terça-feira, 31 de julho de 2012

Apoio de Mitt Romney à direita israelense tem menos a ver com os judeus americanos do que se pode imaginar

É chato dizer isso, mas mesmo durante as Olimpíadas existe um mundo inteiro que continua a se desdobrar em trabalho e acontecimentos. E esses acontecimentos incluem também a política internacional, os atentados terroristas, as ameaças de guerra e as muitas campanhas políticas. Entre elas, a mais importante de todas, a que vai definir o próximo presidente americano. E digo isso sem nenhuma ironia. Sou um apaixonado por esportes e realmente adoraria passar os dias em frente à televisão acompanhando as competições. 

Mas política é quase como esporte. A única diferença é que lealdade é rara, raríssima. E numa disputa tão pesada e árdua quanto as eleições americanas, os candidatos parecem dois competidores de cabo-de-guerra, modalidade que, por mais estranho que pareça, já fez parte dos jogos olímpicos. Quem partiu para o ataque agora foi Mitt Romney, candidato republicano. 

Em tour internacional por Grã-Bretanha, Polônia e Israel, ele demonstrou que, se eleito, conseguirá bater o recorde de polêmicas e asneiras de seu antecessor republicano na Casa Branca, George W. Bush. Em Londres, criticou a organização dos jogos (obteve a britânica resposta de que, evidente, é muito mais fácil realizar a competição “no meio do nada”, menção clara aos jogos de inverno em Salt Lake City, em 2002, em que Romney foi o principal organizador – e também figura central do polêmico investimento de 1,5 bilhão de dólares dos cofres públicos, cifra maior do que a somatória de todo o investimento nos setes jogos olímpicos realizados nos EUA desde 1904). 

No Oriente Médio, onde pouco já faz muito barulho, o candidato aprontou mais. Dentre outras besteiras, disse que o desenvolvimento israelense se deve a questões culturais; “a cultura faz toda a diferença”. Já ganhou antipatia dos palestinos e do todo os países árabes e islâmicos. Etnocentrismo não apenas é errado sob qualquer ponto de vista, como também costuma causar estragos entre os atores da região. Romney ganhou a simpatia do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Mas ele já havia vencido a disputa com Obama mesmo antes de chegar ao país. Aliás, para ser mais preciso, qualquer um que fosse o escolhido do partido Republicano já estaria ao lado do primeiro-ministro israelense; é fato conhecido o péssimo relacionamento entre os atuais ocupantes dos governos em Washington e Jerusalém. 

Como um dos esportes favoritos deste blog é relativizar os lugares-comuns, é importante dar algumas informações antes de os leitores chegarem a suas próprias conclusões: quando Romney vai a Israel e faz todo o jogo da direita americana, ele não está buscando cativar o chamado “voto judaico” nos EUA (não gosto dessa expressão porque ela pode levar a crer que os judeus votam em bloco, como se o pensamento judaico fosse uma espécie de monólito, o que não é). Até porque, tradicionalmente, os judeus apoiam o partido Democrata. Nas últimas eleições presidenciais americanas, 75% dos judeus votaram em Barack Obama. Atualmente, 65% dos judeus nos EUA disseram que têm a intenção de reeleger Obama. Ora, então qual o sentido da aliança entre Romney e o atual gabinete israelense?

Walter Russel Mead, colunista do American Interest, apresenta uma análise interessante sobre o assunto e com ela encerro o posto de hoje:

Apoiar Israel é uma maneira de Mitt Romney se colocar como o representante legítimo de um suposto conceito de “americanismo” em oposição aos valores de Obama – muitas vezes identificados com a Europa, por exemplo. 

Tem muito pouco a ver com o que os judeus americanos pensam ou mesmo com a representatividade do “voto judaico” nos EUA – algo em torno de 2% dos eleitores. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

A Síria, o fracasso das Nações Unidas e a oportunidade ao Brasil



A luta na Síria não está para terminar, mas o regime de Bashar al-Assad caminha a passos largos para a desintegração. Escrevi muitas vezes por aqui que o “segredo” do colapso dos regimes durante a Primavera Árabe era a mudança de fidelidade das forças armadas. O caso sírio é exatamente igual: se a massa de membros do poder coercitivo trocar de lado, este será o fim do governo Assad. Como importantes aliados militares do presidente-ditador estão justamente em rota de fuga, é só uma questão de tempo. Resta saber quanto tempo. Esta é a pergunta que vale o futuro do Oriente Médio. 


