A princípio as conversas entre as seis potências ocidentais e autoridades nucleares do Irã não chegaram a lugar algum. Se esta notícia soa alarmante num primeiro momento, é preciso examinar algumas camadas importantes que estão abaixo da superfície de manchetes pouco explicativas. Nem tudo parece ser como é, claro.
Não há grandes rompimentos, apesar da suposta ausência de avanços nas negociações. Todos concordaram que será necessário um novo encontro, no mês que vem, em Moscou. Agora, vamos ao que pode estar por trás disso tudo. Matéria do Haaretz, jornal israelense de prestígio internacional, garante que o atual governo de Israel estaria disposto a recuar e a aceitar que o Irã enriquecesse urânio a 3,5%. Esta reportagem credita a fontes confiáveis tais revelações e acrescenta que diante da imprensa mundial o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu continuaria a se manter inflexível e a exigir a interrupção total do programa nuclear iraniano.
Tais revelações teriam sido confirmadas por uma carta do ministro da Defesa, Ehud Barak. Poucos veículos repercutiram a matéria do Haaretz, muito embora ela seja de suma importância em qualquer análise estratégica. Eu realmente não duvido das informações divulgadas pelo jornal, principalmente porque este recuo de Israel faria sentido diante do cenário mais amplo. Jerusalém não pode perder mais aliados internacionais e o gesto demonstraria boa vontade com parceiros importantes, como os países europeus e, mais ainda, os EUA. Netanyahu e Obama nunca foram amigos, mas este passo atrás mostra também mudanças fundamentais na condução da linha de defesa do atual gabinete.
Em primeiro lugar, Netanyahu e Barak assumiriam a falta de disposição momentânea para levar adiante um projeto de intervenção militar no programa nuclear do Irã. A sociedade israelense está dividida sobre o assunto e não há vontade popular consensual que aponte este caminho. Mais: a atuação menos visceral e mais pragmática pode também ser efeito da ampla coalizão com o centrista Kadima, partido que até o início do mês representava a principal força de oposição ao Likud (partido de Netanyahu) e que, de forma surpreendente, passou a integrar o governo.
Se houve uma mudança tão drástica de estratégia, ela responde, pelo menos num primeiro momento, a algumas dúvidas: pode explicar em parte as razões de o Kadima ter se juntado a seus opositores políticos; e pode explicar também o que o Kadima pretendia com isso: segurar os ímpetos de Netanyahu, dando contornos mais “cerebrais” ao governo israelense. É melhor se juntar aos inimigos e ter alguma influência num momento tão importante e decisivo do que ficar do lado de fora e assistir de braços cruzados ao país rumar para a guerra e perder aliados importantes.
Se é verdade mesmo que Jerusalém se dispôs a aceitar o Irã com algum percentual de urânio enriquecido, tal decisão se deve, basicamente, à busca por uma acomodação com os aliados e o alcance de um novo patamar, onde Israel passaria a agir menos visceralmente e mais estrategicamente. Se esta for a nova realidade, Israel estará atingindo seus inimigos com muito mais eficiência do que o fez até agora.
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