quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O Fotógrafo do Tempo


Por Henry Galsky
Desde 11 de janeiro de 2000, o fotógrafo nova-iorquino Noah Kalina tira retratos de si mesmo. Todos os dias. Segundo confessa na página de seu projeto, ele não acreditava que fosse ter disciplina suficiente para cumprir o repetitivo ritual diário - aparentemente sem qualquer propósito maior. As fotografias não variam muito. Geralmente, o fundo é o quarto onde dorme. Noah tem 26 anos de idade e, de acordo com seus cálculos, nos últimos sete anos e 11 meses, em apenas 22 dias esqueceu de retratar-se - além das cinco faltas devido a um acidente automobilístico grave.

A pergunta que qualquer pessoa razoável faz ao se deparar com um trabalho como este é "Por que?". Como se supõe, Noah - que é fotógrafo profissional - também tem uma justificativa (ou, explicação teórica, como queiram). "Com a evolução da tecnologia digital, resolvi me dedicar a um projeto fotográfico de longa duração. Também pude aliar a isso o meu desejo de registrar a passagem do tempo", escreve.

O tempo - por si só - é objeto de desejo e curiosidade da humanidade desde sempre. Mais do que isso, a tentativa de congelar o tempo, fazê-lo passar mais devagar, controlá-lo, finalmente. Além disso, a eterna sensação - por mais banal que possa soar - de impotência diante da passagem dos dias, dos anos... da vida.

Com seus cremes para adiar o envelhecimento - sim, porque, até onde eu saiba, rejuvenescer ainda é impossível - as mulheres lutam diariamente para manter a atração sobre os portadores do cromossoma "Y". Lutam até a morte umas com as outras.

Já tentei realizar a percepção do tempo. Explico: já fiquei plantado um dia de minha vida - na adolescência, uma época feliz em que o ócio ainda tinha espaço no cotidiano - ao ar livre olhando para o céu na tentativa de captar o exato momento que marca a passagem do dia para a noite. Não consegui. Acompanhei o entardecer, o azulescer-escuro (neologismo permitido), e, por fim, a noite chegou. Negra e definitiva. Sem meio-termo.

De volta ao projeto de Noah Kalina, ele explica o porquê de nunca sorrir nas fotografias. "É apenas uma forma de controle", diz. Compreendo-o. Na verdade, creio que ele nunca sorri pelo simples fato de, lamentavelmente, ter se comprometido a registrar aquilo que muitos de nós desejam esconder: o tempo estampa a decadência humana. Não pelo fato de a cada nascer do sol estarmos mais velhos. Mas por causa da natureza impiedosa da inivisível e poderosa ampulheta do tempo. Nós devemos nos adaptar a ela. E não o oposto.

Para quem quiser conhecer o projeto de Noah Kalina, o endereço é www.everyday.noahkalina.com

3 comentários:

Bruno Ruivo disse...

Existe uma certa decadência em querer rejuvenscer.
Henry, fantástico querer testemunhar o dia virar noite, mas a dureza é que não tem fronteira. Assim como não é de um dia pro outro que a gente passa de jovem pra velho, um dia a gente acorda, se vê no espelho e diz: "É isso o que restou de mim." Nem uma foto do Kalina faz determinar o momento preciso. Toda forma de desgaste e ocaso desafia a precisão.

Camilla disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Camilla disse...

pode ter nada a ver, mas o projeto desse cara me lembrou os trabalhos do Tehching Hsieh, um artista de Taiwan cujos trabalhos, sempre com duração de 1 ano e envolvimento direto do artista. sao trabalhos de imenso comprometimento e que questionam a "finalidade" da arte, destacando seu processo.
bjs