Enquanto isso, aumenta a preocupação quanto às perspectivas do Estado sírio. É curioso perceber que, agora, analistas e a grande imprensa cogitam até com certa frequência a própria desintegração do país. Este é o pior cenário a todos os envolvidos. A Síria ruiria em regiões de acordo com fidelidades religiosas. Aos alauítas – atualmente no comando do país – caberia a menor porção do território. Ou ficarão isolados ou se unirão aos igualmente minoritários xiitas. Numa situação hipotética, a grande vitória seria dos sunitas – o que quebraria ao meio a aliança entre Síria, Irã e Hezbollah, transformando o Irã num Estado ainda mais pária. 


Para evitar que isso aconteça, Irã e Síria contam com dois aliados de peso no Conselho de Segurança da ONU: Rússia e China. Ambos farão de tudo para impedir que este exercício de análise se transforme em realidade. Não porque estejam de fato muito preocupados com a aliança xiita, mas porque querem impedir a todo custo a abertura de um precedente importante; se houver uma intervenção militar no território sírio, ficará evidente aos olhos de todo o mundo que ela terá sido motivada pelo consenso quanto aos graves abusos dos direitos humanos. De maneira mais fria: um presidente perderá a soberania sobre suas funções, população e território porque as Nações Unidas terão chegado à conclusão que ele ultrapassou qualquer limite relativo à proteção da vida de seus próprios cidadãos. 


Tudo isso faz sentido, certo? Quer dizer, se esta for a conclusão do Conselho de Segurança da ONU, ainda haverá esperanças a todos nós. Dirigentes russos e chineses não pensam desta forma, muito pelo contrário. A aprovação internacional a uma intervenção na Síria é, para esses países, o início de uma ameaça a seus próprios governos. A China é um Estado cujo partido único mobiliza dinheiro, manobras políticas e esforços tecnológicos para silenciar dissidentes. A Rússia também enfrenta acusações internas e externas questionando o monopólio político capitaneado pelo presidente Vladimir Putin e seus métodos de punição a jornalistas e grupos de oposição. Na prática, Rússia e China se recusam a assinar embaixo de uma decisão que, eventualmente, poderia ser usada contra os dois países – muito embora não acredito que haja disposição para tal num futuro próximo. 


O impasse na Síria é fundamental para entender a própria configuração do sistema internacional – e este assunto interessa muitíssimo ao Brasil, que reivindica assento permanente no Conselho de Segurança. Da maneira como funciona hoje, os membros permanentes precisam aprovar por unanimidade qualquer decisão. E não vão aprovar qualquer intervenção em território sírio justamente por conta do que escrevi nos parágrafos acima. E esta contradição – sim, porque na verdade a imobilidade representa o aumento diário das estatísticas de mortos – deveria ser exposta por aqueles que pretendem alterar o sistema da maneira como ele está constituído. O Brasil poderia ser mais incisivo nas críticas, uma vez que se coloca como o país que se opõe às injustiças e contradições internacionais. O silêncio e a crítica velada atendem a Assad, mas também às expectativas de chineses e russos. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Atentado na Bulgária: cenário de insegurança aos israelenses pode ser mais um elemento de instabilidade no Oriente Médio


O atentado cometido nesta quarta-feira contra um ônibus repleto de turistas israelenses na Bulgária é estranho. O principal ponto de questionamento é o fato de, pelo menos até agora, nenhum grupo terrorista ter assumido a responsabilidade. Ao contrário do que talvez muita gente possa imaginar, a autoria deste tipo de assassinato coletivo de civis é motivo de orgulho para esses grupos, não o contrário. Na lógica perversa do Oriente Médio, episódios como o desta quarta-feira são justificados como parte de lutas de libertação e outros motivos tortos. 

Atentados terroristas são sempre condenáveis. Por mais que venham embalados em argumentos, lutas nacionais, esforços de libertação etc, assassinar civis nunca merece qualquer relativização. É uma forma de atuação simplesmente inaceitável. 
O que aconteceu na Bulgária pode, inclusive, mudar o cenário regional mais amplo no Oriente Médio. É o tipo de ação que deixa o governo israelense em busca de respostas. E já há quem afirme que o episódio pode marcar uma mudança profunda na postura de Israel, levando o país a tomar atitudes mais drásticas. 

