terça-feira, 24 de julho de 2012

A Síria, o fracasso das Nações Unidas e a oportunidade ao Brasil



A luta na Síria não está para terminar, mas o regime de Bashar al-Assad caminha a passos largos para a desintegração. Escrevi muitas vezes por aqui que o “segredo” do colapso dos regimes durante a Primavera Árabe era a mudança de fidelidade das forças armadas. O caso sírio é exatamente igual: se a massa de membros do poder coercitivo trocar de lado, este será o fim do governo Assad. Como importantes aliados militares do presidente-ditador estão justamente em rota de fuga, é só uma questão de tempo. Resta saber quanto tempo. Esta é a pergunta que vale o futuro do Oriente Médio. 


Enquanto isso, aumenta a preocupação quanto às perspectivas do Estado sírio. É curioso perceber que, agora, analistas e a grande imprensa cogitam até com certa frequência a própria desintegração do país. Este é o pior cenário a todos os envolvidos. A Síria ruiria em regiões de acordo com fidelidades religiosas. Aos alauítas – atualmente no comando do país – caberia a menor porção do território. Ou ficarão isolados ou se unirão aos igualmente minoritários xiitas. Numa situação hipotética, a grande vitória seria dos sunitas – o que quebraria ao meio a aliança entre Síria, Irã e Hezbollah, transformando o Irã num Estado ainda mais pária. 


Para evitar que isso aconteça, Irã e Síria contam com dois aliados de peso no Conselho de Segurança da ONU: Rússia e China. Ambos farão de tudo para impedir que este exercício de análise se transforme em realidade. Não porque estejam de fato muito preocupados com a aliança xiita, mas porque querem impedir a todo custo a abertura de um precedente importante; se houver uma intervenção militar no território sírio, ficará evidente aos olhos de todo o mundo que ela terá sido motivada pelo consenso quanto aos graves abusos dos direitos humanos. De maneira mais fria: um presidente perderá a soberania sobre suas funções, população e território porque as Nações Unidas terão chegado à conclusão que ele ultrapassou qualquer limite relativo à proteção da vida de seus próprios cidadãos. 


Tudo isso faz sentido, certo? Quer dizer, se esta for a conclusão do Conselho de Segurança da ONU, ainda haverá esperanças a todos nós. Dirigentes russos e chineses não pensam desta forma, muito pelo contrário. A aprovação internacional a uma intervenção na Síria é, para esses países, o início de uma ameaça a seus próprios governos. A China é um Estado cujo partido único mobiliza dinheiro, manobras políticas e esforços tecnológicos para silenciar dissidentes. A Rússia também enfrenta acusações internas e externas questionando o monopólio político capitaneado pelo presidente Vladimir Putin e seus métodos de punição a jornalistas e grupos de oposição. Na prática, Rússia e China se recusam a assinar embaixo de uma decisão que, eventualmente, poderia ser usada contra os dois países – muito embora não acredito que haja disposição para tal num futuro próximo. 


O impasse na Síria é fundamental para entender a própria configuração do sistema internacional – e este assunto interessa muitíssimo ao Brasil, que reivindica assento permanente no Conselho de Segurança. Da maneira como funciona hoje, os membros permanentes precisam aprovar por unanimidade qualquer decisão. E não vão aprovar qualquer intervenção em território sírio justamente por conta do que escrevi nos parágrafos acima. E esta contradição – sim, porque na verdade a imobilidade representa o aumento diário das estatísticas de mortos – deveria ser exposta por aqueles que pretendem alterar o sistema da maneira como ele está constituído. O Brasil poderia ser mais incisivo nas críticas, uma vez que se coloca como o país que se opõe às injustiças e contradições internacionais. O silêncio e a crítica velada atendem a Assad, mas também às expectativas de chineses e russos. 

Nenhum comentário: