segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Itamaraty e os diferentes "Brasis" da política externa

O Brasil apresenta duas facetas completamente opostas ao conduzir sua política externa: de um lado, existe uma diretriz clara, coerente e que luta com inteligência para assumir o papel que lhe cabe no jogo internacional; de outro, muitas vezes o Itamaraty aplica respostas estomacais repletas de ideologia e que não trazem qualquer benefício prático.

Hoje e durante as duas semanas anteriores, foi possível observar dois exemplos desses diferentes “Brasis”. Há pouco, foi divulgada uma notícia que tem tudo para se transformar numa mudança de paradigma e numa das maiores vitórias comerciais brasileiras de todos os tempos.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) determinou que o Brasil poderá aplicar 295 milhões de dólares em sanções anuais aos Estados Unidos, por conta dos subsídios ilegais concedidos pelo governo americano aos produtores de algodão locais.

Pode até parecer muito, mas o governo brasileiro exigia que o valor chegasse a 2,5 bilhões de dólares. Seja como for, este foi o primeiro caso no ramo de agricultura iniciado por um país em desenvolvimento.

Já o lado obscuro e menos inteligente do Itamaraty se manifestou durante todo o imbróglio envolvendo o uso de bases colombianas por militares americanos. O Brasil simplesmente se “esqueceu” do compromisso apaziguador que rege as estratégias de relações internacionais do país.

Mais do que isso, colocou Álvaro Uribe contra a parede durante a reunião da Unasul. Ora, com que direito se pode contestar a decisão soberana e a princípio pacífica de um outro Estado independente?

Pior do que se indispor com os colombianos, é o desgaste para um país cuja maior aspiração internacional é a reforma e o direito a uma vaga num possível novo Conselho de Segurança da ONU. Vale lembrar que Uribe já havia se encontrado com Lula, em Brasília, durante o giro que fez para explicar a logística das operações militares americanas em seu país.

Resta saber qual dos “Brasis” será o porta-voz da política externa daqui pra frente.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Israel e AP estão longe de um acordo de paz

Por mais otimismo que a imprensa internacional tenha dedicado às tentativas de conversações entre israelenses e palestinos, infelizmente nenhum acordo de paz está próximo de sair. Como sempre, o assunto é tratado com muito confete. Mas, nenhum dos lados está interessado em se empenhar de verdade sobre a questão.

Enquanto o racha entre Fatah e Hamas aprofunda ainda mais as divisões internas entre os palestinos – a disputa por poder cresce a cada dia e o grupo terrorista e o partido legitimado pela comunidade internacional estão mesmo em lados opostos fisicamente –, o atual governo israelense não está assim tão debruçado sobre estratégias para retomar os diálogos.

E a razão é muito simples. Há muito tempo o país não gozava de tanta tranquilidade.

Além de o setor turístico estar superando todos os recordes econômicos para o mês de agosto, não há qualquer ameaça militar a assombrar Israel por ora. E este é um fato raro, que, se por um lado pode ser interpretado positivamente, por outro gera temores de que algo maior pode estar a caminho.

A fronteira norte com o Líbano está apaziguada momentaneamente. O Hezbolah não tem sido percebido como um fator ameaçador neste momento. Não há registros de atentados terroristas nos últimos tempos. Mesmo os mísseis do Hamas, lançados de Gaza com frequência desde 2005, estão dando um tempo.

Netanyahu e seus conselheiros acreditam que esta é a hora de capitalizar, não de lançar polêmicas e desgastantes questões, como divisão de Jerusalém, desmantelamento de assentamentos na Cisjordânia ou quais serão as fronteiras definitivas de Israel.

Aliás, os assentamentos na Cisjordânia são um ponto fundamental para um acordo. Para retirar todos os 300 mil judeus que vivem hoje no território, estima-se que seriam necessários cerca de 80 bilhões de euros. Vale mencionar que este valor é, inclusive, superior a toda a verba anual do governo israelense.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Uma notícia que chega 15 anos atrasada

O primeiro-ministro palestino, Salam Fayyad, divulgou um plano que pretende criar condições estruturais para o futuro Estado palestino. O projeto envolve a construção de um aeroporto internacional na Cisjordânia, além de portos e rodovias.

A notícia é interessante, mas levanta algumas questões: por que nunca se pensou neste tipo de investimento, uma vez que os Acordos de Oslo de 1993 – que, inclusive, criaram a Autoridade Palestina – previam uma série de passos que culminariam com a declaração de independência?

Não é o caso de se condenar o plano de Fayyad. Muito pelo contrário. Ele merece admiração, uma vez que a simples movimentação da economia palestina é digna de nota. Mas é preciso também não se furtar das perguntas mais difíceis: onde estão os bilhões de dólares e euros doados à AP nesses 15 anos? O que foi feito desse dinheiro?

Até porque – vale lembrar também – os acordos de 1993 assinados entre Israel e a liderança palestina previam a construção gradual de instituições políticas, sociais e econômicas capazes de não apenas tocar o Estado palestino, mas também assumir os difíceis compromissos de paz. Nada disso aconteceu.

Hoje, 15 anos depois, Gaza está nas mãos do Hamas, grupo que sequer reconhece Israel e, muito menos, os acordos de Oslo. O Fatah – de Fayyad e Abbas, o presidente palestino – parece que agora se movimenta muito mais para se consolidar como um contraponto ao grupo radical islâmico do que porque está de fato preocupado com o inerte processo de paz e os absurdos níveis de desemprego dos próprios palestinos.