Esta é a opinião de John Bolton, ninguém menos que o ex-embaixador dos EUA na ONU e atual conselheiro para assuntos internacionais de Mitt Romney, candidato republicano à presidência americana. A verdade é que o atentado na Bulgária é representativo demais: ocorreu justamente na mesma data em que, 18 anos atrás, terroristas explodiram a AMIA, instituição importante da vida comunitária judaica na Argentina. As investigações do governo argentino apontam indícios da participação iraniana neste caso; e o principal suspeito, o general Ahmad Vahidi, é hoje ministro de Defesa do Irã. 

Os últimos dois anos têm sido especialmente movimentados para os serviços de segurança israelenses. Foram frustrados atentados contra alvos de Israel na Turquia, Grécia, Azerbaijão, Tailândia e Quênia. Na semana passada, autoridades do Chipre disseram ter desarticulado um plano conjunto de Irã e Líbano para atacar turistas israelenses em visita ao país. Por maiores que sejam os esforços de Jerusalém, é impossível dar segurança a todos os cidadãos no exterior. E se este raciocínio se estender às comunidades judaicas, então realmente sempre haverá alvos mais fáceis fora do território israelense. 

O ministro da Defesa Ehud Barak, o das Relações Exteriores Avigdor Lieberman, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o presidente Shimon Peres foram unânimes na afirmação de que o Irã está envolvido no atentado na Bulgária. Segundo esta versão, a milícia xiita libanesa Hezbollah teria agido sob os auspícios de Teerã. Num contexto mais amplo, a instabilidade na Síria pode por no colo do Hezbollah o armamento das forças de Bashar al-Assad (caso o presidente-ditador seja deposto num futuro próximo). Esta é a teoria de Jerusalém agora e que tem sido contestada por Washington. As autoridades de Israel teriam consultado os americanos sobre a possibilidade de agir na Síria antes de o armamento ser enviado ao Líbano do Hezbollah. Os EUA não concordam e tentam impedir Israel. 

A minha teoria é que, depois do que ocorreu na Bulgária, Netanyahu vai insistir em tomar uma atitude. Principalmente se ficar claro que os iranianos estão mesmo envolvidos até o pescoço nisso. Os outros atentados contra alvos israelenses no exterior puderam ser evitados ou tiveram consequências menos graves. A morte de seis turistas é diferente. Principalmente porque representa neste momento a exacerbação de duas instabilidades: a regional e a do exterior. Vale lembrar que segurança é a maior obsessão do gabinete israelense. Ver o país afundado em incertezas regionais e a população em frequente ameaça em território internacional é o tipo de marca que, definitivamente, este governo não quer deixar.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Se a al-Qaeda tomar a Síria, o jogo regional no Oriente Médio muda por completo


É certo que a al-Qaeda está atuando na Síria. E várias das “franquias” do grupo terrorista: a al-Qaeda do Iraque e também sua versão conhecida como al-Qaeda da Península Arábica. Em jogo a vitória geopolítica que envolve não apenas a derrubada do regime alauíta de Assad e seus aliados xiitas, mas a também a desconstrução do próprio Estado sírio e da aliança xiita entre Síria e Irã. 

A vitória do grupo terrorista sunita serve a interesses de grupos distintos: ao eixo sunita – representando principalmente pelas monarquias do Golfo Pérsico e o Egito – apoiado pelos EUA e, parece, pelo Turquia – cuja posição de independência estratégica fez com que seu governo se aproximasse, neste momento, do Ocidente. Se Assad cair, este poderá ser o golpe fatal nas pretensões dos xiitas – leia-se, Irã. 

Ao contrário do que se imagina, a queda do Irã através da derrubada de Assad não atende, necessariamente, às expectativas de Israel. Se a situação de impasse entre israelenses e sírios existe desde a fundação do Estado judeu, em 1948, trata-se, no entanto, de um impasse relativamente tranquilo. Israel e Síria não desfrutam de relações de qualquer natureza, muito pelo contrário. No entanto, a fronteira síria é a mais calma, do ponto de vista israelense. Há pouca movimentação e o que existe, na prática, é uma espécie de acordo silencioso. 

