quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O que pode estar por trás do ataque de Israel na Síria


A força área de Israel sobrevoou a Síria e atacou um comboio que supostamente transportava armamento para o Hezbollah, no Líbano. A partir disso, uma série de especulações passou a dar material a colunistas nos principais veículos de imprensa do mundo, além de gerar o efeito cascata de ameaças e condenações dos importantes atores globais interessados em influenciar nos assuntos do Oriente Médio. 

Acho que ninguém fez uma leitura tão serena do evento quanto o pesquisador Matthew Levitt, do Washington Institute for Near East Policy. “Israel pode atualmente fazer voos de reconhecimento sobre o Líbano. As armas (transportadas da Síria para o Líbano) poderiam dar fim à capacidade (israelense) de conduzir (práticas de) inteligência aérea”.  Segundo um oficial americano ouvido pelo New York Times,  o comboio levava sofisticadas baterias antiaéreas SA-17, armamento pesado sírio. No fundo, tudo isso tem muito a ver com o momento atual de conflito envolvendo Bashar al-Assad e os rebeldes. O presidente sírio tem no Hezbollah, no Líbano, um aliado importante que, junto com Irã e Síria, forma seu principal pilar de sustentação. 

Por isso, é bem capaz de começar um movimento importante de transporte de seu arsenal. Para complicar a situação, estimativas dão conta de que existe a possibilidade de, hoje, a Síria manter o terceiro maior arsenal de armas químicas do mundo. E aí volto a abordar um assunto que vez por outra é tema aqui no blog; a macroestratégia de defesa de Israel. Construída ao longo da história do Estado judeu e independente da coalizão ou dos governantes que ocuparam a liderança do país, a principal linha que rege as decisões israelenses leva em consideração um ponto fundamental: nenhum outro ator regional pode ter capacidade militar igual a de Israel. Este raciocínio não foi gerado a partir do nada, mas deriva de sucessivos episódios que mostraram algo que os israelenses consideram, não sem boa dose de razão, óbvio: inimigos regionais atacaram Israel em todas as oportunidades que julgaram ter potencial militar para isso. 

Agora, a situação é um pouco mais complicada porque, na prática, o Estado sírio está ruindo. E há gente demais preocupada com este arsenal militar. Israel agiu primeiro por considerar assunto urgente o transporte de armamento de grande potencial bélico ao Hezbollah, a milícia xiita instalada na fronteira entre Líbano e Israel e contra a qual Jerusalém travou uma guerra dura em junho de 2006. Ao que tudo indica, a possibilidade de a bateria SA-17 ser colocada na fronteira norte do país foi o evento-limite estabelecido pelas autoridades israelenses. Mas, segundo Aaron Stein, do Centre for Economics and Foreign Policy Studies, de Istanbul, Israel e Turquia têm compartilhado informação sobre o destino do arsenal sírio, já imaginando o caos (ainda maior) em que a Síria irá se transformar quando Assad cair. Se o grande temor de Jerusalém é ver este arsenal cair nas mãos do Hezbollah ou mesmo da al-Qaeda – que se faz bem presente entre os rebeldes sírios – , os turcos temem com a mesma intensidade que os separatistas curdos possam se beneficiar deste vazio político. 

É claro que a Turquia não irá assumir isso publicamente, na medida em que seu posicionamento internacional procurar caminhar em paralelo ao da opinião pública árabe e islâmica. Aliar-se a Israel não pegaria bem, muito embora é possível que isso esteja acontecendo agora. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Colapso do Estado egípcio e a brecha que pode ser preenchida pelo radicalismo


Li um artigo interessante no blog da Economist dedicado ao Oriente Médio. Uma frase em especial me chamou a atenção: “dois anos após a transição e sete meses de administração da Irmandade Muçulmana falharam em restaurar o senso de responsabilidade”. O texto fala sobre o Egito e comenta a situação de caos do país. Mergulhado em crise, o Estado egípcio não consegue voltar a ser um Estado de fato. A crise não é apenas econômica ou política, mas institucional, impedindo qualquer progresso e criando um impasse cujas consequências são sentidas pela população comum, como de costume. A nova revolta que eclodiu nas ruas se espalhou, deixou a já lendária Praça Tahrir para tomar outros centros importantes, como Port Said e Suez. 