O post de amanhã vai tratar da estagnação do processo de paz promovida pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

PS: para os que não sabem, os palestinos contam com a ajuda da UNRWA (United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees), agência da ONU específica para os refugiados palestinos. No ano passado, seu orçamento foi de 541,8 milhões de dólares. E esta é apenas uma parte do dinheiro destinado aos territórios. A parte que, ao menos, publica suas contas para os que quiserem pesquisar.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Mais lenha na fogueira

A libertação do terrorista líbio que explodiu o avião da Pan Am continua a gerar polêmica. Não poderia ser diferente. Primeiro, porque é realmente absurda, chegando quase a alcançar o status do que o jargão jornalístico costuma chamar de “faits divers” (o fato diverso, o chocante pela natureza fora do comum do acontecimento); segundo porque envolve dois dos países do circuito “Helena Rubinstein” – Estados Unidos e Grã-Bretanha.

Agora, existe a suspeita de que o caso possa se transformar num roteiro pronto da franquia “Missão Impossível”. Há suspeitas de que tudo seja parte de um grande jogo político entre britânicos e líbios cujo resultado proporcione ao governo de Londres acesso às reservas de petróleo e gás de Kadafi. Aliás, o filho do ditador afirma que Megrahi – o único condenado pelo atentado de 1988 – tenha sido usado como moeda de troca entre os dois países.

Como elemento ainda mais curioso, há também o nacionalismo escocês, cujo Judiciário é o responsável pela decisão de deixar o terrorista líbio morrer em casa. Não se sabe, entretanto, se a independência da corte local é também parte do circo. Caso o objetivo fosse mostrar autonomia em relação ao Reino Unido, se ficar claro que as negociações pretendiam prover acesso às reservas do norte da África, o resultado terá sido exatamente oposto.

O problema é que faltou combinar com os Estados Unidos – além de ser uma das partes mais interessadas, é também o país capaz de pressionar e manter a polêmica em torno do caso.

A Pan Am era uma empresa americana. Dos 270 mortos no atentado, 180 eram americanos. É natural que Washington continue a exigir respostas por essa super mal-contada tramoia.

“A Escócia não era o alvo da bomba colocada por Megrahi. Os americanos eram os alvos. Se o artefato tivesse explodido dois minutos antes do planejado, o avião teria caído na Inglaterra; dez minutos depois, em águas internacionais. A jurisdição escocesa é um completo acaso”, escreve no londrino Times o articulista David Aaronovitch.

A história toda está bem longe de um ponto final.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Os próximos meses no Afeganistão

Hamid Karzai foi reeleito presidente do Afeganistão. Mas o que muda agora? Há alguns passos possíveis de serem antecipados através da leitura das ações americanas no país.

Os Estados Unidos estão dispostos a negociar com o Talibã. Pode parecer estranho, mas é isso mesmo. As autoridades responsáveis pela guerra no país sabem que os obstinados terroristas não irão renunciar ao uso da força sem que se proponha um acordo mais amplo.

Obama pretende conversar com os guerrilheiros do grupo, mas, pra isso, precisa estar numa posição de superioridade, segundo seu entendimento sobre a dinâmica do conflito.

Agora, com o presidente Karzai – apoiado por EUA e OTAN – garantido no poder para um segundo mandato, existe a possibilidade de se propor uma conferência envolvendo o apaziguamento não apenas do país, mas de toda a Ásia Central.

Ao menos, este seria o cenário ideal para Obama. A paz no Afeganistão seria forjada com o auxílio de países vizinhos e igualmente importantes para a política externa americana: Rússia, Irã e Paquistão. E é bem provável que a China também seja chamada a opinar.

Mesmo do ponto de vista militar, a busca por uma solução pacífica parece ser a única alternativa para dobrar os talibãs. Segundo a alemã Der Spiegel, o General Stanley McChrystal – o homem-forte americano no Afeganistão – tem pouquíssima tolerância da Casa Branca para produzir resultados satisfatórios: ele tem apenas um ano para alcançar um sucesso inicial e dois anos para virar o jogo.

Assim, o general mudou os métodos de abordagem. Soldados americanos e afegãos devem trabalhar juntos na luta contra o Talibã; e mais, o objetivo é reduzir ao máximo o número de mortes civis.

Por trás de tudo isso, é claro, três das mais importantes diretrizes do que se pode chamar de “Doutrina Obama” de relações internacionais: a redução de custos – a guerra no Afeganistão consome quatro bilhões de dólares mensais dos contribuintes americanos –, vidas de soldados perdidas – já são 800 soldados dos EUA mortos desde 2001 – e o desgaste da imagem dos Estados Unidos no exterior – principalmente entre os muçulmanos.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Líbia protagoniza polêmica que não lhe traz nenhum benefício

A justiça da Escócia decidiu libertar o líbio Abdel Basset Ali al-Megrahi, julgado responsável pelo atentado a bomba que explodiu, em 1988, o voo 103 da extinta Pan Am, causando a morte de 270 pessoas. Ele foi solto após cumprir somente oito anos de pena numa decisão polêmica e que ainda vai dar muito pano pra manga. No centro da justificativa para deixá-lo retornar em liberdade para a Líbia, o conceito de “compaixão” pelo fato de o terrorista sofrer de câncer de próstata em estado avançado e estar à beira da morte.

Existe grande controvérsia em torno de todo o caso, até porque o próprio julgamento do líbio foi posto em dúvida algumas vezes. Há suspeitas sobre a idoneidade de todo o processo. Seja como for, a Justiça escocesa manteve sua decisão de considerá-lo culpado. Mas ontem mexeu nesse vespeiro e causou grande sofrimento às vítimas, vibração na Líbia, perplexidade internacional e até uma derrota retroativa do governo Bush.

