quarta-feira, 31 de março de 2010

Quarta-feira decisiva na disputa sobre programa nuclear iraniano

Quarta-feira movimentada na disputa entre Irã e o Ocidente. Pelo menos três grandes acontecimentos marcam o dia de hoje como um dos mais importantes da história recente do mais importante jogo internacional do momento. Até o Brasil acabou por entrar nessa. Depois do encontro entre Obama e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, em Washington, o New York Times levantou a bola de que Celso Amorim teria sido abordado pela secretária de Estado, Hillary Clinton, sobre os investimentos da Petrobras no Irã. Segundo o jornal, a empresa brasileira teria investido cem milhões de dólares em prospecção de petróleo para o Irã no Golfo Pérsico.
Mas este é um fato periférico, na medida em que a Petrobras entra no bolo de companhias que, apesar de terem recebido empréstimos do governo americano, ainda insistiriam em manter parcerias com o Irã. Como o cerco ao programa nuclear de Ahmadinejad e Khamenei está se fechando, a Casa Branca trata de divulgar os resultados do mapeamento que tem feito para descobrir todas as brechas comerciais de Teerã.

Para contra-atacar, a República Islâmica decidiu enviar hoje o negociador chefe dos interesses atômicos do país para a China. Saeed Jalili tem por objetivo convencer os chineses – principais parceiros econômicos dos iranianos – a desistirem de aprovar a nova rodada de sanções que tem sido costurada pelos EUA. O gesto pode ser interpretado como uma resposta ao pedido formal por parte dos oito ministros das Relações Exteriores dos membros do G8 de pressionar o programa nuclear do Irã. Para lembrar, os membros do G8 são: EUA, Canadá, Reino Unido, Rússia, Itália, França, Reino Unido e Alemanha. Não duvidaria que, por interesses econômicos e estratégicos, a China decidisse rever sua posição de aprovar as sanções propostas pelos americanos.

Como é preciso respaldar com dados a posição contrária a Teerã, a Direção Nacional de Inteligência (DNI) – órgão americano que representa as 16 agências de inteligência do país – encaminhou relatório ao Congresso em que reafirma as intenções iranianas de desenvolver armas nucleares, apesar das recorrentes falhas em suas centrífugas. O documento joga mais lenha na fogueira dos conflitos no Oriente Médio ao relatar o crescimento do tráfico de armamento iraniano para o Hezbolah através da Síria.

Esta última informação pode provocar ainda mais complicações para Obama, já que serve como sustentação ao argumento israelense de que não restaria alternativa senão atacar o Irã. Se isso acontecesse, dois objetivos poderiam ser alcançados: frear as ambições nucleares do país, além de interromper ao menos temporariamente o fluxo de equipamentos militares para o Hezbolah.

Para completar, o cientista nuclear iraniano Shahram Amiri desertou para os EUA. Envolvido no programa atômico de Ahmadinejad, ele estava desaparecido desde junho passado. Agora, segundo a ABC News, ajuda os americanos com informações sobre o desenvolvimento nuclear de seu país. Sem a menor dúvida, diante de tantas frentes que foram abertas hoje, uma enxurrada de novos acontecimentos está por vir.

terça-feira, 30 de março de 2010

As ambições políticas por trás dos atentados na Rússia

Uma informação muito importante acabou ficando de fora de boa parte da cobertura sobre os atentados de ontem em Moscou: em novembro de 2007, o líder rebelde checheno, Doku Umarov, proclamou o Emirado Islâmico do Cáucaso. Para bom entendedor, uma clara declaração jihadista convocando as repúblicas islâmicas da região. Uma espécie de microcosmos do embate global entre o fundamentalismo e o Ocidente.

Os resultados começam a aparecer. Some-se a isso também a gestão nada competente de Vladimir Putin e está formado o cenário ideal para a reprodução do extremismo. Em meados desta década, o então presidente russo – atual primeiro-ministro e virtual mandatário do Kremlin – declarou ter pacificado a Chechênia. A seu modo muito particular, é claro, afinal pobreza, desemprego e corrupção estatal continuam a fazer parte do cotidiano da região.

Ou seja, cedo ou tarde a realidade não tardaria a bater à porta de Moscou. Como lembrou uma jornalista russa, foram seis anos de relativa calmaria para os moradores da capital russa, uma ilusão de que os conflitos contra os separatistas muçulmanos haviam sido resolvidos.

É interessante relembrar rapidamente alguns pontos importantes desta região. Guerrilheiros chechenos invadiram o vizinho Daguestão em 1999 com o objetivo de criar uma república islâmica independente. Na época, o então primeiro-ministro Vladimir Putin não mediu esforços – e força – para retaliar. O conflito durou até 2005, e a Rússia recebeu amplo apoio ocidental, já que a disputa acabou por se enquadrar na chamada "Guerra ao Terror" empreendida após os ataques terroristas de 11 de Setembro.

O líder rebelde Shamil Basaev recebeu, por seu lado, franco apoio da al-Qaeda. Seu objetivo pessoal naqueles tempos, tal como o de Umarov hoje, era criar um emirado no norte do Cáucaso que posteriormente se tornaria parte de um califado global. O problema – para o Ocidente, claro – é que ele ficaria localizado justamente na divisa entre a Rússia e a Europa. Além de interromper o fluxo de petróleo entre o Mar Cáspio e o lucrativo mercado consumidor europeu.

Os fundamentalistas não são nada bobos. O potencial econômico, político e estratégico da região é enorme. Por isso mesmo, Ayman al Zawahiri, o número dois da al-Qaeda, declarou publicamente que o Cáucaso é uma das três principais frentes de batalha da organização terrorista.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Atentados em Moscou: depois da tragédia, oportunidade para Putin

Ainda há uma enorme sensação de confusão em torno dos atentados cometidos hoje no metrô de Moscou. O terrorismo nunca deixou a região, e os trilhos da capital russa já testemunharam outros quatro ataques - o mais recente em novembro do ano passado. Os indícios apontam as maiores suspeitas de autoria para os rebeldes chechenos, mas há algo de curioso nos acontecimentos desta segunda: terroristas não costumam se esconder por trás dos atos que cometem, muito pelo contrário.

Grupos que usam métodos terroristas têm orgulho de concretizar suas ações. Normalmente, eles mesmos tomam a iniciativa de procurar os meios de comunicação e reivindicar a autoria. Muitas vezes, inclusive, grupos distintos brigam entre si para assumir a realização de um ataque. Não haveria por que ser diferente agora.
Talvez o líder rebelde checheno, Doku Umarov, tenha adotado o silêncio como estratégia para ganhar tempo e se esconder. Afinal, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, deixou claro que a reação de Moscou não será branda. "Os terroristas serão destruídos", disse em resposta aos atentados. Ou seja, a Rússia deve agir com a mesma delicadeza de sempre quando o assunto é responder ao terrorismo.
Em 2004, na Ossétia do Norte, uma escola em Beslan foi sequestrada por rebeldes chechenos. O exército russo matou todos os terroristas, mas também foram mortos 334 reféns, 186 crianças. Curiosamente, as críticas internacionais recebidas por Putin formam boa parte do seu capital de simpatia interno. Ex-membro da KGB, ele é admirado pelo perfil disciplinador, rigidez e combatividade, mesmo quando é um dos responsáveis diretos por desastres como Beslan.
Os atentados de hoje certamente vão elevar o tom na disputa com a Chechênia, república separatista que deseja se tornar independente e aplicar a sharia (a lei islâmica) aos seus habitantes - uma espécie de Irã encravado no Cáucaso. O primeiro-ministro Putin vai receber carta branca da opinião pública para agir como bem entender. Já sabendo disso, Umarov está em fuga. Mas não deve escapar. Afinal, se Putin não se envergonha de silenciar opositores legais, não será puritano ao caçar os responsáveis por atos de barbárie como os de hoje.
Como todas as agências de notícias e jornais internacionais têm informado, muito possivelmente os atentados desta manhã tenham sido realizados por mulheres. A motivação feminina pode ser em parte explicada pela própria ofensiva russa na Chechênia, quando soldados russos não se contentam apenas em levar a cabo sua missão militar, mas parte deles é acusada de estuprar as chechenas. Muitas acabam se tornando voluntárias do terrorismo praticado pelos seguidores de Umarov.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Momentos de definição no Oriente Médio: Obama joga a bola para o lado de Israel

A pressão sobre o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, está cada vez maior. De certa maneira, o rumo que a crise entre EUA e Israel tomou mostra que Washington aproveitou a oportunidade para pôr em prática o plano de colocar Bibi contra a parede. A posição hoje é muito clara: ele deve perder de qualquer maneira.

