Ao longo da cobertura dispensada às sempre provocativas declarações do agora ex-presidente iraniano sobre o Holocausto, senti falta da elaboração de uma análise acerca do ponto fundamental do incômodo que este assunto causa ao Ocidente e à Europa em particular. Os judeus ficavam revoltados – com razão – quando Ahmadinejad questionava o Holocausto, o que soava ainda mais absurdo porque não deixou de fazê-lo nem mesmo na própria ONU (organização que nasceu dos escombros da Segunda Guerra Mundial).
Do ponto de vista europeu institucional, a negação do Holocausto pode ser interpretada também como a negação explícita de parte fundamental da história do continente. A concretização do plano de genocídio em massa dos judeus foi realizada por europeus em solo europeu e moldou a identidade de toda a Europa tal como a conhecemos hoje.
E não somente isso: o próprio Holocausto não foi um fenômeno pontual da história europeia, mas a consequência perversa de 20 séculos de perseguições e assassinatos em massa de judeus europeus. Infelizmente, muitas vezes o contexto acaba esquecido diante da necessidade muito pontual da informação jornalística, mas o ódio de hitler aos judeus não era somente uma aberração fruto da mente doentia do então jovem austríaco que dedicou seu livro “Mein Kampf” a, entre outros assuntos, explicitar sua obsessão pelo povo judeu; o antissemitismo era um traço da identidade europeia bastante comum. A dramática concretização do plano de pôr fim aos judeus da Europa acompanhou a trajetória da construção do continente por 20 séculos, como escrevi. O Holocausto não aconteceu onde aconteceu por acaso.
Ainda mais perverso é o fato de o genocídio ter ocorrido na Europa pós-iluminista, quando boa parte dos países vivia o momento geracional posterior ao que consideravam como o período de maior esclarecimento intelectual. A decisão e execução do plano de acabar com os judeus europeus foram realizadas por pessoas que estavam longe da barbárie, mas que se debruçaram disciplinadamente sobre cálculos e métodos para dar cabo do genocídio de forma complexa e eficiente.
Quando Mahmoud Ahmadinejad negava o Holocausto ou relativizava sua importância, também questionava, além da história dos judeus em si, a constituição identitária da Europa.
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