A Primavera Árabe no Egito ainda é uma lacuna. Ao contrário de tantas afirmações mais esperançosas que realistas, não se trata de revolução, mas de um processo ainda em curso. Como se podia imaginar, as eleições que colocaram a Irmandade Muçulmana na presidência estavam contaminadas pelo rancor um tanto natural em relação ao ex-presidente Hosni Mubarak. O voto em Mohammed Mursi foi mais de protesto do que de projeto; ou seja, a população comum que derrubou Mubarak pela força das manifestações sem lideranças políticas seguiu a lógica de apostar no maior grupo de oposição organizado que existia no país. 

Agora, o próprio Mursi é acusado pela oposição de ser um líder “autocrático que redigiu uma nova constituição que não protege a liberdade de expressão ou religião”. Ora, isso é realmente surpreendente? Quer dizer, o que se esperava do líder da Irmandade Muçulmana alçado à presidência? Para o Ocidente, este não é mais um problema da comunidade internacional. Só haveria uma chance de interferência; um fator externo que levasse os líderes de Europa e EUA a acreditar que, assim como aconteceu na Líbia, a al-Qaeda pudesse se infiltrar no Egito. 

Mohamed al-Zawahiri, irmão do líder da al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, declarou em entrevista ao Asharq Al-Awsat – jornal árabe publicado em Londres – que o caos no Egito só será controlado a partir da aplicação total da sharia, a lei islâmica. Lembrando que os Zawahiri são egípcios e Mohamed é um importante líder salafista no país. O salfismo é um movimento islâmico ultraconservador cujos modelos são os chamados salafis (ancestrais), os primeiros muçulmanos contemporâneos ao profeta Maomé. O partido Nour é a expressão política mais bem sucedida do salafismo no Egito e obteve 25% dos assentos no parlamento, ficando atrás somente da própria Irmandade Muçulmana. 

Ao contrário do que aconteceu na prática na Líbia, as potências ocidentais não vão se conformar com o colapso do Estado egípcio e sua eventual tomada pela al-Qaeda. 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Há Futuro em Israel


Agora que o processo eleitoral terminou em Israel, é hora de os partidos exercerem toda a capacidade de organização, convencimento mútuo, articulação e negociação de bastidores para que, finalmente, um novo governo passe a existir. O resultado final do pleito foi positivo porque mostrou que a sociedade está preocupada com questões práticas e exige do primeiro-ministro responsabilidade sobre elas. No meio da confusão deste sistema de governo israelense, este é um ponto positivo; a diluição de poder entre os partidos e a necessidade de construção de uma maioria política por meio de articulações transforma votos em demandas diretas. 

O principal aspecto disso tudo é o surgimento de um novo partido, o Yesh Atid (Há Futuro), do jornalista Yair Lapid. A legenda nasce poderosa já em sua primeira eleição. A grande sacada de Lapid e de seus correligionários é a leitura perfeita da sociedade israelense em seu dia a dia. Lembram-se da ocupação das ruas de Tel Aviv por gente comum que decidiu acampar para protestar contra o alto custo de vida e moradia? Pois é. Este é o que se pode chamar de “nicho de mercado” desta nova legenda; a população comum, a classe média insatisfeita com a política econômica de Netanyahu que produziu crescimento considerável mas fez uma mudança profunda na sociedade, aumentando a distância entre os muito ricos e muito pobres, diminuindo o poder de compra e a qualidade de vida – pilares históricos do Estado. 

Benjamin Netanyahu sentou sobre o cargo e a coalizão com o Israel Beiteinu, de Avigdor Lieberman. Em vez de se debruçar sobre questões práticas, preferiu fazer uso de sua enorme habilidade de articulação de bastidores. O problema para ele é que em Israel todos os cidadãos votam, não somente os membros do Knesset ou as lideranças políticas. Bibi fez vista grossa para a maior parte das muitas questões que os israelenses enfrentam, optando por se dedicar a assuntos que ele considera maiores, como o Irã. E aí pagou o preço por apostar que as pessoas estão mais preocupadas com Ahmadinejad do que com emprego, renda e moradia. Resultado: seu partido, o Likud, que antes tinha 27 assentos no Knesset, agora tem 20. O recém-criado Yesh Atid, de Lapid, tem 19. 

