sexta-feira, 31 de julho de 2009

O terrorismo volta a assombrar a Espanha

Novamente a Espanha foi vítima de mais dois atentados terroristas do ETA. Por mais que o país figure ao lado da Irlanda na lista de alvos preferenciais de ataques deste tipo no continente, sempre causa espanto aos europeus quando a violência covarde que ceifa a vida de inocentes acontece na vizinhança. A Europa muitas vezes relativiza o terrorismo. Mas desde que ele ocorra em Iraque, Afeganistão, Israel, Malásia, Paquistão e outros, é claro.

É interessante notar como a origem teórica desses ataques na Europa é distinta à dos cometidos no resto do mundo – principalmente em Oriente Médio e Ásia. Em Espanha e Irlanda, o alvo é o conceito de Estado nacional, no caso, os maiores inimigos de ETA e IRA. No Oriente Médio, principalmente, a missão é acabar com entidades vistas como ocupantes ou usurpadoras de território. Em comum a ambos, matar inocentes não costuma constituir qualquer crise de consciência.

Seja como for, sejam quais forem as supostas razões que “fundamentem” o terrorismo, a prática é absolutamente inaceitável. Qualquer que seja a cultura, não há espaço para interpretações ideológicas que justifiquem tais atos.

As efemérides desses atentados do ETA são dignas de lembrança: os 50 anos de fundação do grupo, e os poucos mais de cinco anos dos ataques cometidos pela al-Qaeda, em março de 2004, responsáveis por matar 190 pessoas.

Dois artigos publicados pelo El País, o mais importante jornal da Espanha, mostram que não deve haver tolerância com o uso da morte como barganha de negociação política.

No editorial de hoje, o veículo pontua com razão que as ações tinham como único objetivo lembrar que o grupo ainda existe. Além disso, deixa clara a posição sobre o modo de interação entre o poder constituído e o ETA.

“O governo, a oposição e a totalidades das forças políticas aprenderem a lição: as ações policiais e judiciais – além de outras iniciativas para isolar socialmente os terroristas – são as únicas estratégias sobre as quais existe um consenso amplo e implícito”, diz o editorial.

O professor de ciências políticas Antonio Elorza assina artigo que relembra a mudança de percepção da sociedade sobre o ETA. O trecho abaixo é curto e brilhante.

“Por muito tempo, observadores democratas da Espanha e do exterior acreditaram que (a atividade do grupo) se tratava de uma resposta à opressão exercida pela ditadura de Franco no País Basco. Em consequência, por mais que seus métodos fossem discutíveis, tratava-se de um movimento político e social progressista. Certamente o ‘franquismo’ foi um agente de radicalização do nacionalismo basco. Mas a raiz do problema é que, no final dos anos 1970, a questão para o ETA não era a presença ou ausência de democracia, mas a necessidade de vencer o ‘inimigo’ por associação: a Espanha”.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Curdistão estratégico

O ex-membro do Departamento de Estado americano Henri Barkey repercute as eleições de domingo no Curdistão em artigo publicado no site do Carnegie Endowment For International Peace, instituição privada de discussão acadêmica – o que nos Estados Unidos se chama de “Think Tank”. Como abordado no post de ontem aqui no blog, menciona também o relaxamento de tensões entre a região autônoma e a Turquia.

Mas ele levanta uma bola interessante: como será que os iranianos vão entrar neste jogo? Sim, porque o projeto da República Islâmica envolve e pretende participação em todos os assuntos fundamentais do Oriente Médio. Na medida em que Estados Unidos, União Europeia, Síria e Turquia passam a se relacionar com os curdos diretamente, é bastante provável – e até legítimo – que o Irã também estreite os laços.

Não há nada a fazer por ora além de especular. Mas acredito na possibilidade de o Curdistão se transformar num campo de batalha política e ideológica entre EUA e Irã.

Barkey lança luz sobre outro aspecto importante. Como parte do Iraque, a região autônoma é diretamente afetada pela presença americana no país. Este é mais um dos motivos de preocupação da administração Obama – que tem como um dos pilares de política externa o arrefecimento do antiamericanismo ao redor do mundo e por isso pretende deixar o Oriente Médio sem arestas para aparar.

“Levando-se em conta que o Curdistão é forte militarmente, os Estados Unidos não desejam qualquer tipo de instabilidade, justamente no momento em que preparam a retirada de suas tropas do Iraque”, escreve.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Os olhos das potências se voltam para os curdos

A reivindicação curda por uma região realmente autônoma começa a merecer atenção de Estados Unidos e União Europeia. Não, os dois mais importantes atores internacionais não estão imbuídos de um esforço altruísta em nome da autodeterminação curda jamais concretizada.

Simplesmente, o governo americano passou a considerar a questão como a maior ameaça à estabilidade do Iraque. E, de fato, esta é a prioridade. A criação de um Curdistão vem apenas à reboque.

Há outro ponto importante nessa disputa. Soa como lugar-comum, mas o norte do país – território onde os curdos estão estabelecidos – é rico em petróleo.

Segundo a Associated Press, oficiais dos EUA alertam para a possibilidade de confrontos entre árabes e curdos na fronteira norte do Iraque.

Manter a estabilidade do povo curdo parece ser uma nova prioridade. Afinal, eles estão espalhados por Iraque, Síria e Turquia. No atual momento de tensão repleta de expectativas sobre conflitos num futuro não tão distante, uma revolta unida de curdos em países importantes da região não favoreceria a ninguém.

