europeia capitaneada por países anteriormente agredidos pelos russos, como Polônia e Hungria.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Delírios de poder

Confesso até que precisei fazer um esforço de memória e pesquisa para concluir: o G7 ainda existe. E o que isso importa atualmente? Nada ou muito pouco. Mesmo assim, o grupo dos sete países mais industrializados do mundo se reúne neste final de semana com o objetivo de discutir parâmetros totalmente ultrapassados. Na verdade, o encontro pretende também garantir a estabilidade dos mercados de câmbio.

A verdade é que hoje qualquer fórum excluindo os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), África do Sul, México e Egito toma o caminho do fracasso. Ou melhor, de decisões que não alteram a realidade do sistema internacional. E este parece o rumo do G7, muito embora haja um esforço por parte de seus membros de reafirmar uma realidade que virou poeira.
Antes que o pessoal se esqueça - e não há nada de errado nisso -, o G7 é formado por EUA, Japão, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Canadá. Sem a menor dúvida, haverá certa repercussão sobre o encontro, mas não acredito que passe disso. Nenhuma decisão tomada por esses países encontrará abrigo dos emergentes sem que eles sejam consultados.
Acho até que nem é esta a pretensão do G7, mas simplesmente reafirmar uma tradição que nos próximos anos se mostrará somente um hábito vazio sem maiores consequências. Curioso mesmo é o local escolhido para a reunião: a desconhecida cidade de Iqaluit, capital de Nunavut, território canadense pouco abaixo do Ártico. Ou seja, nem a imprensa vai poder cobrir o evento como deveria. E, mais importante do ponto de vista dos organizadores, seguramente não haverá manifestantes para atrapalhar.
Enquanto França, Alemanha, Itália e Reino Unido passarão frio em meio a nostalgias de poder, a vizinha Rússia começa a dar sinais de crise. Uma crise financeira profunda e que ameaçará os europeus am algum momento. Até porque Moscou costuma reagir com assertividade quando passa por maus bocados econômicos.
"A economia russa é refém do crescimento global. O orçamento estatal depende quase totalmente dos preços da energia. Agora que o preço do petróleo alcançou 80 dólares por barril, o Banco Central pode voltar a comprar moeda estrangeira. Com o crescimento das reservas de ouro e moeda estrangeira, há valorização do rublo. Mas o orçamento de 2010 ainda sofre de um défcit significativo por conta dos altos gastos governamentais", diz editorial do Moscow Times.
Ou seja, a situação é pendular e em breve a Rússia vai jogar com seus recursos energéticos como tem feito nos últimos anos. E os europeus serão os mais atingidos. Mas, por ora, nada parece abalar a certeza de seus líderes de que os problemas externos podem esperar. Em algum momento, no entanto, não será mais possível se esconder de decisões difíceis que a Europa precisará tomar em conjunto.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Partindo pra cima dos opositores na Ásia

Há ainda pouca discussão na imprensa sobre um importante movimento estratégico internacional e que certamente provocará consequências: a ampliação do sistema de mísseis defensivos em países do Golfo Pérsico. Aos poucos, os Estados Unidos estão mudando a tática em relação ao programa nuclear iraniano e abandonando os esforços diplomáticos dando lugar à chamada diplomacia coercitiva.

É assim que Washington vai passar a se comportar nas sessões do Conselho de Segurança da ONU e a instalação do sistema defensivo nos territórios de seus aliados no Golfo é uma complementação da mudança de atitude por parte de Obama. O fato é que as decisões americanas são seguidas de respostas iranianas, como não poderia deixar de ser.
Vale lembrar que, ao ser questionado sobre as abordagens disponíveis para convencer Ahmadinejad a abandonar seus propósitos nucleares, Obama fez a célebre declaração de que "todas as opções estão sobre a mesa" em outubro do ano passado. Na época, houve muita especulação sobre a frase do presidente americano, até porque era uma forma de deixar claro que uma intervenção militar não poderia ser descartada.
Agora os Estados Unidos não dão início a qualquer operação de desmantelamento forçado das usinas iranianas. Mas armar os vizinhos da República Islâmica com mísseis patriot é uma mensagem clara o bastante sobre a mudança de tom.
E fica uma curiosidade de como o governo Khamenei-Ahmadinejad irá reagir a este movimento. Será a primeira vez desde o início das polêmicas discussões acerca das ambições nucleares iranianas que poderemos ver como o regime se comporta quando ameaçado.
Os "contemplados" pela iniciativa americana são Qatar, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Em comum a todos esses Estados o fato de serem aliados dos EUA e parte do segundo escalão da geopolítica local. Cada um deles recebeu duas baterias de patriots - mesmo armamento de interceptação usado na primeira Guerra do Golfo.
O Irã já reagiu, através do porta-voz de seu parlamento, chamando os aliados árabes de fantoches da presença de Washington na região. É só o começo da guerra verbal - e, quem sabe, de algo pior - que vai se desenrolar nos próximos dias. Está claro, no entanto, que os EUA partiram para o ataque de seus opositores na Ásia.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Recado de Obama à China pode sair pela culatra

Muito interessante a recente disputa entre China e EUA. Depois do capítulo Google – ainda não superado, diga-se de passagem –, Washington decidiu dar o troco. E o fez entrando de sola num dos assuntos mais caros a Beijing: a soberania de Taiwan.

Obama anunciou a venda de 6,4 bilhões de dólares em equipamentos militares para a ilha que a China considera parte de seu território. Ou seja, na visão dos chineses, os EUA decidiram se intrometer num assunto interno do país. Para completar, num dos principais temas de discussão e com alta dose de polêmica.

Esta é a forma que a Casa Branca encontrou para retaliar as insistentes tentativas chinesas de oposição aos interesses americanos globais e, mais especificamente, asiáticos.

Beijing não agiu como os americanos esperavam em relação a assuntos estratégicos: sanções aos programas nucleares de Irã e Coreia do Norte, e a busca por um pacto ambiental de proporções mundiais. Além de se recusar a por o pé no freio de sua economia em nome do planeta, a China ainda tem procurado parceiros como Brasil, África do Sul e Rússia para dialogar. Tem deixado os Estados Unidos de fora de questões importantes.

A situação não vai gerar nada além de constrangimento, tensão e discussões pela imprensa. Não haverá uma guerra por isso, mas fica claro que os Estados Unidos mantêm a velha posição internacional de não aceitar o nascimento de uma potência regional de proporções capazes de ameaçá-los em algum momento. O Congresso americano, inclusive, formalizou tal diretriz em 1979, ao aprovar aliança militar entre o país e Taiwan. A partir daquele ano, caberia aos EUA garantir a segurança da ilha. Ou seja, o governo deve intervir sempre que julgar necessário. Obama agora se vale desta prerrogativa para mandar seu recado a Beijing.

O problema é que, se Taiwan é o calcanhar de aquiles dos chineses, atualmente a economia é o paralelo dos americanos. Tendo isso muito claro, o governo da China não respondeu apenas com sanções estatais, mas ameaçou aplicar punições a empresas envolvidas neste pacote de vendas de armas.

Como informa o britânico Guardian, Lockheed Martin e Boeing podem ser as mais prejudicadas, afinal estima-se que até 2028 a China pretenda comprar quase 4 mil aeronaves. Com os dois gigantes da aviação fora do jogo, é natural que a Airbus seja a grande beneficiada. E como exigir que a iniciativa privada compre os princípios estratégicos do governo num momento de crise? Obama irá precisar dar contrapartidas financeiras às empresas em nome dos interesses nacionais. Com isso, mais uma vez, arriscará sua própria popularidade diante da opinião pública.