As dificuldades de renovação da cena política local levaram o eleitorado a apostar em nomes com pouca ou nenhuma tradição política. E aí isso também explica o sucesso de Lapid e seus companheiros, identificados com alguma razão como “profissionais liberais que decidiram entrar na política para mudar a situação”. E tudo isso deve dar um certo frescor ao próximo governo, mesmo com Netanyahu. A novidade deve ser acompanhada por demandas do Yesh Atid, como o fim da isenção aos judeus ortodoxos de cumprimento do serviço militar e a retomada do processo de paz (pontos que o novo partido considera inegociáveis). A ideia de Bibi de que poderia governar novamente deixando esses assuntos de lado parece eliminada – pelo menos se quiser contar com as 19 cadeiras conquistadas por Lapid.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Eleições em Israel põem em xeque pragmatismo de Netanyahu


Quando não conseguiu aprovar o orçamento israelense para 2013, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu optou por convocar eleições. Como de costume, o pleito em Israel é repleto de ansiedade em virtude não apenas dos impactos regionais óbvios, mas também das grandes divisões sociais e políticas que, para variar, tomam conta do país. Apesar disso, o atual líder do governo tentou uma manobra porque considerava ter a capacidade de prever o destino político, imaginando que sua coalizão poderia aumentar sua porção no Knesset, o parlamento, o que lhe permitiria permanecer no cargo por ainda mais tempo. A ideia é que o bloco formado pelos partidos Likud e Israel Beiteinu alcançasse maioria confortável, subindo de 42 para quase 60 cadeiras. 

Mas Israel é um cenário tão complexo que mesmo alguém com a experiência de Netanyahu pode estar errado. As últimas pesquisas mostravam um total de 50 parlamentares que o bloco iria emplacar. Esta redução de expectativas é positiva porque dilui o poder entre as muitas variáveis ideológicas que de fato existem no país. Para se ter ideia, qualquer partido que obtiver ao menos 2% dos votos conseguirá estar representado no Knesset. E nas eleições atuais sobram divisões, visões distintas e, principalmente, projetos diferentes para o país. Dá para dizer que o próprio primeiro-ministro Netanyahu é um dos menos transparentes em sua forma de enxergar perspectivas para Israel em longo prazo.

Seu partido, o Likud, quer estar na liderança. Isso todos sabemos. O que ninguém sabe ao certo é que país o Likud quer governar. Sabe-se que o partido se orgulha da administração econômica que vem fazendo – responsável por um crescimento de 14,7% nos últimos três anos –, mas que também foi responsável por uma das situações mais incômodas aos israelenses: o aumento da distância entre ricos e pobres que não apenas asfixia a classe-média com um custo de vida altíssimo mas também joga para as páginas da história as origens socialistas do país, uma das democracias menos desiguais no Ocidente durante os anos da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, em relação ao processo de paz, Bibi fez um discurso histórico na Universidade Bar-Ilan se comprometendo com a solução de dois Estados. Agora, está aliado aos elementos mais conservadores – no pior sentido do termo -, gente como Moshe Feiglin, que defende a anexação da Cisjordânia (medida que, na prática, não seria somente absurda sob o ponto de vista humanitário, como também acabaria com a realidade atual de um Estado de Israel judeu e democrático, assunto que abordei por aqui tantas vezes e que voltarei a examinar mais profundamente em posts futuros). 