Ao ser recebido por uma multidão no aeroporto de Trípoli, a capital líbia, Megrahi – que também é ex-agente do serviço de inteligência de seu país – causou arrepios no ex-presidente americano, que descansa em seu conhecido rancho em Crawford, Texas.

A Líbia era, até ontem, o grande “case” vitorioso da política externa Bush, cuja relação com os demais países – ainda mais do chamado “mundo árabe” – sempre foi de mal a pior.

Mas, Bush se orgulhava de ao menos ter conseguido “reabilitar” o Estado controlado com mão-de-ferro por Muamar Kadafi, tendo levado o país de volta à comunidade internacional, inclusive presidindo o conselho de segurança rotativo da ONU (!).

Porém, ao promover a calorosa recepção ao terrorista no aeroporto da capital do país, Kadafi levou a Líbia de volta aos anos 1980, quando gozava do status de inimigo internacional número um, patrocinando atentados e abrigando seus mentores – uma espécie de al-Qaeda armada com aparato de Estado.

É uma reviravolta estranha, uma vez que Kadafi vinha se esforçando nos últimos anos para ser novamente aceito internacionalmente. Seus atos mais recentes mostram bem este movimento: desmantelou o programa nuclear do país, admitiu a responsabilidade governamental pelo próprio atentado contra o avião da Pan Am e pagou compensações financeiras aos parentes das vítimas.

Agora, entretanto, tudo pode começar a se esvair novamente. Obama classificou a libertação do terrorista como um erro. Mas foram as palavras do ministro das relações exteriores britânico, David Miliband, que mostraram bem como a recepção calorosa de Megrahi promovida por Kadafi pode mudar a maneira como a Europa irá se relacionar com a Líbia a partir desta confusão toda.

“A maneira como o governo líbio vai atuar nos próximos dias será bastante importante para moldar a opinião mundial sobre a aceitação do país na comunidade dos Estados civilizados”, diz.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Eleições para tranquilizar o ocidente

Ao invadir o Afeganistão, em 2001, os Estados Unidos buscavam uma resposta aos atentados de 11 de Setembro. Varrer a al-Qaeda do país era uma forma de preencher a lacuna da opinião pública americana, uma vez que o governo de George W. Bush não tivera êxito em impedir que os terroristas atacassem Nova Iorque e o Pentágono. Hoje, oito anos depois, o Talibã – que abrigara Osama Bin Laden – não é mais parte da administração oficial. Mas, ainda assim, continua a ser um ator importante e destrutivo.

Ao patrocinar eleições, fica claro que a aliança ocidental comandada pelos Estados Unidos não tem apenas a missão de impedir que a al-Qaeda ou os talibãs retomem o controle do Afeganistão. Existe a intenção de criar uma rede de instituições. Um governo central, burocrático e democrático – até onde isso é possível – é apenas uma parte deste esforço.

Até que ponto, entretanto, a missão inicial teve seus objetivos desvirtuados? Apesar de nobres, o fato de este ser o primeiro pleito eleitoral no país diz bastante sobre as tradições políticas locais.

Sem a menor dúvida, a realização de eleições livres, supostamente limpas e diretas é sim uma tremenda vitória num local onde mulheres são impedidas de ir à escola.

Mas, sob custos cada vez mais elevados – de vidas civis afegãs e de soldados da coalizão, além dos financeiros, é claro –, o objetivo inicial de simplesmente expulsar o Talibã do governo e seus aliados da al-Qaeda já deixou de existir. Há tempos, o que OTAN, EUA e UE pretendem é recriar o Afeganistão das cinzas. À maneira ocidental. E, por mais justo que isso seja, trata-se de uma maneira de apaziguar a consciência de líderes governamentais por invadir um outro país.

E todo este processo eleitoral é parte disso. É uma maneira de dar a contrapartida visível aos contribuintes americanos e europeus que financiam com vidas e dinheiro esta ofensiva. Ela é sim louvável, mas não necessariamente afegã, como bem mostra artigo publicado por Jeremy Shapiro, diretor do Centro de Pesquisas sobre EUA e Europa do Instituto Brookings.

“Os ocidentais afirmam com frequência que o processo de construção de um Estado no Afeganistão será comandado por lideranças locais de acordo com os valores afegãos. A história mostra, entretanto, que uma eleição não é parte desses valores. De toda forma, elas (as eleições) não são um elemento negociável de nosso esforço de criação de instituições”, escreve.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Chegou a hora de Mubarak ajudar

Um dia depois do presidente Barack Obama se encontrar com o aliado egípcio Hosni Mubarak, o jornal Haaretz publica a declaração de uma fonte do Cairo afirmando que o líder americano prometeu apresentar seu plano de paz para o Oriente Médio em setembro. É um envolvimento tardio de Washington no conflito árabe-israelense. Resta saber, entretanto, no que consiste este novo esforço diplomático na região.

Por ora, acho que uma das esperanças está justamente em Mubarak. Já com 81 anos de idade, existe um movimento que especula sobre a sucessão do presidente que governa o Egito há quase 30 anos através de eleições em que é reeleito seguidamente, tornando-o, sem dúvida, o melhor presidente do mundo.

Seja como for, se houver alguma coerência, a vaidade poderá se tornar uma grande aliada para os esforços de paz. Afinal, Mubarak pode vir a se debruçar sobre o assunto com mais empenho, uma vez que nada seria melhor do que deixar a vida e entrar para a História como um dos artífices do acordo definitivo que selará a paz no Oriente Médio.