Para Israel, Bashar al-Assad é um ditador que se opõe à própria existência do Estado judeu. Mas ele não representa uma ameaça real e, ao menos, os serviços de inteligência israelenses já o conhecem profundamente. Seus movimentos são monitorados e o perigo que as forças sírias representavam em tempos de estabilidade no país era próximo de zero. Mas se o presidente-ditador for deposto e o Estado sírio entrar em colapso, esta situação muda por completo. E, mais ainda, se a Síria se transformar num posto avançado da al-Qaeda, é bem provável que a fronteira entre o país e Israel volte a ser o lugar movimentado de outros tempos, exigindo esforços de segurança e inteligência por parte de Jerusalém. 

Vale o exemplo egípcio. Até hoje ninguém sabe quais serão as diretrizes deste novo país – isso porque Mubarak foi deposto pelos militares, houve eleições e, bem ou mal, as instituições do Egito continuam a existir. Imagine se a Síria se transformar num novo Iêmen? Ou numa nova Somália? – dois dos frágeis Estados que acabaram entrando em colapso muito por conta da atuação da al-Qaeda. 

terça-feira, 10 de julho de 2012

Na Síria, mais um capítulo da disputa entre sunitas e xiitas


É impossível fazer qualquer análise sobre o Oriente Médio sem levar em consideração as distinções religiosas. A situação na Síria seria resolvida com muito mais facilidade se não fosse por este importante entrave. É ele que está no centro do atual impasse e não se pode imaginar qualquer solução que ignore este assunto. Até agora, nenhuma dos planos ocidentais conseguiu ser criativo o bastante para lidar com a guerra civil de fato na Síria – e, mais ainda, com o conflito étnico-religioso que tomou o país. 

A minoria alauíta, da qual a família de Assad faz parte, controla o governo. Num país de maioria sunita, os Assad se cercaram de outro grupo minoritário, os xiitas, para conduzir o país. Ao contrário do que aconteceu no Egito, onde os militares pularam fora da aliança com Mubarak e, sem romantismos, conseguiram derrubá-lo, os postos estratégicos do exército sírio são ocupados por militares xiitas. Bashar al-Assad foi mais esperto que seu colega egípcio e criou uma estrutura capaz de defendê-lo no caso de uma grave crise institucional, como esta que ocorre agora. 

Do outro lado, a pressão dos grupos sunitas é enorme. Eles estão por toda a parte nos ataques a Assad. Oficialmente – os governos de Arábia Saudita e das monarquias do Golfo Pérsico – e ilegalmente: os combatentes que integram o tal “Exército Livre da Síria”. Para quem acha tudo isso estranho, uma informação que vai deixar a confusão ainda mais surpreendente: a al-Qaeda está no país e luta junto a este exército. Como o grupo terrorista é sunita, está interessadíssimo em derrubar Bashar al-Assad. Curiosamente, esta é exatamente a mesma posição da Arábia Saudita, um dos principais aliados americanos no Oriente Médio, e dos próprios EUA – que, depois de relutarem em pedir a saída do presidente sírio, agora já admitem que não há solução ao problema sem que o líder político deixe o cargo. 

Al-Qaeda e EUA estão do mesmo lado. E, nos últimos tempos, esta não é a primeira vez; durante o processo de queda do presidente líbio Muamar Kadafi, a al-Qaeda não apenas lutou pela deposição do ditador, mas também, na prática, esteve ao lado das forças da Otan. No entanto, se as fidelidades étnico-religiosas do Oriente Médio acabam formando essas estranhas alianças, elas também são responsáveis, em boa parte, pelo impasse atual. Afinal, a dinastia Assad não vai simplesmente atender aos apelos ocidentais e entregar o país aos sunitas. Para se sustentar, recorre ao outro lado da balança: o eixo xiita – que tem no Irã sua expressão regional mais importante. 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Enquetes de internet mostram desgaste do programa nuclear iraniano



Muitas das verdades sobre política internacional são criadas não a partir de pesquisas independentes, mas por meio de dados colhidos ou mesmo divulgados por regimes fechados. O Irã é um exemplo deste caso. Com meios de comunicação controlados pelo governo, fica difícil saber o que a população realmente pensa. Eu mesmo já escrevi por aqui muitas outras vezes que o programa nuclear é unanimidade nacional. Mas agora há algumas novidades a respeito.