Está muito claro que Netanyahu está disposto a articulações, alianças e mutações de todas as formas em nome do pragmatismo. E isso poderia até ser muito positivo, caso o objetivo fosse enfrentar as muitas questões que estão em jogo em Israel. Até porque os grandes temas do momento são segurança, economia e os gastos do Estado com os ortodoxos e se estes devem ou não continuar a receber incentivos financeiros e ainda permanecerem isentos do serviço militar obrigatório. O problema é que Bibi parece usar esta grande capacidade pragmática somente em nome de sua permanência no cargo. Quem pode se beneficiar disso é, curiosamente, a oposição. Partidos de centro e centro-esquerda tem tudo para formar o principal ponto de equilíbrio diante da aliança Likud-Beiteinu. Se os mais de 60% dos israelenses favoráveis ao processo de paz forem às urnas, Yesh Atid, Avodá e HaTnuá devem conseguir uma boa base. Como Netanyahu é pragmático, é capaz de pensar numa maneira de se voltar para este grupo. Se isso acontecer, haverá uma esperança igualmente pragmática. 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Intervenção francesa no Mali expõe contradições internacionais



A operação francesa para impedir o avanço da al-Qaeda no Mali é mais um exemplo do realismo político sobre o qual venho tratando nos últimos posts. A ação militar de Paris para enfrentar a tomada do nordeste do Mali pela chamada al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM) foi costurada rapidamente. Na última segunda-feira, recebeu apoio unânime do Conselho de Segurança da ONU, inclusive de Rússia e China, os mesmos países que têm barrado qualquer atitude mais contundente contra o regime de Bashar al-Assad, na Síria. A ação dos terroristas no Mali é, ainda, mais uma das consequências e demonstrações da nova geopolítica mundial. 

A al-Qaeda quer transformar o norte do país em território livre para atuar. Na verdade, os terroristas já estão instalados de forma praticamente independente na região há dez meses. A infraestrutura de que dispõem é, possivelmente, a maior que a rede já teve; são 300 mil quilômetros quadrados que incluem aeroportos, depósitos de armas e instalações de treinamento militar. Na prática, é um país pronto para servir de base aos propósitos da al-Qaeda. É bom dizer de cara que, como de costume, a tomada do território veio recheada de justificativas ideológicas: independência aos Tuareg, habitantes das partes norte e ocidental do Saara, resposta ao governo da Argélia – que permitiu aos aliados usarem seu espaço aéreo na ofensiva que derrubou Kadafi, na Líbia –, e, como sempre, a adoção da lei islâmica em todo o Mali. Tudo isso é besteira. 

A verdade mesmo é que a al-Qaeda está aos poucos conquistando objetivos importantes que podem contribuir, na visão de seus membros, para a concretização de sua macroestratégia. A instabilidade no Mali é acompanhada por algumas possibilidades interessantes; a Líbia continua longe de poder ser considerada um Estado pacificado e organizado, a Somália é território instável há 20 anos, e ninguém pode prever quando e se a Síria voltará a ser um país de verdade. Para a al-Qaeda, todos esses acontecimentos representam grandes conquistas. E, o ponto fundamental disso, é que o grupo aos poucos pretende retomar sua importância no mundo islâmico, sufocada pelos movimentos populares, pacíficos e pragmáticos que ficaram conhecidos como Primavera Árabe. Com o futuro incerto no Egito, na Síria e na Líbia, a esperança quanto a mudanças genuínas fica, naturalmente, abalada. 

A França está defendendo seus próprios interesses. Único país europeu com histórico militar significativo recente, o país está servindo aos propósitos europeus ao tentar impedir que o Mali se transforme numa base da al-Qaeda relativamente próxima à Europa. O realismo do parágrafo inicial tem a ver com isso; o Conselho de Segurança da ONU aprova com agilidade a intervenção francesa, mas se cala diante da tragédia humanitária na Síria e condena Israel por tentar destruir a infraestrutura de lançamento de mísseis do Hamas, em Gaza. 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O realismo de Barack Obama


Fontes oficiais americanas confirmam que os EUA pretendem retirar todas as suas tropas do Afeganistão logo depois da desocupação oficial das forças da Otan (a aliança militar ocidental) marcada para o ano que vem. Esta informação é um sinal de como deve ser a gestão internacional neste segundo mandato do presidente Obama. 

Há no momento muita discussão sobre as diretrizes da política externa de Washington. As escolhas de Chuck Hagel, para o Pentágono, e John Kerry, para a Secretaria de Estado, apontam os caminhos pretendidos pelos presidente. Se os anos de Bush foram marcados pelas ofensivas no Afeganistão e no Iraque, o primeiro mandato de Obama não representou um rompimento com este padrão definido por muita gente como de “episódios aventureiros e gerenciamento de crises”. Por mais que seja um tanto abrangente, esta definição faz sim algum sentido. 