Após as eleições curdas de domingo, foi a vez de a Turquia divulgar nesta quarta-feira que está disposta a conceder mais direitos aos curdos do país. É um movimento importante de um Estado que pode ser fundamental na mediação de diálogos entre EUA e Irã e Israel e Síria.

Mais ainda, é um passo significativo para resolver a insurgência curda na Turquia que já dura 25 anos.

Sem a mesma força dos Estados nacionais, os curdos passaram a ser importantes no jogo político atual do Oriente Médio por acaso. Sempre fizeram barulho. Sempre estiveram no ostracismo da imprensa. Será interessante ver como os países da região irão reagir caso se confirme este novo tratamento dado pelo EUA ao assunto.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Cai a ficha: vencer no Afeganistão é mais difícil do que se pensava

Na enorme indecisão estratégica no Afeganistão, a Grã-Bretanha começa a se questionar sobre sua participação na ofensiva. Um total de 191 britânicos morreu no país desde 2001. Neste mês de julho que está para terminar, já foram 22 mortos. Os números levaram a uma enorme cobrança por parte da opinião pública refletida numa pesquisa conduzida pela empresa ComRes.

Dos ouvidos, 52% disseram que as tropas do país devem se retirar do Afeganistão. Quando perguntados sobre a possibilidade de êxito na guerra, 58% dos entrevistados afirmaram que não havia formas de superar as forças do Talibã.

Na esteira disso, a própria natureza da administração afegã representada pelo presidente Hamid Karzai é questionada. E com razão, diga-se de passagem. Afinal, qual o sentido de dar continuidade a uma luta cujos resultados estão sendo capitalizados pelo corrupto governo pró-ocidente?

Diante deste quadro, parte da imprensa britânica defende a alternativa de negociar com os talibãs. A estratégia já foi cogitada pelo alto comando americano no Afeganistão. Mas, como já escrevi outras vezes, a resistência ao grupo radical esbarra na realidade: combatentes que aderem ao movimento extremista recebem cerca de 300 dólares mensais; a contraproposta americana gira em torno de 100 dólares de salário.

É impossível dobrar a resistência diante deste quadro. Até porque o duro cotidiano da população não permite grandes debates filosóficos e ideológicos. Quem paga mais leva. É triste admitir isso, mas é o que vem ocorrendo na prática.

Por outro lado, outras tentativas de cessar-fogo já foram feitas, sem sucesso. É por isso que, muita gente, considera a guerra do Afeganistão realmente impossível de ser vencida. É preciso pensar em alternativas criativas que priorizem ações práticas e lidem com as variáveis existentes no campo de batalha.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Humanidade x estratégia

A administração Obama decidiu se engajar de vez nas questões do Oriente Médio. George Mitchell, enviado especial para a região, esteve reunido com o presidente sírio, Bashar Assad. O secretário de Defesa, Robert Gates, chegou hoje a Israel, o mesmo destino de amanhã do conselheiro nacional na área de segurança, James Jones. Todos têm uma missão em comum: ouvir cada uma das partes. O problema é que, mais uma vez, os lados têm prioridades bem diferentes.

Gates se reuniu com o ministro da Defesa israelense, Ehud Barak. No centro da conversa, a ameaça de um Irã nuclear. Gates – o mais pró-israelense dos funcionários da área internacional de Obama – garantiu que Israel vai continuar a deter o armamento mais avançado para cuidar de sua defesa.

Em conversa com o presidente palestino, Mahmoud Abbas, ouviu as queixas sobre a expansão dos assentamentos judeus na Cisjordânia. Segundo relatório divulgado hoje pelo exército israelense, já são 304.569 os colonos judeus no território, um crescimento de 2.3% em relação a janeiro deste ano.

De acordo com o Haaretz, entretanto, Estados Unidos e Israel estão próximos de chegar a um acordo sobre a questão. Washington deverá permitir a finalização de um número limitado de casas em estágio avançado de construção, enquanto os israelenses se comprometem a interromper as demais obras. Mas isso só deve ser anunciado após as autoridades americanas deixarem o Oriente Médio.

Paralelamente a isso, ninguém dá uma só palavra sobre a revogação do direito à cidadania jordaniana de milhares de palestinos. Ou seja, o embate ideológico acaba, como sempre, numa encruzilhada: discutir o que é realmente urgente ou debater o importante? Porque a política local não se depara com qualquer questão supérflua, mas simplesmente de graus de importância distintos.

Cabe às autoridades eleger suas próprias prioridades diante de tantas prioridades das partes: dedicação à costura de um acordo entre Síria e Israel capaz de dar um nó na estratégia hegemônica iraniana; frear a construção de assentamentos judeus na Cisjordânia de forma a manter a viabilidade de um Estado palestino; entrar em choque direto com a parceira Jordânia por conta da arbitrariedade que vem sendo cometida com os palestinos que vivem no país?

A escolha dos Estados Unidos – no final das contas, o único mediador realmente apto a tirar da inércia os atores da região – é marcada pela complexa dúvida entre humanidade e estratégia. Apesar de se autoproclamar o mensageiro da mudança, sou capaz de apostar que Obama vai optar pela estratégia.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Descongelando aos poucos

O status quo no Oriente Médio pode começar a mudar em breve. Leia-se, lentamente os países da região estão se ajustando em novas alianças ou renovando compromissos antigos. Este é um movimento positivo, sem dúvida, mas não significa que em breve um grande acordo de paz será redigido. De qualquer forma, vale fazer alguns registros importantes.

