sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A saída sem glamour de Olmert

Por Henry Galsky

 

Quase 33 meses após assumir o cargo de primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert entregou seu pedido formal de renúncia ao presidente Shimon Peres. Sem dúvida, é um ponto final muito longe do esperado para uma figura política que dedicou sua vida a cargos públicos importantes no país: foi prefeito de Jerusalém, ministro e vice-primeiro-ministro.

 

Vice da chapa do então recém-criado partido Kadima, Olmert assumiu em maio de 2006, quatro meses após o derrame do primeiro-ministro Ariel Sharon. A legenda nasceu com o projeto pragmático de tomar decisões difíceis e, se não houvesse jeito, unilaterais. Foi graças a este programa que, depois de um enorme embate político envolvendo toda a sociedade, o exército israelense pôs fim a todos os assentamentos judeus em Gaza, em setembro de 2005.

 

Restava saber se Olmert teria força política para continuar a desatar nós geopolíticos que ainda emperram o futuro da região – as difíceis questões em torno das negociações com os palestinos, as fronteiras definitivas do Estado e, num otimismo acima do real, a assinatura de um acordo de paz global com todos os países árabes e muçulmanos.

 

Mas Olmert não é Sharon, líder carismático que, antes do coma, contava com a aprovação de cerca de 60% dos israelenses. Em 14 de setembro, no que seria seu último encontro ministerial, Olmert lembrou da necessidade de frear a construção de novos assentamentos na Cisjordânia como forma de manutenção de Israel como um Estado Judeu (maioria de população judaica). “Precisamos dividir os territórios se não pretendemos nos tornar um Estado binacional”, disse.

 

Ele sabe que, por maior que seja a pressão dos grupos religiosos, quanto mais a leste a fronteira devido aos assentamentos judaicos na Cisjordânia, maior a quantidade de árabes-palestinos a ser incorporada ao Estado Judeu. E, por questões demográficas, a balança populacional é favorável aos árabes.

 

Mesmo tendo este ponto claro para si, Olmert deixa o comando do país sem qualquer avanço considerável nas negociações de paz. Apesar das boas intenções, seu governo não conseguiu se dedicar seriamente à costura de um acordo. Acabou se perdendo nas acusações de corrupção e na enorme confusão que foi a Segunda Guerra do Líbano, em julho de 2006, apenas dois meses depois de assumir.

 

E é sobre esses escombros que a vencedora das primárias do Kadima, a ministra do exterior Tizipi Livni, fez campanha com os militantes do partido assumindo um slogan que anda na moda ultimamente: mudança. “Vamos votar e ajudar a mudar a imagem do Kadima. Mostrem que vocês estão realmente cansados da mesma política de sempre”, pediu a partidários.

 

Apesar de ainda não ser a primeira-ministra do país – começa agora um desgastante processo político de formação de coalizões que podem levar inclusive à realização de eleições gerais possivelmente em março do ano que vem – , Livni conta com apoio da população e é o nome mais forte até o momento dentre os concorrentes ao cargo. Mais ainda, ela é a atual negociadora-chefe do lado israelense do processo de paz e conta com o apoio dos parceiros palestinos. Para eles, será mais fácil dar continuidade ao trabalho com Livni e não recomeçar do zero com um governo totalmente novo.

 

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A Mãe Rússia está louca

Por Henry Galsky

Pouco mais de um mês após a invasão russa na Geórgia, permito-me o impropério de dizer que a atual administração do Kremlin representa o que há de mais confuso, ultrapassado e ininteligível nas relações internacionais. O país vem seguidamente optando por estratégias ambíguas em alianças, desavenças, conflitos e decisões políticas. Boa parte delas deve-se ao ego gigantesco de Vladimir Putin, o primeiro-ministro que não pensa duas vezes antes de afirmar, por exemplo, que o fim da União Soviética foi “a maior tragédia geopolítica do século vinte”.