Mas nada é tão simples como parece; mesmo pequenos passos em direção a uma aproximação entre Israel e os demais países árabes demandam conversações extensas e, muitas vezes, improdutivas.

Washington tem pressionado Estados árabes moderados a permitir sobrevoos de companhias aéreas israelenses sobre seus territórios, mas, até o momento, nenhum resultado prático foi obtido. Os EUA também têm requisitado a abertura de seções de interesse de Israel em embaixadas de outros países no mundo árabe, além do estabelecimento de parcerias culturais. Por ora, nenhum dos pedidos foi recebido com ânimos pelos países.

Acredito que este é o caminho mesmo. Não adianta iniciar os diálogos com objetivos audaciosos, como a assinatura de um acordo amplo e definitivo. É preciso começar com pretensões mais modestas, aumentando a confiança entre as partes e diminuindo a desconfiança mútua.

Talvez Mubarak pudesse ser mais participativo neste processo. Ao menos seria uma resposta à altura dos 1.3 bilhão de dólares que os EUA transferem para o governo egípcio anualmente desde 1979.

Do lado israelense, se ainda não houve um congelamento total dos assentamentos, ao menos foram canceladas as permissões para a construção de novas colônias na Cisjordânia. Pode ser um começo, quem sabe.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Obama entrega Talibã de bandeja para Putin. Mas sem querer, é claro

Além da pobreza, a Ásia Central é amplamente afetada pela violência étnica e fundamentalista. Com o combate que vem sendo travado no Afeganistão, existe agora a possibilidade de os conflitos se espalharem pelos demais países da região. Tudo porque o aumento das tropas americanas e da OTAN tem provocado de maneira involuntária a descentralização de táticas e ideologias talibãs.

As perspectivas são desanimadoras, como confirma reportagem publicada pelo New York Times.

“pode ocorrer um fortalecimento de movimentos islâmicos, especialmente no Vale de Fergana, que inclui partes de Quirguistão, Uzbequistão e Tadjiquistão – três ex-repúblicas soviéticas com grandes populações muçulmanas”, diz.

O número de habitantes dos três países somados ultrapassa a casa dos 35 milhões. É assustador imaginar o potencial que o Talibã pode passar a ter nesta região.

Lutar contra o grupo é como tentar se esquentar com um cobertor curto. Se a coalizão vencer no Afeganistão, os extremistas seguramente vão encontrar refúgio nas ex-repúblicas soviéticas, podendo causar um estrago ainda maior.

Do outro lado do Mar Cáspio, o governo russo teve uma demonstração do poder devastador do fundamentalismo suicida islâmico nesta segunda-feira. Na República da Inguchétia, uma caminhonete-bomba foi detonada contra a sede do Departamento do Interior, em Nazran, maior cidade da região.

O atentado terrorista deixou ao menos 20 mortos e cerca de 140 feridos, dentre eles quase dez crianças.

Quando os talibãs se infiltrarem nesta área, uma grande ironia estará a passos largos de se tornar realidade. Como crítico voraz da OTAN, o governo russo vai se deparar com os militantes derrotados pela aliança militar ocidental. O problema é que, por coerência ou falta dela, terá de enfrentar esta luta sozinha, uma vez que um dos pilares da política externa do país é se indispor aos mecanismos de defesa internacionais criados por EUA e União Europeia.

E isso tudo deve acontecer mais rápido do que se imagina. O Talibã será um presente de grego dado a Putin em nome de Obama.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Eleições ameaçam o poder do Talibã

Na próxima quinta-feira, 20, ocorrem eleições que vão determinar não apenas o novo presidente afegão, mas também os representantes das províncias. Num ano que presenciou votações muito importantes no Oriente Médio (Israel, Líbano, Irã e a conferência do Fatah), esta é a próxima capaz de alterar os pilares da região. Muito embora, – verdade seja dita – por mais emblemáticos que alguns eventos tenham sido neste ano, nenhum deles conseguiu mudar qualquer coisa de fato.

E no Afeganistão muito pouco deve mudar. Principalmente porque, desde já, o Talibã – grupo extremista e fundamentalista que ainda detém o poder em Helmand e Kandahar, duas das mais importantes províncias do país – já determinou a pena para aqueles que se atrevam a votar nas eleições patrocinadas pelos EUA: um dedo cortado – preferencialmente o usado para marcar os candidatos nas cédulas de votação.

Eu não me arriscaria a perder o dedo em nome da “defesa da democracia”, da “liberdade” ou de qualquer outro slogan que faz sentido por aqui, mas que não tem muito significado por lá. Apesar disso, 17 milhões de corajosos – de um total de 33 milhões de habitantes – estão registrados para votar.

Mesmo ainda longe de derrotar os talibãs, a simples realização do pleito é em si uma tremenda vitória para a coalizão. Alguns números mostram isso: há mais de 3 mil candidatos em busca de um das 420 vagas nas províncias; desse total, 300 mulheres lutam para se tornar representantes políticas. É, nas devidas proporções, uma tremenda revolução num lugar onde mulheres que ousam frequentar escolas chegam a ter o rosto queimado por ácido por militantes talibãs.

É curioso notar que o purismo do Talibã se resume a determinadas regras de conduta – como impedir mulheres de estudar, por exemplo. As tropas americanas, da coalizão e da OTAN lançaram uma ofensiva sobre os domínios do grupo extremista. A batalha tem sido travada sob fogo cerrado não porque o grupo pretende controlar territórios simplesmente por questões ideológicas. Os militantes temem perder o controle das áreas de produção de heroína, droga que financia a logística e a compra de armamento.