Mas, juntando os primeiros sinais deste início de janeiro, é possível perceber que a Casa Branca está mudando os rumos. Se Hagel e Kerry ganharam seus cargos por boas doses de exposição ideológica, o presidente tende a transformar esta ideologia numa prática mais conservadora. E me refiro a este termo em seu uso corrente aqui no Brasil; as “aventuras” internacionais serão evitadas ao máximo, e a cúpula do governo vai pensar bastante antes de tomar qualquer decisão mais contundente para além de suas fronteiras. Obama, Hegel e Kerry estudarão cada caso com muita cautela e, nos bastidores, vão trabalhar para enxugar os custos de ações internacionais. A austeridade econômica que o momento exige também será, em grande parte, um guia para a política externa. Os EUA devem se comportar como alguém que gastou demais no cartão de crédito e precisa pagar as parcelas restantes antes de iniciar novas aquisições. 

Por isso, os cargos-chave neste mandato serão ocupados por pessoas que concordam com a posição original de Obama de que a guerra deve ser usada como último recurso. E, mesmo assim, para proteger os próprios americanos, deixando aliados estratégico um tanto frustrados. Esta posição realista não se estende somente a Israel, caso mais emblemático dos dilemas muito próximos aos EUA, mas também aos rebeldes sírios – que chegaram a uma situação de impasse na guerra que travam contra as forças de Bashar al-Assad porque a ajuda militar ocidental (em grande parte americana) não vai chegar. 

“O legado da Guerra do Iraque ainda domina a política externa dos EUA”, escreve Robert D. Kaplan, analista-chefe do Stratfor. É isso mesmo. E quando Kaplan diz isso se refere ao temor de uma nova empreitada no Oriente Médio duradoura, cara e traumática. Obama foi contrário à Guerra do Iraque. A estipulação de prazos claros para encerrar a presença no Afeganistão mostra o quanto o presidente americano pretende retomar os objetivos originais da invasão ao país, em 2001. A resposta aos ataques de 11 de Setembro tinha como objetivo simplesmente impedir que o Afeganistão prosseguisse como território livre e seguro para a al-Qaeda. Como na prática os desafios de acabar com a presença do grupo terrorista no país se mostraram muito mais complexos do que se previa originalmente, a Casa Branca se viu afundada em algo impossível de se concretizar: a construção de um país seguro, livre e democrático. O tipo de desafio que Obama não quer enfrentar. 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O golpe realista de Bashar al-Assad


Para quem considerava absurdos os números dos mortos na Síria, aí vai uma atualização. Se antes boa parte do mundo se espantava com os 40 mil civis que perderam suas vias durante a guerra civil, esses números agora foram revistos. Para cima. Segundo estimativas da ONU, já foram mais de 60 mil mortos. Mesmo assim, é provável que este dado esteja aquém da realidade, uma vez que contabiliza somente aqueles oficialmente registrados. E, ao contrário do que se imaginava, o presidente Bashar al-Assad não está necessariamente de saída. E não apenas devido à demonstração de popularidade um tanto fabricada desta semana, quando falou a uma considerável plateia de admiradores em Damasco (foto). 

É pouco provável que as potências ocidentais passem a agir mais incisivamente na tentativa de forçar a derrubada de Assad. Não apenas pela memória recente da guerra na Líbia, mas porque há indícios conhecidos de muitos fatores que tornariam problemático um projeto de intervenção: a al-Qaeda está na Síria. E este é um fato, não uma suspeita somente. O grupo mais conhecido vinculado à rede terrorista é a organização Jabhat al-Nusra, que combina uma ideologia islâmica linha-dura a táticas de guerrilha. E isso sem falar da própria al-Qaeda, cujo líder, Ayman al-Zawahiri, o substituto de Bin Laden, tem incentivado os sunitas a se voluntariar militarmente em território sírio. Segundo o colunista do Guardian Simon Tisdall, já são 2,5 mil radicais lutando ao lado dos rebeldes, pessoas que vem de lugares tão distantes quanto Indonésia e China. 

