segunda-feira, 30 de junho de 2014

Adolescentes israelenses são encontrados mortos na Cisjordânia

O assassinato de três adolescentes israelenses sequestrados há 18 dias na Cisjordânia coloca o conflito israelense-palestino à beira do abismo. A partir de hoje, os dias serão ainda mais tensos na região. 

A população israelense cobra de seu governo uma resposta. De sua parte, o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não irá recuar. Certamente, mobilizará todas as forças para encontrar respostas ao mistério que cerca o caso. Por mais que nenhum grupo tenha assumido a responsabilidade pelas mortes, é provável que o Hamas tenha participação. O posicionamento irônico da liderança do grupo de que não era o autor mas gostaria de parabenizar os articuladores do sequestro é apenas uma maneira de se posicionar. Para bom entendedor, isso já seria suficiente. No entanto, há outro aspecto que coloca o Hamas no foco. 

A recente aliança entre Hamas e a Autoridade Palestina acabou por se tornar um problema para o presidente palestino, Mahmoud Abbas. A fragilidade da liderança da AP e o fracasso no avanço das negociações de paz fortaleceram a posição do Hamas, que já controlava Gaza. Desde o momento em que se tornou parte do governo, o Hamas precisava criar eventos capazes de esticar a corda das conversações de paz – com as quais não concorda – e impor sua agenda de violência que nega o diálogo de todas as maneiras. A cúpula do grupo terrorista sabia que sequestrar e assassinar crianças israelenses era o tipo de situação inaceitável à população de qualquer país. Em Israel não é diferente. A pressão da sociedade por uma resposta igualmente forte é previsível. 

A ação do Hamas terá efeito imediato. O assassinato dos adolescentes deve marcar também o momento mais fragilizado do processo de paz. E junto a tudo isso pode arrastar também o presidente Abbas e qualquer posicionamento mais moderado presente na Autoridade Palestina. Para o Hamas, quanto pior, melhor. 

terça-feira, 24 de junho de 2014

No Iraque, EUA e Irã estão do mesmo lado

Escrevi no ultimo post sobre as grandes ameaças em curso no Iraque. O texto de hoje trata da configuração curiosa que a situação pode adquirir. 

Como os EUA ainda não deixaram claro como pretendem responder ao projeto de tomada do território iraquiano pela ISIS (Islamic State of Iraq and the Levant), resta especular. O principal interesse americano é evitar a tomada do país pelos terroristas sunitas. Na medida em que a geopolítica regional é determinada pelas divisões sectárias, caberá a Washington e a todos os demais atores interessados se posicionar. Ou estão com os sunitas ou com os xiitas. Os curdos têm autonomia em parte do Iraque e, da mesma maneira, querem impedir as ambições da ISIS. 

Assim, curiosamente, em relação ao Iraque, americanos e iranianos estão do mesmo lado. Pelo menos do ponto de vista estritamente pragmático. O Irã é o maior país xiita do mundo e teme o projeto de expansão sunita empreendido pela ISIS. E, claro, os EUA não querem que seu desgastante processo de estabilização do Iraque seja afundado 11 anos depois (e depois de 4.400 americanos mortos e 56 bilhões de dólares investidos na reconstrução do país). 

Ninguém sabe ainda como esta inusitada aliança entre Irã e EUA deve se concretizar. Mas, quando se fala de impedir a tomada sunita do Iraque (que, certamente, caso ocorra, não irá se restringir ao país), desentendimentos históricos, rivalidades políticas e profundas divergências ideológicas serão superados. 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Instabilidade no Iraque reforça divisão entre sunitas e xiitas

Ainda não existe máquina do tempo. Se existisse, o presidente Obama já teria feito várias viagens ao passado. Possivelmente, ele estaria mais ansioso para voltar ao final dos anos 1990, ser candidato à presidência americana e, claro, vencer. Assim, poderia não tomar a decisão de invadir o Iraque, em 2003. Onze anos depois, o levante sunita contra o governo xiita do presidente pós-intervenção, Nouri al-Maliki, coloca em xeque a própria existência do Iraque como também a frágil estabilidade do Oriente Médio.