O trato com vizinhos tem sido no mínimo equivocado. A Polônia foi simplesmente ameaçada com um ataque nuclear (!!!!) por ter permitido a instalação de dez mísseis norte-americanos no país. Ora, bastou para que os poloneses acelerassem ainda mais o processo de entendimento com os Estados Unidos. Segundo Washington, o objetivo é defender o território de um eventual ataque iraniano.

Nesta semana, uma delegação européia liderada pelo presidente francês Nikolas Sarkozy conseguiu garantias de que Moscou retiraria suas tropas da Geórgia, à exceção de Abcásia e Ossétia do Sul, regiões cuja independência o governo russo considera irrevogável. No dia seguinte à partida dos representantes europeus, fontes russas disseram que a retirada não seria imediata e não haveria uma data limite para a conclusão da partida de suas forças militares.

Ninguém explica melhor a atual diretriz das relações internacionais russas do que o professor Leon Aron, diretor do Centro de Estudos Russos do American Enterprise Institute. “Qualquer ato considerado em desacordo com os interesses russos deve ser punido: seja o processo de democratização [de países vizinhos ou ex-repúblicas soviéticas], exportação de gás ou petróleo sem a interferência de Moscou, e, especialmente, o ingresso em organizações ocidentais, como a OTAN e a União Européia. Não importa que, agindo desta maneira, a Rússia sacrifique os ganhos obtidos no período pós-soviético – a entrada no G-8, na Organização Mundial do Comércio (OMC), a aproximação com a UE”, escreveu ele em sua coluna no The Wall Street Journal do dia 10 de setembro.

A Rússia tem posto todo o tipo de ambigüidade em prática. Vladimir Putin e seu presidente, Dmitri Medvedev, representam bem esta brincadeira política. Putin é belicista, auto-centrado, ambicioso militarmente. Medvedev tenta se apresentar como um parceiro confiável. E todo mundo quer ter a Rússia como parceira comercial, afinal o inverno europeu se aproxima e a UE vai mesmo precisar de gás natural e petróleo para se aquecer.

Militarmente, o país não faz por menos. Por exemplo, é um ator importante no que pretende ser o processo de paz no Oriente Médio – é membro do chamado Quarteto (que, além do país, é formado por Estados Unidos, UE e ONU). Ao mesmo tempo, não quer perder pontos com os países árabes. Por isso, mantém contatos próximos com o Hamas e o Hezbolah, grupos terroristas que defendem abertamente a destruição de Israel.

Recentemente, Putin foi visitado pelo presidente sírio Bashar Al Assad, fornecedor de armas para o próprio Hezbolah. Mais que isso, o governo russo assinou um acordo de cooperação energética com o Irã, país que recebe sanções do G-8 (do qual a Rússia faz parte!) devido ao desenvolvimento de seu projeto nuclear.

A relação com os Estados Unidos não tem sido melhor. Em tom acusatório, Putin chamou a guerra na Geórgia de “uma provocação incitada pelos norte-americanos”. E, pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, estuda armar sua frota no Báltico com ogivas nucleares.

A tensão entre os dois países é grande. Aliada declarada dos Estados Unidos, a Geórgia recebeu uma ajuda financeira de um bilhão de dólares dos EUA para se recuperar dos prejuízos da invasão russa. Aliás, uma bola dentro da política externa americana, já que frustrou as expectativas do presidente georgiano de receber uma compensação em armamentos.

Em busca de uma escalada militar sem precedentes neste século, como reagir às pretensões russas e às suas estratégias de permanecer em cima do muro em todas as questões? A União Européia parece ter pulado fora dessa discussão. Afinal, as ameaças políticas às atividades do país não parecem ter surtido qualquer efeito sobre a administração Putin-Medvedev. E nem os Estados Unidos estão dispostos a comprar briga com um poderio militar que, dentre outros recursos, dispõe de cerca de 16 mil ogivas nucleares.   

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O Brasil na Blockbuster

Por Henry Galsky

Em novembro de 2006 a Americanas.com se fundiu com o site de comércio eletrônico Submarino. A operação marcou o nascimento do maior grupo de vendas eletrônicas do Brasil. O que poderia parecer uma simples compra de empresas viria a marcar – menos de dois anos depois – uma profunda mudança no comportamento econômico e cultural de parte da classe média do país. Tudo porque, em janeiro de 2007, a fagocitação mercadológica terminaria (?) na concretização de um dos maiores sonhos do mundo dos negócios nacional: a aquisição, por parte deste mesmo grupo, da franquia Blockbuster.