A al-Qaeda não é um grupo de escoteiros e está empenhada na expulsão de Assad não porque quer democratizar a Síria, mas porque sabe o tamanho da oportunidade estratégica que representa transformar o país num território anárquico (permitam-me o uso da expressão neste caso). Localizada às margens do Mediterrâneo, na fronteira com Líbano, Israel, Iraque, Turquia e Jordânia, a Síria é um ponto estratégico do Oriente Médio. A instalação do grupo terrorista no país permitiria proximidade a muitos de seus alvos regionais e também na África e na Europa – lembrando sempre que o objetivo final de Bin Laden sempre foi restabelecer o califado muçulmano que deveria se estender até Espanha e Portugal. Pode soar como loucura, mas é isso mesmo. 

Os países ocidentais ainda têm mais um problema: as armas químicas sírias. Assad já deixou claro que está em guerra contra a própria população. O realismo político sobre o qual falo com frequência por aqui se manifesta de forma bastante explícita neste caso; americanos, europeus e os países vizinhos do Oriente Médio deram a deixa para o presidente sírio. Possivelmente, nada será feito em nome deste raciocínio realista. Quanto mais cruel o regime se torna, quanto maior a imprevisibilidade dos comandados do governo de Damasco, menor é o interesse ocidental de se meter neste problema. A ideia agora é tentar convencer Assad a diminuir o ritmo, deixando claro que ninguém vai intervir. O ditador fez a leitura do comportamento ocidental recente e entendeu que o único caminho para evitar a intervenção sem abrir mão do poder era intimidar as potências a partir de atitudes imprevisíveis, que incluem a manipulação explícita de seu arsenal de armas químicas como forma de mostrar abertamente que está disposto a tudo para manter o status-quo. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Chuck Hagel: uma escolha ideológica de Obama


No ultimo dia 19 de dezembro, escrevi um post específico sobre Chuck Hagel. Na época, o ex-senador republicano encabeçava a lista dos nomes cotados para substituir Leon Panetta como secretário de Defesa. Nesta segunda-feira, Hagel foi confirmado pelo presidente Obama como o próximo homem forte do Pentágono. Além de todas as muitas polêmicas envolvidas na escolha, há algumas mensagens importantes que exigem uma análise menos superficial. 

O ponto fundamental diz respeito ao significado da nomeação. Já reeleito e com quatro derradeiros anos pela frente, Obama parece estar disposto a se permitir mais ousadia internacional do que em seu primeiro mandato. Admirado internacionalmente e ganhador do prêmio Nobel da paz sem ter feito nada de espetacular, o presidente conseguiu durante sua primeira campanha como candidato convencer a opinião pública americana e mundial de que poderia ser o líder político da mudança. Considerando o cargo a que postulava, sua própria biografia, poder de retórica e o conservadorismo do ex-presidente Bush, não foi muito difícil criar grandes expectativas. Nos primeiros quatro anos de mandato, no entanto, não conseguiu grandes conquistas internacionais que justificassem a intensidade dessas mesmas expectativas. 

Hagel não carrega intrinsecamente qualquer garantia de mudança de rumos. Por exemplo, sob o ponto de vista latino-americano, vale dizer que a região ficou praticamente esquecida durante os primeiros quatro anos de Obama, a não ser pelo rápido giro do presidente por poucos países da América Central e do Sul em 2011. Mas o possível novo secretário de Defesa – que ainda precisa da aprovação do Senado – é uma resposta a alguns desafios que os EUA enfrentarão neste novo ano. Hagel é abertamente contrário a um ataque militar para impedir o prosseguimento do programa nuclear iraniano. Sua escolha para o Pentágono pode sim ser interpretada como um balde de água fria em Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel e desafeto conhecido de Obama. Um dos momentos marcantes no ano passado foi o discurso do líder israelense dizendo que, entre março e junho de 2013, os iranianos alcançariam o último estágio para a obtenção de capacidade atômica. Hagel no Pentágono apenas reafirma a falta de disposição do presidente americano de se juntar ao governo israelense numa eventual empreitada militar. 