Antes que me corrijam sobre a completa ausência de estabilidade regional, já adianto que me refiro somente aos Estados nacionais. Bem ou mal, Síria, Iraque, Irã, Israel, Egito etc existem já há tempo suficiente para se consolidarem como protagonistas do jogo político. Agora, não por acaso, Síria e Iraque estão sob ameaça. E, como já escrevi tantas vezes por aqui, a principal força de instabilidade é a disputa sectária entre sunitas e xiitas (ao final deste texto, uma pequena explicação sobre a diferença entre os dois grupos). Esta disputa rachou o Oriente Médio em dois, estabelecendo eixos estratégicos e supranacionais. Por exemplo, o chamado eixo sunita é formado por países considerados “moderados” (as aspas nunca foram tão apropriadas), como Jordânia, Egito e Arábia Saudita. Na prática, a liderança constituída do eixo sunita encontra mais afinidade com Washington, o que transformou a situação numa batalha geopolítica, aprofundando ainda mais o sectarismo nesses países. 

Por oposição, os xiitas formaram suas próprias alianças. Assim, o arco entre Síria (cuja maioria da população é sunita, mas Bashar al-Assad é alauíta e, por isso, mais identificado com os xiitas), Irã e Hezbollah (a milícia xiita do sul do Líbano) se fortaleceu, tendo na divergência estratégica com os EUA uma de suas principais afinidades. Para esperança deste eixo, curiosamente os EUA prestaram um enorme favor ao derrubar Saddam Hussein, ditador sunita que controlou o Iraque entre 1979 e 2003. Foram os EUA que ajudaram a quebrar a dominação institucional sunita, que reprimia a população xiita. O problema é que Maliki, o atual presidente iraquiano, fez exatamente o oposto. No lugar da ditadura sunita de Saddam Hussein, um regime fraco que privilegiou os xiitas. 

Diante da instabilidade na Síria, onde os sunitas também lutam contra o governo de Bashar al-Assad, a invasão ao Iraque é mais uma oportunidade de ampliar o sonho radical terrorista de formar um califado islâmico. A instabilidade institucional é sempre o ponto fraco preferido para desmontar de vez os Estados nacionais constituídos. Foi assim na Somália, por exemplo. 

A diferença entre xiitas e sunitas

De maneira muito básica, a divisão dos muçulmanos entre xiitas e sunitas passou a acontecer a partir da morte do profeta Maomé, em 632 da Era Comum. O menor grupo de fiéis à fé islâmica depositou a confiança de sucessão em Ali Ibn Abi Talib, genro do Profeta. Seus seguidores passaram a ser chamados de Shiat Ali (“partido de Ali”). São os xiitas. A maior parte dos muçulmanos considerava que qualquer um poderia ser candidato ao posto, desde que todos os demais concordassem. Este grupo passou a ser reconhecido como Ahl al Sunna (“o povo da tradição), dando origem ao termo sunita. 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Ao xingar a presidente, a torcida sueca, digo, brasileira ataca a própria democracia

A jornalista Beatriz Borges, do espanhol El País, teve a brilhante inspiração de chamar os acontecimentos desta quinta-feira, na abertura da Copa, de Maracanazo político. O termo é referência à maior tragédia esportiva brasileira: a derrota na final de 1950, no Maracanã, para o Uruguai.

Os xingamentos à presidente Dilma ainda reverberam. Isso porque, desde o ano passado, o país vive o processo de convulsão social iniciado nas manifestações de junho. Hoje, a natureza do movimento mudou. O Brasil ainda esboça conclusões sobre os acontecimentos e está dividido. Às vésperas das eleições presidenciais, a sociedade começa a se preparar para uma campanha que promete ser dura e, claro, suja. 

No Itaquerão, assistimos ao espetáculo patético de uma parcela da população que não representa a maioria dos brasileiros. A livre manifestação é uma conquista da democracia. O xingamento à presidente é um atentado ao cargo. Por consequência, um ataque à própria democracia. E digo isso com a certeza de fazer justiça, uma vez que esta também foi minha posição no final dos anos 1990 durante o movimento “Fora FHC”. 

Mas acho que ninguém é inocente o bastante para ignorar que tipo de público ocupava a maioria dos assentos do estádio. A arquibancada branca ostentando óculos de marca e camisas oficiais não é um retrato do Brasil, mas de uma parcela da elite que não se cansa de criticar a falta de educação do povo brasileiro, mas não pensa duas vezes antes de mandar a presidente tomar no.

Para sorte deste pessoal, é pouco provável que Dilma inicie uma campanha de invasão a domicílios e empresas surrupiando computadores daqueles que a ofendem. Ao contrário deste aqui.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Vai começar a Copa

Chegou a Copa do Mundo, camaradas. Finalmente. Depois de todos os tropeços, dúvidas, manifestações, escândalos e denúncias é hora de a bola rolar. Mesmo as seleções mais desconfiadas são obrigadas a aterrissar no país-sede pelo menos quatro dias antes de seu jogo de estreia. Portanto, meus amigos, não há jeito. Bem-vindos ao Brasil. 