Como se poderia imaginar, coerência não é lá o forte dos talibãs. Em nome da defesa dos pontos de produção de um dos mais letais entorpecentes, podem ter certeza de que muitos atentados terroristas serão cometidos até as eleições do dia 20.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O otimismo exagerado sobre a conferência do Fatah

A sexta conferência do Fatah terminou nesta semana. Como o acordo entre EUA e Colômbia acabou por tomar boa parte da cobertura da imprensa – inclusive deste espaço –, o assunto não mereceu maiores análises. O tema é importantíssimo para a dinâmica do Oriente Médio, uma vez que o Fatah é não somente liderado pelo presidente palestino, Mahmoud Abbas, mas também se opõe ao Hamas e é visto por Israel e Estados Unidos como o único interlocutor para as negociações de paz.

Houve grande otimismo por conta da própria realização do encontro. Como fundador do Fatah, o falecido símbolo da identidade palestina e primeiro presidente da AP, Yasser Arafat, não permitiu este tipo de disputa eleitoral, principalmente, diga-se de passagem, a partir do momento em que a Autoridade Palestina foi criada, em 1994.

Este é um momento importante do conflito árabe-israelense, justamente pela divulgação de atitudes e posições políticas que simplesmente vêm sendo ignoradas pela imprensa brasileira: às vésperas de comemorar sua “vitória” militar em 2006, o Hezbolah tem declarado estar pronto para uma nova guerra contra Israel e afirma ter um arsenal de 40 mil mísseis para serem lançados contra o território israelense; o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirma que qualquer ação do Hezbolah será interpretada como uma declaração de guerra libanesa, uma vez que o grupo extremista paramilitar tem participação não apenas na sociedade, mas também no aparato de Estado do Líbano; e, por fim, uma tecla na qual venho batendo há duas semanas: a Jordânia tem retirado compulsoriamente a cidadania de palestinos. Até o momento, cerca de 40 mil palestinos com cidadania jordaniana tiveram este direito revogado.

E não houve qualquer pronunciamento oficial do alto escalão do governo americano – a parte mais interessada em retomar o processo de paz. Pelo menos, em teoria.

Sobre a conferência do Fatah, é bom que novas lideranças tenham sido eleitas. Mas, ao contrário de parte dos analistas internacionais que escreveram artigos entusiasmados sobre essa renovação, penso que ter diferentes nomes na política palestina não muda a situação de impasse do processo de paz. Até porque, por mais que uma das decisões do encontro tenha sido pela opção pacífica, há outras resoluções tomadas por este grupo que passa assumir o comando do Fatah. E elas não são lá tão positivas assim para as conversações.

Alguns pontos acordados nesta reunião para um acordo de paz: Israel deve deixar todos os territórios conquistados durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, inclusive a porção oriental de Jerusalém (ponto que pode até ser discutido pelo governo israelense, mas que promete muita polêmica interna); todos os assentamentos na Cisjordânia deverão ser desmantelados (por mais que a logística seja complicada, isso pode vir a acontecer durante a negociação de um acordo definitivo, até porque Israel já tomou esta atitude em Gaza); e, por último, segundo o Fatah, só haverá paz quando todos os refugiados palestinos puderem se estabelecer em Israel.

Este é o ponto mais controverso. A posição oficial israelense é que os palestinos que perderam, deixaram ou foram expulsos durante a Guerra de Independência de Israel, em 1948, devem retornar para o futuro Estado palestino. Até porque a inclusão de mais 800 mil palestinos dentro das fronteiras do Estado Judeu alteraria a chamada “balança demográfica” do país, tornando, em curto prazo, a população judaica minoritária em Israel e, por fim, acabando com o conceito de Estado Judeu sobre o qual o país foi criado.

Essa posição adotada pelo Fatah simplesmente inviabiliza qualquer acordo. Mas, quem sabe, esta não seja apenas uma forma de manter a moral do grupo para não ser acusado pelo próprio Hamas ou pelo Irã de ceder a Israel. O resultado prático da conferência só poderá ser avaliado quando as negociações forem retomadas. Por ora, parte do otimismo exposto em análises não passa de ingênuo – ou míope – otimismo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Será que os EUA não se importam com a América Latina?

Ainda sobre o tráfico de drogas no México, a situação por lá é bem mais complicada do que em outros países latino-americanos. Além de participação na política, da organização em gangues muito bem armadas, segundo a revista Forbes os traficantes mexicanos ainda estão roubando Petróleo. E não é pouco.

Somente no ano passado, a empresa estatal – e que detém o monopólio do setor – Petróleos Mexicanos (Pemex) estima ter sido roubada em cerca de 720 bilhões de dólares em produtos relacionados ao petróleo.

Como se vê, a criminalidade se estende para muito além da produção e distribuição de drogas. Seria como se, por aqui, nossas milícias decidissem roubar a Petrobrás.

O combate ao tráfico no México é mais um braço da política de Barack Obama para a América Latina – praticamente esquecida durante os oito anos de governo Bush.

Mas, ao contrário da posição conciliadora que vem adotando com o mundo muçulmano, por exemplo, o presidente da mudança não vem distribuindo tolerância ou mesmo estabelecendo parceria com os países ao sul dos EUA.

A maneira como foi conduzida a posição oficial de Washington acerca do golpe que derrubou o presidente de Honduras demonstra certa impaciência com os assuntos do continente.

O primeiro comunicado oficial da Casa Branca não chegou nem mesmo a criticar a deposição de Manuel Zelaya, como lembra o economista Mark Weisbrot.

Ora, se a política externa americana segue uma linha coerente de se colocar ao lado da democracia, como manter a neutralidade diante de um escandaloso ataque a um regime legitimamente eleito?