A Turquia – cujo território faz a ponte entre Europa e Ásia – dá sinais de que tem interesse em mediar futuros diálogos entre Israel e Síria. Este é um desejo antigo do país, mas deixado de lado após a ofensiva israelense em Gaza, no começo do ano. Ancara e Jerusalém sempre foram parceiros, inclusive com cooperação militar entre ambos.

Mas a relação ficou desgastada após as duras críticas do primeiro-ministro Tayyip Erdogan a Israel no começo do ano, inclusive deixando o presidente Shimon Peres falando sozinho no fórum de Davos, na Suíça.

A imprensa turca informou que o presidente sírio, Bashar Assad, pediu a Erdogan para exercer o papel de mediador entre Israel e Síria. Mas, segundo o jornalista turco Semih Idiz, esta pode não passar de uma estratégia de propagando de Assad.

“Ele quer que a Turquia esteja envolvida justamente por saber que Netanyahu não vai topar”, diz ao jornal The National, dos Emirados Árabes Unidos.

Acredito, entretanto, que é bem capaz de Bibi aceitar dialogar neste momento. Por alguns motivos: o atual governo israelense prefere se focar nos acordos de paz com os demais países árabes a enfrentar as grandes complicações que travam as negociações com os palestinos; restabelecer o bom relacionamento com Ancara é fundamental para Israel – que quer a Turquia a seu lado ou mesmo neutra num eventual conflito com o Irã; seria importante dar um passo em direção a um acordo com os sírios até para melhorar a estremecida relação com os Estados Unidos – que, por sua vez, desejam uma aproximação com Damasco e têm criticado a política de assentamentos israelenses na Cisjordânia.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Declaração de Hillary Clinton gera discórdia no Oriente Médio

Hillary Clinton fez uma importante declaração nesta quinta-feira. Admitiu, pela primeira vez, que o Irã é uma ameaça aos países vizinhos e aos aliados americanos na região. É claro que a secretária de Estado não disse tudo isso claramente. Se o fizesse, o preço do barril de petróleo teria subido e as bolsas de todo o mundo, caído.

As palavras de Cinton foram: “Se os EUA estenderem um sistema de defesa (ela usou o termo “umbrella”, guarda-chuva) sobre a região e se fizermos mais para apoiar a capacidade militar no Golfo, é pouco provável que o Irã consiga se tornar mais forte ou seguro”.

Ao contrário do que parece num primeiro momento, as palavras não agradaram a ninguém. Nem ao Irã, é claro, nem aos aliados americanos.

O governo israelense ficou ainda mais isolado por constatar que, pela declaração de Clinton, os EUA já trabalham com a possibilidade de um Irã nuclear.

Por isso, Israel trabalha com a empresa privada americana Boeing no desenvolvimento do Arrow II, um novo sistema de defesa antimíssil, uma vez que o iraniano Shihab-3 tem alcance de 2 mil quilômetros, deixando todo o território israelense vulnerável a sua capacidade.

Nem a imprensa do Golfo entendeu a declaração da secretária americana. Teoricamente, esses seriam os Estados beneficiados pelas armas de defesa oferecidas pelos Estados Unidos.

"As palavras só servem para reforçar o radicalismo no Irã. A facção mais extremista do país vai poder argumentar que as ambições nucleares iranianas visam somente a propósitos de defesa”, diz editorial publicado hoje no jornal The National, dos Emirados Árabes Unidos.

É bem possível, entretanto, que o ocorrido mostre uma mudança de estratégia do governo Obama. Depois de oferecer a oportunidade de diálogo ao Irã repetidamente, talvez Washington pretenda relembrar a Ahmadinejad que a opção militar não foi abandonada.

Para refrescar a memória, Obama estabeleceu o próximo mês de setembro como prazo final para uma resposta iraniana antes de aplicar sanções econômicas ao país.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Lieberman, Jordânia e a cidadania palestina

Há dois grandes motivos por trás da resistência a Lieberman: o primeiro é o descontentamento com suas declarações infelizes. O atual ministro das relações exteriores israelense nunca tentou exercitar a arte da autocensura. Fala o que lhe dá na telha mesmo. O segundo motivo vem do fato de ele ter sido o pioneiro a expor suas ideias sobre o status final das fronteiras de Israel e do futuro Estado palestino. Acabou obtendo sucesso nas últimas eleições por causa disso.

Um dos grandes dilemas de Israel hoje – senão o maior deles – é a chamada “balança demográfica”, da qual já tratei algumas vezes por aqui. O país é composto por cerca de 80% de população judaica. Os demais habitantes são árabes. A questão é que a taxa de natalidade árabe é em média por volta de quatro a cinco vezes superior a dos cidadãos judeus. Não é preciso ser um grande especialista em estatística para saber que a tendência é que os judeus em algum momento passem a ser minoria dentro do Estado criado há 60 anos para ser seu lar nacional.

Lieberman botou o dedo na ferida. À sua maneira, é claro. Defende que um novo mapa seja desenhado, como mencionei no texto de ontem. E esse é um ponto interessante, uma vez que o problema das fronteiras definitivas é fundamental para se atingir um acordo.

O ministro israelense é chamado de “racista” por boa parte dos líderes internacionais porque defende a ideia de que árabes-israelenses devem ser transferidos para o futuro Estado palestino. Mas é a Jordânia que está tomando medidas práticas neste assunto. Aos poucos, em silêncio e sem merecer qualquer atenção da imprensa internacional.

