terça-feira, 30 de abril de 2013

A Síria esquecida


Caros leitores: repararam como a guerra civil síria anda meio esquecida? Já são mais de 70 mil mortos desde 2011, mas, para a grande imprensa, o assunto acabou se tornando menos “interessante” e passou a se juntar a outros temas em que, basicamente, o noticiário internacional se resume a dar prosseguimento a uma espécie de contagem bizarra onde o texto é sempre o mesmo, bastando, somente, uma mera atualização matemática quanto ao número de mortos, feridos e o registro dos pontos onde ataques maiores acontecem. Mas, não se enganem, a imprensa não tem qualquer culpa disso.

Na prática, esta postura dos veículos apenas reflete o incômodo impasse em que a Síria se transformou. Havia a expectativa de que os confrontos seguissem o encadeamento do que se passou em Egito e Tunísia, dois dos países onde ao menos os ditadores históricos foram derrubados pela conexão entre pressão popular, mobilização da cobertura jornalística internacional e, principalmente, a mudança de fidelidade das mais importantes e numerosas fileiras das forças armadas nacionais.

Como se sabe, na Síria esta equação não apresentou resultados até o momento, justamente porque há uma intrincada rede de relações entre o fragmentado tecido étnico e religioso e as forças armadas. Ou seja, Bashar al-Assad foi bastante estratégico ao colocar em cargos-chave membros de fidelidades sectárias que lhe sustentam porque sabem que um futuro onde a maioria sunita da população (cerca de 70% dos sírios) detenha o poder será tão ruim a alauítas (minoria religiosa do qual os Assad fazem parte) quantos a xiitas (o outro principal grupo minoritário do país).

Esta estratégia tem funcionado por ora também porque este complexo cenário étnico e religioso transformou a criação de uma aliança de forças anti-Assad num problema para as potências internacionais (e mais fortemente aos EUA); a sunita rede terrorista al-Qaeda encontrou na Síria mais uma oportunidade de resgatar a relevância perdida entre os islâmicos. O raciocínio é até bem simples: derrubar Assad e dar poder à maioria sunita da população é uma narrativa para lá de poderosa e que pode encontrar algum eco regional. E, como sempre, um Estado nacional em decadência é terreno fértil para uma nova base do grupo repleta de potenciais seguidores e novos membros. Isso sem falar na importância incontestável do território sírio; imagine controlar ao menos uma parte de um país que faz fronteira com Israel, Turquia, Jordânia, Líbano e Iraque?

A confusão do Ocidente reside em todos esses dilemas. Não fazer nada, fingir que as 70 mil mortes não aconteceram e torcer para o próprio Bashar al-Assad resolver o assunto ou armar ainda mais os grupos que o combatem correndo risco altíssimo de mais uma aliança com a al-Qaeda (isso já aconteceu na Líbia há pouco tempo e todo mundo fingiu que não viu)?

Ainda nesta semana continuo o assunto, acrescentando que a chance de manter esta inércia é pequena em função das alegações cada vez mais numerosas de que Assad teria usado armamento químico contra a própria população.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Atentados em Boston e a dificuldade americana para impedir atos de terrorismo no país

Alguns comentários importantes sobre o duplo atentado em Boston: que ninguém duvide se tratar de um ato de terrorismo. Afinal de contas, a definição deste tipo de ato covarde tem a ver estritamente com a ideia por trás do fato concreto. O terrorismo tem por objetivo o ataque a civis para causar morte, pânico e insegurança generalizada. Este tipo de operação é absolutamente independente de quem a realiza.

Ou seja, para ser mais claro, os fundamentalistas islâmicos não detêm seu monopólio, muito pelo contrário. As mais variadas bandeiras religiosas e ideológicas já praticaram ou ainda praticam atos de terrorismo. Tenho lido muitas bobagens neste primeiro momento seguinte ao atentado, mas isso deve diminuir à medida que a poeira baixar e as investigações apresentarem resultados. E não tenho dúvidas de que isso irá acontecer em breve.

De fato, é importante lembrar que o duplo atentado desta semana é o primeiro ato de terrorismo realizado com sucesso em solo americano desde o 11 de Setembro. Houve uma tentativa frustrada de detonar explosivos escondidos na mala de um carro em Nova Iorque, em 2010. Ou seja, este é também o primeiro desafio que Barack Obama enfrenta – considerando atentados terroristas domésticos.

Vale dizer também que o medo da população americana pode aumentar devido a um fator básico: a sofisticação das ameaças. Hoje há gente demais capacitada a construir artefatos que podem causar grande destruição a partir de itens comuns comprados legalmente em lojas e mercados. Este tipo de armamento recebe o nome de Improvised Explosive Devices (IEDs) e as forças armadas dos EUA enfrentam esta ameaça já há algum tempo em Afeganistão e Iraque. Na prática, é quase impossível estar completamente seguro diante desta possibilidade real de construção de explosivos a partir da combinação de itens do cotidiano.

Para completar, acho que vale fazer uma comparação entre Israel e EUA. Como se sabe, a população civil israelense é alvo de atentados terroristas há décadas, ao contrário dos americanos. No entanto, os dois aliados possuem características políticas e geográficas distintas, o que os tornam semelhantes em vantagens e desvantagens diante do terrorismo.