É preciso lembrar que a posição foi revista dias depois, mas pegou mal o modo como o assunto foi tratado. Até porque, como afirma Weisbrot, nenhuma outra medida cabível foi tomada.

“Obama disse que não poderia simplesmente ‘apertar um botão’ e restituir Zelaya. Mas ele sequer ‘usou os botões’ que tinha à disposição, por exemplo, o congelamento de bens que os autores do golpe têm nos EUA ou ao menos cancelar seus vistos de entrada em território americano”, escreve Weisbrot no New York Times.

Será que, apesar dos discursos, a América Latina continuará a ser ignorada pela política externa dos EUA? Talvez a atual crise na Colômbia sirva ao menos para lembrar Obama que os países ao sul do Rio Grande estão dispostos a conversar e, principalmente, negociar tráfego de pessoas e produtos.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Traficantes mexicanos preocupam mais os EUA do que os colombianos

Muito pior do que a situação de hoje do tráfico de drogas na Colômbia é o atual estágio envolvendo morte, ineficácia e enorme gasto de dinheiro público no México. A guerra contra o narcotráfico por lá preocupa muito mais Estados Unidos e Canadá do que a polêmica sobre as bases militares que serão cedidas pelo governo de Álvaro Uribe às forças armadas americanas.

Por questões geográficas, a relação entre México e EUA é muito mais intensa. Membro do Nafta (a área de livre comércio da América do Norte que conta com a participação de mexicanos, americanos e canadenses, mas tão longe de ser uma parceria ideal quanto o Mercosul), o México tem o privilégio – e os malefícios – de contar com o mercado consumidor americano para despejar a produção do país. O problema é que isso inclui também o comércio de drogas e armas.

Segundo o londrino Times, os cartéis mexicanos traficam anualmente 39 bilhões de dólares em drogas – cocaína, na maior parte – para os EUA. Os americanos são responsáveis pelo consumo de cerca de 80% das drogas produzidas no México.

Sem a menor dúvida, é o México o maior prejudicado por essas estatísticas. Como o consumo de drogas é proibido nos Estados Unidos e o viciado ainda é tratado como criminoso, não resta outra alternativa às autoridades mexicanas do que combater os traficantes à bala.

E o Estado mexicano vem perdendo esta guerra; em 2008, o número de mortos do lado latino-americano da fronteira chegou a 10 mil, entre juízes, autoridades, policiais e civis. Todos vítimas da violência de organizações criminosas envolvidas na produção e distribuição de drogas.

“Essas condições têm tornado os narcóticos o próximo maior problema da América do Norte. A cada ano, os americanos prendem milhares de pessoas, gastam bilhões de dólares e se recusam sequer a debater questões como legalização, regulamentação e taxação das drogas”, escreve a jornalista Diane Francis, do canadense National Post.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Norte-americanos não entram na pilha, e Lula mostra habilidade de novo

Ao mesmo tempo em que os países sul-americanos se reuniam em Quito para tratar das bases cedidas pela Colômbia aos EUA, em Guadalajara, no México, os líderes norte-americanos realizaram uma cúpula menos formal. Criado pelo presidente Bush, o encontro costuma ter poucos resultados práticos. Mas, por conta deste clima de rivalidade desde que o acordo entre Washington e Bogotá veio a público, existia a possibilidade de uma declaração conjunta sobre o assunto. Ela não veio, muito embora seja quase certo que a polêmica tenha sido abordada durante a reunião entre os presidentes de México, Canadá e Estados Unidos.

Entretanto, os três países emitiram um comunicado acerca de outro tema que interessa ao continente; Obama, Stephen Harper – primeiro-ministro canadense – e o presidente do México, Felipe Calderón, reafirmaram o apoio incondicional ao presidente hondurenho deposto e exilado, Manuel Zelaya.

Pode parece pouco, mas se os três países do norte assumissem qualquer outra posição em relação a Zelaya, existiria a possibilidade de um racha no eixo norte-sul das Américas.

Como a situação por conta das bases na Colômbia fez com que os presidentes sul-americanos subissem o tom e colocassem pela primeira vez os EUA no foco de uma possível crise desde a posse de Obama, a decisão de não polemizar a crise em Honduras foi acertada.

Principalmente, evitou uma exposição ainda maior da política externa americana para o continente. Por outro lado, deixou a Colômbia – cujo presidente, Álvaro Uribe, não foi a Quito – ainda mais isolada. É o governo colombiano que continua a ser o maior alvo de críticas dos líderes sul-americanos.

Para variar, Lula foi mais inteligente do que todo mundo. Evitou declarações estomacais e se sobressaiu em meio à repetição de slogans ideológicos. Simplesmente, o presidente brasileiro sugeriu que a discussão seja tratada de forma mais séria, incluindo o presidente americano nas conversas. E adivinhem quem vai ser o interlocutor de Obama?

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Brasil pode capitalizar a partir de polêmica sobre bases americanas na Colômbia

Mais uma vez, a maré das relações internacionais acaba de ascender novamente o Brasil ao posto de porta-voz da razoabilidade na América do Sul. Em meio a discursos apaixonados, ameaças de guerra e grande polêmica por conta das bases americanas na Colômbia, caberá a Lula exercer – sempre com grande satisfação, é claro – o papel de apaziguador oficial do continente.

De fato, o barulho em torno da decisão colombiana de ceder bases para uso militar norte-americano me parece um tanto exagerado. Muito embora seja justo o olhar atento dos demais países por conta da interferência dos EUA no combate ao narcotráfico.

