Diante de tantos acontecimentos internacionais recentes, a maior crise humanitária do Oriente Médio ficou esquecida. Nesta balança política pragmática, os quase 40 mil civis sírios mortos desde 2011 pelo próprio presidente acabaram jogados para debaixo do tapete. A guerra entre palestinos e israelenses tem como costume histórico despertar muitas paixões, artigos na imprensa e posicionamento rápido da opinião pública internacional e também, é claro, dos representantes políticos. Apesar de este espaço ser dedicado à análise mais do que à exposição de minha opinião sobre quem está certo ou errado, permito-me aqui fazer o seguinte questionamento: por que tanto barulho diante da guerra recente em Gaza enquanto há pouca ou nenhuma manifestação, inclusive no Brasil, para condenar ou exigir das autoridades que se faça algo pelos civis sírios?
Isso me faz duvidar, inclusive, daqueles que se autopromovem como defensores dos direitos humanos. Quando se calam diante das mortes de uns e vociferam quanto às mortes de outros, abrem mão da própria legitimidade e, mais ainda, levantam dúvidas quanto aos objetivos humanitários com os quais dizem se preocupar. Se 40 mil civis sírios não valem uma passeata, um artigo na imprensa, uma linha de condenação ao presidente Bashar al-Assad, então não se tratam de defensores dos direitos humanos, mas de políticos que escolhem determinados grupos para defender. São, para ser ainda mais claro, lobistas. Se remunerados ou não, é algo a se investigar. Podem ser lobistas voluntários, claro, obcecados por um assunto específico.
Desde que Assad começou a assassinar a própria população, em março de 2011, venho escrevendo sobre os desdobramentos que um conflito na Síria pode precipitar. E um conflito na Síria está cada vez mais próximo. Os principais atores internacionais estão se mobilizando e uma guerra para derrubar o já quase derrubado presidente sírio pode se transformar num polo de atração das mais importantes rivalidades regionais. E estamos falando de um dos principais países do Oriente Médio. Comparada aos esforços da coalizão internacional que armou rebeldes na Líbia, uma eventual disputa no território sírio vai parecer um treino sem importância. E, vale lembrar, a ofensiva que derrubou Kadafi foi um fracasso – o país continua desestruturado e o “mix” de rebeldes financiado pelos principais países do Ocidente inclui, entre outros, membros da própria al-Qaeda.
Obviamente, os EUA não vão assumir o fracasso representado pela morte de Kadafi e as suas consequências regionais. Mas é claro que isso está sendo levado em consideração no momento em que se estuda o que é possível fazer para deter Assad. Ou melhor, a preocupação é menos com o que o presidente faz com sua própria população e mais com o que pode fazer regionalmente, na medida em que as armas químicas que o governo sírio têm à disposição podem ser usadas. Movimentos recentes indicam que o regime sírio teria movimentado parte de seu armamento nuclear. Soa mais como uma forma de ameaça, principalmente por algumas razões: a principal delas, a reunião da Otan em Bruxelas, nesta terça-feira, realizada para tratar do pedido turco (país-membro da aliança militar) da instalação de mísseis de defesa no sul do seu território.
Por tudo isso, acredito que já há movimentações estratégicas suficientes para dizer que que, finalmente, a crise síria poderá ser tratada seriamente. Este é um assunto que abordarei de forma mais profunda nos próximos textos.
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