Em 2006, visitei o hospital em Tel Hashomer onde o ex-primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon estava internado. Ele havia entrado em coma em janeiro daquele ano e, como eu morava numa cidade próxima e trabalhava para um veículo de comunicação brasileiro, decidi aparecer no hospital para saber de seu estado de saúde. Logo descobri que a ideia não era nada boa. Fui censurado por três funcionários que consideraram a minha atitude absurda: simplesmente aparecer acreditando que, daquela maneira, conseguiria obter informações.
A visita acabou sendo muito produtiva porque no final das contas fui muito bem tratado ao me identificar como jornalista brasileiro. Logo recebi as informações que queria e ainda saí de lá inscrito no mailing oficial de todos os correspondentes em Israel. Desde então, passei a receber os boletins médicos do ex-primeiro-ministro.
Este foi o meu contato mais próximo com Sharon, um dos líderes mais importantes e controversos do Estado judeu. Protagonista da cena política e militar do país nos últimos 60 anos (e este período é quase o mesmo do renascimento israelense como Estado), Arik, como era chamado, participou direta ou indiretamente de suas principais decisões e empreitadas.
Como militar, foi dele a infeliz ideia de invadir o Líbano, em 1982, para expulsar as forças da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) do território da onde atacavam as cidades e comunidades do norte de Israel. Digo infeliz porque o episódio rendeu os piores resultados humanitários a Israel e uma das mais graves acusações ao próprio Sharon (acabou acusado de negligência no episódio que ficou conhecido como o Massacre de Sabra e Chatila, quando centenas de palestinos foram assassinados pela Falange Cristã Libanesa). Um inquérito israelense considerou Sharon indiretamente culpado do ocorrido, mas seu nome seria associado ao caso pelos seus detratores.
O líder de Israel também acumulou vitórias, como nas batalhas que comandou em 1967 e 1973 (na Guerra do Seis Dias e de Yom Kippur, respectivamente). Em 1981, foi dele também a ideia de bombardear Osirak, o reator nuclear iraquiano. Desta maneira, Israel conseguiu impedir de vez o avanço do programa atômico de Saddam Hussein numa operação tida como sucesso absoluto.
Como político, Sharon foi pragmático, virtude que alcançou graças a suas vitórias militares. Se após a conquista de 1967 foi um dos principais aliados do projeto de colonização judaica no deserto do Sinai, pouco mais de uma década depois lá estava ele de volta ao território para retirar cidadãos israelenses e devolver o deserto ao Egito, de forma a fazer valer o primeiro e histórico acordo do país com um Estado árabe. Também em 2006 fiz um documentário com cidadãos israelenses que foram retirados por Sharon de Gaza, no ano anterior. Este grupo era particularmente antagônico ao ex-primeiro-ministro, justamente porque eles haviam sido retirados do Sinai, posteriormente estabelecidos em Gaza e, naquele momento, retirados de Gaza. Eram membros do assentamento de Elei Sinai, israelenses que haviam sido expulsos de territórios árabes graças a decisões políticas de Israel. Eram judeus retirados de pedaços de terra reivindicados por Egito e palestinos duas vezes. Duas vezes expulsos por Ariel Sharon.
É impossível rever sua biografia sem pontuar esses aspectos. Durante 60 anos, ele se expôs, mudou de ideia e pôs em prática o que pensava. Por ironia ou azar de seus inimigos, seu último ato foi justamente o de acabar com todos os assentamentos judeus em Gaza, retirando cada um dos nove mil judeus do território e entregando-o aos palestinos.
Segundo a revista Time, há indícios que mostram que sua ideia era fazer o mesmo na Cisjordânia; definir uma fronteira definitiva, esvaziar os assentamentos judeus e resolver o conflito dos palestinos desta forma, riscando uma linha no mapa e pronto. Sharon não acreditava que houvesse liderança palestina forte o bastante para se comprometer com a paz. E aí, ele, pouco a pouco, colocava em prática algo com o que passou a concordar: não era possível a Israel se manter como um Estado judeu e democrático ocupando população árabe. Este é um conceito básico da esquerda israelense e com o qual concordo plenamente.
Em seus últimos anos, Sharon se consolidou como figura forte o bastante para transformar o que pensava em ações reais. Tão forte que, para azar do Oriente Médio, depois de sua morte, não há no horizonte da cena política israelense alguém capaz de tomar grandes decisões como a de seu grande último ato em vida. É assim que Sharon será lembrado: como um líder israelense do peso dos grandes líderes do país. Líderes que fazem cada vez mais falta
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