Os ataques do Estado Islâmico na Península do Sinai são evidências de que o grupo encara o Estado egípcio com um de seus principais inimigos e está disposto a entrar em guerra aberta para derrubar o governo do general Abdel Fattah al-Sissi. Responsável pelo golpe que tirou do poder o ex-presidente Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, al-Sissi é um dos principais inimigos do fundamentalismo islâmico na região. É também produto político indesejável do movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe, que buscava levar democracia, liberdade de imprensa, eleições livres e novas perspectivas aos países até então controlados por ditaduras históricas no Oriente Médio. O problema, como já discuti por aqui inúmeras vezes, foi a incapacidade do movimento de gerar lideranças políticas claras. Al-Sissi é antítese da Primavera Árabe, mas só tomou o poder no Egito em função dela. É contraditório, mas inegável.
Na primeira eleição livre do país, a Irmandade Muçulmana saiu vencedora. Eleger membros do grupo ao parlamento e ter um presidente filiado a suas fileiras soa estranho a uma população que saiu às ruas para protestar contra a ditadura do ex-presidente Hosni Mubarak. Mas este foi o resultado de três décadas de silêncio em que a única organização politicamente ativa e estruturada de oposição era a própria Irmandade Muçulmana – mesmo que ela não seja exatamente um modelo da expressão da vontade popular dos milhões que participaram da Primavera Árabe egípcia. O grupo venceu nas urnas por uma série de fatores e circunstâncias, mas principalmente pelas que expus no primeiro parágrafo.
Agora, o Egito assiste a uma novo movimento geopolítico: a tentativa de assentar pragmaticamente a situação. O discurso do general al-Sissi é focado na estabilização nacional. Para isso, não apenas tratou de prender parte da Irmandade Muçulmana (inclusive sentenciou com a pena de morte o ex-presidente Mursi), mas também de, lentamente, tentar resolver a situação de suas fronteiras. A oeste, no falido Estado líbio, as forças armadas egípcias lutam diariamente contra membros do Estado Islâmico que tomaram parte do leste do país. Do lado oposto, a leste, al-Sissi tenta se reconciliar com o Hamas, em Gaza, elogiando a posição do grupo de impedir os avanços do próprio EI na faixa costeira do território palestino. Em troca, o governo do Cairo permitiu a abertura da passagem de Gaza para o Egito em dois períodos do último mês de junho (entre os dias 13 e 18, e posteriormente entre 23 e 25).
Os ataques coordenados que o autodenominado Estado Islâmico da Província do Sinai realizou no território egípcio nesta semana podem estar relacionados a esses movimentos do Cairo. De um lado, marcam o posicionamento do EI em sua luta regional para desestabilizar os Estados nacionais. Também apontam ao Egito especificamente como inimigo da vez por se tratar de regime secular e que tem combatido o grupo na Líbia. Além disso, o EI fez questão de ameaçar o próprio Hamas, sob a acusação de que o grupo negocia com os xiitas Irã e Hezbollah (o EI classifica os xiitas como hereges). Também alertou que irá tomar Gaza para si.
Tudo isso apresenta também a visão estratégica dos terroristas do EI. Como já perceberam o momento pragmático da aliança entre Hamas e Egito, imaginam que este é um movimento prejudicial a seu discurso e prática. Para o EI, o pragmatismo é um dos inimigos a ser combatido.
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