Se resolver adequar-se às demandas americanas, perde o apoio de sua coalizão e cai. Se decidir resistir e manter o jogo dos nacionalistas de sua coalizão, vai enfrentar ainda mais pressão americana. Pode até se manter por um tempo, mas vai durar pouco.

No encontro em Washington, Netanyahu percebeu como pode ser ruim bater de frente com os americanos. Além de ter ficado trancado na Casa Branca pelo dia inteiro, o primeiro-ministro se deu conta de como podem ser sutis os gestos de desprezo americano. Não houve fotógrafos para registrar as reuniões com Obama e a alta cúpula do governo, não houve discursos após o dia de trabalho. Fica ainda mais claro que o presidente americano atura o líder israelense por questões estratégicas, mas não faz qualquer questão de mostrar apreço por ele.

Os EUA não abandonarão a aliança estratégica com Israel. Pelo contrário. O método encontrado para lidar com esta situação incômoda é simples. Como escrevi na quarta-feira, os americanos tomaram a iniciativa de excluir Netanyahu do futuro das negociações de paz. E as evidências são claras.

O governo israelense deve dar uma resposta às demandas americanas entre hoje e amanhã. Ninguém sabe exatamente quais são elas, mas o Jerusalem Post ouviu fontes anônimas que listam algumas: Bibi deve assumir o compromisso de limitar as construções em Jerusalém Oriental, mostrar disposição para lidar com algumas das questões-chave do processo de paz (definição das fronteiras dos dois países, refugiados palestinos e Jerusalém) e aceitar o que se chama de "medidas capazes de criar confiança" - leia-se, neste caso, a libertação de centenas de membros do Fatah presos em Israel.

As demandas americanas representam sem a menor dúvida a queda da coalizão de Netanyahu. Os partidos que o apoiam jamais vão concordar com elas, e Bibi vai precisar procurar novos aliados. Muito possivelmente, ele só permanecerá no cargo de primeiro-ministro se conseguir incluir a líder da oposição, Tzipi Livni, no governo. É tudo o que Obama mais quer.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Colômbia ignorada

No próximo mês de maio, os colombianos vão às urnas para eleger o novo presidente do país. Em meio ao conflito entre tropas governamentais, as Farc e traficantes de drogas, a explosão de um carro-bomba na cidade portuária de Buenaventura chamou a atenção pela raridade com que, felizmente, eventos desta natureza costumam se repetir na América Latina. O ataque terrorista deixa a certeza de que a situação na Colômbia representa um entrave no status pacífico do continente.

Ninguém assumiu a responsabilidade pelo atentado até agora. Muito embora as Farc sejam o alvo mais óbvio das suspeitas, autoridades colombianas admitem a grande possibilidade do grupo armado não ter nada a ver com o caso. Localizada na costa do pacífico, Buenaventura abriga o maior porto da Colômbia. Além das exportações legais, é de lá que saem também as grandes remessas de drogas para o México e, consequentemente, para o lucrativo mercado norte-americano.
As evidências recaem ainda mais sobre o tráfico de drogas porque o alvo do ataque foi justamente o escritório local da advocacia geral do país. Na semana passada, o governo impôs prejuízo considerável aos traficantes ao concluir grande apreensão de cocaína em Buenaventura.

Acho que a situação na Colômbia poderia ser uma oportunidade para as pretensões internacionais brasileiras. Além de ser um dos poucos governantes a manter boa relação com o criticado Álvaro Uribe, Lula só teria a ganhar se dedicando a apaziguar o conflito. Além de legitimidade internacional, afastaria críticos internos que nunca deixaram de levantar a bola sobre a simpatia do presidente às Farc.
Resolver um impasse grave e duradouro no país vizinho ganharia tanta relevância internacional quanto a libertação da ex-candidata à presidência da Colômbia Ingrid Betancourt, resgatada numa operação espetacular em julho de 2008. Mas o Itamaraty ainda não se pronunciou sobre o atentado. De certa forma, penso que este tipo de atitude tira parte da credibilidade brasileira. Ora, se Brasília não mostra interesse num evento grave ocorrido logo ao lado, por que razão seria relevante contar com o país na resolução dos conflitos no Oriente Médio?

O Brasil poderia ocupar papel central na crise da Colômbia. A diplomacia brasileira não se pronuncia sobre o atentado no país vizinho por conta da decisão de Uribe de permitir que os militares americanos usem suas bases. O gesto gerou grande polêmica na América do Sul durante o ano passado e acabou resultando numa condenação uníssona da aliança entre Bogotá e Washington.
O problema é que isolar a Colômbia é uma medida contraditória em relação ao Irã, por exemplo. Não creio que o Brasil queira deixar o governo de Bogotá de fora da comunidade internacional, mas simplesmente não parece ter a intenção de se envolver profundamente no problema. E esta é uma situação confortável, até porque evita confrontos ideológicos e explicações a aliados como Cuba e Venezuela.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Fracasso de encontro nos EUA frita governo Netanyahu

Não houve progressos significativos no diálogo entre o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o presidente americano, Barack Obama. O impasse nas relações entre EUA e Israel deve continuar por mais tempo. Para agravar ainda mais esta situação, minutos antes da reunião entre os líderes, nesta terça-feira, a prefeitura de Jerusalém anunciou a autorização para construir mais 20 apartamentos na parte oriental da cidade.

O resultado disso tudo é muito simples: Netanyahu está sendo fritado, de um lado e de outro. Para sua base de apoio, este seria o momento de não mostrar fraqueza. Ou seja, mesmo com fortes pressões da Casa Branca, o primeiro-ministro deveria seguir firme para atender aos anseios ideológicos e políticos dos partidos nacionalistas e religiosos que formam a base de sustentação de seu governo. Recuar seria o mesmo que traí-los e, se isso acontecesse, fatalmente o primeiro-ministro seria abandonado à própria sorte e sua coalizão ruiria.

Do outro lado, a pressão agora não segue somente com Hillary e Obama. Por motivos distintos, o governo britânico decidiu subir o tom ainda em relação à operação secreta que matou em fevereiro o contrabandista do Hamas responsável pelo envio de armamento iraniano para a Faixa de Gaza. De forma a conseguir apoio do eleitorado islâmico no Reino Unido nas proximidades das eleições britânicas, o gabinete de Gordon Brown decidiu expulsar do país um alto funcionário do corpo diplomático israelense.

Netanyahu esteve em Washington e, mesmo antes de conversar com o presidente Obama, fez um discurso que deixa clara sua opção. Ao falar aos membros da AIPAC (American-Israel Public Affairs Committee, sigla em inglês), jogou aberto e disse que vai continuar a construir em Jerusalém porque a cidade é a capital do país, não um assentamento. Isso quer dizer que ele não está disposto a ceder às pressões americanas, e o gesto explica bastante o fracasso do encontro com Barack Obama.