Por 186,2 milhões de reais, as Lojas Americanas passaram a controlar 99,9% das ações da maior rede de locações brasileira. Às vezes distante, os efeitos da compra puderam ser sentidos em muitas das esquinas das grandes metrópoles. O que antes eram simples – tá bom, nem tão inocentes assim – pontos de aluguel de filmes passaram a funcionar como verdadeiras lojas de vender qualquer coisa – desde filmes, passando por tinta de cabelo, até videogames.

Em pouco tempo, estávamos todos muito bem acostumados a pegar um filme, comprar um chocolate Hershey e esticar fazendo um crediário pelo cartão Taii. As Americanas-Blockbuster passaram a estar em toda parte, uma espécie de loja de conveniência de posto de gasolina, deprimida e vazia quase saída de uma beira de estrada de Pequena Miss Sunshine.

Não deixa de ser curioso o sucesso de uma rede que oferece tudo e nada ao mesmo tempo. Não é nem locadora - menos ainda centro cultural -, nem farmácia, nem loja de jogos.

Os videogames estão ali, enquanto o vendedor masca um chiclete e parece um pouco incomodado quando é perguntado sobre algo da loja. Crianças correm atrás de Toy Story e semelhantes; uma moça olha a seção de - novamente! - tinta pra cabelo.

Pode parecer ruim - e é mesmo -, mas a Blockbuster diz muito sobre o Brasil de hoje. Um lugar repleto de aparelhos eletrônicos de alta tecnologia, caros, mas que ainda sim são vendidos para a ascendente classe média. Tudo se parcela em até 72 vezes, e o pessoal quer assistir ao novo dvd do Alexandre Pires - cujo verso brilhante de seu último sucesso informa que ele quer "continuar a fazer tudo o que já fez e beber sua gelada". O importante é o meio, o tubo, a tecnologia como satisfação de desejos de equiparação social.

O crescimento econômico é muito bom - se acompanhado de acesso à cultura, informação relevante e reflexão. O canadense Philip Ohxorn, professor associado da McGill University, no Canadá, se dedica a estudar o impacto das reformas econômicas nos países da América Latina. E este me parece ser o ponto central da questão. Seu principal argumento - absolutamente incontestável - é que as conseqüências políticas e sociais foram simplesmente esquecidas, em nome da grande festa que ainda se faz em torno do crescimento do pib e do valor de mercado da Petrobrás, da queda da inflação, da criação de uma nova massa de consumidores para empresas estrangeiras. Como narra com orgulho a nova propaganda da Vivo, "somos 40 milhões. Você faz parte disso".

Em seu livro "What Kind of Democracy? What Kind of Market? - Latin America in the Age of Neoliberalism", ele tenta entender como, desde o processo de redemocratização dos países do continente - e principalmente dos da América do Sul - os índices de pobreza, criminalidade e empregabilidade no setor informal cresceram de maneira absurda. O mix de problemas sociais - vai aí uma ironia ao mix de produtos dos publicitários, queiram me desculpar - está diretamente conectado à adoção de um modelo econômico que deixa claro que o conceito de cidadão já era. Somos todos consumidores e por isso nosso valor está nos produtos que podemos comprar.

Seguramente esta é uma reflexão que vai muito além da simples locação do Shrek. Enquanto estamos neste rendez-vous sem fim do parcelamento da viagem da criançada à Disney no pacote CVC, o IBGE informa que os cofres públicos responderam por apenas 38,8% do total das despesas relacionadas à saúde. As famílias gastaram 60,2%. Ora, os dados deixam claro que as contas estão nas nossas costas. O governo – não somente este, mas o que implementou este modelo, há já distantes 14 anos – optou por ser apenas um cobrador de impostos. E, é claro, um facilitador do estabelecimento de Americanas/Blockbuster nas esquinas do país.