As autoridades do país estão revogando a cidadania de milhares de palestinos – que, por sinal, representam cerca de 70% da população jordaniana. A intenção por trás desta medida é clara: fazer com que os palestinos tenham como única opção de cidadania plena o futuro Estado palestino. É uma forma de pressionar Israel a ser o único ator da região responsável por pensar e tornar viável uma solução para a questão da cidadania palestina.

E, é bom lembrar, somente Jordânia e Egito mantêm relações diplomáticas com Israel no Oriente Médio. Imagina se não fosse este o caso?

terça-feira, 21 de julho de 2009

Lieberman no Brasil

A visita do ministro das relações exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, à América Latina começou hoje. E já tratou de ser devidamente apimentada pelas polêmicas declarações de Valter Pomar ao Haaretz. O secretário de relações exteriores do PT chamou o político israelense de “racista” e “fascista”.

Antes de entrar no mérito da visita de Lieberman, vale lembrar que Pomar é o mesmo que, em janeiro deste ano, assinou um comunicado do PT chamando o exército israelense de “fascista” e “racista”. Ou seja, em 100% das vezes em que se manifesta com alguma repercussão, Pomar costuma usar tais adjetivos para se referir a Israel ou a seus representantes. Isso mostra bem como seu trabalho à frente da Secretaria de Relações Internacionais do partido é diversificado e relevante. Mostra também como os termos “fascista” e “racista” servem a qualquer propósito hoje em dia.

Deixando de lado esta questão menor – mas que causa grande barulho. Aliás, o objetivo deve ser esse mesmo –, vale situar a decisão do governo israelense de enviar seu chanceler à América Latina neste momento.

Alguns fatores importantes: ser um contraponto à aliança de países do continente com o Irã; aumentar o espectro de aliados de Jerusalém num momento de relações em baixa com os EUA; encontrar-se com lideranças judaicas no mês que marca os 15 anos do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em Buenos Aires, um caso ainda não solucionado pela justiça argentina; e talvez o mais importante motivos de todos: mandar Lieberman para bem longe de Israel.

Lieberman é motivo de grande controvérsia em Israel. Só está no governo por seu partido (Israel Beiteinu) ter conseguido 15 cadeiras nas eleições, conseguindo inclusive superar o tradicional partido trabalhista. Graças ao esquizofrênico sistema de coalizões israelense, Benjamin Netanyahu precisou de Lieberman para conseguir assumir o cargo de primeiro-ministro. Mas é evidente que o polêmico político não goza das habilidades de, por exemplo, sua antecessora, Tzipi Livni.

Lieberman é rejeitado pela maior parte dos países. Muitos inclusive se recusam a recebê-lo, como é o caso de dois dos mais importantes interlocutores de Israel na região, Egito e Jordânia. Para se ter ideia, é o presidente Shimon Peres quem viaja para esses dois países ultimamente para tratar de assuntos da política externa israelense.

O mais curioso disso tudo é que o mesmo motivo explica a ascensão da figura de Liberman no cenário israelense nas últimas eleições e também o descaso com que é tratado no exterior: o plano que defende para redesenhar o mapa de Israel, incluindo porções de território com concentração de população árabe no interior do futuro Estado palestino, e os grandes blocos de assentamentos judaicos na Cisjordânia em Israel. O assunto rende muito pano pra manga e por isso acho válido tratar dele num texto específico.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A guerra que está sendo perdida

O sequestro do soldado americano Bowe Bergdahl ainda não serviu para colocar em pauta a estratégia americana no Afeganistão. Pouco se fala no assunto. A verdade é que, por maior que seja a inteligência militar e civil empregada pelos Estados Unidos no combate ao Talibã, a aliança ocidental está perdendo a guerra.

Existe quase um consenso equivocado de que os terroristas talibãs são simplesmente um bando de loucos desprovidos de técnica e munidos apenas de ímpeto fundamentalista e vigor religioso. Esta é uma visão que simplifica uma guerra complexa. E, como se sabe, a superficialidade é um refúgio fácil, acessível, mas que no fundo não consegue explicar nada.

Derrotar o Talibã é menos simples do que parecia. Não era rápido, como Bush imaginava quando ordenou a invasão ao Afeganistão, em 2001; nem tampouco é possível converter as mentes dos insurgentes com discursos sobre igualdade e acesso a oportunidades, como muitas vezes Obama dá a entender.

O cenário que se forma no Afeganistão é fatalista. Gilles Dorronsoro, ex-professor de Ciências Políticas em Sorbonne, é especialista em Afeganistão, Turquia e sul da Ásia. Ele elaborou um relatório – que não foi divulgado pela imprensa internacional como deveria – após visitar o Afeganistão em maio deste ano. Algumas conclusões do estudo são assustadoras, como a que aponta, por exemplo, a vitória talibã num período que varia de dois a três anos, caso não haja grandes mudanças na estratégia americana.

Alguns pontos que considero fundamentais do estudo:

“O Talibã construiu um governo paralelo nas áreas controladas pelo grupo. O objetivo é preencher duas necessidades básicas da população: justiça e segurança. Um governo local quase inexistente e a desconfiança dos afegãos na coalizão internacional permitiram que o Talibã expandisse sua influência”.