O primeiro-ministro israelense mostra estar pronto para sustentar até quando puder sua coalizão e, por consequência, seu governo. Não creio, no entanto, que a estratégia seja eficaz a longo prazo. Simplesmente porque o Oriente Médio hoje vive uma situação muito parecida ao dilema do cobertor curto. E tudo isso provocado pelo próprio governo Netanyahu. Ao insistir na expansão dos assentamentos da Cisjordânia, principalmente, Bibi tirou o Irã de Ahmadinejad do foco internacional. O problema é que o próprio primeiro-ministro israelense fez o que pôde para convencer Obama de que o programa nuclear iraniano é a maior ameaça à segurança de Israel e da região.

terça-feira, 23 de março de 2010

O México como parâmetro internacional para o Brasil

Interessante a matéria publicada na World Politics Review. Assinada por David Agren, a reportagem lança luz sobre um fenômeno pontual, mas que certamente será mais presente a partir de agora: a inveja do Brasil. Longe de defender patriotadas de todas as espécies, acredito mesmo que os índices positivos brasileiros passarão a incomodar cada vez mais. A matéria, no caso, repercute certo estranhamento dos políticos mexicanos em relação ao crescimento do Brasil.

"Enquanto o México sofreu em 2009, o Brasil conseguiu sair da crise econômica global muito mais rapidamente. Também continuou a mostrar cada vez mais influência regional com sua presença no Haiti e o envolvimento político em Honduras, justamente num momento em que o México estava ocupado remendando suas relações com outros países latino-americanos, como Venezuela e Cuba", diz o texto.

Esta é apenas a ponta do iceberg, acredito. A busca por um maior protagonismo internacional não fica impune. E é natural que isso aconteça mesmo. Como costumo escrever por aqui, boa parte deste capital de simpatia de que o Brasil dispõe se deve ao fato de os governos terem exercitado pouco a requisição por benefícios e participação geopolítica e econômica.

Estados não são expressões naturais de bondade. Muitas vezes, não lutam simplesmente por justiça ou equilíbrio, mas por seus próprios interesses. Quando o governo brasileiro declara que a ONU não é mais representativa, a defesa da reforma da instituição não procura apenas modificar os atores que têm vaga permanente no Conselho de Segurança, por exemplo.

O discurso do Itamaraty defende a inclusão do Brasil no rol dos novos países que seriam contemplados por esta mudança. Ou seja, a mudança pela mudança pouco importa, mas é válida na medida em que Brasília seja parte dela. Esta é a diferença.

Acho, no entanto, que a diplomacia brasileira precisa pensar em estratégias para contornar desgastes. Não porque seja necessário cultivar amizades internacionais, longe disso. Mas pelo fato de que um dos principais argumentos que o Itamaraty usa para justificar a legitimidade brasileira seja justamente a praticamente total ausência de oposição ao Brasil.

Curiosamente quando o país passa a buscar relevância internacional se torna incômodo para parte dos Estados. Principalmente para os que estão em posições relativamente semelhantes, como é o caso do México. Aliás, é com os mexicanos que Brasília disputa a liderança política e econômica da América Latina.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Confusão europeia

Algumas informações talvez sejam capazes de explicar, em parte, a confusão instalada na agenda internacional europeia. Em primeiro lugar, vale relembrar que, depois de meses de isolamento, a UE decidiu tomar conhecimento de que existe um mundo lá fora. Como lugar-comum está sobrando, o ponto de partida escolhido para marcar a atuação externa foi, pra variar, o Oriente Médio. E o conflito árabe-israelense, claro.
A desconhecida Catherine Ashton (foto), alta representante para assuntos internacionais do bloco, esteve em Egito, Líbano, Síria, Israel e territórios palestinos – inclusive em Gaza, controlada pelo Hamas. A visita gerou um artigo no New York Times. No texto, ela conta suas experiências na região, relata encontro com representantes do terceiro setor e lideranças políticas.

"A União Europeia expôs sua posição numa declaração de princípios divulgada em dezembro. Uma solução de dois Estados com Israel e Palestina lado a lado em paz e segurança. Um Estado palestino viável na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e na Faixa de Gaza, com base nas fronteiras de 1967. Uma maneira deve ser encontrada de forma a resolver o status de Jerusalém como futura capital de ambos os países. Precisamos de uma solução justa para a questão dos refugiados", escreve.
Ou seja, por mais que Ashton tenha descrito as posições europeias sobre o conflito entre Israel e os palestinos, ela não acrescenta absolutamente nada novo. Pelo contrário. Simplesmente relata mais uma vez os problemas que todo mundo já conhece.

Muito além da pouca experiência em assuntos internacionais, talvez Catherine Ashton tenha se tornado refém do principal mecanismo europeu de relações externas: o Tratado de Lisboa. Aprovado em dezembro do ano passado, o acordo demorou bastante para ser implantado, além de ter gerado um enorme desgaste entre os países-membros. Sua aprovação era vista como fundamental para, entre outros aspectos, criar uma política internacional comum entre os Estados da UE. Mas a verdade é que, na prática, o Tratado criou tantos cargos que fica difícil entender quem de fato é o responsável pela palavra final.
Vale discriminar os principais atores que, além de Ashton, costumam palpitar nos assuntos internacionais do bloco: Herman van Rompuy, presidente do Conselho Europeu; o primeiro-ministro europeu, José Luis Zapatero, presidente atual do Conselho do UE; e Jerzy Buzek, presidente do Parlamento Europeu.

Ou seja, quem de fato responde pela política externa europeia? Esta é uma pergunta que permanece sem resposta até mesmo internamente. Se Cathy Ashton quiser entrar no jogo internacional, terá que primeiro deixar claro se é mesmo ela a responsável por definir as posições do continente. Por enquanto, tudo leva a crer que ela é simplesmente a menos poderosa entre esses nomes citados.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Com a cara de Obama

Nesta sexta-feira, os atuais "donos do processo de paz", como classificou o presidente Lula, estão reunidos em Moscou, na Rússia. Além dos anfitriões, EUA, ONU e União Europeia emendam uma série de reuniões para discutir o Oriente Médio. O primeiro resultado foi uma uníssona condenação das novas construções israelenses em Jerusalém e da expansão dos assentamentos na Cisjordânia.

Curiosamente, apesar do recente abalo nas relações entre Estados Unidos e Israel, pesquisa divulgada hoje pelo jornal Haaretz mostra que os israelenses não consideram o presidente Obama inimigo do país. O episódio do desastrado anúncio das construções na presença do vice-presidente americano, Joe Biden, praticamente polarizou a opinião pública israelense. Quase metade dos entrevistados, 48%, disse acreditar que o governo deve continuar a construir em Jerusalém; 41%, entretanto, consideram que a demanda americana de congelar novos empreendimentos na parte oriental da cidade deve ser levada em conta.

Ou seja, o desgaste entre Washington e Jerusalém está caminhando como Obama pretendia. Não é por acaso que a Casa Branca decidiu levar adiante o maior desentendimento com Israel nos últimos 35 anos. É preciso uma rápida análise sobre o assunto.

Não é segredo nos bastidores na capital dos EUA como Obama e o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, não se entendem. Além do presidente americano já ter deixado claro a assessores não acreditar nas intenções pacifistas de Bibi, é preciso voltar mais ainda no tempo. Primeiro, uma parada na campanha presidencial americana, quando um dos pontos que levaram à comoção mundial em torno da "mudança" prometida foi justamente um maior comprometimento e assertividade nos diálogos de paz no Oriente Médio.

Obama pessoalmente acredita que Benjamin Netanyahu seja um dos principais entraves à retomada das negociações. Mais um pulo no tempo e vamos até 2005, ano que o então primeiro-ministro, Ariel Sharon, conseguiu aprovar a retirada de todas as colônias judaicas de Gaza. Para isso, deixou o Likud – de Benjamin Netanyahu, não por acaso – e criou o Kadima, legenda que tinha como uma de suas principais plataformas o pragmatismo para resolver a situação de uma vez por todas.