Como não poderia deixar de ser, a imprensa internacional já está fazendo a festa. Há poucos eventos capazes de chamar tanto a atenção dos veículos de fora do que uma manifestação de indígenas atirando flechas na polícia de Brasília. Não dá para culpá-los por divulgar. 

Sou apaixonado por futebol desde minhas mais remotas memórias. Mas ainda não consigo deixar de pensar em todos os eventos que cercaram a realização desta Copa. Onde está o legado prometido? Onde estão as obras de mobilidade urbana que amenizariam o caos das cidades brasileiras? Onde estão os serviços públicos dignos? A Copa do Mundo é uma competição esportiva, está certo. Mas a justificativa para os investimentos na construção desses elefantes brancos em Manaus, Cuiabá, Brasília e até São Paulo (sim, São Paulo já tinha o Morumbi. Não existia nenhuma necessidade de se construir o Itaquerão) era que o evento traria benefícios reais no dia a dia dos cidadãos. Pouco aconteceu, esta é a verdade. O caso do estádio Mané Garrincha, em Brasília, é digno de nota. De acordo com o UOL, o custo da obra é calculado em R$ 1,6 bilhão (isso mesmo, quase R$ 2 bilhões para construir um estádio. Em Brasília) pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal. Serão necessários 1.167 anos para que os cofres públicos recuperem o investimento. 

Muita gente já se encarregou de denunciar e não quero ser mais um a repetir as mesmas questões. E, bom dizer, consigo separar os assuntos. Se como cidadão estou decepcionado, como amante do futebol pretendo aproveitar e curtir todos os 64 jogos. 

Deixo os leitores com este link. No programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido na última segunda-feira, o jornalista Juca Kfouri mostra em menos de duas horas por que é um dos cidadãos mais lúcidos do país. Para quem gosta de futebol, é imperdível. Particularmente, devo dizer que Juca conseguiu me representar integralmente. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Divisões entre ocidentais e russos marcam as comemorações do Dia D

A Europa contemporânea comemora os 70 anos do dia “D”, lembrando a data em que 160 mil soldados aliados lançaram a decisiva ofensiva para derrotar o nazismo. 

Na costa da Normandia, na França, líderes de 18 países e milhares de veteranos de guerra estiveram presentes à cerimônia oficial na praia de Omaha. Se é possível fazer um contraponto 70 anos depois, dá para dizer que a Europa hoje atravessa período de reconstrução fundamental. É pouco provável uma guerra total europeia, mas a divisão política está evidente. O dia “D” de 2014 não marcou o início de um conflito em grande escala, mas acontece sob forte tensão política. Para constrangimento geral, estiveram presentes os atores que polarizam o impasse desses dias: o presidente russo, Vladimir Putin, o presidente americano, Barack Obama, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o recém-eleito presidente ucraniano, Petro Poroshenko. 

Há informações confirmadas de que Putin e Obama conversaram pessoalmente pela primeira vez desde a crise da Ucrânia e dos acontecimentos que distanciaram EUA e Rússia. Se o evento vai marcar a aproximação entre os dois, ninguém pode dizer. Mas o dia “D” é simbólico também neste aspecto, principalmente porque foram americanos e russos os grandes responsáveis por derrotar o nazismo. Setenta anos depois, os EUA continuam a ser a principal potência mundial, posição consolidada a partir da vitória da Segunda Guerra Mundial. Já a Rússia amarga o isolamento porque, basicamente, Putin não admite o redimensionamento do poder global de Moscou após o fim da URSS. Sem juízo de valor sobre isso, por favor. 

Se existe algo realmente em jogo neste dia “D” é o teste da capacidade de negociação entre ocidentais (liderados pelo EUA à frente do bloco europeu) e o Kremlin. A Ucrânia entrou de gaiato para promover esta grande negociação e está pagando caro por isso. 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Mesmo sem causar interesse, a chance de independência da Escócia oferece uma oportunidade de análise do cenário europeu

Dessa vez, passo rapidamente por mais um assunto que tem sido ignorado por aqui. No dia 18 de setembro, a Escócia pode decidir oficialmente se separar do Reino Unido. A imprensa daqui tem todos os motivos do mundo para não dar a menor importância a isso, mas quero abordar o tema de uma maneira mais ampla. 