“Os insurgentes não podem ser derrotados enquanto os talibãs tiverem um ‘paraíso’ no Paquistão. Eles podem conduzir ataques rápidos a partir do refúgio obtido no país, e, ao mesmo tempo, o norte do Afeganistão permanece aberto a infiltrações de terroristas”.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Algumas estatísticas sobre direitos humanos na Rússia

Quando o presidente russo, Dmitry Medvedev, afirma que os assassinos da ativista de direitos humanos Natalia Estemirova serão encontrados, ele está mentindo. E esta não é somente uma opinião, mas a confirmação ao se levar em conta as estatísticas das eliminações sumárias de opositores ao governo russo nos últimos anos.

Em 2004, 2006, 2008 e 2009 foram seis mortos. Alguns fatores comuns aos casos de execuções: 1) todas as vítimas tiveram algum tipo de atuação relevante ao expor práticas autoritárias ou mesmo assassinatos cometidos em nome da administração Putin-Medvedev; 2) os mortos eram ativistas de direitos humanos, advogados ou jornalistas e pagaram com a própria vida por desafiar o Kremlin; 3) nenhum dos assassinos dos seis opositores foi condenado por qualquer crime.

Por mais incrível que pareça e apesar de toda a pressão internacional sobre Moscou para que ao menos esclareça os casos, há uma curva ascendente que leva a crer que o número de estranhos assassinatos tende ao crescimento; em 2004, 2006 e 2008 foram três crimes; somente em 2009, até o momento, já ocorreram mais três. E ainda estamos no meio do ano.

A quantidade de crimes se torna mais significativa se o espectro político for ampliado, como no caso da própria Natalia Estemirova. Suas denúncias miravam Moscou, mas relatando os abusos do governo da Chechênia – cujo líder Ramzan Kadyrov é apoiado por Putin-Medvedev. Somente Kadyrov é acusado de ter assassinado sete de seus críticos desde setembro do ano passado.

Ao merecer editoriais dos principais jornais do mundo, ao menos a imprensa cumpre seu papel de deixar constrangido um governo que não pensa duas vezes antes de eliminar aqueles que o criticam.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Oriente Médio que o mundo ignora

Entre ontem e hoje, foram escritos mais dois capítulos da história do Oriente Médio que não costuma receber qualquer destaque por aqui. Nos territórios palestinos e no Irã, duas evidências dos pequenos conflitos internos do chamado mundo muçulmano que podem ser sintomáticos da enorme e silenciosa tensão que cresce a passos cada vez mais acelerados na região.

Sem dúvida, foi o Irã que tomou medidas mais claras na escalada belicosa entre Estados sunitas e xiitas. Em resposta ao atentado contra uma mesquita xiita em Zahedan, no sul do país, em maio, foram enforcados nesta quinta-feira 13 membros do grupo denominado Jundallah (“soldados de Alá”).

Os terroristas afirmam representar os direitos da minoria sunita do país. Mas, segundo as autoridades iranianas, o grupo tem laços bastante próximos a “forças externas”, de acordo com informações da Aljazeera – possivelmente a al-Qaeda, que muitos acreditam estar enfraquecida ou mesmo inoperante.

Na Cisjordânia, por sua vez, o governo palestino tomou uma medida extrema. Não contra Israel, mas contra a própria rede de notícias Aljazeera, a “CNN” do mundo árabe.

Irritado com as declarações dadas por um rival ao canal de televisão, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, ordenou a suspensão das atividades da Aljazeera nos territórios. Para constar, Farouk Kaddoumi, membro há muito anos do Fatah de Abbas, acusou o presidente palestino de ter colaborado para a morte de seu antecessor e herói nacional Yasser Arafat.

Abbas não pensou duas vezes, até porque ele já estaria irritado com a cobertura jornalística da rede. Segundo seus aliados, a Aljazeera estaria sendo favorável ao Hamas.

Por trás das atitudes de Irã e Autoridade Palestina, a batalha entre sunitas e xiitas. É sempre bom levar em conta que o Hamas é um satélite iraniano na região, armado e financiado pela república islâmica. É muito importante tomar conhecimento deste conflito cada vez mais presente de forma a analisar os próximos passos políticos e militares que serão tomados.

terça-feira, 14 de julho de 2009

A geopolítica do gás

Ainda sobre o novo gasoduto europeu, acho que vale a pena expor alguns dos interesses geopolíticos por trás do empreendimento. Há uma intricada rede de relações internacionais que a futura obra coloca em choque.

A Turquia é base do gasoduto e espera que o empenho empregado na iniciativa possa servir como trunfo para se tornar o primeiro Estado de maioria muçulmana a ingressar na União Europeia, decisão que não conta com a boa-vontade da Alemanha, por exemplo, maior economia do bloco.

O primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, defende que o gás extraído no Irã seja transportado à Europa através do gasoduto. Mas o pedido é alvo da objeção dos Estados Unidos. Para as lideranças americanas, isso só poderia ocorrer quando Teerã e Washington normalizassem relações.

A Geórgia, por sua vez, está exultante com a obra. O gasoduto é a possibilidade de o país se aproximar dos ocidentais e, ao mesmo tempo, atacar a Rússia. Como escrevi ontem, Moscou desaprova o empreendimento, uma vez que sua realização é o primeiro passo prático para acabar com o poderio russo sobre os europeus.

