O Egito é um dos países mais importantes do Oriente Médio. Num contexto geopolítico mais amplo, dá sustentação a Israel simplesmente pelo fato de não atacar formalmente o Estado judeu ou apoiar abertamente seus inimigos. O esforço das administrações americanas anteriores foi de manter este status-quo, fazendo vigilância permanente e, claro, recompensando financeiramente o discreto apoio egípcio. O valor nada simbólico de ajuda americana – 1,3 bilhão de dólares – é uma variável que não pode ser desconsiderada por qualquer grupo político que venha a assumir o comando no Cairo.
As grandes decisões no Egito estão prestes a ser tomadas. Se as mudanças vierem – e elas devem vir –, os meses de maio e junho são fundamentais. Neste período de eleições presidenciais, novos capítulos serão redigidos no futuro do país e da região. Um dos primeiros Estados a se desestabilizar politicamente pelas manifestações populares no fenômeno que ficou conhecido como Primavera Árabe, o Egito ainda não escolheu que rumo irá seguir. Mas está muito perto disso. E, ao contrário do que o mundo inteiro esperava – ou ao menos as potências ocidentais –, o plano de democracia plena num modelo similar ao dos países democráticos do Ocidente não deve se concretizar.
Já escrevi sobre isso algumas vezes, mas não custa repetir. O Ocidente não encara democracia como mero instrumento de eleições, mas também como forma permanente de governo que inclui também respeito aos direitos individuais, direitos humanos, liberdade de culto e imprensa. Não necessariamente o Egito irá seguir por este caminho. Aliás, é muito provável que isso não aconteça, diga-se de passagem. Com mais de 47% dos assentos do parlamento egípcio, o Partido Liberdade e Justiça é a força principal da vida política do Egito. Para quem não está familiarizado, é importante dizer que a legenda nada mais é do que a expressão partidária da Irmandade Muçulmana, grupo que causa arrepios ao Ocidente e, durante todos os muitos anos de governo Hosni Mubarak, estava na ilegalidade.
O problema é que a Primavera Árabe deixou um vácuo de poder. As manifestações foram conduzidas e organizadas por uma massa não-filiada cuja bandeira nacionalista exigia o fim da administração Mubarak. Este objetivo foi alcançado, mas o grupo não se organizou a ponto de traduzir o amplo apoio público em poder político. Na verdade, a conclusão a que se pode chegar por ora é que as manifestações serviram plenamente aos propósitos da Irmandade Muçulmana. Legitimada politicamente, principal força no parlamento e que lançou candidatura própria à presidência, a Irmandade conseguiu facilmente ocupar o vazio deixado por Mubarak. As eleições serão um momento decisivo para entender que caminho o país vai seguir e quanto de poder o grupo terá à disposição.
A dúvida também fica por conta de que rumos a própria organização irá seguir. As dúvidas sobre suas intenções permanecem porque a Irmandade Muçulmana envia sinais ambíguos: seu candidato à presidência, Khairat al-Shater (foto), declarou nesta quinta-feira que introduzir a sharia (a lei islâmica) será o principal objetivo de seu mandato. Ao mesmo tempo, envia uma delegação aos EUA para encontros com oficiais do governo. Da minha parte, aposto em algum tipo de acomodação entre esta força política egípicia e os americanos. Primeiro porque os mais pragmáticos do grupo não devem abrir mão da valiosa ajuda financeira de Washington. Segundo porque o pragmatismo da Casa Branca está pronto a dialogar e a manter por perto os novos comandantes do país. E, em última análise, não se pode esquecer da batalha regional entre sunitas e xiitas no Oriente Médio. É importante para os EUA que ao menos uma força sunita receba apoio para conter a influência do eixo xiita comandado pelo Irã.
Fica a dúvida: como será a relação formal e pública entre os EUA e a Irmandade Muçulmana, grupo historicamente condenado pelas sucessivas administrações americanas e movimento inspirador do Hamas?
Aviso aos amigos leitores: saio de férias hoje e retorno no dia 3 de maio.