A Escócia é parte do Reino Unido desde 1707. A ideia de independência não é nova, mas dessa vez é chegada a hora da decisão. Este movimento passa a ter alguma importância porque reflete o momento de reconstrução das identidades e da geopolítica europeias já com meia década transcorrida da crise. Os Estados nacionais estão enfraquecidos e questionados porque não conseguiram apresentar soluções satisfatórias às pessoas comuns. O nacionalismo tende a ser visto com mais boa vontade em tempos assim. Foi o que mostraram também os resultados das eleições recentes ao Parlamento Europeu sobre as quais escrevi bastante por aqui no blog.

O caso escocês é interessante porque coloca o Reino Unido como um todo diante de um dilema. Caso de fato a Escócia decida se tornar independente, a Grã-Bretanha perde de cara 5,3 milhões de pessoas – numa época em que volume populacional é fator importante de impulso econômico, este é um dado relevante. Principalmente quando os britânicos ocupam posição de destaque no ranking das dez maiores potências da economia mundial e se  veem ameaçados pela força dos países emergentes e suas grandes populações. 

Curiosamente, o movimento nacionalista escocês quer deixar para trás o Reino Unido, mas não a União Europeia. E, em função disso, a própria UE e, claro, o governo central britânico em Londres já deixaram claro que a Escócia deveria repensar a independência. Caso decida seguir adiante, argumentam, terá de esperar na fila de adesão – atrás de Sérvia, Montenegro e Macedônia. A abordagem da UE é similar diante das pretensões de independência da Catalunha. Em Bruxelas, sede política do bloco europeu, as reivindicações catalã e escocesa são tratadas de maneira  interligada. Corretamente, a análise é que a independência de um reforça a do outro. Para azar de nacionalistas catalães e escoceses, a adesão de novos países deve ser aprovada de forma unânime pelos Estados-membros.

Na minha opinião, mesmo em tempos de vacas magras, a valorização da UE tem duas explicações razoáveis: a primeira é a busca por legitimidade internacional, naturalmente. A segunda tem a ver com a visão de que esses pequenos países possivelmente terão economia fraca e precisarão importar boa parte do que forem consumir. Diante disso, o isolamento não é uma possibilidade. Bem ou mal, apesar dos resultados ainda modestos nesses seis anos de crise, a  esperança é que, cedo ou tarde, a zona do euro se recupere. 

terça-feira, 3 de junho de 2014

O Haiti não é aqui

Aconteceu o que eu imaginava. Sobre os dez anos de presença militar brasileira no Haiti, um silêncio quase absoluto. Nenhuma repercussão relevante. 

Isso aponta alguns aspectos interessantes: ou o Brasil não se interessa por política internacional – o que pode ser o caso mesmo. Ou o Brasil não se importa com a forma como atua em sua busca por relevância externa. O país está muito preocupado com a política doméstica, uma característica importante a marcar a identidade nacional (o país se enxerga como continente de muitas maneiras. Uma delas, é olhar excessivamente para dentro, sem interação relevante com vizinhos, num tipo de relação bastante distinta a dos demais países latino-americanos, em virtude principalmente da unidade linguística que os torna mais próximos uns dos outros). E, naturalmente, os brasileiros não conhecem a missão brasileira no Haiti. E, mesmo que conheçam, não dão importância a ela. 

A efeméride de dez anos dos soldados brasileiros no Haiti também não usufruiu de relevância alguma em razão do contexto. Em tempos de Copa do Mundo, a pátria está armada de chuteiras. Os soldados que inflamam a identidade nacional estão dentro de campo no Brasil e prestando serviço às empresas privadas CBF e Fifa. Os soldados armados e o papel geopolítico das forças oficiais não interessam por ora. O Estado brasileiro neste momento exato tem sua importância reduzida diante dos desafios de conquistar a Copa do Mundo no Brasil. São questões que parecem óbvias, mas sobre as quais pouca gente se dá ao trabalho de pensar. Quando esses assuntos são confrontados, podemos enxergar de maneira mais aprofundada como esses contrastes contribuem para expor a identidade do país e quais são seus maiores interesses. 

Para finalizar, outro ponto curioso e mais complicado: como escrevi no texto de sexta-feira, a atuação das forças armadas brasileiras no Haiti é alvo de críticas pela população local. Aos brasileiros, estar na posição de subjugador, mesmo que indiretamente, é muito desconfortável. Como assumir um papel que poderia nos tirar da festejada condição de país sem inimigos externos? É difícil mesmo. Mas, claro, este seria um passo além. Um passo que requer, ao menos, um pouco de reflexão sobre a atuação brasileira do Haiti. E aos brasileiros isso está fora de cogitação neste momento.