Caros leitores: repararam como a guerra civil síria anda meio esquecida? Já são mais de 70 mil mortos desde 2011, mas, para a grande imprensa, o assunto acabou se tornando menos “interessante” e passou a se juntar a outros temas em que, basicamente, o noticiário internacional se resume a dar prosseguimento a uma espécie de contagem bizarra onde o texto é sempre o mesmo, bastando, somente, uma mera atualização matemática quanto ao número de mortos, feridos e o registro dos pontos onde ataques maiores acontecem. Mas, não se enganem, a imprensa não tem qualquer culpa disso.
Na prática, esta postura dos veículos apenas reflete o incômodo impasse em que a Síria se transformou. Havia a expectativa de que os confrontos seguissem o encadeamento do que se passou em Egito e Tunísia, dois dos países onde ao menos os ditadores históricos foram derrubados pela conexão entre pressão popular, mobilização da cobertura jornalística internacional e, principalmente, a mudança de fidelidade das mais importantes e numerosas fileiras das forças armadas nacionais.
Como se sabe, na Síria esta equação não apresentou resultados até o momento, justamente porque há uma intrincada rede de relações entre o fragmentado tecido étnico e religioso e as forças armadas. Ou seja, Bashar al-Assad foi bastante estratégico ao colocar em cargos-chave membros de fidelidades sectárias que lhe sustentam porque sabem que um futuro onde a maioria sunita da população (cerca de 70% dos sírios) detenha o poder será tão ruim a alauítas (minoria religiosa do qual os Assad fazem parte) quantos a xiitas (o outro principal grupo minoritário do país).
Esta estratégia tem funcionado por ora também porque este complexo cenário étnico e religioso transformou a criação de uma aliança de forças anti-Assad num problema para as potências internacionais (e mais fortemente aos EUA); a sunita rede terrorista al-Qaeda encontrou na Síria mais uma oportunidade de resgatar a relevância perdida entre os islâmicos. O raciocínio é até bem simples: derrubar Assad e dar poder à maioria sunita da população é uma narrativa para lá de poderosa e que pode encontrar algum eco regional. E, como sempre, um Estado nacional em decadência é terreno fértil para uma nova base do grupo repleta de potenciais seguidores e novos membros. Isso sem falar na importância incontestável do território sírio; imagine controlar ao menos uma parte de um país que faz fronteira com Israel, Turquia, Jordânia, Líbano e Iraque?
A confusão do Ocidente reside em todos esses dilemas. Não fazer nada, fingir que as 70 mil mortes não aconteceram e torcer para o próprio Bashar al-Assad resolver o assunto ou armar ainda mais os grupos que o combatem correndo risco altíssimo de mais uma aliança com a al-Qaeda (isso já aconteceu na Líbia há pouco tempo e todo mundo fingiu que não viu)?
Ainda nesta semana continuo o assunto, acrescentando que a chance de manter esta inércia é pequena em função das alegações cada vez mais numerosas de que Assad teria usado armamento químico contra a própria população.