A escalada de violência na Síria chegou a um ponto irreversível. Não apenas porque o número de mortos já está na casa dos 40 mil, mas principalmente porque do ponto de vista estratégico o principal agente de defesa do regime começa a demonstrar sinais de cansaço. Nesta quinta-feira, o vice ministro da Relações Exteriores da Rússia disse que a possibilidade de “uma vitória da oposição não pode ser excluída”.
Lembrando sempre que a aliança entre Rússia e Síria é antiga e frutífera. Os dois países firmaram cooperação econômica, cultural e militar. Do ponto de vista sírio, o benefício de receber armamento russo – o mesmo que, inclusive, vem sendo usado contra os rebeldes. Do ponto de vista russo, o acesso fundamental ao Mediterrâneo através do Porto de Tartus. A base naval russa na Síria se transformou em saída prática durante o inverno, quando os portos russos ficam quase integralmente congelados.
Moscou está desgastada pela fidelidade assumida com Bashar al-Assad porque tem muito a perder. Certamente, o país não quer abrir mão de sua única saída para o mar durante o inverno e por isso se expôs internacionalmente e fez o que pôde para segurar o presidente sírio até o último momento. Mas, 40 mil mortos e 20 meses depois, os russos se deram conta de que não há muito mais o que fazer. Com o apoio chinês, o Kremlin vetou três resoluções que condenavam o regime de Assad no Conselho de Segurança da ONU. Curiosamente, a declaração do ministro das Relações Exteriores sobre a queda do presidente acontece no dia seguinte ao reconhecimento oficial dos EUA de que a oposição síria representa a autoridade de fato no país. Outros cem chefes de Estado de todo o mundo fizeram o mesmo.
Por mais que a aliança entre Assad e a Rússia tenha sido frutífera, os russos começaram a abandonar Damasco em nome da manutenção de seus ganhos estratégicos. Reconhecer a queda do presidente representa também o início do passo seguinte: o estabelecimento de contatos com a oposição de forma a garantir, ao menos, que Tartus não será perdido. Afinal de contas, Moscou tem muito claro que não pretende amargar importantes derrotas estratégicas em sequência; perder a base naval ao mesmo tempo em que teve de engolir a aprovação da Otan da instalação de plataformas de mísseis patriot na fronteira entre Turquia e Síria para proteger o território turco de uma eventual ofensiva desesperada de Assad.
O pior cenário aos russos já se concretizou: os mísseis na Turquia estão posicionados mais próximos do que nunca de sua própria fronteira. Aceitar a Otan batendo à porta é o temor histórico do Kremlin. O apoio irrestrito de Moscou a Damasco já está custando caro demais.
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