A posição oficial brasileira, exposta hoje diretamente ao presidente colombiano, é deixar claro que os países do continente devem tratar de seus assuntos de segurança sem necessidade de intervenção externa.

E a verdade é que, além de suas próprias forças armadas, os Estados sul-americanos criaram a Unasul, órgão que existe justamente para tratar de questões militares e de segurança.

Por outro lado, a cessão das bases colombianas aos EUA é uma questão interna e decidida bilateralmente entre Washington e Bogotá. A discussão é grande não apenas por conta da decisão de Álvaro Uribe, mas porque resgata a memória coletiva dos vizinhos, inclusive do Brasil.

Historicamente, não faz muito tempo que os Estados Unidos tratavam os países do continente como irmãos mais novos e um tanto incapacitados para decidir sobre o próprio futuro. Foi assim durante os diversos casos de apoio expresso ou furtivo a golpes militares que derrubaram governos de tendência popular legitimamente eleitos. E este é o trauma absolutamente justificado que volta a se manifestar e novamente num momento em que líderes populares dão as cartas em boa parte dos países da região.

Soma-se a isso a péssima relação entre EUA e Venezuela e as farpas trocadas entre Chávez e Uribe – aliás, em boa parte por conta da proximidade entre Colômbia e Estados Unidos.

Em entrevista ao Terra Magazine, o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas lembra que a Colômbia tem um grande ônus diplomático por contar com apoio financeiro e logístico americano. O país deixa de ser visto como representante dos demais Estados sul-americanos. E, aí sim, o Brasil pode ocupar esta lacuna:

O Brasil tem um ganho indireto. Ele passa a ser de fato um mediador entre a Colômbia, que pertence a um grupo conservador, ligado aos EUA, e o grupo de esquerda, com Venezuela, Bolívia...”

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Parabéns, Putin!

No próximo final de semana, o atual primeiro-ministro, ex-presidente e futuro presidente Vladimir Putin completa dez anos ocupando postos de comando do governo russo. Entre muitas polêmicas e acusações de estar por trás do assassinato de dissidentes, ele é a personificação da liderança linha-dura que se perpetua no poder apesar de muitas e importantes vozes de oposição interna e, principalmente, externas.

Para comemorar a data, nada melhor do que uma nova polêmica. Segundo informação do New York Times, dois submarinos nucleares do país têm patrulhado a costa leste americana nos últimos dias. Como é típico da administração Putin, seu apadrinhado político e atual presidente, Dmitri Medvedev, ligou para o presidente dos Estados Unidos... Para desejar feliz aniversário a Obama. Ele preferiu nem tocar no assunto.

O que causa grande curiosidade é entender como Putin se mantém a frente da estrutura de poder. A revista Stratfor, especializada em análises internacionais, publicou um excelente artigo em que especula sobre o assunto.

Ao contrário de seus antecessores, Putin não tem como origem simplesmente a burocracia ou a política; é um (ex-)agente da KGB, órgão que conseguiu manter o enorme território soviético relativamente estável. E este foi o pulo-do-gato de Putin: ele escolheu (ex-)membros do aparato de segurança da URSS para ocupar os principais postos da alta cúpula do Kremlin.

Mas o atual regime de Moscou é movido por grande paranoia. Segundo as diretrizes, há inúmeros inimigos internos e externos. Além de Ucrânia e Geórgia, ex-repúblicas da URSS e que desafiaram o Kremlin ao se aproximar do ocidente, os demais desafetos são os próprios países ocidentais, o mundo islâmico e a China.

“A Rússia se enxerga também como um país ameaçado internamente: três em cada quatro cidadãos são considerados etnicamente russos, e esses são bem mais velhos que o resto da população. A taxa de natalidade dos ‘não-russos’ é praticamente duas vezes superior”, escreve o analista Peter Zeihan.

É curioso o comunicado divulgado nesta semana por autoridades políticas europeias acerca da beligerância de Moscou em relação à Geórgia. Trata-se de uma análise firme e realista sobre a atual política externa de Putin e Medvedev:

“A Rússia está de volta como um potência revisionista em busca de uma agenda do século 19, mas aplicando métodos e táticas do século 21. Ela nos impede de seguir as nossas próprias experiências históricas. Usa de meios conhecidos e secretos, como boicotes energéticos, subornos e manipulação da mídia de forma a desafiar (os países da) Europa Central e Oriental”. Um resumo dos valores da Administração Putin.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O que será de Hillary Clinton e da Coreia do Norte?

Ao mesmo tempo em que se tornou um sucesso, a operação liderada por Bill Clinton que levou de volta aos Estados Unidos duas jornalistas americanas presas por cruzarem a fronteira norte-coreana levantou algumas hipóteses: até que ponto Hillary Clinton é subestimada e substituída em assuntos importantes da política externa dos EUA? Será que este pode ser um começo de uma aproximação entre Washington e Pyongyang?

No caso dos Clinton, existe de tudo um pouco. Obama e Hillary são divergentes em muitos aspectos, que incluem o diálogo com o Irã, o processo de paz no Oriente Médio e por aí afora.

Bill é um ex-presidente vaidoso. Enviá-lo numa missão importante serve a dois propósitos: ele possui legitimidade internacional capaz de abrir portas – como de fato ocorreu – e mina um pouco da resistência a Obama representada pelo casal, evidente durante as primárias dos Democratas no ano passado.

Como recorda John Delury em artigo publicado na Far Eastern Economic Review, Bill Clinton nem sempre foi recebido com flores na Coreia do Norte. Nos primeiros anos de seu mandato, por pouco os dois países não iniciaram um conflito militar. Mas, com o auxílio do ex-presidente Jimmy Carter, um acordo foi firmado entre as partes em 1994.

