terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Egito: protestos atuais interessam muito pouco às potências ocidentais


A eleição do presidente Mohamed Mursi, no Egito, preocupou boa parte dos atores internacionais. Havia dúvidas sobre como um representante da Irmandade Muçulmana encararia as principais questões geopolíticas do país, como o acordo de paz com Israel, assinado em 1979, e o compromisso financeiro com os EUA. Como escrevi muitas vezes, em meio a tantos temores, havia também a expectativa de que, alçada ao comando formal do maior Estado árabe do mundo, o grupo assumiria postura mais pragmática e, portanto, conciliatória. 

Foi exatamente isso o que aconteceu. De alguma maneira, os líderes políticos em Washington e Jerusalém respiraram aliviados. O gesto mais simbólico do novo governo egípcio surgiu há pouco, quando, graças ao posicionamento pragmático de Mursi, Hamas e Israel alcançaram um cessar-fogo, interrompendo os oito dias de violência em Gaza e no sul do território israelense. Fiz um texto específico sobre o assunto e também analisei os vencedores deste arranjo político. 

No entanto, o pragmatismo externo de Mohamed Mursi não é extensivo à população egípcia. E esta nova crise pela qual o país passa tem muito a ver com isso. A revolta que levou a população aos milhares à Praça Tahrir exigia liberdade, democracia, emprego e justiça social. Desde a derrubada de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011, nenhuma dessas demandas foi atendida. Até entendo a necessidade de a constituição egípcia ser reescrita, afinal ela é de 1923 e certamente as mudanças sociais, políticas e até tecnológicas são inúmeras. Mas ninguém tem dúvidas de que a ideia por trás da nova redação tenha pouco a ver com eventuais atualizações. O ato de Mursi que retoma o controle presidencial dos poderes mostra bem o que pretende. Não dá para dizer que é uma surpresa, afinal o povo egípcio elegeu um presidente da Irmandade Muçulmana, não do partido socialista. 

Se o voto egípcio era de protesto – o que me pareceu o caso na época –, havia um furo importante em tal gesto. Se dar poder ao único grupo organizado nacionalmente e que esteve clandestino durante os anos de Mubarak soava como natural à maior parcela dos egípcios, não se pode esperar que a Irmandade Muçulmana se transforme do dia para noite. O islamismo político aponta como tendência em importantes países do Oriente Médio. Tunísia e Egito estão sob a liderança de grupos islâmicos que assumiram o poder e tiveram de dar roupagem política a suas demandas. Entretanto, os dois exemplos são casos recentes. A Turquia é o Estado onde este modelo se assentou no poder de maneira mais bem sucedida. Mas mesmo entre os turcos a frágil linha que impede islâmicos de tomarem controle pleno esbarra nas características específicas de formação da Turquia moderna, o que garante o equilíbrio de forças que mantém o país. 

O grande problema da reivindicação popular que impressionou o mundo inteiro é justamente o seu ponto mais admirável: a não vinculação a qualquer liderança ou partido. Os protestos espontâneos na Praça Tahrir tiveram a força para derrubar Mubarak, mas não para forjar um novo líder nacional. Neste vazio, a “revolução” foi sequestrada pela Irmandade Muçulmana. E agora a situação é pior; se antes havia o interesse das potências internacionais pelo temor do que ou de quem surgiria a partir deste processo, o pragmatismo geopolítico demonstrado por Mursi garantiu certa tranquilidade aos ocidentais; nesta nova onda de revolta no Cairo, os egípcios estão mais solitários do que nunca. 

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