Agora, retornando ao presente, o que Obama tem em mente para retomar o processo de paz da maneira como imagina, ou seja, com Netanyahu menos poderoso? Ele tenta criar uma atmosfera de racha entre Washington e Jerusalém de forma a conseguir elevar o tom de críticas em Israel a ponto de forçar um recuo de Benjamin Netanyahu. Assim, para mostrar boa vontade e baixar o tom, Bibi seria forçado a incluir Tzipi Livni, líder do Kadima, em sua coalizão governamental. Para Obama, com Livni de volta ao governo, aí sim as negociações com os palestinos seriam retomadas. Da maneira como a Casa Branca espera, claro.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Um rápido balanço sobre a viagem de Lula

Após encerrar sua viagem ao Oriente Médio, curiosamente Lula vai se deparar no Brasil com um problema tradicionalmente associado à região que acabou de visitar: o petróleo. Com a situação pegando fogo por aqui e também por lá, certamente alguns grandes ganhos do presidente brasileiro vão acabar passando despercebidos.

Um rápido balanço do giro brasileiro: Lula manteve sua posição de negociar com o Irã, condenou com firmeza o Holocausto e o terrorismo, mostrou contrariedade à expansão dos assentamentos judaicos, exortou os palestinos a superar as divisões internas e considerou, inclusive, a possibilidade de dialogar com o Hamas.

O fato é que o impasse entre EUA e Israel vai ser discutido sem a presença brasileira, a partir de amanhã, em Moscou. O Quarteto (grupo formado por Estados Unidos, ONU, Rússia e União Europeia) se reúne novamente para tentar salvar o processo de paz.

Mas um grande passo foi dado pelo Brasil, mesmo sem muito alarde. O presidente israelense, Shimon Peres, fez um pedido pessoal a Lula, por quem nutre grande admiração. Como o presidente Sírio, Bashar Assad, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, serão recebidos em Brasília ainda neste ano, Peres sugeriu que o Itamaraty encontre uma maneira de fazer com que ambos os visitantes se reúnam em solo brasileiro.

Sem a menor dúvida, a promoção de uma cúpula entre Síria e Israel seria a maior vitória da diplomacia brasileira até hoje. Além do mais, nem nos melhores sonhos de Lula seu governo teria um encerramento tão grandioso. Para completar, após a realização deste hoje improvável encontro, os membros do Conselho de Segurança da ONU se envergonhariam de não conceder ao Brasil uma vaga permanente no órgão.

Como curiosidade, vale mencionar editorial do The National, jornal dos Emirados Árabes Unidos, sobre a visita de Lula à região:

"Lula pode exercer um papel útil se conseguir convencer o Irã a se submeter às resoluções das Nações Unidas". diz.

Bastante simples, não é?

quarta-feira, 17 de março de 2010

Brasil pode contribuir com criatividade no Oriente Médio

A busca por maior participação brasileira na mediação das conversações de paz no Oriente Médio tem provocado tantos sentimentos diversos que, às vezes, é fácil se perder diante da quantidade de opiniões. Particularmente, como escrevi ontem, acho que o maior valor do país é justamente sua capacidade de lidar com os diferentes atores. Mas é possível encontrar mais brechas.

Por exemplo, um grande problema prático na região é encontrar uma maneira conectar os dois territórios palestinos. Entre Gaza e Cisjordânia, está a região sul de Israel - que jamais permitiria um ponto de soberania palestina dentro do país.

Talvez, ao regressar ao Brasil, o presidente Lula pudesse organizar uma ampla conferência para discutir este ponto específico. Os funcionários do Itamaraty poderiam se debruçar sobre o tema para buscar soluções novas e criativas para esta questão. Digo isso porque acredito que seja muito pouco produtivo ficar sentado esperando algum dos atores solicitar a nobre mediação brasileira. Aliás, é muito improvável que isso aconteça.

No mundo de hoje, ninguém consegue um lugar ao sol somente se colocando à disposição. Os Estados devem agir da mesma maneira. Seria muito mais lícito retornar ao Oriente Médio com um plano elaborado ou algo a apresentar, além de simplesmente isenção.

Com a ideia pronta, o governo poderia dar o segundo passo: ir em busca de engenheiros dispostos a pensar em como realizar a obra que ligaria Gaza à Cisjordânia. Uma ponte, um túnel ou qualquer outra construção que, seguramente, seria cara o bastante para impedir que os palestinos a financiassem sozinhos.

Certamente, quando se fala sobre a viabilidade de um Estado palestino, a realidade da distância entre os dois territórios é levada em consideração. O próprio presidente Lula gosta de mencionar a necessidade de incentivar empreendimentos. Este seria um caso exemplar e serviria aos interesses brasileiros em pelo menos três frentes: a diplomática, a político-pragmática e a econômica. Não tenho a menor dúvida de que haveria diversas empresas brasileiras dispostas a pensar e executar o projeto.

Lula disse na Cisjordânia que irá consultar os demais parceiros do Mercosul sobre a possibilidade de firmar um acordo de livre comércio com a Autoridade Palestina nos moldes do que o grupo já assinou com Israel. O projeto, se aprovado por israelenses e palestinos, claro, poderia colocar em prática a compra e venda de produtos sem incidência de impostos.

Como costuma repetir o escritor e pacifista israelense Amós Óz, é preciso criatividade para resolver o conflito no Oriente Médio. Acho que ninguém discorda de quanto o Brasil pode contribuir neste ramo.

terça-feira, 16 de março de 2010

Como o Brasil pode contribuir no Oriente Médio

Os itens complicadores na busca de um acordo entre israelenses e palestinos são: o destino dos refugiados palestinos, os traçados das fronteiras do futuro Estado palestino e a natureza deste futuro país, a reorganização das fronteiras de Israel, e o status de Jerusalém. Tudo isso tem a ver com a visita de Lula à região, por mais que soe estranho num primeiro momento. Na medida em que o Brasil pretende assumir um papel mais relevante no assunto, precisa encontrar algum aspecto em que possa contribuir. E escrevo isso para ratificar o texto de ontem.

Acho que o país pode contribuir com isenção. Esta característica é fundamental para intermediar conversações entre as partes. Contando com o enorme capital de simpatia de que dispõe no cenário internacional e no Oriente Médio, o Brasil pode, sim, ser um interlocutor considerado legítimo. Por isso, penso que manter a equidistância entre Israel e Autoridade Palestina é a única possibilidade viável de atuação.

Muito além de ser um princípio justo a se defender, a isenção mantém o caráter pragmático da diplomacia brasileira. Sem ela, simplesmente o país vai ser descartado de qualquer mesa de negociações. Por que mais um ator seria incluído se ele já estivesse comprometido com um dos lados? Não faria qualquer sentido. É exatamente isso que pensarão os membros do Quarteto (grupo formado por ONU, União Europeia, EUA e Rússia para tocar o processo de paz).

Acredito que a estratégia de aproximação com o Irã tem dois lados. Se, de certa maneira, acaba tornando o Brasil um ator no foco das discussões internacionais, ela pode provocar um revés. O país pode acabar de tal forma identificado com Teerã a ponto de descredibilizar uma eventual participação justamente nas conversações entre Israel e Autoridade Palestina.

Não me parece que, até o momento, o governo brasileiro tenha pensado alguma solução criativa para a situação de impasse entre israelenses e palestinos. Não acredito que o Itamaraty mantenha na manga uma carta capaz de, ao mesmo tempo, tornar possível um Estado palestino desmilitarizado, convencer Israel a retornar às fronteiras de 1967 e definir as questões demográficas que atravancam a assinatura de um acordo definitivo.