Ao mesmo tempo, ainda não está claro do solo de quais países todo esse gás será extraído. Mesmo com grandes reservas, Irã, Turcomenistão e Iraque, estão fora de cogitação justamente por questões políticas. Da mesma maneira que outros fatore - envolvendo qualquer coisa à exceção de quesitos técnicos - são parte fundamental da maneira como a obra vai ser realizada.

O problemão foi tema do editorial de hoje do Financial Times. A respeitada publicação também considera o gasoduto muito mais do que uma obra de engenharia fundamental para os cidadãos europeus.

“O teste real de Nabucco é colocar em prova quando finalmente o continente vai se unir em torno da questão energética. Durante a cerimônia de assinatura, um dos líderes presentes pediu ‘mais pragmatismo’ e menos ‘geopolítica’”. Mas quando o assunto é energia, geopolítica é algo que nenhum pragmático pode ignorar”, diz o texto.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Cutucando a Rússia com vara gasosa

Confirmando algumas das previsões da jornalista russa cuja indiferença ao acordo nuclear entre Washington e Moscou foi publicada aqui no site no texto do último dia 8, é sim muito provável que a Rússia trave uma nova guerra na Geórgia. E o motivo seria, dentre outros, o acordo assinado hoje em Ancara para a construção de um novo gasoduto que vai reduzir a dependência europeia ao gás da empresa estatal – e mafiosa – russa Gazprom.


O gasoduto de Nabucco deve ser concluído em 2014 e as expectativas iniciais prevêem que será responsável por 10% do total de consumo de gás europeu. Não custa lembrar como o produto é importante para o aquecimento durante o rigoroso inverno do continente.


O objetivo é, aos poucos, encontrar alternativas ao gás fornecido pela Rússia. Tudo porque Moscou usa a dependência europeia como forma de barganhar por seus interesses políticos. Assim, no início deste ano, Putin e Medvedev decidiram interromper o fornecimento através dos dutos instalados na Ucrânia justamente porque rumores indicavam que a ex-república soviética poderia passar a fazer parte da OTAN, a aliança militar ocidental.


Ao mesmo tempo, para tornar a situação ainda mais indigesta aos russos, a inimiga Geórgia – que esteve em guerra com Moscou em agosto do ano passado – será a responsável por uma das importantes etapas do projeto; o transporte do gás extraído do Azerbaijão para o gasoduto de Nabucco, no leste da Turquia.


Mas a dupla Putin-Medvedev não vai deixar barato a ousadia da Europa e principalmente da Geórgia. A resposta à assinatura do acordo que cria as bases para o gasoduto foi imediata. Medvedev esteva hoje mesmo na Ossétia do Sul, região da Geórgia considerada independente somente pela Rússia, e mandou um recado claro.


“Sou muito grato pelo convite para visitar o novo país. A Ossétia do Sul nasceu num período de eventos dramáticos, mas teve o apoio do povo russo”, disse.


Enquanto isso, o presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, estava em Ancara ao lado dos demais líderes europeus.


Que ninguém se engane. As palavras de Medveded e sua inesperada visita à Ossétia do Sul marcam a posição russa. É bem possível que uma guerra ainda maior do que a do ano passado esteja a caminho.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Brasil vai se meter numa roubada. E está feliz por isso

Não mereceu muito destaque o desmantelamento de uma rede terrorista que planejava grandes ataques a centros de produção de petróleo no Canal de Suez. Parte importante da cobertura é dedicada ao encontro do G8. Aparentemente desconexos, os dois assuntos têm o mesmo protagonista: o Irã.

E é possível ter uma certeza. A república islâmica está satisfeita com os resultados de seu projeto de hegemonia.

No Suez, o Hezbolah apoiado pelos iranianos está por trás dos ataques, que evidenciam a guerra travada entre Estados sunitas e Irã. O Egito de Hosni Mubarak é o país que vem promovendo as batalhas mais firmes contra os grupos apoiados por Ahmadinejad que tentam desestabilizar a região.

É praticamente uma guerra de guerrilha. O grupo cujo ataque foi frustrado nesta quinta planejava atentados a serviços essenciais em território egípcio. A situação está realmente clara neste caso e o embate entre o presidente do Egito e as autoridades do Irã segue uma curva ascendente,

E aí é possível começar a relacionar alguns dos resultados do G8. Há dois meses, Mubarak se recusou a comparecer à cúpula de países árabes no Qatar. A decisão foi tomada por conta do convite para que Ahmadinejad estivesse presente.

Lula esteve por lá. E o presidente brasileiro foi lembrado por Obama como um possível aliado para mediar os diálogos entre as potências ocidentais – principalmente, os Estados Unidos – e o Irã.

O esforço de Lula para se aproximar da república islâmica é evidente. E os EUA tentam ao menos extrair algo de positivo desta decisão da política externa brasileira. Afinal, se o Brasil quer uma vaga no conselho de segurança da ONU que deve ser ampliado, é chegada a hora também de exercer habilidades de negociação.

Mas como está claro também, o Irã não quer negociar de fato. Quer ganhar tempo para avançar em seu programa nuclear. E, enquanto os EUA reafirmam que querem se aproximar de Teerã, Ahmadinejad mostra grande habilidade em ameaçar, mas também usar a velha conhecida tática de ora dar declarações positivas, ora se distanciar de qualquer tentativa de diálogo com o ocidente.

E por isso o assunto é o tema dos grandes encontros internacionais. Porque tem deixado as lideranças mundiais confusas. E é neste cenário que Lula vai se meter. Nesta grande roubada, para ser mais claro. Ocupar o papel de mediador do diálogo com o Irã é quase garantia de fracasso.

