A vitória do “não” no referendo da Grécia era óbvia. Mais além, era a única possibilidade real. O “não” sonoro do povo grego nas urnas nada mais é do que a reafirmação da impossibilidade de pagamento de uma dívida que ultrapassa R$ 1 trilhão. O país está quebrado de tal maneira que soa ridículo imaginar que seu governo será um dia capaz de pagar um montante dessa proporção.
Os credores apertaram os gregos de tal maneira, que agora a situação simplesmente chegou num ponto em que as ameaças já não surtem mais efeito. Este é sempre o maior risco de quem cobra dívidas; os gregos já perderam tanto, já reduziram emprego, padrão de vida e até consumo de alimentos, que há pouco o que temer. Apesar da possibilidade de ainda mais deterioração, a população já não está mais disposta a fazer concessões a credores que não acenam com melhorias de qualidade de vida. Não basta prometer que tudo irá melhorar daqui a dez anos. Os cidadãos querem empregos hoje, querem poder de compra, aposentadorias, salários.
Para azar dos credores, a corda foi esticada ao máximo. É mais ou menos isso que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, disse quando afirmou que “não havia mais nada a temer além do próprio temor”. O discurso pela restauração do orgulho nacional funcionou. Agora, os gregos podem voltar à mesa de negociações com a cúpula europeia tendo como sustentação um explícito apoio nacional. Este era o pior cenário para quem cobrava mais medidas de austeridade.
A Grécia está profundamente distante da liderança europeia, especialmente do governo alemão, que não se cansa em estigmatizar o sul da Europa numa manobra para lá de ineficaz. Nunca Atenas e Berlim estiveram em caminhos mais opostos. Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) admite oficialmente que os gregos precisam ter sua dívida aliviada. Os alemães se opõem.
Mas, como sempre faço questão de escrever por aqui, a crise europeia não foi inventada pela Grécia. Muito pelo contrário. A economia alemã precisa de consumidores para seu parque industrial sofisticado e concordou em emprestar dinheiro para aumentar a massa de compradores. Grécia, Espanha, Portugal, Itália foram beneficiados por essas medidas. Mas elas nunca teriam sido aprovadas se as economias consolidadas da Europa não tivessem concordado. Uma hora, a diferença entre os países iria resultar em débito. Não deu outra.
O aprofundamento da distância entre Alemanha e Grécia também tem efeitos políticos. Já escrevi sobre a aproximação entre Atenas e Moscou. Mas não se trata apenas disso. Ao envergar os gregos ao máximo, a chamada troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o FMI) parece esquecer o passado do continente. É consenso que as exigências feitas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, assinado após o fim da Primeira Guerra Mundial, facilitaram a popularização do nazismo.
É óbvio que a história não é hermética e não se reproduz numa máquina de xerox. Mas o cenário político grego é hoje um ambiente onde o extremismo encontra eco, à direita ou esquerda. O partido Aurora Dourada representa a extrema-direita grega, que culpa imigrantes pela situação do país, mantém milícia paramilitar para prender estrangeiros ilegais e cujos membros se locupletam em saudações nazistas. Nas últimas eleições, em janeiro, passou a ser o terceiro partido com mais representantes no parlamento grego.
Quanto mais a Grécia estiver isolada, quanto mais o nacionalismo soar como a única possibilidade de os cidadãos comuns não se submeterem a mais medidas de austeridade, mais difícil será imaginar um futuro em que os gregos percebam a União Europeia como parceira, não como algoz. Este é o momento de negociar uma solução real em que a grande dívida da Grécia seja reduzida de maneira significativa.
2 comentários:
elucidador meu caro henry
Muito obrigado, caro leitor. Valeu pela força.
Postar um comentário