Com mais de 17 mil mortos na Guerra civil da Síria, o mundo novamente assiste, de mãos cruzadas, à decadência dos atores internacionais. Está muito claro que os direitos humanos ou mesmo a luta em defesa das vidas dos civis que estão vivos (sabe-se lá até quando) não representam qualquer preocupação para as potências. China e Rússia seriam, em tese, as maiores prejudicadas pela escalada de violência, uma vez que, sempre que se levanta a possibilidade de sanções mais firmes ao governo de Bashal al-Assad, são os dois países os responsáveis por impedir a aprovação nas Nações Unidas.
Já foram três vezes, três oportunidades em que dirigentes chineses e russos disseram, por meio de seus votos, que “não estão nem aí para a população civil síria”. Esta última quinta-feira marcou mais uma derrota internacional a partir do pedido de demissão do ex-secretário geral da ONU Kofi Annan. Enviado conjunto da Liga Árabe e das Nações Unidas para tentar encontrar alguma solução pacífica e política em território sírio, o diplomata de carreira vitoriosa preferiu abandonar o cargo que poderia lhe conferir uma mancha trágica no currículo. Para ser mais justo com Annan, é bem possível que não se trate tão somente de vaidade profissional, mas da percepção da impossibilidade de evoluir – à exceção do número de mortos, muito pouco parece em curva ascendente na Síria.
Apesar desta imobilidade institucional, as grandes potências não abrem mão da política de bastidores. E elas incluem a possibilidade de “botas no solo”, numa tradução literal de uma expressão comum usada pela imprensa internacional. Segundo a agência Reuters, o presidente Barack Obama já teria assinado a autorização que permite apoio dos EUA aos grupos de oposição sírios. A CIA e outras agências de segurança poderiam atuar no país, dando ainda mais praticidade ao principal interessado na derrubada do regime: a Turquia.
O apoio dos americanos aos turcos não é estranho, uma vez que Washington quer estar ao lado dos vencedores. Como é bem provável que Bashar al-Assad caia em algum momento, é bom ter livre acesso ao que vai sobrar do país. Como seria estranho o envolvimento americano logo de cara, é importante colar com a Turquia, Estado muçulmano vizinho à Síria e que, nos últimos anos, sobra na dianteira de qualquer pesquisa sobre admiração em países árabes e muçulmanos. É claro que esta aliança não será alardeada – não é bom a nenhum dos dois países –, mas ela já está acontecendo; a cooperação entre militares turcos e agentes de segurança dos EUA tem sido estreita na fronteira entre Turquia e Síria.
E, claro, nada disso poderia ser ignorado pela Rússia. Sim, como já escrevi outras vezes, Putin e sua turma acreditam que até hoje a Rússia é o país mais importante do mundo. No caso da Síria, não se trata somente desta questão de autoestima esquizofrênica, mas também do fato de os russos terem mantido ao longo do século vinte uma relação bastante próxima aos sírios – como curiosidade, as escolas sírias ensinavam russo como segundo idioma. As entranhas da parceria vão muito além disso; somente no ano passado, a Síria respondeu por 8% das exportações de armamento de Moscou; a Rússia mantém a base de Tartus, no território sírio, único porto sob controle russo no Mediterrâneo.
É claro que o Kremlin não assiste de braços cruzados a todas essas movimentações que põem em risco a estabilidade de seu principal aliado no Oriente Médio. Além de blindar Bashar al-Assad no único fórum realmente importante das Nações Unidas, o Conselho de Segurança, Putin decidiu partir para a ação; segundo a Reuters, três navios do país com 120 fuzileiros navais a bordo são esperados no porto de Tartus. Segundo a fonte que passou a informação, o objetivo é meramente protocolar: efetuar reparos e reabastecer a base com suprimentos.
Mas que a situação se encaminha para um desfecho, não tenho qualquer dúvida. E aparentemente de forma dramática; afinal de contas, não se pode desconsiderar que dois dos grandes atores internacionais estarão em território sírio: EUA e Rússia. Isso sem falar das conhecidas variáveis que tornam o Oriente Médio a região mais explosiva do planeta.
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