Nascido e criado no Rio de Janeiro, eu corro sério risco de ser classificado como persona non-grata na cidade. Não por cometer crime de qualquer natureza, mas simplesmente por proferir uma frase que deve soar como heresia não apenas aos cariocas: não gosto do Leblon.
Segundo dados do município, o Leblon possui apenas 46.670 moradores. As estatísticas mostram que quase a totalidade é alfabetizada. Ao contrário do resto do país, simplesmente não há registro de mortalidade em nenhum dos critérios analisados (infantil, neonatal precoce, neonatal tardio e pós-neonatal). Mas isso é motivo de comemoração. Aliás, gostaria muito que esses números se repetissem nas demais regiões brasileiras. Entretanto, sei que as taxas altamente positivas não se devem de maneira nenhuma à ação do Estado. Ao contrário, são assim por sua completa ausência.
Os menos de 50 mil moradores do Leblon pouco se utilizam do aparato público. Às exceções dos acidentes de trânsito – não tem jeito, a primeira remoção obrigatoriamente é para um hospital do governo – queixas na delegacia ou passeatas contra aumento do IPTU, não há motivos para lembrar do falido ente estatal. Os dados mostram também que, em 2004, dos partos ocorridos no bairro, 105 foram vaginais e 249, cesarianas. Mas nada disso me fez implicar com o Leblon.
São os nativos que me incomodam em minhas caminhadas pela praia ou na disputa por um suco de limão num de seus diversos bares. Ninguém caminha impunemente pelas calçadas. Falta espontaneidade. Os despojados fingem, os metidos atuam e até os cachorros passeiam com ar blasé. Dizem que a coisa piorou depois que o bairro virou cenário constante das novelas de Manoel Carlos. O resultado disso é um ambiente tão opressor, que o ar só começa a ficar menos pesado ali pelas imediações da Lagoa (já a caminho de Botafogo ou do túnel Rebouças).
Nada é por acaso no Leblon. Se os filhos da classe alta começam a andar de skate, pronto. Já é moda. Se andam de esqui na neve, é atitude. E pensar que todas aquelas cesarianas e partos vaginais de 2004 em breve estarão protagonizando e ditando o destino do bairro cujo metro quadrado é o mais caro do país: R$ 12 mil. Para se ter idéia, a mesma metragem na área nobre de São Paulo – a cidade mais rica do Brasil – custa 33% menos.
Mas minhas lembranças não são de todo ruins. Numa época em que a água lembrava menos canjica com canela, era ali – já quase no Mirante – que meu avô me levava para nadar. Ele parecia um boto, tamanha sua desenvoltura (onde quer que você esteja, vô, isso foi um elogio, viu?). Apesar de não gostar de sair tarde da praia (hábito herdado geneticamente), encontrava ânimo de ir à padaria comprar um pão que nunca chegava inteiro em casa.
Também foi ali, especificamente na Cupertino Durão, que experimentei as primeiras ansiedades da pré-adolescência. Nas festas com hora marcada para começar e terminar (sempre de 17h às 21h), dei meus primeiros e derradeiros passos de dança. Parece que foi ontem, mas eu achava o máximo imitar as coreografias de Michael Jackson (eu e ele já apresentávamos sinais de decadência) naquelas tardes de sábado nas pistas da Mikonos ou da Vogue. Todo mundo vibrava com Billy Idol e Information Society. Aos 11 anos de idade, a grande expectativa daquelas crianças era pelos acordes iniciais de Paula Abdul e Bruce Springsteen. A música lenta marcava a oportunidade de dançar nem tão coladinho assim com aquela garota da fileira da frente ou, na pior das hipóteses, com a vassoura (símbolo máximo da humilhação vespertina).
E no final da tarde desta sexta-feira pensei nisso tudo ao mesmo tempo. Caminhando pelo calçadão da praia pouco movimentado num dia chuvoso, percebi que o glamour ficou um pouco distante. O meu avô já não está mais aqui pra me levar à praia ou às festinhas. Os tempos de escola já se acabaram há quase dez anos. Os problemas são bem mais sérios e complicados do que a vergonha por ser interrompido numa coreografia oitentista pela surpreendente aparição da minha mãe vindo me apanhar. Mas acho que devia este texto ao Leblon, um bairro que nunca foi meu mas que mesmo assim faz parte do que eu sou hoje.