São as ironias da política. Sobre uma aproximação com os norte-coreanos, a missão de Bill pode ser o início de uma nova relação. É bom ficar atento, entretanto, porque o líder Kim Jong-il costuma fazer uso deste expediente: ora acena com a possibilidade de um acordo – como aconteceu no ano passado –, ora se afasta e resolve lançar mísseis sobre o Mar do Japão.

Mas, como Pyongyang está precisando de dinheiro, é bem capaz de o dirigente do país decidir se reunir com as potências que tentam ano após ano pagar em troca da interrupção do programa nuclear norte-coreano.

O post de amanhã será dedicado a um dos protagonistas desta novela: a Rússia. Na próxima semana, Putin completa dez anos de poder, envenenando presidentes, sumindo com dissidentes e matando jornalistas.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O atoleiro dinamarquês

Anders Fogh Rasmussen, ex-primeiro-ministro da Dinamarca, assumiu o cargo de secretário-geral da OTAN nesta segunda-feira. Os dilemas da organização – cuja existência fica cada vez mais atrelada à guerra do Afeganistão – são complexos demais para serem resolvidos rapidamente. O dinamarquês sabe disso. E mirou em dois dos grandes – e talvez únicos – objetivos a serem alcançados: simplesmente derrotar o Talibã e dialogar com a Rússia.

O novo dirigente foi ele mesmo eleito sob polêmica. A Turquia era contrária à escolha por conta da grave crise que envolveu dinamarqueses e muçulmanos, em 2005, quando as charges satirizando o profeta Maomé foram publicadas por um jornal da Dinamarca.

A “bagagem” não é das melhores para alguém que tem como uma de suas principais atribuições profissionais justamente gerenciar os conflitos entre tropas ocidentais e guerrilheiros radicais islâmicos.

Some-se a isso o fato de a OTAN não conseguir derrotar a resistência. Os extremistas talibãs estão ativos em pelo menos metade do país. Para piorar, em três semanas ocorrem eleições no Afeganistão sob suspeita de fraude antes mesmo de as urnas serem colocadas nos locais de votação.

A situação de impasse não é nada animadora, como mostra análise do New York Times.

“Se (os moradores da região sul, sob amplo controle do Talibã) não puderem votar por questões de segurança, os Pashtuns – maior grupo étnico e bastante próximo ao próprio Talibã – podem se afastar ainda mais do governo central e das forças estrangeiras que o apoiam. No norte do país, existe a possibilidade de ondas de protesto parecidas às ocorridas no Irã, já que os moradores desta região lutam por mudanças e podem julgar que seus votos foram manipulados”.

É este o cenário que Rasmussen deve enfrentar antes mesmo de completar um mês de mandato.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Rússia e EUA partem em busca de aliados no Oriente Médio

Estados Unidos e Rússia estão se degladiando no cenário internacional. Com diferentes objetivos e estratégias, os países têm cortejado aliados em embates indiretos e - é bem provável - desconexos. Acho que vale citar dois sinais recentes e interessantes sobre novos atores e regras do jogo.

Washington vem tentando uma reaproximação com Damasco. Não é segredo pra ninguém como Obama prefere a tática do engajamento à do conflito. Neste caso, a intenção é desarmar não apenas os ânimos, mas também buscar que a Síria exerça por constrangimento um papel ativo no apaziguamento do Oriente Médio.

Para usufruir de maior legitimidade, o presidente americano tem preferido condenar Israel publica e seguidamente por conta da expansão dos assentamentos judeus na Cisjordânia.

Na última semana, o enviado do Departamento de Estado George Mitchell se reuniu com o presidente Bashar Assad em busca de cooperação militar e relaxamento de tensões e sanções impostas pelos EUA principalmente após o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005.

É bastante claro que a aproximação com a Síria é alvo de polêmica. Para ilustrar, abaixo um trecho do editorial publicado neste domingo pelo Wall Street Journal – veículo que segue linha editorial de oposição à atual política externa da Casa Branca.

“Manter laços estreitos com os xiitas Irã e Hezbolah é um elemento-chave para a sobrevivência política de Assad. Ao contrário do Egito de Anwar Sadat dos anos 1970, o presidente sírio não dá qualquer sinal de que pretende dialogar com Israel e ainda abriga o líder do Hamas em Damasco. Devemos perguntar o que a Administração Obama pode oferecer à Síria que seja capaz de alterar essas premissas”.

Já Moscou se aproxima ainda mais de Teerã. Não é de hoje que os países mantêm diálogos bastante próximos. A Rússia inclusive é fornecedora de material, tecnologia e conhecimento científico que auxilia os iranianos na construção de usinas nucleares.

Na semana passada, ficou bem claro que novos passos estão a caminho para aprofundar a relação. De acordo com a agência de notícias iraniana Mehr News, Rússia e Irã vão conduzir manobras navais conjuntas no Mar Cáspio. O exercício militar será o primeiro entre os dois países e vai envolver navios e helicópteros.

Os objetivos oficiais são aumentar a coordenação, realizar operações de busca e resgate e prevenir a contaminação do mar. É estranho mesmo, mas a manobra tem objetivos simbólicos, como confundir ainda mais a comunidade internacional. Afinal de contas, cada vez fica menos claro por qual lado da balança de poder a Rússia decidiu optar.

Resta saber onde Moscou e Washington vão se enfrentar. No Conselho de Segurança da ONU – em que ambos possuem poder de veto – ou exercendo pressão para evitar – ou incentivar – um conflito de possibilidades catastróficas no Oriente Médio?