Se por este lado a escolha do ex-senador republicano pode parecer um rompimento com Israel, é importante dizer que os laços que unem Washington e Jerusalém vão muito além de disputas políticas pontuais ou mesmo discordâncias estratégicas; como afirmou o ex-primeiro-ministro e ex-ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, a cooperação militar e de inteligência entre os dois países nunca foi tão profunda quanto no período em que Obama é presidente dos EUA. Por isso, considerando o histórico negativo do relacionamento pessoal entre o presidente americano e o atual primeiro-ministro de Israel – que caminha para vencer as eleições israelenses a serem realizadas no final deste mês –, a ideia de colocar num cargo-chave de defesa alguém que questiona o projeto de ataque ao Irã soa como contraponto direto a Benjamin Netanyahu. 

No entanto, há um ponto de contradição nas análises que têm sido feitas. Por um lado, muita gente tem escrito que a nomeação de Hagel é fruto de uma decisão técnica, uma vez que possui currículo de atuação militar importante e supostamente consegue distanciar os posicionamentos políticos das decisões práticas; mas, curiosamente, entre todos os candidatos, ele foi o que mais se expôs política e ideologicamente nos últimos anos. Acho que a escolha se resume a este último aspecto mesmo. 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Paquistão: é bom ficar de olho no país em 2013


O sudeste asiático é alvo de disputas tão acirradas quanto as do Oriente Médio. Talvez seja menos glamoroso, mas nem por isso menos importante examinar as possibilidades que tornam a região igualmente explosiva. O caso clássico envolve a disputa entre Índia e Paquistão, dois gigantes populacionais com capacidade nuclear. Como já vimos tantas vezes, o equilíbrio de poder entre os dois é fundamental para a manutenção da tênue situação pacífica, mas altamente beligerante. O Paquistão é, no momento, o principal foco de instabilidade, uma vez que, além da atuação altamente questionável na contenção do Talibã e da al-Qaeda, sofre pressões internas – civis, militares e governamentais – para romper a frágil aliança com os EUA. 

Para completar, o Paquistão passará por eleições gerais em 2013 (assim como Irã e Israel). Os paquistaneses possuem um histórico de instabilidade maior que os outros dois países. Isso porque, além de toda a pressão interna, os três poderes disputam entre si; o governo civil contra os militares, e o judiciário contra todos. A tensão com a Índia é foco de grandes despesas militares, e, agora, o agravamento da situação pode extrapolar os limites regionais. O arsenal nuclear do país é que cresce mais rápido no mundo e, segundo o Consórcio da União Europeia para Não-Proliferação, os mísseis de longo alcance paquistaneses poderão atingir, inclusive, parte das bases e instalações militares de membro da UE. 

Outros aspectos podem contribuir para a instabilidade interna; a economia vai mal das pernas. De acordo com os pesquisadores Mohsin Khan (Rafik Hariri Middle East Center) e Shuja Nawaz (South Asia Center), somente um crescimento anual entre 7% e 8% poderia criar empregos suficientes – lembrando que a taxa de desemprego de somente 5,6% nem é das mais altas. O problema no país é o subemprego, que paga mal e freia o poder de consumo. Do ponto de vista estratégico, a situação é ainda mais complicada devido a alguns fatores: se não bastasse o envolvimento inevitável no Afeganistão, o governo paquistanês trava sua própria guerra interna no sudoeste do país. A província do Baluchistão é tão lucrativa quanto problemática. Repleta de petróleo o gás, faz fronteira com o Irã. Como se sabe, o Estado iraniano é formado por 89% de população xiita e a maior parte dos 20% dos xiitas paquistaneses vivem justamente no Baluchistão. 

O movimento nacionalista do Baluchistão existe desde a criação do Paquistão, em 1947. Os conflitos entre militantes balúchis e o poder central de Islamabad são tão intensos que, nos últimos dez anos, matou mais do que o conflito entre israelenses e palestinos no mesmo período. Cerca de oito mil balúchis (entre militantes, intelectuais e líderes políticos) foram mortos. Enquanto o Paquistão acusa Índia e Afeganistão de prover a população com treinamento e armas, o Irã pode vir a interferir na situação em algum momento, na medida em que o país também tem problemas com o Baluchistão iraniano, tornando esta questão foco de instabilidade regional a duas de suas principais potências.