Israel é um país com extensão territorial infinitamente inferior aos EUA (Israel tem mais ou menos dimensões equivalentes à metade do estado do Rio de Janeiro), suas forças de segurança estão acostumadas a lidar com atos de terror, e a maioria de sua população tem treinamento militar, uma vez que o serviço é obrigatório a homens e mulheres. Essas características são vantajosas ao Estado judeu. No entanto, o país está sob constante ameaça internacional, os vizinhos são hostis e dois de seus principais inimigos declarados estão instalados nas fronteiras norte (o Hezbollah, no Líbano) e sul (Hamas, em Gaza).

Os EUA têm dimensões continentais e seu território é protegido por oceanos nas costas leste (Atlântico) e oeste (Pacífico), isolando historicamente inimigos e dificultando eventuais tentativas de ataques tradicionais. Para completar, possui boas relações institucionais com seus vizinhos de fronteira ao norte (Canadá) e ao sul (México), neutralizando qualquer ameaça de disputa em longo prazo. Entretanto, a maior potência do planeta é vítima, entre outros fatores, da própria grandiosidade. É impossível monitorar seus 316 milhões de habitantes e suas atividades diárias.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Crise das Coreias: o caminho para resolver o impasse

A disputa na península coreana não é entre Coreia do Norte e Coreia do Sul. Os protagonistas reais são os patrocinadores dos dois países, claro. As relações entre EUA e Coreia do Sul e China e Coreia do Norte são muito diferentes.

O governo de Pyongyang é dependente da ajuda chinesa em todos os sentidos – 90% de todos os recursos norte-coreanos são diretamente enviados ao país pela China. Já a Coreia do Sul é um país desenvolvido, com alta tecnologia e desenvolvimento humano. O apoio americano é militar e econômico e existe como herança da guerra que está na origem da divisão coreana em dois países completamente distintos. Mas, como escrevi no último post, os sul-coreanos são hoje aliados fundamentais para a estratégia de Washington na Ásia.

E justamente por este cenário político – as relações entre as duas principais potências econômicas mundiais –, a solução definitiva para este impasse na península coreana pode ocorrer por meio de uma espécie de garantia ao governo chinês: a de que os EUA não serão um agente ameaçador instalado na fronteira sudeste da China. Ou seja, os americanos precisam adotar a postura defensiva atual e complementá-la com uma complexa articulação nos bastidores convencendo os chineses de que Washington não tem qualquer interesse de se tornar uma presença militar e hostil na região.

O presidente Obama não é apenas um entusiasta deste tipo de manobra, mas também um craque do convencimento. E se a cúpula americana conseguir acalmar os ânimos dos chineses, a Coreia do Norte estará acabada. Sem a China, o regime de Kim Jong Un é completamente vulnerável. Para completar, informações secretas publicadas pelo WikiLeaks mostram uma comunicação confidencial sul-coreana garantindo que os líderes chineses teriam dito que seriam favoráveis à reunificação das duas Coreias a partir de Seul. Se isso soa contraditório, basta pensar sob o prisma do governo chinês: é preferível o fim da Coreia comunista a uma onda de instabilidade regional numa guerra protagonizada pelos EUA.

A estratégia para dar fim à ameaça norte-coreana, no entanto, pode ser arriscada. Se Kim Jong Un descobrir uma eventual aliança de bastidores entre China e EUA, aí sim ele pode decidir apertar os botões errados, já que entenderia o óbvio: o esquizofrênico regime da Coreia do Norte estaria a caminho do fim.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A crise das Coreias e a estratégia internacional dos EUA

Novamente, o ditadorzinho Kim Jong-un decidiu aumentar o tom das ameaças contra Coreia do Sul e EUA. Em parte este é o mesmo comportamento adotado por seu pai, mas há uma diferença importante: a intensidade do discurso e, principalmente, a dúvida sobre o quanto e quando este “querido líder” está disposto a transformar o jogo conhecido da Coreia do Norte em realidade.

Desta vez, o novo ditador do país quer mesmo ser levado a sério. Tem enviado fotos oficiais de suas forças armadas em treinamentos e disse que pode usar armamento nuclear contra sul-coreanos e americanos. Existe um consenso – que inclusive foi tema de post por aqui recentemente – que aposta neste tipo de manobra pitoresca como uma tentativa do novo líder de conseguir respeito. Faz sentido, na medida em que estamos falando do país mais isolado do mundo e que costuma repetir esta receita há 20 anos. No entanto, é uma situação para lá de arriscada se garantir somente em atitudes pregressas e ter a certeza de que este sucessor da linha de poder na Coreia do Norte não vai mesmo apertar os botões errados.

Os EUA também estão em alerta, afinal de contas têm recebido ameaças diretas e há muito que ser perdido caso Kim Jong-un decida seguir em frente com planos de agressão concretos. Escrevi sobre isso por aqui algumas vezes; é muito importante ter em mente que a presença dos americanos na Ásia tende a aumentar bastante, na medida em que a região se consolidou como um dos principais centros do comércio internacional. Este é um pilar da política externa dos EUA, uma dessas diretrizes que não mudam, seja lá qual for o ocupante da Casa Branca.

É por isso que Washington investe na proteção da Coreia do Sul e do Japão. A crise na península coreana é também uma ameaça de expulsão dos EUA. Os americanos certamente não irão abrir mão de sua estratégia internacional histórica em função das ameaças de Kim Jong-un. Até porque deixar a Ásia é abrir caminho para concorrentes importantes, entre eles o principal aliado das Coreia do Norte: a China.