É exatamente por tudo isso que o Brasil não pode se arriscar a perder a legitimidade diante de qualquer um dos atores envolvidos. É na isenção que estão depositados todo o valor e as ambições que o país tem a oferecer. Essa é a única plataforma sobre a qual Brasília pode se apoiar.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Lula visita Israel em busca de legitimidade

Ao visitar Israel pela primeira vez, marcando também a primeira viagem de um presidente brasileiro ao país, Lula joga a carta da legitimidade na mediação dos conflitos no Oriente Médio. E isso é muito simples: em busca de algum papel de relevância no palco internacional mais prestigiado, seria preciso colocar os pés no Estado Judeu em algum momento.

Como o Brasil se pretende um ator legítimo, é preciso correr atrás de legitimidade mais com ações do que palavras. Em dezembro de 2003, Lula esteve na região e visitou diversos países, inclusive Líbia, Síria e Líbano. Preferiu deixar Israel de fora. Agora, alguns meses depois de receber o presidente iraniano, é chegada a hora de completar o processo. Esta é a única razão da visita. O estreitamento de laços, a expansão do comércio bilateral e a busca por oportunidades econômicas vêm a reboque.

O Itamaraty julga que as 36 horas de Lula em Israel servirão para amenizar as alegações de parcialidade em relação ao Irã, por exemplo. Tudo porque os mediadores atuais do processo acreditam que, se há gente demais querendo palpitar no conflito, não seria necessário acrescentar outro ator já comprometido com uma das partes. Ainda mais se esta parte é o Irã de Ahmadinejad.

Como sempre escrevo por aqui, os Estados não são emocionais, mas entidades empenhadas em buscar seus próprios interesses. E o maior interesse brasileiro é a vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. O conflito entre israelenses e palestinos - e, num cenário mais amplo, a disputa entre Irã e Ocidente - é a maneira mais óbvia de se alcançar este objetivo.

Talvez por isso, ao contrário do que muita gente tem dito, a diplomacia brasileira tenha dado mais sorte ainda pelo momento escolhido para a visita. Justamente quando as relações entre EUA e Israel estão abaladas por conta do anúncio da expansão dos assentamentos na Cisjordânia e da construção de mais moradias para judeus ortodoxos em Jerusalém Oriental. É diante de um cenário de crise que as oportunidades para novos interlocutores podem aparecer. Mas palpitar nos conflitos do Oriente Médio é um direito assegurado para muito poucos.

E a concorrência se mostra ainda maior, já que a Europa pode ter abandonado sua posição inerte. Pela primeira vez, coincidentemente de maneira simultânea a Lula, a chefe da Política Externa da União Europeia, Catherine Ashton, decidiu fazer um tour pela região. E também já tratou de advogar maior relevância no processo de paz entre israelenses e palestinos. Sem a menor dúvida, essa é uma competição desleal para o Brasil, principalmente por conta do histórico dos europeus nos diálogos.

Em discurso ao Knesset, parlamento israelense, Lula fez o que todos imaginavam: criticou os assentamentos judaicos, falou da boa relação entre judeus e árabes no Brasil - uma bobagem, já que a situação por aqui é completamente diferente e ambos os grupos são de cidadãos brasileiros sem qualquer disputa territorial -, e, ponto alto, pediu mais uma vez a reforma das Nações Unidas de forma a tornar a organização mais representativa.

Ainda para completar, Lula teria se recusado a visitar o túmulo de Theodor Herzl, criador do sionismo político. A ausência do presidente brasileiro pode ser interpretada como um recado aos aliados árabes. Não se sabe se foi coincidência, erro de agenda ou se Lula simplesmente se opôs a homenagear o fundador do movimento responsável pela criação de Israel.

A verdade é que a razão do cancelamento é o que menos importa. A ausência de Lula em um dos lugares mais simbólicos de Israel pode ser vista como um recado aos aliados árabes e ao Irã: o presidente brasileiro poderia encarar a existência do Estado Judeu como um fato consumado, mas não concordaria com o escopo ideológico que o criou. Vale lembrar que isso soaria muito bem aos ouvidos de Ahmadinejad e dos demais líderes muçulmanos que não se cansam de tentar difamar o sionismo.

Este pequeno gesto, aliado ao fato de Lula ter confirmado a visita ao mausoléu de Yasser Arafat na Cisjordânia, pode complicar as intenções brasileiras de parecer um interlocutor razoável. Arafat, além de ex-presidente da Autoridade Palestina, é o símbolo máximo do nacionalismo palestino e considerado o pai desta causa. Na prática, se esta agenda se concretizar, Lula terá escolhido prestigiar apenas o nacionalismo palestino em detrimento do judeu. Esta será a interpretação da comunidade internacional.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Estados Unidos e Irã já se desafiam no Afeganistão

Encerrando a semana, alguns dados interessantes sobre a batalha por corações e mentes no Afeganistão. EUA e Irã, os dois atores opostos, fazem um jogo de soma zero nesta questão. Longe de igualar as ambições e comportamentos dos dois, fica claro, no entanto, que cada um usa as armas de que dispõe para limpar a própria barra e acusar o inimigo de boicote às tentativas de impor certa ordem no território afegão.

Enquanto Teerã financia radicais que atuam no Afeganistão para desestabilizar o máximo que puder os ganhos americanos, Washington não fica para trás quando tenta agir indiretamente contra o Irã. No dia 2 de março, escrevi sobre a operação iraniana de captura de Abdulmalik Rigi, líder do grupo terrorista sunita Jundallah.

Algumas informações não contestadas por Washington sinalizam um apoio mais do que velado a Rigi: 24 horas antes de sua captura, ele esteve numa base americana no Afeganistão; portava passaporte e carteira de estudantes falsos; e, para completar, a imprensa asiática dá conta de que ele estaria a caminho de um encontro com um oficial do alto escalão do governo dos EUA em algum ponto da Ásia Central. Nada disso foi negado pelo governo Obama.

Não acredito em inocência política, mas no fato de que os Estados são meramente pragmáticos na busca de seus interesses. Hoje, o Afeganistão é o principal palco do confronto silencioso cujos atores escolhem o melhor momento de partir para um enfrentamento direto. Há ainda a chance de isso não acontecer.

Ontem escrevi que o Irã estaria financiando o Talibã, mesmo que o grupo seja uma expressão radical sunita. A colunista do britânico Guardian Massoumeh Tormeh pensa diferente.

"Os iranianos consideram os talibãs islâmicos wahabistas financiados pelos sauditas. Por isso, Teerã prefere investir nos radicais ao mesmo tempo antiamericanos e antitalibãs", diz.

Eu acredito mesmo que o Irã pode ajudar todos ao mesmo tempo, sempre com o objetivo de desestabilizar o país. Por outro lado, a República Islâmica age com cuidado, já que o caos total no maior produtor de ópio do planeta pode complicar ainda mais a desgastante luta iraniana contra os traficantes de drogas que usam o Irã como um dos principais centros de distribuição para a Europa.

O interesse iraniano no Afeganistão se concentra na região oeste do país, em Herat, densamente povoada pelos xiitas. É uma maneira de manter um pé no vizinho. A influência certamente será usada no caso de um ataque israelense apoiado pelos EUA. Se isso acontecer, todo o esforço americano de reorganizar o Afeganistão terá sido em vão e o país vai se dividir de acordo com suas etnias e fidelidades religiosas. O Irã espera se aproveitar disso.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Ahmadinejad vai ao Afeganistão e Karzai faz papel de bobo

Interessante ver como o jogo geopolítico está tomando forma no Oriente Médio. O conflito entre israelenses e palestinos é apenas uma batalha da grande guerra em curso. Nesta semana, além da visita do vice-presidente, Joseph Biden, o secretário de Defesa americano, Robert Gates, foi protagonista de um fato curioso na região. Ele e o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, estiveram no Afeganistão. Na quarta-feira, ambos estavam no país, mas em lugares diferentes.