Ao mesmo tempo, os sinais só não são interpretados por quem não quer. Ontem, enquanto o Brasil se sentia prestigiado pelas declarações de Obama, o governo iraquiano libertava sete iranianos detidos em janeiro de 2007 no norte do Iraque. Eles eram suspeitos de darem auxílio a militantes xiitas locais.

Está muito claro que o Irã usa meios extraoficiais para agir no Oriente Médio. Justamente porque a diplomacia internacional não pode cobrar do governo de Teerã qualquer posição sobre atos que, teoricamente, não receberam a chancela das autoridades do país. É uma estratégia conhecida, mas que tem deixado o mundo de mãos atadas. É neste cenário que Lula vai atuar.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Mais do que apenas polir o ego de Putin

É preciso ser claro em meio a tantos problemas internacionais: Obama está certo ao tentar se aproximar da Rússia. Por vários motivos. Primeiro, porque é coerente com sua grande plataforma política internacional, a de desnuclearizar o planeta. Segundo, porque a colaboração de Putin e Medvedev pode abrir algumas portas importantes.

Alguns nós internacionais no Oriente Médio e no extremo leste da Ásia requerem atitudes ou a mudança de discurso das lideranças russas: Irã, cujo programa nuclear conta com importante auxílio técnico e intelectual russo, Coreia do Norte (que tem em Moscou um importante aliado) e China (que ao lado da Rússia forma o grande eixo de poder militar e econômico dos não-alinhados da região).

Uma resolução prática do encontro entre Obama e as autoridades russas foi a autorização dada para que os EUA realizem 4.500 voos sobre o país levando armas e suprimentos para a guerra no Afeganistão. Muita gente não deu a verdadeira importância ao acordo, mas ele pode mesmo virar o jogo a favor dos americanos no combate ao talibã.

É estranho ver Obama elogiando Putin, figura polêmica acusada de envenenar opositores e ordenar o assassinato de jornalistas. Mas o jogo político envolve este tipo de prática. Condena-se a violação aos direitos humanos cometida nos países inimigos.

Aos aliados reserva-se uma espécie de “faixa de delitos”. Assim, Arábia Saudita, Egito, Rússia, dentre outros, podem evitar democracia, eleições limpas e até calar as vozes de oposição. Mas com o limite de usarem o “bom senso”, sem extrapolar.

É interessante como a oposição russa tem uma visão completamente distinta à apresentada pelos veículos de imprensa ocidentais. Em primeiro lugar, a histeria positiva às palavras de Obama não se repetiu em Moscou, como já havia acontecido na Europa e também durante o histórico pronunciamento no Cairo. Desta vez, o discurso na New Economic School, na capital russa, foi aplaudido. Mas somente no fim e com educado comedimento. E só.

Mas alguns veículos de imprensa de Moscou apresentaram distintas opiniões sobre a visita do presidente americano. Para a jornalista Yulia Latynina, do Moscow Times, o assunto mais importante não foi abordado: a relação entre Rússia e Geórgia. Para ela, uma nova invasão será ordenada em breve por Medvedev e Putin.

“Comparado ao conflito entre Rússia e Geórgia, que diferença faz que tipo de acordo eles (Obama, Putin e Medvedev) alcançam para reduzir as armas nucleares? No final das contas, Rússia e EUA nunca vão usar este tipo de armamento um contra o outro”.

E outra leitura que considero clara e absolutamente verdadeira sobre a diretriz da política externa russa.

“Medvedev e Putin sempre vão apoiar regimes antagônicos a Washinton por uma razão bastante simples: aumentar as tensões internacionais, subir o preço do petróleo e dar ao Kremlin outra chance de inflar sua autoimagem de potência global energética”, diz

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A parceria entre Arábia Saudita e Israel para interromper os planos nucleares do Irã

O cenário que expus tantas vezes por aqui começa a tomar forma. Israel vai atacar o Irã num prazo que deve variar entre o final deste ano e o início do ano que vem.

Depois de o vice-presidente americano, Joe Biden, afirmar em entrevista que este é um assunto que cabe a Israel decidir como país soberano, o sinal verde foi dado de forma bastante clara. Mas não é apenas isso.

Reportagem publicada pelo jornal inglês Sunday Times divulga uma informação importantíssima para tornar a interrupção do programa nuclear do Irã pelos israelenses viável.

Segundo a publicação, o chefe do Mossad – o serviço secreto de Israel – já teria informado ao primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu, que a Arábia Saudita concordaria em ceder seu espaço aéreo para que os caças da força aérea de Israel pudessem chegar ao Irã.
É claro que os sauditas irão negar a informação publicamente. Mas é bem provável que ela seja verdadeira mesmo. De fato, o país não deve formalmente liberar seu espaço aéreo, mas simplesmente “fechar os olhos” para a passagem dos aviões israelenses sobre o território.

Há muito tempo venho abordando este assunto por aqui. No dia 11 de maio publiquei o texto com o título “um cenário improvável está para se tornar real no Oriente Médio”. Para relembrá-lo, clique aqui.

Sem entrar em muitos detalhes já que o post de maio é bem focado neste tema, vale citar que os países sunitas estão profundamente incomodados com as ambições nucleares iranianas. Mais do que isso, não enxergam com bons olhos a tentativa da república islâmica de se tornar a maior potência militar da região.

