quarta-feira, 16 de abril de 2008

Na Noite Petropolitana

Por Henry Galsky

O site da prefeitura de Petrópolis não informa os detalhes, mas a administração municipal tem investido parte de sua verba em publicidade para aquecer o setor turístico da cidade. O objetivo – bastante legítimo, sem dúvida – é atrair visitantes de todo o estado a conhecer a nova região central, quase totalmente reformada. O esforço tem sido grande. No Rio de Janeiro, há outdoors em vários bairros da zona sul e peças publicitárias instaladas em diversos ônibus (“busdoors”).

“Petrópolis. Linda outra vez. Novo centro histórico. Petrópolis resgatada. Eterna. Venha conhecer”. Este frase telegráfica é o slogan da campanha. Curiosamente, as obras realizadas pela gestão do prefeito Rubens Bomtempo vêm merecendo esta grande – e, conseqüentemente cara – divulgação a poucos meses das eleições municipais. Como foi reeleito na última disputa, ele tenta conquistar a continuidade da gestão fazendo seu sucessor.

Num sábado à noite de frio e chuva a cidade imperial parece exercer sua vocação de se contrapor ao calor e à dengue da capital fluminense. As luzes alaranjadas dos postes de iluminação pública destacam ainda mais o asfalto molhado. As ruas já estão quase vazias. São mais de onze horas da noite e turmas de jovens buscam alguma aventura na noite petropolitana. Não há tempo a ser desperdiçado no momento mais aguardado da vida adolescente da cidade. E esses cidadãos cheios de vida não dão a menor importância à campanha lançada pelo seu dirigente político.

Na via mais importante, a Avenida do Imperador, um obelisco homenageia os povoadores de Petrópolis. Uma placa de bronze lista um a um os nomes das famílias européias que, na metade do século dezenove, desenvolveram a região. Suissa, Koeler, Suss, Idstein, Wilbert, Bechtluft... São poucas centenas de nomes (talvez duas) eternizadas pelo ex-prefeito de ascendência árabe Sérgio Fadel. O monumento é protegido por pesadas correntes negras – a esta altura já cobertas por grandes gotas da chuva que insiste em cair. É como se a modesta pirâmide erguida ali, no meio da cidade, desejasse enraizar o espírito europeu colonizador local.

É com um olhar que mistura estranhamento e um certo desprezo que os petropolitanos do outro lado da calçada admiram o forasteiro que estuda os nomes de suas famílias. Entre grandes engradados automáticos de cerveja, o modesto bar ao lado do tradicional teatro Paulo Gracindo abriga boa parte da juventude serrana. Não há nada de especial naquele lugar. É apenas um ponto de encontro onde se está com o objetivo simples e indisfarçável de ver e ser visto. Mas uma enorme tensão sexual pode ser percebida a metros de distância. Há muito mais homens que mulheres e isso causa um indisfarçável sentimento de frustração nos freqüentadores.

Quase em frente ao teatro, uma pequena estátua lembra os 200 soldados nascidos na cidade enviados à Europa para combater o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial. Uma moça aparentando menos de 21 anos de idade está reunida com quatro amigos. Vestem roupas pretas do grupo Metálica e riem em voz alta. Estão de pé sobre um banco da praça e apóiam as latas de bebida no braço eternamente esticado do combatente de concreto do monumento aos heróis locais.

Mas a chuva aperta na mesma medida do frio. Há uma movimentação rápida. Toldos são desfraldados na direção das mesas. A noite caminha firme rumo à madrugada e a temperatura condensada passa a dar o tom das conversas juvenis. Um corre-corre marca a luta por um abrigo contra os pingos congelantes. Neste momento, não há mais ninguém na rua ou na praça. Apenas o obelisco e o monumento dos pracinhas permancem heróica e inanimadamente enfrentando a chuva.

É como se a adversidade da natureza pudesse justificar o motivo pelos quais foram erguidos. Eles permanecem onde estão. Marcam a simbologia daquela cidade. E assim deverão continuar; concretamente simbólicos. Para sempre.

terça-feira, 1 de abril de 2008

A China, o Tibet e Richard Gere

Por Henry Galsky

No dia 14 de março a imprensa internacional passou a dedicar extensa cobertura às manifestações e protestos dos monges tibetanos contra o regime chinês. Desde então, o assunto desperta a mobilização, não apenas de jornalistas e historiadores, mas também de pessoas que não têm qualquer envolvimento direto com a questão. É curioso notar como os debates se tornaram acalorados, transformando a notícia em pauta para as mesas de bar (ícone máximo de nossa medíocre vida cultural) e – fenômeno bastante comum de alguns anos para cá – em apresentações confeccionadas a custo de powerpoint e argumentos emocionados divulgados com urgência pela internet.

A quatro meses das Olimpíadas de Pequim, soa bastante natural que os olhos do mundo se voltem para a agitação política daquela região do planeta. O que não soa – e de fato não é - nada natural é o repentino interesse popular pelo assunto. À exceção de algumas personalidades mundiais – como o Dalai Lama, diretamente envolvido no assunto por ser o líder espiritual e político do Tibet, e o ator Richard Gere, podem acreditar – pouca gente que transita pelo ocidente levantava seriamente a bandeira ideológica da independência do Tibet (ou, como o pessoal gostou de adotar por aqui, “Tibete”). Quanta coisa aconteceu no mundo desde que a China declarou a região parte de seu território, em 1949? Quantos pobres monges se imolaram na tentativa de chamar atenção para a causa e, no máximo, conseguiram alguns poucos segundos divulgados aqui e ali pela massaroca de imagens e informação absolutamente superficiais das grandes agências de notícias?

Esta breve e também superficial reflexão quase me impeliu a apertar o temerário botão de “responder a todos” de meu programa de e-mail quando recebi a corrente virtual que pedia a minha assinatura na mensagem que clamava pela liberdade do Tibet. O objetivo era atingir a marca de um milhão de nomes que de forma uníssona fariam a voz do povo brasileiro ser ouvida pelo Partido Comunista Chinês (o verdadeiro PCC). Gostaria de perguntar a cada um dos signatários por onde haviam andado nos últimos 60 anos. Por que só agora se manifestar a favor dos tibetanos?

Não me parece legítima esta solidariedade de ocasião com qualquer causa – sem entrar no mérito se justas ou não. Não é nada responsável emitir opinião sem fundamento sobre este assunto que afeta a vida real de chineses e tibetanos de maneira direta. Mais ainda, é injusto defender argumentos reproduzindo slogans políticos que assistimos na tevê ou lemos nas manchetes dos jornais.

Olhando com distância para a discussão do momento, é possível constatar com tristeza que muitos dos que julgam estar na crista da onda do pensamento livre nada mais são do que meros joguetes pautados pelos interesses fugazes da imprensa. A roda deve continuar a girar, amanhã novas manchetes virão. E quem estará preocupado em enviar petições pela internet em defesa dos interesses tibetanos? A poeira vai baixar, as Olimpíadas irão terminar e Richard Gere poderá ser novamente o “cavaleiro solitário” em defesa da liberdade do Tibet.