A situação atípica levantou uma série de boatos, inclusive de que negociariam com o presidente afegão, Hamid Karzai, um acordo tríplice – possibilidade já negada formalmente pela Casa Branca.

Irã e Estados Unidos estão em franca disputa diplomática. A visita de Ahmadinejad pode ser interpretada como uma provocação a Washington.
Aliás, se bem ou mal Ahmadinejad mostra certa coerência quando discursa no exterior e mantém suas posições radicais, o mesmo não se aplica a Hamid Karzai. Ele nem sequer argumentou ou contestou o presidente iraniano quando este afirmou, em solo afegão, que os esforços americanos no país irão falhar.

Ora, o raciocínio não é muito difícil neste caso. Se os EUA falharem no Afeganistão, o Talibã retoma o poder e o próprio Karzai é destituído do cargo. Para ser claro, é muito provável que, imaginando um cenário de derrota americana e fuga da coalizão ocidental, Karzai seja morto pelos radicais.

A ansiedade iraniana por assistir a uma vitória talibã mostra também um dado importante. Ao contrário do que suas lideranças costumam afirmar, a política externa do país está longe de ser baseada em preceitos ideológicos de resistência cultural, religiosa, econômica ou qualquer que seja. A atuação no Afeganistão revela bem o realismo que cerca as decisões de Teerã.

O Irã apoia logisticamente o Talibã, grupo radical sunita – ao contrário do Irã, xiita –, deixando claro que o objetivo final do país é se tornar a potência hegemônica regional e obter legitimidade no mundo muçulmano como o país que detém a capacidade de desafiar o ocidente. Para isso vale até apoiar e transferir armamento para os sunitas do Talibã e do Hamas.

O único que fez papel de bobo nisso tudo foi o presidente afegão. Além de servir de “escada” para Ahmadinejad, ficando em cima do muro, ele acredita que poderá receber apoio dos dois lados. Mas cedo ou tarde ele será chamado a fazer sua escolha. Aliás, no caso desta figura em particular, a escolha é apenas pessoal, já que o comando do país, pelo menos por ora, ainda depende dos resultados da disputa entre seus inimigos talibãs e da coalizão ocidental - responsável mesmo por inventá-lo como líder político do Afeganistão.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Apesar das novidades, nada muda no Oriente Médio

A enorme repercussão causada pela autorização concedida por Israel para construir casas e apartamentos em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia mostra como a situação do conflito entre israelenses e palestinos é única. A situação da política de Israel é única. A responsabilidade para justificar o constrangimento causado pelo anúncio justamente durante a visita do vice-presidente americano ficou a cargo do ministro do Interior, Eli Yishai (foto).

Antes de entrar no mérito da questão, cabe refletir sobre um ponto interessante que mostra a complexidade da vida política israelense. Uma posição fundamental da política externa acabou ficando sob responsabilidade não do ministro das Relações Exteriores ou mesmo do primeiro-ministro, como poderia ter ocorrido diante das consequências de tal decisão.

Pode não parecer importante, mas serve para mostrar as dificuldades envolvidas. Em Israel, há uma linha muito tênue - e muitas vezes invisível - entre política interna e externa. Tudo pode servir de material combustível.

Seja como for, a construção de casas na Cisjordânia é bastante imprópria. Mais ainda neste momento. De certa maneira, curiosamente alimenta os dois extremos. A direita israelense - muito pouco preocupada em retomar as negociações de paz - e os extremistas palestinos - que andam ventilanto a possibilidade de uma terceira intifada para atingir Israel e de uma vez só corrigir momentaneamente a profunda divisão interna palestina.

Os empreendimentos no assentamento de Beitar Illit foram aprovados em novembro do ano passado, antes de o governo de Israel impor a proibição a novas construções judaicas na Cisjordânia.

O que fica claro no momento é que o rumo das negociações segue o caminho de sempre: Israel e Autoridade Palestina tentam culpar o lado oposto pelo fracasso do processo de paz. É uma tentativa um tanto pouco criativa de conseguir a simpatia americana. Como disse ontem, infelizmente, a situação não deve mudar tão cedo.

terça-feira, 9 de março de 2010

Bem-vindo ao Oriente Médio, Joe Biden

Além do enviado especial ao Oriente Médio, George Mitchell, chegou hoje à região o vice-presidente americano, Joseph Biden. A viagem de cinco dias é uma grande tentativa de salvar os esforços dos EUA para a retomada do processo de paz entre Israel e os palestinos. Por mais que Washington tenha se apressado em anunciar que os lados toparam voltar a discutir as bases de um acordo definitivo, há muitos entraves para qualquer negociação. O primeiro deles é de natureza prática e mostra como a confiança se perdeu de vez: as conversas serão indiretas, não frente a frente como chegou a ser comum nos anos 1990.

Tudo isso leva a crer que há duas possibilidades reais que não geram nenhuma grande expectativa: ou o processo vai ser longo, demorado e desgastante ou ele não vai dar em nada. É difícil apostar em qualquer uma das possibilidades porque elas são muito semelhantes.

Sob o ponto de vista israelense, negociar com a Autoridade Palestina não necessariamente garante qualquer avanço genuíno, uma vez que os palestinos estão divididos na prática. Na Cisjordânia, o Fatah até consegue manter certo comando. Em Gaza, nem mesmo o Hamas consegue mais controlar tantas facções radicais. Ou seja, se um acordo fosse assinado hoje, por exemplo, não haveria qualquer garantia de que a AP pudesse dar conta de torná-lo legítimo e, mais importante, real.

Vale citar também que setores influentes do comando palestino acreditam que o melhor a ser feito agora seria insuflar uma terceira intifada popular. A defesa desse argumento gira em torno da crença de que a violência poderia pressionar Israel, além de mudar o cenário de divisão interna palestina.

Do ponto de vista palestino, negociar com Israel hoje, sem que o país congele de verdade a construção de assentamentos judeus na Cisjordânia, é perder tempo se desgastando com o inimigo sem qualquer garantia de que pontos fundamentais sejam colocados sobre a mesa: o status de Jerusalém, a questão dos refugiados e as fronteiras viáveis e definitivas de um Estado palestino.

Além disso, os palestinos sabem que não será fácil mudar a mentalidade do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, para quem o status de Jerusalém como capital indivisível do Estado judeu é inquestionável e cuja base de sustentação política é formada por partidos cuja ideologia e esta.

Para piorar a situação, é muito claro que o grande temor externo em Israel no momento é o programa nuclear iraniano. Bem ou mal, graças à barreira de segurança construída em torno da Cisjordânia, o número de atentado foi reduzido a zero no último ano. Ou seja, o diálogo com os palestinos deixou de ser a prioridade da política externa israelense. Até esse "favor" o presidente Ahmadinejad prestou ao povo que ele diz tanto apoiar.


É este cenário que Joe Biden vai encontrar no Oriente Médio. Acho que nem toda a sorte do mundo seria capaz de alterar esta realidade instalada em apenas cinco dias. Mas, sem dúvida, mostra um esforço importante do governo Obama numa questão capaz de causar grande comoção na opinião pública de todo o mundo.

segunda-feira, 8 de março de 2010

A diplomacia de Obama ainda não engrenou. Nem por aqui

Existe um enorme paradoxo que rege a atual política externa americana. Se, por um lado, o inegável carisma do presidente Obama sustenta uma boa dose de simpatia mundial aos Estados Unidos, por outro existe uma vaga e cada vez maior sensação de decepção sobre seu governo. Isso explica bastante do fracasso da visita da secretária de Estado, Hillary Clinton, a alguns países latino-americanos na semana passada.

Mas não é só isso. Ainda paira no ar uma aura de messianismo em torno do presidente dos EUA. Isso poderia abrir portas - houve tentativas, como o histórico discurso de aproximação com os muçulmanos realizado no Cairo, no ano passado -, mas o distanciamento de Obama das lideranças mundiais comuns é grande. Talvez não por culpa dele, mas principalmente por causa dos graves problemas internos que vem enfrentando desde que tomou posse.