Duas pesquisas foram realizadas no país. Não são pesquisas formais, mas enquetes de veículos de imprensa (veículos do governo, diga-se de passagem). No site da TV Estatal do Irã, a primeira surpresa; o canal de TV queria saber o que os participantes pensavam sobre o programa nuclear. O resultado mostrou que 63% preferiam que o programa fosse interrompido em troca da suspensão gradual das sanções internacionais; do restante, 19% optaram pelo fechamento do Estreito de Hormuz como medida retaliatória; e 18% clicaram na alternativa “resistência contra as sanções unilaterais para a manutenção dos direitos nucleares”. 

Outra enquete, desta vez no site da Rede de Notícias da República Islâmica do Irã, quis saber sobre o apoio à decisão do parlamento de fechar o Estreito de Hormuz como resposta às sanções ocidentais. Quase 90% dos participantes disseram se opor à medida. É preciso, no entanto, fazer uma observação: pesquisas na internet não têm, obviamente, a mesma eficiência das tradicionais – que trabalham com métodos próprios e que, se legítimas, funcionam como termômetro real das visões dos diferentes segmentos da sociedade. Enquetes na internet podem ser contaminadas com facilidade. 

Mas foi curioso ver como dois dos importantes veículos de comunicação do país tiveram de lidar com a oposição, mesmo que virtual e momentânea (como se pode imaginar, elas foram retiradas do ar). Na prática, a ideia era testar mesmo a audiência. O Irã atravessa momento complicado, a inflação está alta e há dez anos os governantes tratam o programa nuclear como o grande projeto nacional. O problema é que, nesses dez anos, a população não notou melhorias na qualidade de vida, muito pelo contrário. E mesmo essas vulneráveis enquetes de internet podem deixar claro um sentimento que certamente passa pela cabeça das pessoas comuns no Irã: “por que tanto esforço e restrições na minha vida por um objetivo que eu não sei exatamente qual é e que não se transforma em realidade?”. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Turquia: Erdogan não contava com a imprensa livre


Está claro que a Turquia pretende ser protagonista na Síria. Pelos motivos expostos no texto anterior: afirmar-se na liderança dos Estados muçulmanos e também porque é importante jogar para debaixo do tapete a própria repressão que tem aplicado sobre os separatistas curdos. Os turcos não consideram qualquer possibilidade de movimentação geopolítica na região do Levante sem sua participação ou chancela. Esta é sua diretriz internacional e, mais uma vez, é ela que justifica a atuação neste momento. 

Ancara acabou conseguindo se transformar na principal defensora dos interesses populares dos muçulmanos do Levante. Isso pode não ser a verdade absoluta, mas, como escrevi, vale a imagem construída. O episódio em que o caça turco foi derrubado pelo exército de Bashar al-Assad  serviu para reforçar esta impressão. Mesmo que o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, negue que havia uma missão militar em curso, o fato de este ter sido o único avião estrangeiro a desafiar as forças de Assad já serviu para angariar mais pontos ao líder turco. 

O problema agora são os vazamentos de informação. Erdogan tem ficado profundamente incomodado com a atuação da imprensa de seu país. Não tolera críticas ou especulações sobre suas diretrizes governamentais – característica para lá de comum entre líderes populistas. Mas o primeiro-ministro turco está ainda mais incomodado porque os jornalistas podem expor as contradições de seu mandato. Segundo reportagens de New York Times e Guardian, a Turquia estaria dando cobertura a atividades de agentes da CIA ao longo dos mais de 800 quilômetros de fronteira do país com a Síria. Ainda de acordo com as matérias, haveria uma aliança entre Erdogan, Arábia Saudita e Qatar para financiar os rebeldes sírios. 

Tudo isso poderia colocar em xeque esta alardeada independência turca, talvez contaminando a estratégia criada por Erdogan. Muito pior que a parceria com a Arábia Saudita é a suposta colaboração com a CIA. E este pode ser o único furo do primeiro-ministro da Turquia: em sua ambição de protagonizar os acontecimentos regionais e jogar os curdos para debaixo do tapete, topou toda a sorte de tramoias. Sua autoconfiança não lhe permitiu ao menos parar e analisar as consequências de um eventual vazamento para a imprensa. Por enquanto, ainda é cedo para afirmar qualquer coisa. Mas se essa história se espalhar e as pessoas ligarem esses pontos, Erdogan pode sair arranhado.