A obtenção de armas nucleares serve bem a este propósito de Teerã. Os interesses israelenses ao atacar o Irã são bem diferentes, como se sabe. Mas, sob a ótica dos Estados sunitas, a operação militar do Estado Judeu irá cair como um luva em suas estratégias políticas regionais. Não haverá qualquer desgaste político e militar e, além disso, poderão condenar Israel publicamente.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Convergência religiosa pode unir Irã e Iraque num futuro próximo

Sem a menor dúvida, este é um dos momentos mais críticos da política externa americana para o Oriente Médio desde a posse da Obama no início do ano. A fase é especialmente importante na tentativa da nova administração de desembolar – ou ao menos dar um contorno próprio – as diversas frentes da chamada Guerra contra o Terror iniciada por Bush.

Optei por comentar a grande ofensiva americana no Afeganistão em outra oportunidade. Por ora, acho importante abordar a saída das tropas americanas das cidades iraquianas em meio à enorme confusão no país e no importante vizinho, o Irã.

O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, está em Bagdá buscando acalmar a situação e também reafirmar o apoio institucional aos atuais líderes do Iraque. A crise é grave no país. Em junho, o número de civis mortos em atentados terroristas chegou a 447. É o dobro do registrado no mês anterior e a comprovação da “competência” dos grupos extremistas em desestabilizar o processo de retirada dos soldados americanos.

É bom que se diga que o exército americano não está apenas deixando de atuar nas cidades, mas também repassando 168 bases às forças militares iraquianas.

Em meio a tudo isso, a confusão provocada pela polêmica reeleição de Mahmoud Ahmadinejad no Irã pode reverberar no Iraque.

Tudo porque existe um fator transnacional que já se mostrou em diversas ocasiões mais poderoso do que a noção de Estado nacional: o apelo às distintas correntes do islamismo. No caso, as mais importantes diferenças de interpretação da fé que dividem o mundo muçulmano entre xiitas e sunitas.

A minoria sunita no Iraque de Saddam Hussein governava o país. Hoje, depois da derrubada e morte do ditador, a maioria xiita reprimida até 2003 pode em algum momento – principalmente depois da saída militar americana completa no final de 2011 – articular uma aliança com o maior país xiita da região: o Irã.

Este não é um cenário absurdo, embora tudo não passe de especulação por ora. Até porque encaixaria bem com os planos de ascensão política e militar iranianos no Oriente Médio. Mais ainda, a aliança entre o Irã e a maioria xiita no Iraque pode se concretizar com o conflito cada vez mais próximo entre xiitas e sunitas em todo o mundo muçulmano.

E esta é uma das razões que fizeram com que Joe Biden fosse pessoalmente ao Iraque neste momento de crise. Porém, ao contrário do que ocorre no Irã, a maior liderança xiita iraquiana, representada pelo Grande Aiatolá Ali al-Sistani – que inclusive nasceu no Irã –, enfatiza que os clérigos devem ser figuras menores na maior parte dos assuntos políticos.

Mas, diante de uma reviravolta na região – que pode acontecer em breve, como escrevi algumas vezes –, é uma incógnita até que ponto os líderes religiosos xiitas vão manter sua posição e não irão se aliar com os clérigos iranianos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

As distintas oportunidades oferecidas pelo golpe em Honduras

A grande verdade é que este golpe de Estado em Honduras está servindo para expor ansiedades sufocadas de diversos grupos e líderes mundiais. A comoção em torno do tema já foi abordada no texto anterior sobre o assunto. É sim justificada, na medida em que assusta os demais países do continente. Mas, além disso, nunca o dito popular de que “crise é oportunidade” pôde ser aplicado com tamanha propriedade.

Em primeiro lugar, Chávez foi apressado ao tentar transformar o golpe em fator polarizador em sua batalha pessoal e ideológica. É muito claro que um dos pilares da política externa do presidente venezuelano envolve a formação de um eixo internacional onde sul e norte estejam em constante confronto de interesses econômicos, políticos e, novamente, ideológicos. Obama quebrou esta premissa ao se colocar ao lado do presidente deposto.

Além disso, existe a pressão de dentro do território americano exercida pelos cubanos exilados nos Estados Unidos. A tentativa do grupo é comparar a situação em Honduras à Venezuela de Chávez e, em última instância, a Cuba, de Fidel Castro.

Artigo publicado no Miami Herald – o jornal mais importante da Flórida, Estado americano onde se concentra a maior parte dos imigrantes cubanos – mostra bem essa posição.

“Durante semanas, Zelaya – um equivocado esquerdista cujo estilo se assemelha propositalmente a de seu camarada Hugo Chávez – esteve engajado numa campanha ilegal de tomada do poder, tentando reescrever a constituição de Honduras para que ele pudesse concorrer à reeleição em novembro”, diz o texto.

Além disso, a presidente argentina, Cristina Kirchner, também quer aumentar sua popularidade. Ela fez questão de estar na delegação internacional que deve acompanhar o retorno de Zelaya a Honduras. Depois da derrota nas urnas nas eleições de domingo passado e com a taxa de aprovação na casa dos 30%, nada melhor do que se colocar como um ícone da defesa da democracia latino-americana para ficar bem na fita.

Enquanto isso, a volta do presidente hondurenho a Tegucigalpa foi adiada até o final de semana, numa tentativa da Organização dos Estados Americanos de demover o presidente interino Roberto Micheletti de se manter no palácio presidencial.