O fato é que, por exemplo, Barack Obama é admirado por seus pares, mas ainda não conseguiu se aproximar profundamente deles, como identifica com correção o jornalista Jackson Diehl, do Washington Post.

"Até o momento, o presidente (Obama) parece não contar com amigos genuínos no exterior. Neste ponto, ele é oposto a George W. Bush, odiado pelas massas no cenário internacional, mas que construiu laços de proximidade com uma série de outros líderes mundiais", escreve.

Esse é um aspecto curioso da administração Obama, muito embora o que de fato explique seu isolamento internacional é a tentativa de reverter fatos consumados. Por exemplo, a visita da secretária Hillary à América Latina manteve um padrão americano que já não pode mais ser aplicado no continente. Como lembra Michael Shifter, da Foreign Policy, entre a década de 1990 e o início do século 21, havia uma série de Estados fragmentados e dependentes dos EUA. Hoje existe bem ou mal uma tentativa de tomada de decisões conjunta e as economias do sul se encontram num momento infinitamente melhor que o daquela época.

Para completar, a Guerra ao Terror não permitiu a Washington um envolvimento maior com os vizinhos de continente. Assim, além de estar ausente, a Casa Branca não conseguiu realizar uma leitura básica das expectativas latino-americanas. Ou seja, errou na crise de Honduras e, principalmente, no momento escolhido para ratificar o plano de cooperação militar com a Colômbia. Diante do histórico de intervenções americanas, os EUA podiam ter evitado mais este desgaste. Pelo menos neste momento.

A frieza da recepção a Hillary Clinton em Brasília se enquadra neste histórico. Como se pretende representante dos latino-americanos, o Brasil simplesmente reproduziu um temor dos países do continente ao não concordar com as sanções ao Irã. Os países latinos ainda guardam na memória as sucessivas práticas de serem chamados a opinar nos organismos multilaterais apenas quando os desenvolvidos precisam de número para aprovar suas próprias decisões políticas.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O sul do Cáucaso em pé de guerra

A Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos EUA aprovou ontem, por 23 votos a 22, que o país passe oficialmente a se referir como genocídio ao assassinato em massa de 1,5 milhão de armênios pelo Império Otomano, em 1915. O episódio ainda é hoje mal digerido pelos turcos, que admitem as mortes, mas se recusam a qualificá-lo como genocídio. A discussão sempre causou polêmica e agora pode provocar uma sucessão de derrotas internacionais para o governo Obama.

O primeiro ponto é óbvio e já vinha sendo comentado nos posts da semana. Como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, a Turquia é vital para as pretensões americanas de impor sanções ao Irã. Como as resoluções precisam da aprovação de pelo menos nove dos 15 países que ocupam assentos não permanentes, se já não havia muitas pretensões sobre a possibilidade de contar com os turcos, agora a posição de Ancara já está decretada. A Turquia ficará ao lado de Brasil e Líbano na oposição à aplicação de sanções ao regime de Ahmadinejad.


Mas a situação é muito pior do que parece. A Turquia é um ator determinante na política do Oriente Médio. Com forças armadas poderosas, o país é um peso importantíssimo para o equilíbrio de poder da região. Até o ano passado, mantinha relações cordiais com Israel, mas a posição turca tem mudado.


Desde a ofensiva israelense em Gaza, o primeiro-ministro, Tayyip Erdogan, mostra sinais de impaciência com Jerusalém. Além disso - e este é o ponto que mais amedronta Washington -, passou a flertar abertamente com Síria e Irã. Se, de fato, Ancara abandonar o barco de suas relações com o Ocidente e mergulhar de cabeça numa aliança com o chamado grupo de Estados xiitas, aí sim pressionar o regime Khamenei-Ahmadinejad e frear suas pretensões hegemônicas terá se transformado numa tarefa ingrata.


A Turquia hoje se debate internamente numa luta político-social vital para seu futuro - a disputa para manter o status laico ou dar uma guinada em direção à interferência da religião nas instituições estatais dividiu o país ao meio. Agora a decisão americana acrescenta um novo elemento no cenário de toda a região. O também muçulmano Azerbaijão saiu em defesa do vizinho e se aproveitou para retomar as discussões sobre o enclave de Nagorno-Karabakh.


Soberano sobre a região, o Azerbaijão esteve em guerra de 1991 a 1994 contra a população etnicamente armênia que vive no foco da disputa. Agora, acredita que o episódio sobre a nomenclatura do genocídio pode desestabilizar o diálogo entre Turquia e Armênia que vinha sendo restabelecido lentamente desde o final do ano passado.
Ou seja, é uma grande oportunidade para colocar um ponto final na disputa. Autoridades do Azerbaijão, inclusive, afirmaram na última semana que estavam dispostas a entrar em guerra contra a Armênia novamente. O cenário para um conflito está armado. Resta saber como EUA e Irã irão se comportar diante disso. Até porque a Turquia é membro da Otan, a aliança militar ocidental. E qual seria a posição do grupo no caso de uma guerra iniciada por Azerbaijão com o apoio de Ancara?

quinta-feira, 4 de março de 2010

Por que o Brasil está numa posição singular?

Dando continuidade ao assunto discutido ontem por aqui, acho importante dizer que se houver uma franca oposição de interesses entre Brasília e Washington sobre o programa nuclear iraniano, não acredito que o Brasil será isolado pelos Estados Unidos. Ao contrário de Cuba, por exemplo, os índices econômicos e industriais brasileiros não podem ser ignorados. Mas também penso que este não é o objetivo do Itamaraty ao insistir numa suposta - e ilusória - viabilidade de um Oriente Médio onde o Irã se transforme numa potência atômica.

Dos membros rotativos do Conselho de Segurança da ONU, Brasil, Líbano e Turquia são os que têm causado mais dor de cabeça aos EUA. Brasil e Turquia são dois dos principais representantes dos países emergentes, com uma leve vantagem brasileira - por conta de indicadores populacionais e também devido à posição única do país de quase total equidistância em relação aos demais Estados.

"O Brasil mantém boas relações com todos os países. Lula pode ser o único líder a ter abraçado George W. Bush e seu desafeto Hugo Chávez", menciona matéria publicada hoje no Wall Street Journal.

Uma das explicações para a política independente brasileira é essa mesmo. Mas não se trata apenas de fazer amizades. Como escrevi ontem, o pragmatismo pretende se traduzir em vantagens e livre acesso do país aos principais fóruns internacionais, como já vem acontecendo.

Ao se colocar em desacordo com os EUA no desafio mais complexo que a Casa Branca enfrenta no momento, o Itamaraty ao mesmo tempo atinge dois de seus principais objetivos: chama atenção do mundo desenvolvido e se coloca como o principal representante internacional do grupo dos países não alinhados.