Segundo dados do município, o Leblon possui apenas 46.670 moradores. As estatísticas mostram que quase a totalidade é alfabetizada. Ao contrário do resto do país, simplesmente não há registro de mortalidade em nenhum dos critérios analisados (infantil, neonatal precoce, neonatal tardio e pós-neonatal). Mas isso é motivo de comemoração. Aliás, gostaria muito que esses números se repetissem nas demais regiões brasileiras. Entretanto, sei que as taxas altamente positivas não se devem de maneira nenhuma à ação do Estado. Ao contrário, são assim por sua completa ausência.
Os menos de 50 mil moradores do Leblon pouco se utilizam do aparato público. Às exceções dos acidentes de trânsito – não tem jeito, a primeira remoção obrigatoriamente é para um hospital do governo – queixas na delegacia ou passeatas contra aumento do IPTU, não há motivos para lembrar do falido ente estatal. Os dados mostram também que, em 2004, dos partos ocorridos no bairro, 105 foram vaginais e 249, cesarianas. Mas nada disso me fez implicar com o Leblon.
São os nativos que me incomodam em minhas caminhadas pela praia ou na disputa por um suco de limão num de seus diversos bares. Ninguém caminha impunemente pelas calçadas. Falta espontaneidade. Os despojados fingem, os metidos atuam e até os cachorros passeiam com ar blasé. Dizem que a coisa piorou depois que o bairro virou cenário constante das novelas de Manoel Carlos. O resultado disso é um ambiente tão opressor, que o ar só começa a ficar menos pesado ali pelas imediações da Lagoa (já a caminho de Botafogo ou do túnel Rebouças).
Nada é por acaso no Leblon. Se os filhos da classe alta começam a andar de skate, pronto. Já é moda. Se andam de esqui na neve, é atitude. E pensar que todas aquelas cesarianas e partos vaginais de 2004 em breve estarão protagonizando e ditando o destino do bairro cujo metro quadrado é o mais caro do país: R$ 12 mil. Para se ter idéia, a mesma metragem na área nobre de São Paulo – a cidade mais rica do Brasil – custa 33% menos.
Mas minhas lembranças não são de todo ruins. Numa época em que a água lembrava menos canjica com canela, era ali – já quase no Mirante – que meu avô me levava para nadar. Ele parecia um boto, tamanha sua desenvoltura (onde quer que você esteja, vô, isso foi um elogio, viu?). Apesar de não gostar de sair tarde da praia (hábito herdado geneticamente), encontrava ânimo de ir à padaria comprar um pão que nunca chegava inteiro em casa.
Também foi ali, especificamente na Cupertino Durão, que experimentei as primeiras ansiedades da pré-adolescência. Nas festas com hora marcada para começar e terminar (sempre de 17h às 21h), dei meus primeiros e derradeiros passos de dança. Parece que foi ontem, mas eu achava o máximo imitar as coreografias de Michael Jackson (eu e ele já apresentávamos sinais de decadência) naquelas tardes de sábado nas pistas da Mikonos ou da Vogue. Todo mundo vibrava com Billy Idol e Information Society. Aos 11 anos de idade, a grande expectativa daquelas crianças era pelos acordes iniciais de Paula Abdul e Bruce Springsteen. A música lenta marcava a oportunidade de dançar nem tão coladinho assim com aquela garota da fileira da frente ou, na pior das hipóteses, com a vassoura (símbolo máximo da humilhação vespertina).
E no final da tarde desta sexta-feira pensei nisso tudo ao mesmo tempo. Caminhando pelo calçadão da praia pouco movimentado num dia chuvoso, percebi que o glamour ficou um pouco distante. O meu avô já não está mais aqui pra me levar à praia ou às festinhas. Os tempos de escola já se acabaram há quase dez anos. Os problemas são bem mais sérios e complicados do que a vergonha por ser interrompido numa coreografia oitentista pela surpreendente aparição da minha mãe vindo me apanhar. Mas acho que devia este texto ao Leblon, um bairro que nunca foi meu mas que mesmo assim faz parte do que eu sou hoje.