Por Henry Galsky
Pouco mais de um mês após a invasão russa na Geórgia, permito-me o impropério de dizer que a atual administração do Kremlin representa o que há de mais confuso, ultrapassado e ininteligível nas relações internacionais. O país vem seguidamente optando por estratégias ambíguas em alianças, desavenças, conflitos e decisões políticas. Boa parte delas deve-se ao ego gigantesco de Vladimir Putin, o primeiro-ministro que não pensa duas vezes antes de afirmar, por exemplo, que o fim da União Soviética foi “a maior tragédia geopolítica do século vinte”.
O trato com vizinhos tem sido no mínimo equivocado. A Polônia foi simplesmente ameaçada com um ataque nuclear (!!!!) por ter permitido a instalação de dez mísseis norte-americanos no país. Ora, bastou para que os poloneses acelerassem ainda mais o processo de entendimento com os Estados Unidos. Segundo Washington, o objetivo é defender o território de um eventual ataque iraniano.
Nesta semana, uma delegação européia liderada pelo presidente francês Nikolas Sarkozy conseguiu garantias de que Moscou retiraria suas tropas da Geórgia, à exceção de Abcásia e Ossétia do Sul, regiões cuja independência o governo russo considera irrevogável. No dia seguinte à partida dos representantes europeus, fontes russas disseram que a retirada não seria imediata e não haveria uma data limite para a conclusão da partida de suas forças militares.
Ninguém explica melhor a atual diretriz das relações internacionais russas do que o professor Leon Aron, diretor do Centro de Estudos Russos do American Enterprise Institute. “Qualquer ato considerado em desacordo com os interesses russos deve ser punido: seja o processo de democratização [de países vizinhos ou ex-repúblicas soviéticas], exportação de gás ou petróleo sem a interferência de Moscou, e, especialmente, o ingresso em organizações ocidentais, como a OTAN e a União Européia. Não importa que, agindo desta maneira, a Rússia sacrifique os ganhos obtidos no período pós-soviético – a entrada no G-8, na Organização Mundial do Comércio (OMC), a aproximação com a UE”, escreveu ele em sua coluna no The Wall Street Journal do dia 10 de setembro.
A Rússia tem posto todo o tipo de ambigüidade em prática. Vladimir Putin e seu presidente, Dmitri Medvedev, representam bem esta brincadeira política. Putin é belicista, auto-centrado, ambicioso militarmente. Medvedev tenta se apresentar como um parceiro confiável. E todo mundo quer ter a Rússia como parceira comercial, afinal o inverno europeu se aproxima e a UE vai mesmo precisar de gás natural e petróleo para se aquecer.
Militarmente, o país não faz por menos. Por exemplo, é um ator importante no que pretende ser o processo de paz no Oriente Médio – é membro do chamado Quarteto (que, além do país, é formado por Estados Unidos, UE e ONU). Ao mesmo tempo, não quer perder pontos com os países árabes. Por isso, mantém contatos próximos com o Hamas e o Hezbolah, grupos terroristas que defendem abertamente a destruição de Israel.
Recentemente, Putin foi visitado pelo presidente sírio Bashar Al Assad, fornecedor de armas para o próprio Hezbolah. Mais que isso, o governo russo assinou um acordo de cooperação energética com o Irã, país que recebe sanções do G-8 (do qual a Rússia faz parte!) devido ao desenvolvimento de seu projeto nuclear.
A relação com os Estados Unidos não tem sido melhor. Em tom acusatório, Putin chamou a guerra na Geórgia de “uma provocação incitada pelos norte-americanos”. E, pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, estuda armar sua frota no Báltico com ogivas nucleares.
A tensão entre os dois países é grande. Aliada declarada dos Estados Unidos, a Geórgia recebeu uma ajuda financeira de um bilhão de dólares dos EUA para se recuperar dos prejuízos da invasão russa. Aliás, uma bola dentro da política externa americana, já que frustrou as expectativas do presidente georgiano de receber uma compensação em armamentos.
Em busca de uma escalada militar sem precedentes neste século, como reagir às pretensões russas e às suas estratégias de permanecer em cima do muro em todas as questões? A União Européia parece ter pulado fora dessa discussão. Afinal, as ameaças políticas às atividades do país não parecem ter surtido qualquer efeito sobre a administração Putin-Medvedev. E nem os Estados Unidos estão dispostos a comprar briga com um poderio militar que, dentre outros recursos, dispõe de cerca de 16 mil ogivas nucleares.
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