Três fatores acabam impulsionando a posição brasileira: a sorte de Lula de essa grande discussão sobre o programa nuclear iraniano ter aparentemente chegado a seu auge justamente quando o Brasil ocupa um assento rotativo no Conselho de Segurança da ONU; a ascensão política e econômica que credencia o país a ser convidado para qualquer fórum internacional; e a ausência de concorrência ao Brasil, já que mesmo os chamados BRICs estão ocupados com questões mais importantes neste momento.
Mais um ponto interessante também foi abordado pela reportagem do WSJ para explicar a posição única brasileira: o Brasil é o único dentre os BRICs que não possui a bomba atômica.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Brasil muda relação com os EUA. Mas todo cuidado é pouco

A visita da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ao Brasil é um dos eventos mais importantes no calendário anual do Itamaraty. Apesar do clima de urgência cercando o encontro, a ansiedade está unicamente no lado americano. Brasília usa a ocasião para reafirmar ainda mais seu novo poderio como player mundial. Aliás, este é o único objetivo real do governo Lula ao receber a mais importante representante americana. O resto é pura balela.
Enquanto Hillary disse acreditar que o Irã se aproxima de China, Turquia e Brasil para usá-los de forma a furar as sanções a seu programa nuclear, não acredito que o Brasil seja assim tão inocente. Aliás, tenho certeza disso, até porque o pragmatismo brasileiro, ao contrário do que muitos possam pensar sobre este assunto, é muito evidente quando se trata da questão iraniana.
Na verdade, não diria que simplesmente o Irã usa o Brasil. Mas acredito que haja uma simbiose entre os interesses dos dois países. Enquanto, de fato, Teerã busca parceiros internacionais para sobreviver às sanções sem abrir mão de suas ambições nucleares, Lula sabe que a vaga rotativa que o país ocupa no Conselho de Segurança da ONU é um momento-chave para atingir seus próprios objetivos internacionais.
Assim, ao estabelecer parceria com o Irã, o Brasil atrai o foco de todos os atores internacionais envolvidos na tentativa de frear as intenções atômicas da dupla Khamenei-Ahmadinejad. Afinal, mesmo os países com vaga rotativa no Conselho têm direito a voto. Para aprovar as novas sanções contra Teerã, os EUA precisam contar com nove dos 15 membros não permanentes. Ou seja, a ascensão geopolítica brasileira ganha contornos dramáticos para Washington.

Não por acaso, Hillary Clinton e Celso Amorim assinaram hoje em Brasília um acordo prevendo reuniões anuais entre os dois países. É o mesmo tipo de protocolo mantido com a China, por exemplo. O Brasil quer vender caro o apoio aos EUA e a questão iraniana é considerada o maior trunfo que o Itamaraty tem em mãos. E, pelo que parece, o governo Lula não mostra qualquer pudor em usar este poder.

A balança está pendendo para o lado brasileiro. Mas a estratégia pode acabar dando errado caso Brasília demore muito a se aliar com o Ocidente. Como as provas sobre as intenções reais de Khamenei-Ahmadinejad não param de aparecer, existe sim a possibilidade de o Brasil acabar associado ao Irã quando ninguém mais estiver a seu lado. E aí todo o projeto internacional de Lula e Celso Amorim pode ir por água abaixo.

terça-feira, 2 de março de 2010

Irã prende militante sunita para responder a Israel

Acho que vale a pena especular sobre outro episódio que mostra os antecedentes da grande batalha entre sunitas e xiitas no Oriente Médio: a prisão de Abdolmalek Rigi (foto), líder do grupo terrorista sunita Jundallah. O fato ocorreu na semana passada, mas passou totalmente batido por aqui. Curiosamente, ele se conecta ao jogo político em curso na região e foi uma tentativa iraniana de mandar uma mensagem a Israel. É confuso, mas faz sentido.

Primeiro de tudo, Rigi, um jovem de apenas 26 anos, é acusado de planejar um ataque que deixou 42 mortos - incluindo sete militares iranianos - na fronteira entre o Paquistão e a República Islâmica em outubro do ano passado. A região do Sistan-Baluchistão é foco permanente da tensão entre as forças governamentais e militantes sunitas que desafiam inclusive a temida Guarda Revolucionária.

Vale lembrar que 89% da população do país é xiita. Esta informação não é um dado a ser descartado. Pelo contrário. Como líder do eixo xiita no Oriente Médio, o Irã precisava dar uma resposta ao maior movimento sunita recente. Por incrível que pareça, Teerã realizou a operação de captura de Rigi como uma demonstração de força e inteligência para se opor à ação israelense que assassinou o contrabandista de armas do Hamas em Dubai.

As autoridades iranianas tentaram, inclusive, estabelecer uma relação entre Rigi e as potências ocidentais. A imprensa oficial do país noticiou que o jovem teria estado numa base americana no Afeganistão dias antes de ser preso.

"Ele foi preso num voo de Dubai ao Quirguistão. O que aconteceu em Dubai foi um escândalo que mostra o quanto o regime sionista está usando Europa e Estados Unidos para transformar a região num paraíso para os terroristas", disse Heydar Moslehi, ministro da Inteligência Iraniana. Mais claro, impossível.

Os Estados Unidos negaram a acusação, mas é bem possível mesmo que Washington dê apoio logístico ao grupo de Rigi. Afinal, ambos combatem o mesmo inimigo e esta já foi a lógica americana em tantas outras ocasiões.

Falta apenas encaixar os Estados Sunitas nesta história. Pode parecer estranho, mas eles preferem o poderio de Israel a um cenário geopolítico onde o xiita Irã prevaleça como potência hegemônica na região. Para evitar que isso aconteça, Egito, Jordânia e Arábia Saudita até admitem a manutenção do equilíbrio existente graças à força militar israelense.

segunda-feira, 1 de março de 2010

As alianças no xadrez do Oriente Médio

Que Síria e Irã são parceiros de longa data não é novidade para ninguém. Na última semana, seus respectivos líderes trataram de reafirmar esses laços publicamente. De forma curiosa, o xadrez da geopolítica no Oriente Médio está mais claro, com cada um dos lados dando passos ousados na tentativa de cooptar as peças em jogo. E foi este o teatro armado em Damasco na última semana, num encontro entre os "democratas" Mahmoud Ahmadinejad, Bashar Assad, presidente sírio, e o líder do Hezbolah, o xeque Hassan Nasrallah.

Sempre é importante lembrar o cenário que cerca essa grande disputa. De um lado, estão os Estados sunitas - Egito, Jordânia e Arábia Saudita, os mais importantes - e do outro, os xiitas Irã, Síria - que é laico, mas cuja minoria xiita é bem próxima do governo de Damasco - e, principalmente, o grupo terrorista Hezbolah.

O encontro de semana passada recebeu o nome de cúpula da "Jabhat al Mumana", a "Frente da Rejeição". O nome se torna ainda mais significativo porque a reunião ocorreu justamente poucos dias depois do anúncio de Washington de que voltaria a manter uma embaixada na capital síria após cinco anos. Em 2005, quando o ex-primeiro ministro libanês Rafik Hariri foi assassinado, os EUA deram o crédito pelo crime à Síria e, em protesto, retiraram seu embaixador do país.

A Síria decidiu simplesmente tratar o gesto americano como um sinal de derrota. Em nenhuma medida deu sinais de que retribuiria a atitude do governo Obama da maneira como os EUA gostariam: aproximando-se do Ocidente e afrouxando os laços com Mahmoud Ahmadinejad. O resultado foi exatamente o oposto. Bashar Assad tripudiou e fez tudo o que os americanos não queriam. Recebeu o presidente iraniano e o líder do Hezbolah e promoveu a festa das declarações antipacifistas.

"Com a ajuda de Alá, o Oriente Médio estará livre de sionistas e imperialistas", disse Ahmadinejad. Na verdade, não se trata de nenhuma novidade. A única forma de livrar a região dos sionistas é acabar com Israel, plano que o presidente iraniano já repetiu tantas outras vezes ter a intenção de pôr em prática.

O que me parece interessante é a nova tendência do conflito. As alianças serão reforçadas uma a uma antes das disputas políticas e militares.

EUA e Irã brigam pela Síria porque sabem de sua importância estratégica. Além de continuar a traficar mísseis para o Hezbolah no Líbano, é através de suas fronteiras que circulam jihadistas a caminho de combater as forças americanas no Iraque. Curiosamente, mas não pelos mesmos motivos, o Brasil é o próximo foco desta disputa. Estados Unidos e Irã - capitães dos blocos sunita e xiita, respectivamente - travam uma batalha de inteligência por novos e importantes aliados para o jogo de poder a ser decidido em encontros reservados de articulação política ou num combate militar que principalmente Barack Obama faz de tudo para evitar. Ou ao menos adiar.