quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A escada de Putin

Em função de problemas técnicos por aqui acabei não escrevendo sobre o importante acordo entre Rússia e EUA que, ao menos por ora, impediu um ataque americano ao governo de Bashar al-Assad. Cabe a mim corrigir este atraso e fazer uma análise rápida. Como escrevi no post anterior, a grande vitória foi do realismo político. E complementando o que já disse, Washington e Moscou concluíram em conjunto que a saída diplomática resolve por enquanto o problema de ambos. 

Gostei muito de uma metáfora de Ariel Cohen, especialista em estudos de Rússia e Eurásia da Fundação Heritage. Para ele, “Vladimir Putin exerceu papel fundamental ao oferecer a Obama uma escada para descer”. Acho essa imagem perfeita porque resume bem a situação em que se encontrava o presidente americano, como escrevi por aqui ao longo deste último mês. Obama não queria atacar, mas se viu emboscado pelo histórico de suas abordagens à crise síria. 

A Rússia mostrou uma enorme capacidade analítica e teve muito mérito ao transformar a crise em oportunidade. De uma só vez conseguiu baixar a temperatura de sua relação com os EUA (abalada principalmente em função do abrigo institucional dado a Edward Snowden, que expôs internacionalmente o sistema de espionagem da Agência Nacional de Segurança), evitar ou adiar a intervenção na Síria, manter sua base estratégica no país (em Tartus, base sobre a qual já comentei por aqui algumas vezes), retomar seu protagonismo no cenário internacional (e no Oriente Médio, em particular) e, ao mesmo tempo, mostrar ao mundo que, de certa forma, ainda pode confrontar os EUA. 

Todos esses ganhos geopolíticos foram alcançados com permissão americana. Se este será um preço alto demais a ser pago pela maior potência do planeta, ninguém pode dizer. Mas o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e Barack Obama aceitaram ceder porque perceberam que não tinham outra saída. A ideia do presidente americano era submeter ao Congresso a eventual decisão de levar adiante uma ação militar na Síria. A um ano das eleições na Câmara e no Senado, era muito pouco provável que senadores e deputados americanos votassem a favor de uma nova guerra no Oriente Médio. Obama sabia que perderia também em casa. 

A percepção política é tão importante quanto resultados práticos. Muita gente considera que a saída diplomática oferecida pela Rússia ao EUA resultou numa vitória russa. Eu acho que Obama também venceu, pelo menos diante da opinião pública americana. Seja como for, quem continua perdendo é a população civil síria. Na prática, as potências deixaram claro que Assad e os rebeldes podem continuar se enfrentando nesta guerra civil que já matou cem mil pessoas, desde que não usem armamento químico. Como diria Tim Maia, “o resto vale”. 

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